INUNDAÇÃO NO RS: A emergência é climática, a responsabilidade é política. A solidariedade, a nossa força

Passados apenas oito meses do que se acreditava ter sido a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, voltamos a vivenciar uma situação ainda pior. Chuvas intensas e de altos volumes, que chegaram a mais de 700 mm em algumas localidades, assolaram quase todos municípios do estado a partir de 29 de abril, provocando uma cheia sem precedentes. A chuva acumulada entre 22 de abril e a segunda-feira (6) chegou a igualar toda a média de precipitação prevista para cinco meses. Arroios e rios alcançaram níveis ainda mais altos do que os eventos de setembro de 2023, houveram deslizamentos de terra, destruição de estradas e rodovias, alagamento de cidades, mortes e destruição.

Levantamento da Defesa Civil (08/05) aponta cem pessoas mortas,128 desaparecidas e 372 feridas em 417 dos 497 municípios, atingindo uma população de mais de 1,4 milhão de pessoas em todo o Rio Grande do Sul. Estes números ainda devem aumentar, já que há soterramentos em pontos isolados do interior a serem averiguados e cidades da região metropolitana alagadas. Muitos animais domésticos e para subsistência estão mortos. O número de refugiados climáticos divulgado hoje foi de mais de 230 mil pessoas, 66,7 mil em abrigos e 163,7 mil desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos). Exército, Bombeiros, Defesa Civil, polícias militares e civis do RS e de vários outros estados do país, voluntários individuais e militantes de organizações e movimentos sociais, estão há uma semana resgatando vidas por helicóptero, barcos, jetskis e por terra, abrindo estradas mato a dentro. Os prejuízos materiais são bilionários. A reconstrução das cidades, das economias e das vidas levará muito tempo.

Estradas que chegam na capital estão fechadas. O aeroporto está desativado pelo menos até 30 de maio. Mais de 70% da população de 2 milhões de habitantes de Porto Alegre está sem luz e sem água, com dificuldade de comunicação e de abastecimento de itens básicos de sobrevivência. A água potável tem sido um dilema cotidiano para toda a população, e está em falta nas prateleiras de muitos supermercados. Regiões e municípios do interior gaúcho seguem isoladas, sem poder receber ajuda.  Muitas famílias não têm notícias uns dos outros. 

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

As regiões atingidas pelas cheias do ano passado, especialmente os vales dos rios Jacuí, Taquari e Pardo e a Serra Gaúcha, sofreram um novo impacto, de maiores proporções. Cidades que nem haviam se reconstruído, entre elas Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Santa Tereza e Estrela, acabaram sendo destruídas totalmente ou parcialmente, mais uma vez. Municípios do litoral Norte, como Maquiné, e nos vales dos rios Paranhana, Caí e Sinos, que foram o foco das inundações em junho do 2023, voltaram a ter prejuízos, especialmente as cidades da região metropolitana, a 5ª mais populosa do Brasil, abrigando cerca de 4,3 milhões de habitantes. Santa Maria e a Região Central também sofreram fortes impactos. 

Porto Alegre, vivencia a pior inundação de sua história. Até então, figurava nos registros e nas lembranças dos moradores mais velhos a enchente de 1941, quando o Rio Guaíba atingiu 4,77m e alagou parte do centro e da orla do rio pela cidade. Desta vez, o rio Guaíba, que recebe as águas das regiões norte e centro do Estado, chegou a 5,30m, retomando o que já foi seu leito e avançando em vários pontos da cidade. Porto Alegre segue sitiada. Até mesmo a sede da Amigas da Terra Brasil foi atingida pelas águas após o desligamento de bombas pelo risco de eletrificação, o que fez o rio avançar sobre os bairros da Cidade Baixa e da Azenha, onde está localizada.

Nesta primeira semana, todos os esforços conjuntos seguem no sentido de salvar vidas. Presenciamos uma rede de solidariedade poucas vezes vista, envolvendo todo o país nos resgates, nas doações de alimentos, roupas, materiais de higiene e de limpeza e dinheiro para ajudar os desabrigados e desalojados, instalação de abrigos, fornecimento de marmitas de comida. A Amigas da Terra Brasil esteve junto em solidariedade ativa, colaborando na cozinha comunitária do Morro da Cruz com a Marcha Mundial das Mulheres e Periferia Feminista, e na Cozinha Solidária do MTST da Azenha  (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que se uniu a outros movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), fornecendo até 1.800 marmitas de comida por dia para as pessoas afetadas em Porto Alegre e região metropolitana. Nesse momento de luto pelas vidas perdidas, em meio à dor e ao sofrimento, oferecemos nossos corações e braços para ajudar quem necessita do básico para se manter vivo.

