Chegaram dos mais diversos rincões do país milhares de indígenas de diferentes povos e montaram acampamento em Brasília (DF) neste final de semana. Com seus rituais, foram levantando as estruturas do acampamento, sempre mantendo os protocolos de segurança que incluem testes de Covid-19 para a saúde daqueles que são donos dessas terras há mais de 500 anos. O acampamento Luta Pela Vida seguirá em protesto ao longo desta semana em Brasília contra a tese do Marco Temporal e a votação do PL 490.
CLIQUE AQUI para acessar o documento final do Acampamento Luta pela Vida lançado em 28 de Agosto de 2021
São povos indígenas de todo o Brasil que estão reunidos em Brasília para lutar contra as políticas genocidas de Bolsonaro, em defesa dos seus direitos e do meio ambiente, uma vez que são os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que com seus modos de vida ensinam a manter a floresta em pé e a biodiversidade viva nos diversos biomas.
Em 30 de junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou a pauta sem que o caso sobre a demarcação de terras indígenas do povo Xokleng em Santa Catarina fosse julgado. O presidente da Corte, Luiz Fux, remarcou para o dia 25 de agosto o retorno do caso para a pauta do STF.
O que está em jogo com a tese de Marco Temporal?
O Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, que tramita no STF, é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada da TI Ibirama-Laklanõ. O território em disputa foi reduzido ao longo do século XX, mas os indígenas nunca deixaram de reivindicá-lo. A área já foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e reconhecida como pertencente a esse povo, pelo Ministério da Justiça em 2003. A luta dos Xokleng se relaciona com a luta de diferentes etnias indígenas e quilombolas espalhadas pelo Brasil, e pode estar em xeque com a votação do Marco Temporal, pois como o Supremo reconheceu a repercussão geral desse caso em 2019, a decisão neste caso terá repercussão jurídica para todos os povos indígenas do país.
O pedido do IMA se baseia na ideia de “marco temporal” da ocupação de terras indígenas, inaugurada pelo ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Carlos Ayres Britto, no julgamento da Corte da demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (TIRSS), em Roraima (RR), em 2009. Em favor da demarcação da TIRSS, o ministro do STF considerou a data de promulgação da Constituição de 1988 (5 de outubro desse mesmo ano) como “insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, ‘dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam’”.
A interpretação criada nesse julgamento foi manipulada e aproveitada nos anos seguintes por ruralistas e outros atores interessados no avanço sobre terras indígenas, com o objetivo, não apenas de restringir as futuras demarcações de terras indígenas, como de anular os processos de demarcação em andamento. Leia mais na coluna da Amigos da Terra Brasil de 05 de julho de 2020 no Brasil de Fato.
Assista o mini documentário sobre a Retomada Xokleng de São Francisco de Paula e entenda melhor o caso:
E o PL 490?
O texto do PL prevê alterações nas regras de demarcação de terras indígenas. De acordo com a Constituição, essas demarcações devem ser feitas pela União, por meio da abertura de um processo administrativo pela Funai, com equipe técnica multidisciplinar, que inclui um antropólogo. Não há necessidade de comprovar a data da posse da terra, uma vez que os indígenas são os povos originários, ou seja, já estavam por aqui antes da invasão europeia. O PL 490, no entanto, cria um “marco temporal”. Ou seja: só serão consideradas terras indígenas os lugares ocupados por eles até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Na prática, o PL 490 legalizaria a tese do marco Temporal e representaria o fim das demarcações de terras indígenas no país.
No final de junho, o projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Ele então tramita na Câmara e, se aprovado, irá ao Senado. O PL é inconstitucional e pode, além de acabar com as demarcações das Terras Indígenas no Brasil, possibilitar a abertura dos territórios para explorações predatórias de interesse das empresas e setores da mineração e do agronegócio, desrespeitando até mesmo a política de “não contato” com os povos indígenas voluntariamente isolados.
Confira no vídeo (lançado em 23 de junho de 2020) o posicionamento de Kretã Kaingang e Sônia Guajajara, ambos integram a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB):
25 de agosto dia de luta
A quarta-feira (25), dia em que o STF deve votar a tese do Marco Temporal, será marcada por atos em todo o país, e internacionalmente. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) por uma programação voltada a “discussões, atos e manifestações referentes ao julgamento, em apoio aos ministros e ministras do Supremo e contra a tese do Marco Temporal”. Vale lembrar que Apib entrou com uma ação no Tribunal Penal Internacional (TPI) com denúncia por genocídio e ecocídio contra o governo de Jair Bolsonaro. Em todo o país, e internacionalmente, atos e mobilizações marcarão esse dia.
Precisamos continuar apoiando a luta dos povos indígenas contra esses retrocessos históricos e fazer com que o STF elimine de uma vez por todas a aberração jurídica que significa o “marco temporal”, assim como toda a “boiada que vai passando” em ataques contra os direitos dos povos originários dessas terras, assim como contra os bens comuns da natureza.
A Amigos da Terra Internacional, a maior federação de base pela justiça ambiental do mundo, com grupos em 73 países, ao celebrar neste mês de junho 50 anos de existência, aprovou por unanimidade, no último dia de sua assembleia geral (2 de Julho), uma resolução comprometendo-se a atuar em solidariedade internacionalista em apoio às mobilizações indígenas articuladas no Brasil, como o acampamento Levante pela Terra e a Marcha das Mulheres Indígenas.
Some-se as mobilização através das redes, utilizando as tags #marcotemporalnão e #lutapelavida.
Confira ainda:
Cobertura fotográfica do Acampamento Luta Pela Vida: o jornalista Alass Derivas, do portal Deriva Jornalismo, de Porto Alegre (RS), viajou com indígenas Guarani para acompanhar e registrar o acampamento em Brasília e a luta contra o Marco Temporal.
Divulgamos, a seguir, a cobertura fotográfica diária realizada por Alass Derivas:
1º dia (domingo, 22 de Agosto de 2021): registros da chegada, acolhimento e da montagem da estrutura do acampamento.
2º dia (segunda-feira, 23 de Agosto de 2021): registros dos Pataxó, uma das maiores delegações no acampamento; apresentações culturais dos povos.
3º dia (terça-feira, 24 de Agosto de 2021): acampamento e marcha na Esplanada dos Ministérios em direção ao Congresso Nacional para denunciar a pauta anti-indígena que tramita na Câmara e no Senado e exigir demarcação já para todos os territórios. Acampamento inicia marcha em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal), que deve votar a tese do Marco Temporal nesta 4ª feira (25/08)
Terra Protegida: marcha, ritualística e vigília nos três poderes (álbum do site Deriva)
4º dia (quarta-feira, 25 de Agosto de 2021): Plenária CURA DA TERRA – mulheres indígenas na luta pela vida e grande marcha à tarde em direção ao STF (Supremo Tribunal Federal) para acompanhar o julgamento do Marco Temporal previsto para hoje. Neste álbum, também tem material do Tiago Rodrigues/ ATBr
9º e 10º dias (segunda e terça-feiras, 30 e 31 de Agosto de 2021): imagens da rotina e das atividades no acampamento
12º dia (quinta-feira, 2 de Setembro de 2021): marcha dos indígenas pelo Eixo Monumental e da vigília em frente a Praça dos Três Poderes em Brasília, durante o julgamento sobre a tese do Marco Temporal no STF