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

No impacto desta tragédia, rememoramos aquilo que defendemos há tempo, que também são pautas históricas de tantos territórios de vida em luta. Aquilo que os povos indígenas do Brasil vem alertando constantemente, e que marcou presença no Acampamento Terra Livre (ATL) mais uma vez neste ano: precisamos enfrentar a crise climática. Essa é uma emergência. E esse enfrentamento não virá com novas tecnologias de mercado, tampouco com a caridade de donos de transnacionais e suas campanhas de marketing sobre sustentabilidade, que maquiam práticas que são a continuidade de um projeto colonial, racista, machista, lgbtqifóbico, destruidor da natureza e da coletividade. A emergência climática é uma realidade imposta sobre as desigualdades estruturais e sistêmicas: as injustiças ambientais recaem sobre os menos responsáveis historicamente pelo problema, que são os mais desamparados para lidar com as consequências. Esta emergência, tão real, é o contexto na qual vivemos. E por mais dura que possa ser, ainda há muita vida para lutarmos por. Aí que habita o sentido de estarmos aqui. É possível puxar o freio de mão de lógicas nefastas que avançam sobre a terra, reduzir drasticamente os impactos e aumentar a capacidade de reconstrução em situações como a que vivenciamos no momento. Isso passa pela política. 

Cozinha Solidária da Azenha, em Porto Alegre, produz até 1800 marmitas por dia para afetados, em solidariedade com movimentos como Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Periferia Feminista e Amigas da Terra Brasil. Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

A começar por puxar o freio do agronegócio, especialmente quando no Brasil a alteração do uso do solo é o principal fator emissor de dióxido de carbono na atmosfera, gás que mais tem impacto no aquecimento global. E quando no RS políticas do governo do estado incentivam a prática e a liberação de agrotóxicos, muitos não permitidos em seus países de origem, o que gera uma série de violências e conflitos no campo, além de dificultar e até mesmo desincentivar a agricultura familiar e a agroecologia, que trazem respostas reais às crises deste século. Além disso, o agronegócio nos mantém em uma relação econômica e social de dependência dos países do norte-global, centro do capitalismo, o que gera ainda mais desigualdade e devastação da natureza, tornando bairros, cidades inteiras, zonas de sacrifício. Quando a boiada avança, precisamos reafirmar a que ela veio e que é na luta por soberania popular e pelos territórios preservados que está a resposta para outros caminhos, socialmente justos, ecologicamente equilibrados. 

A ofensiva da mineração no estado gaúcho é outro fator que nos traz até o cenário que vivemos. A maior parte do carvão disponível no país está concentrada no estado gaúcho, cerca de 90%, e sua extração é uma ameaça frente à crise climática, podendo potencializá-la. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto, que atingiria território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia, estaria hoje debaixo d’água, gerando drenagem ácida e contaminando as águas doces que temos. Felizmente, a mobilização popular e as denúncias das falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, acarretaram em seu arquivamento. A mina Guaíba também afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí e municípios do entorno atingidos em cheio pelas cheias, além do bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani. 

Agora, seis barragens conectadas a processos minerários correm o risco de se romperem e afetarem mais pessoas. Mais uma prova de como atua a mineração nos territórios, situação escancarada nas enchentes. Além disso, como menciona em nota o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), evidenciando o rompimento parcial da barragem da Usina Hidrelétrica (UHE) 14 de Julho, localizada na bacia do Rio Taquari-Antas, em Cotiporã (RS),  a emergência climática aumenta o risco de rompimento das barragens. Assim como, em uma realidade de eventos extremos da crise climática, nenhuma barragem é segura

As políticas adotadas nos últimos anos no RS flexibilizam licenciamentos e garantem o avanço do extrativismo sobre as vidas, e não é só o carvão. Cidades como São José do Norte, próximas à Lagoa dos Patos, vivem neste instante estado de alerta devido às águas que correm de todo RS em sua direção, para desembocarem no mar. Comunidades tradicionais, que vivem da pesca e da agricultura familiar estão sob evacuação. E já vivem, cotidianamente, na resistência a um empreendimento minerário chamado Projeto Retiro, que prevê a extração de titânio e outros minerais colocando em risco justamente as águas, assim como os modos de vida de comunidades pesqueiras, tradicionais, da agricultura familiar e o Quilombo Vila Nova. 

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

Defendemos que uma das grandes soluções para evitar catástrofes sob emergência climática são os povos nos territórios. Essa solução está na demarcação de terras indígenas, na titulação de comunidades quilombolas. Está na reforma agrária, na reestruturação fundiária nas cidades e na luta por moradia, contra a propriedade privada – é premissa a cessão de imóveis para que as gentes tenham onde habitar, especialmente quando há um número desproporcional destes desocupados, sem uso social, e muita gente sem ter onde morar, situação que se agrava com refugiados climáticos.  A expropriação de terras e de propriedades que servem a lógica da especulação imobiliária é imperativo.  A resposta também reside no investimento público permanente a partir de políticas construídas junto aos territórios, com participação popular.  Com o direito garantido aos povos e comunidades tradicionais de serem e existirem, preservando os seus modos de vida que, comprovadamente, são os que menos causam impactos socioambientais no planeta. Virá com o fim das políticas de austeridade, com a reversão do processo de aprofundamento neoliberal, que na prática privatiza os bens comuns como água e energia para que o poder corporativo e grandes empresários ampliem suas margens de lucro.

É nessas privatizações que vemos que quando o imperativo é o lucro (e não o interesse público do serviço prestado à população), esta é deixada à mercê da própria sorte, podendo passar até uma semana sem luz, como ocorreu em Porto Alegre em janeiro deste ano. Desta vez, 70% de sua população está sem energia e sem água. E aqui, salientamos as privatizações da CEEE e da Corsan, o desmonte das funções estatais de planejamento e o sucateamento do DMAE, a nível de gestão municipal, como processos que nos trouxeram até o colapso vivenciado. No caso de cidades como Porto Alegre, havia um sistema de defesa contra enchentes que falhou por falta de manutenção, mantido por várias gestões e detonado a partir da gestão do ex-prefeito da capital, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e pelo atual prefeito, Sebastião Melo (MDB).   

Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, virou ponto por onde chegam resgatados das ilhas da capital, que ficaram submersas, assim como de outras localidades do estado. Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

As constantes tragédias que assolam o Rio Grande do Sul mostram que municípios não estão preparados para enfrentar os eventos extremos do clima. Prefeitos ainda demoraram para alertar a população sobre os impactos das fortes chuvas previstas pelos institutos de meteorologia e pela Defesa Civil. Parte dos sistemas de contenção de água, diques e barragens de água extravasaram, obrigando a população a ser evacuada. A maior parte dos alagamentos ocorreram em locais que já sofrem historicamente com problemas de drenagem que não são resolvidos. A grande maioria das pessoas afetadas são empobrecidas e trabalhadoras, que moram nas áreas de várzeas, beiras dos rios e córregos, ou em encostas de morros, desvalidas de políticas concretas quanto a direitos básicos, como acesso a água, habitação popular para que efetivem a saída das áreas consideradas de risco para uma vida mais digna.

Mesmo sendo a 4ª e a pior tragédia climática de grandes proporções que o Rio Grande do Sul enfrenta em menos de dois anos, ainda há governos municipais e parlamentares negacionistas, que ignoram os efeitos das mudanças climáticas. Também há regiões afetadas que não se recuperaram de outras enchentes, como é o caso do Vale do Taquari, que além de uma série de violações de direitos humanos, contam com inúmeros relatos de moradores sobre verbas advindas do Governo Federal terem sido repassadas, sem a implementação por parte das prefeituras. 

Pesquisas científicas evidenciam que o desmatamento, inclusive na Amazônia, impacta diretamente na elevação das temperaturas e, por consequência, no aumento da incidência das chuvas e eventos extremos no Brasil e no planeta. No RS, a devastação do bioma Pampa e da Mata Atlântica para dar espaço ao agronegócio e sua sede voraz por terra também desemboca nas fortes enchentes que vivenciamos, assim como nos prolongados períodos de estiagem.  

Crédito: Carolina C. | Amigas da Terra Brasil

O governo do RS e a prefeitura de Porto Alegre, embora digam estar preocupados com a emergência climática, não o demonstram em ações concretas. E suas práticas vão na direção de uma intensificação das catástrofes. O orçamento estadual proposto para este ano pelo governador Eduardo Leite (PSDB) previa apenas R$ 115 milhões para enfrentar os eventos climáticos em 2024 em todo o RS, incluindo investimentos na Defesa Civil estadual.  Tanto a gestão de Leite quanto a de Melo têm atuado no desmonte e na “flexibilização” da legislação ambiental. Isto para beneficiar setores imobiliários de alta classe, as grandes empresas, o agronegócio e atividades econômicas destrutivas, como a mineração. O que provoca mais desmatamento, devastação de biomas naturais, contaminação de recursos de água e ocupação de áreas livres e às margens de rios, como a do próprio Guaíba. Em março deste ano, a Assembleia gaúcha aprovou projeto de autoria do deputado Delegado Zucco (Republicanos), que altera o Código Estadual de Meio Ambiente e flexibiliza regras em Áreas de Preservação Permanente (APP), liberando a construção de barragens e açudes nestas. 

No caso de Porto Alegre, a prefeitura lança alertas de evacuação sem orientar como será feita. Às pressas, improvisa abrigos em áreas de risco de alagamento, fazendo com que refugiados climáticos que perderam as casas tenham que migrar outra vez sem segurança alguma de futuro. Não há, sequer, política considerando os trabalhadores e sua locomoção pela cidade via transporte público, o que poderia ser garantido com passe livre e salvar vidas. Extremamente elitista, a recomendação do prefeito e Melo é que a população, ou parte dela a quem se dirige, pegue Uber, ou vá para suas casas de praia.

A nível de governo de Estado, destacamos a responsabilidade de Leite ao desfigurar o Código Estadual do Meio Ambiente, ignorando alertas da sociedade civil ao Estado do RS e seu governo sobre as responsabilidades frente à emergência climática. E enquanto os gaúchos sofrem com a maior tragédia socioambiental da sua história, tramita no Senado um projeto de lei (PL 4.015/2023) que faz mais mudanças no Código Florestal, permitindo que propriedades rurais em cidades da Amazônia Legal que tenham a maioria de seu território ocupada por unidades de conservação ou terras indígenas possam reduzir a reserva legal de 80% para 50%. A natureza não tem fronteiras, o que impacta um local, impacta todos. 

Bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, foi tomado pelas águas no dia 05 de maio. Crédito: Carolina C. | ATBr
Bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, foi tomado pelas águas. Crédito: Carolina C. | ATBr

Pela 1ª vez, vivenciamos refugiados climáticos em massa vagando em meio a água nas cidades do Rio Grande do Sul, vagando sem rumo por ruas e rodovias com os poucos pertences e animais que puderam carregar, esperando dias em cima de telhados por resgate, ficando amontoadas por dias em abrigos porque perderam suas casas, ou sem poder sair de suas casas para se abastecer de água e alimentos e com medo de saques e violências que aumentam diante do caos. O que gostaríamos de evitar para a próxima geração, vivenciamos hoje, aqui e agora. 

A solidariedade é premissa. Uma solidariedade de classe. Não a S.A, das corporações no seu lavado de responsabilidade social corporativa. Quem mais está sofrendo nesse momento são as pessoas que estão à margem do sistema, que não conseguem garantir uma dignidade de vida no dia a dia. Que hoje, mais do que nunca, estão mais precarizadas, sofrendo com um processo de empobrecimento, negação de direitos e impossibilidade de sustentação da vida. Se essas famílias já eram consideradas empobrecidas, elas vão ficar mais empobrecidas. Elas vão perder pessoas da família que garantem o cotidiano, em geral sobrecarregando mais ainda as mulheres, a população preta e periférica no trabalho não remunerado de cuidados. A capacidade dessas famílias de se sustentar, de se organizar, vai ser reduzida. Primeiro por perderem pessoas, depois por perderem moradias, por perder trabalho, condições de vida e pelos traumas, que são certos. Todo mundo que passa por uma situação dessas se depara com um trauma imenso, isso é inevitável.

Diante dos desmontes do estado nos diversos níveis e da destruição dos serviços e da capacidade de gestão e planejamento no interesse público, emerge a força da unidade. Da diversidade de modos de fazer e se organizar dos movimentos populares do campo e da cidade, conectando os territórios de vida, muitas vezes aqueles também ameaçados e sacrificados pelo sistema que dá origem à emergência climática. Essa solidariedade de classe, real e radical, seguirá em marcha. Reconstruindo e mobilizando o poder popular para retomar o lugar do povo trabalhador na política, enfrentar o clima (que já mudou), e mudar o sistema. 

Amigas da Terra Brasil, 8 de maio de 2024.

 

Parabéns, MST, pelos 40 anos de luta e resistência!

Queridos companheiros e companheiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

Em nome de todos nós, Amigas da Terra Brasil, é com imensa alegria e gratidão que nos dirigimos a vocês para felicitá-los pelos 40 anos de luta e resistência do MST. Desde a sua fundação, em 1984, vocês têm sido uma inspiração para todos nós, demonstrando que a esperança e a determinação podem mover montanhas, ou melhor, transformar terras improdutivas em espaços de vida, esperança e justiça.

Ao longo dessas quatro décadas, vocês têm sido incansáveis na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, na luta pela reforma agrária, na busca por uma distribuição mais justa e equitativa da terra e na construção de um modelo agrícola mais sustentável e inclusivo. Suas ocupações, marchas, acampamentos e projetos de assentamento não apenas demonstram uma resistência inabalável, mas também apontam para um futuro onde a dignidade e os direitos de todos os trabalhadores rurais são respeitados e garantidos.

O MST não é apenas um movimento social, mas sim uma escola de vida, onde se aprende a importância da solidariedade, da cooperação e da organização popular. Vocês têm sido um farol de esperança em tempos sombrios, mostrando que um mundo melhor é possível quando nos unimos em prol de uma causa maior.

Neste aniversário de 40 anos, queremos expressar nossa profunda admiração e apreço por tudo o que vocês têm realizado. Que este seja apenas o começo de uma jornada ainda mais longa e frutífera, rumo a um Brasil e a um mundo mais justo, igualitário e sustentável.

Parabéns, MST, pelos 40 anos de luta e resistência! Estamos ao seu lado hoje, amanhã e sempre.

Com carinho e solidariedade,

Amigas da Terra Brasil

 

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

O Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, nesta quinta-feira (14/12). Com isso, transformaram a tese ruralista do Marco Temporal em lei e aprovaram outros crimes contra os povos indígenas.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. O protocolo só pode ser feito após a promulgação da lei, que ocorrerá em 48 horas e a ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB.

“Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

A Apib protocolou no STF, na tarde desta quinta-feira, uma solicitação de audiência no tribunal para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem nesta nova lei (14.701/2023). A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) reforçam que a luta continua e que o movimento indígena segue mobilizado nacionalmente e internacionalmente.

“O Futuro da humanidade depende dos povos e da demarcação das Terras Indígenas. A principal Conferência, que trata sobre mudanças climáticas, a COP 28, foi encerrada nesta semana e o Congresso Nacional mais uma vez reforça seu compromisso com a morte. O Marco Temporal é uma proposta criada pelo agronegócio e já foi anulada pelo STF”, reforça Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.

Os únicos pontos dos vetos que foram mantidos e portanto foram RETIRADOS da Lei do Genocídio foram:

  • as ameaças aos povos indígenas isolados
  • a proposta que pretendia autorizar o uso de transgênicos nas Terras Indígenas
  • a proposta racista sobre a alteração de traços culturais

Em sessão conjunta, entre deputados e senadores, desta quinta-feira, que derrubou os vetos de Lula terminou com um placar de 321 deputados contrários aos vetos e 137 favoráveis. No Senado a votação foi de 53 a 19 pela retirada dos vetos.

Inconstitucionalidades

Além do Marco Temporal, outras inconstitucionalidades da lei já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro.

A participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e a regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, são pontos destacados pela Apib como inconstitucionais. De acordo com a articulação, esses pontos da lei podem inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.

A nova lei também afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O coordenador também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.

“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.

PL 2903 e veto parcial de Lula

Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.

“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.

À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada algumas vezes, até a votação no dia 14 de dezembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.

A Apib ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.

Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Nesta última semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estiveram em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. A participação indígena foi a maior de todas as conferências e a Apib promoveu uma série de denúncias de violações de direitos e incidências políticas internacionais.

Na COP28, a comitiva reforçou as Emergências Indígenas e exigiu a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.

Fonte: APIB

Texto publicado em 14/12/2023 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em: https://apiboficial.org/2023/12/14/genocidio-legislado-congresso-derruba-vetos-aprova-lei-do-marco-temporal-e-outros-crimes-contra-povos-indigenas/ 

A segunda semana da COP28 começou com fortes bloqueios aos princípios da justiça climática e um texto aberto às falsas soluções

A segunda semana da Conferência do Clima da ONU (COP28), em Dubai,  começou com bloqueio dos países do Norte Global às menções específicas quanto justiça climática e, por tanto, com ataques aos direitos humanos. 

Desde Amigas da Terra denunciamos o apoio de múltiplos países, entre eles da Espanha, às falsas soluções, como os mercados de carbono. A implantação de energias renováveis deve ir de encontro com os objetivos de redução do uso de combustíveis fósseis.  

A segunda semana da Conferência do Clima iniciou com fortes bloqueios por parte de países da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos da América (EUA), entre outros. Os bloqueios foram para evitar a inclusão de princípios básicos sobre justiça climática, como é o caso da Equidade ou Responsabilidade Comum mas Diferenciada. Além disso, denunciamos a intenção destes países de seguir optando por falsas soluções e tecno-otimismos, mediante a linguagem (o já famoso “inabalável”), sem uma aposta firme pela eliminação dos combustíveis fósseis.

Embora o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sobre a lacuna de emissões alerte que as decisões atuais resultam em um aumento de temperatura de 3 °C, a ausência de medidas e compromissos por parte dos países industrializados, juntamente com o lobby da indústria fóssil, não para de crescer. O lobby de corporações, cada vez mais presente nas COPS e Conferências do Clima, pressionam para que sejam apresentadas medidas afastadas da justiça climática e que evitam qualquer responsabilidade.

Ao longo da primeira semana, as ações e pressões por parte das Amigas da Terra e de outras organizações da sociedade civil, assim como de movimentos sociais, foram  a tônica da COP. A justiça climática não é uma opção nestas negociações, mas sim um pilar fundamental em qualquer acordo climático. O respeito pelos direitos humanos deve ser central e a garantia do bem-estar da população, tanto no Sul como no Norte Global, deve ser o eixo principal para travar a crise climática.

Um dos dois principais objetivos desta COP é orientar e melhorar os compromissos nacionais de redução de emissões (NDCs) de todos os países nos próximos anos. Objetivos que se revelaram inúteis até a data. Apesar disto, as principais regiões historicamente responsáveis, como os EUA, a UE ou o Reino Unido, estão pressionando para incluir soluções baseadas em abordagens de mercado, que beneficiam apenas algumas elites econômicas, como é o caso com sistemas de captura e armazenamento de carbono ou dos mercados de carbono.

As compensações e os mercados de carbono ainda são algumas das falsas ferramentas (ou falsas soluções / lavagem verde), as quais recorrem diferentes setores para ter permissividade de continuar com a poluição e esquentando o planeta,  em vez de cumprirem um objetivo real de redução de emissões.

Desta vez se destacou o Presidente Pedro Sánchez, que fez um apelo na sexta-feira passada (01/12), pedindo aos governos e entidades para promoverem os mercados de carbono, dando o exemplo dos existentes na UE. Da Amigos da Terra, insistimos que estas soluções baseadas em abordagens de mercado são apenas uma cortina de fumaça que permite a continuidade das emissões que nos levam ao aquecimento global, transferindo toda a responsabilidade e os piores impactos desta crise para as comunidades e povos do Sul Global e, também, para as periferias dos países do norte. Na verdade, a atual negociação do Artigo 6º, correspondente aos mercados de carbono, está isenta de qualquer salvaguarda dos direitos humanos.

Por outro lado, salientamos que para que a ação climática seja eficaz, os objetivos de eliminação tanto dos combustíveis fósseis como de implementar energias renováveis ​​devem ser correspondidos, para que as energias renováveis ​​substituam os combustíveis fósseis em declínio, em vez de os aumentarem.

Acordos como triplicar a energia renovável global sem um compromisso global de eliminação dos combustíveis fósseis não fazem sentido em termos de justiça climática e social. Além disso, estamos colocados num cenário irrealista com uma produção superior ao que os limites biofísicos do planeta podem tolerar. Neste sentido, incluir o conceito de “não diminuído” (“unbated”) na eliminação gradual dos combustíveis fósseis abre a porta para uma infinidade de falsas soluções, baseadas em tecnologias não comprovadas e com um elevado custo não só econômico, mas também social.

Da Amigas da Terra, apelamos à necessidade imperiosa de garantir financiamento público adicional para que os países do Sul Global possam realizar uma transição energética de forma justa e sustentável. Por isso, rejeitamos toda tentativa de incluir financiamento privado nesse sentido, incluindo os mercados de carbono derivados, já que seria uma armadilha a mais para seguir apoiando essas falsas soluções, além de evitar a responsabilidade dos países ricos.

Este texto foi originalmente publicado no site da Amigas da Terra Galícia, em: https://amigasdaterra.net/2023/12/07/arrinca-a-segunda-semana-do-cume-do-clima-con-fortes-bloqueos-aos-principios-de-xustiza-climatica-e-un-texto-aberto-as-falsas-solucions/ 

 

O avanço da violência no campo no primeiro ano de Governo Lula

Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou recentemente os dados da violência no campo do primeiro semestre deste ano: foram registrados 973 conflitos, representando o segundo semestre mais violento dos últimos 10 anos, perdendo apenas para o ano de 2020, no qual foram registrados 1.007 conflitos. Em sua maioria, os conflitos envolvem a questão da terra e território. Segundo a CPT, ao todo foram assassinadas 18 lideranças até outubro deste ano, sendo que os números aumentaram exponencialmente neste mês. Apenas entre 10 e 11 de novembro, 8 assassinatos ocorreram num único final de semana: 4 quilombolas vítimas de chacina na Bahia; 3 sem-terra assassinados na Paraíba; 1 indígena assassinado no Pará. E durante a semana seguinte, mais uma morte indígena.

O retorno de um governo progressista e a possibilidade de retomada das políticas públicas para efetivação dos direitos constitucionais, tais como a concretização da reforma agrária, a demarcação das terras indígenas e a titulação dos territórios quilombolas, faz movimentar as forças de direita. Darci Frigo, coordenador-executivo da organização de direitos humanos Terra de Direitos, analisa que “quando o poder central está na mão dos setores mais progressistas, da esquerda, que não são de confiança das oligarquias, elas passam a atuar no âmbito local com a articulação de forças policiais dos governos dos estados ou das milícias privadas.

Esses setores não confiam no governo central, ainda mais com a possibilidade de efetivação de políticas públicas, como a regularização fundiária, reforma agrária, desintrusão e demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas. Muitos assassinatos têm relação com possíveis limites à desenfreada expansão do agronegócio e seus grandes lucros com anos seguidos de altos preços das commodities agrícolas”.

Após derrubada do marco temporal, aumentaram casos de violência onde o agronegócio organizou ofensiva aos territórios indígenas – Luz Dorneles/ Arquivo ATBr

A oligarquia rural brasileira é conhecida pela sua violência. É comum haver uma influência desse setor sobre as forças de segurança pública estaduais e locais para realização de despejos e ameaças. Nesse sentido, o tema da violência no campo encontra o problema da segurança pública no Brasil. Vários dos conflitos agrários estão vinculados às atuações policiais envoltas em abuso de autoridade. Além disso, a oligarquia mobiliza forças de segurança privada, que atuam como verdadeiras milícias rurais, exterminando lideranças capazes de mobilizar a luta por direitos que afetem os interesses econômicos.

As movimentações políticas em Brasília afetam consideravelmente este cenário. Depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de derrubar a tese do marco temporal para a demarcação das terras indígenas, explodem conflitos nas regiões, nos quais o agronegócio organizou uma ofensiva aos territórios indígenas. As lideranças indígenas e quilombolas são as mais ameaçadas. A determinação do ministro Barroso para efetivação dos processos de desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá tampouco vem sendo fácil de executar pelo Ministério da Justiça. Inclusive, a possibilidade de avanço das titulações quilombolas gerou uma contra ofensiva, com as vidas ceifadas das lideranças quilombolas na Bahia e no Maranhão.

A violência refletida nos territórios está no Congresso Nacional. A força do agronegócio impõe violações aos direitos constitucionais, como nos questionamentos às decisões do STF, na reabertura do debate do marco temporal e nos projetos de lei de flexibilização do licenciamento ambiental. Sensível a aliança da bancada do boi com a da bala no apoio à proposta de nova lei das Polícias Militares (PL n.º 3045/2022, na mesa da presidência), que permite ainda menor controle e transparência da sua atuação.

Novamente, deparamo-nos com o cenário da violência no campo de 2003, quando a chegada do primeiro Governo Lula e a possibilidade de mudanças concretas na garantia de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais ao povo brasileiro fez insurgir a classe, até então dona do poder. Quando não controla o poder público federal, ainda que com sólidos braços no governo de composição, a oligarquia rural estende suas ações aos poderes locais, estaduais e municipais. Como enfrentaremos essa ofensiva?

Duas discussões centrais do governo para enfrentar o problema

O tema da segurança pública tem sido um desgaste na imagem do Governo Lula. Sem adentrar no vespeiro, interessa-nos refletir sobre as dinâmicas de controle interno e externo da atuação policial. A Polícia Militar no Brasil está mais associada ao militarismo que à segurança pública, assumindo uma inversão de poder; inclusive, algumas PMs sequer respondem aos governos estaduais. Há ausência de punição sobre os casos de infração, com muitos arquivamentos de inquéritos. Outro elemento é a falta de transparência da Instituição, não apenas quanto a sua atuação, mas também quanto ao orçamento. Igualmente, a responsabilização para os gestores que fazem uso político das polícias para efetivação de seus interesses.

A violência, a polícia e a responsabilização pelas infrações, especialmente o abuso de autoridade, precisam ser tratadas no país. A condução da segurança pública, com o aumento da militarização nos territórios, não é a resposta eficiente à crise. É preciso haver coragem para enfrentar uma reforma da organização das polícias Civil e Militar no país, e isso definitivamente não está na proposta atual de lei orgânica das PMs.

Outro tema importante é a política de defensores e defensoras de direitos humanos, dos povos e dos territórios. No país que figura como um dos que mais mata defensores e defensoras no mundo, o tema parece não ser uma prioridade. Desde as discussões do Grupo de Trabalho da Transição, o governo sabia da determinação judicial para formar um Grupo de Trabalho para reformular a política de defensores no país, com a missão de construir o Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do meio ambiente e comunicadores e o anteprojeto de lei.

Apesar disso, o Decreto com a criação do GT (Decreto n.º 11.562/2023)  saiu em 13 de junho de 2023. E a primeira reunião do grupo só aconteceu no dia 10 de novembro. Em meio a essa morosidade, vários defensores e defensoras vêm sendo assassinados. As respostas são a investigação criminal dos mandantes e executores, elemento muito importante para cessar a impunidade, contudo insuficiente. Enquanto as políticas de defensores não considerarem os aspectos coletivos da violação, e enfrentarem as questões estruturais que dão causa à ação dos defensores, as tragédias seguirão se repetindo.

A proteção da vida humana e da integridade física é obrigação inegociável do poder público. Não existem expectativas de que o atual governo resolva todos os problemas estruturais que como país enfrentamos; porém, se houver recuos em prol da conciliação com a barbárie da oligarquia agrária brasileira, processos políticos fundamentais na construção de outro país, de um Brasil sem fome e sem violência, não serão possíveis.

É urgente e necessário que os ministérios assumam a orientação de governo de construção popular e participativa de políticas públicas, para que nossos problemas sejam tratados entre nós, com seus limites e potencialidades. Avançar no desenvolvimento de perspectivas regionais e locais também é fundamental. Tanto para gestão da segurança pública como para a efetiva proteção dos defensores de direitos humanos, dos povos e dos territórios.

Esta coluna foi publicada originalmente na página do Jornal Brasil de Fato, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/21/o-avanco-da-violencia-no-campo-no-primeiro-ano-de-governo-lula 

Palestina Livre – Ação de denúncia da Frente Povo Sem Medo e do MTST contra a empresa armamentista israelense AEL/ ELBIT em Porto Alegre (RS)

Você sabia que as armas que matam o povo palestino também são utilizadas no genocídio negro no Brasil? Levando em conta a conexão das lutas, assim como a relação das transnacionais e grandes corporações com a violação de direitos, a Frente Povo Sem Medo e o MTST realizaram, nesta terça-feira (14), uma ação de denúncia em frente à empresa AEL, em Porto Alegre. 

A AEL é uma subsidiária da Elbit Systems, a maior empresa privada militar israelense, que fabrica drones armados amplamente utilizados nos ataques em Gaza. Além de uma das principais fabricantes de drones do mundo, a Elbit Systems foi uma das responsáveis pela construção ilegal do muro israelense e até hoje provê e mantém seus sistemas de vigilância, assim como os sistemas das colônias ilegais na Cisjordânia. A Elbit também produz fósforo branco, cujo uso por Israel durante seus ataques à Palestina tem sido condenado pela Human Rights Watch e pela Anistia Internacional.

Equipamentos, tecnologia e o treinamento militar das truculentas polícias brasileiras vem de Israel.  Como elemento comum há o colonialismo, o racismo, e a violência em chumbo e pólvora que levam em si a insígnia de um estado colonizador e imperialista.  Um estado genocida que enriquece com o complexo industrial prisional militar,  transformando territórios palestinos em verdadeiros campos de teste de armas (que se tornarão produtos comercializáveis em feiras internacionais) e na maior prisão a céu aberto do mundo – Gaza.  

Crédito: Comunicação MTST

No Brasil, a subsidiária de nome AEL Sistemas, da Elbit Systems, tem sede em Porto Alegre. Em 2014, em respostas ao chamado do povo palestino pela Campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) às empresas cúmplices das violações do Estado israelenses do direito internacional, organizações e movimentos sociais conquistaram a ruptura de um acordo bilionário da empresa. No entanto, atualmente, o site da AEL ostenta o apoio do governo federal, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e da Agência Espacial Brasileira (AEB) em sua página inicial.

Pedimos que o governo brasileiro rompa com os acordos de cooperação militar assinados pelo ex-presidente Bolsonaro, deixando de importar armas, táticas e tecnologias repressivas de Israel para o Brasil. Exigimos a responsabilização das empresas pelos crimes que cometem contra os direitos humanos, inclusive a nível internacional, sendo o Tratado Vinculante, demandado pela ATBr e mais de 200 organizações, um dos mecanismos para isto. é urgente o boicote dos investimentos e sanções ao Estado de Israel, assim como o fim dos acordos que beneficiam o apartheid e o genocídio contra o povo palestino. 

 Abaixo-assinado que denuncia parceria entre UFRGS e a AEL Sistemas, subsidiária da Elbit

Denunciamos a parceria firmada entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a AEL Sistemas, empresa que é subsidiária da gigante da indústria bélica israelense, Elbit Systems. Em 18 de abril de 2018, o então reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann, se reuniu com o presidente da AEL Sistemas para assinar um protocolo para cooperação na realização de atividades de desenvolvimento de produtos, pesquisa, extensão e outras áreas. Desde então, a AEL Sistemas atua dentro da universidade, utilizando-se da estrutura pública financiada pelo Estado brasileiro a fim de garantir interesses privados. A Elbit Systems é denunciada internacionalmente pelo papel que cumpre no genocídio do povo palestino – ela produz drones, tanques de guerra, tecnologia militar e auxiliou na construção do muro que hoje cerca a Faixa de Gaza. Trata-se de uma empresa que lucra com a morte, a limpeza étnica, o genocídio de um povo e o terror que o Estado de Israel promove contra o povo palestino há décadas. Assinamos esse documento para que a UFRGS cancele a parceria firmada em 2018 e rompa todas as relações com a AEL Sistemas ou qualquer outra empresa que contribua para o massacre do povo palestino. Não queremos uma universidade que é cúmplice daquilo que um governo colonial e criminoso como o de Israel está fazendo. Não queremos que a nossa ciência compactue com o massacre do povo palestino

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Leia na íntegra no Jornal Brasil de Fato aqui

Confira a nossa coluna no Jornal Brasil de Fato sobre um Tratado Vinculante para a responsabilização das empresas transnacionais pela violações de direitos humanos 

Confira a manifestação de Andressa Soares, coordenadora para América Latina do Comitê Nacional Palestino do BDS, movimento não violento da sociedade civil palestina que pede Boicote, Desinvestimento e Sanções ao Estado de Israel: 

#palestinalivre 

Entidades pedem arquivamento de projeto que prorroga uso do carvão no RS

Durante reunião plenária realizada na noite desta segunda-feira (6) na sede do Cpers Sindicato, em Porto Alegre, o conjunto de entidades que forma o Comitê de Combate à Megamineração do Rio Grande do Sul deliberou, por unanimidade, por solicitar o arquivamento do Projeto de Lei do Senado nº 4.653/2023, que visa incluir “a região carbonífera do Estado do Rio Grande do Sul” na Lei Federal 14.299/2022, que criou o “Programa de Transição Energética Justa (TEJ)”. Na prática, destaca o documento divulgado pelo Comitê, “essa lei esvazia de sentido e utiliza de maneira contraditória o termo Transição Energética Justa para maquiar de verde a continuidade da exploração e queima do carvão mineral”.

Confira, abaixo, a íntegra da manifestação:

O PL 4.653/2023 traz injustiça socioambiental e agrava o problema climático
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Recentemente, foi apresentado no Senado Federal o Projeto de Lei 4.653/2023, de iniciativa dos três senadores do Rio Grande do Sul (Paulo Renato Paim – PT, Hamilton Mourão – Republicanos e Luiz Carlos Heinze – PP). O projeto visa incluir “a região carbonífera do Estado do Rio Grande do Sul” na Lei Federal 14.299/2022 (do período Bolsonaro), que criou o “Programa de Transição Energética Justa (TEJ)”. Na prática, essa Lei esvazia de sentido e utiliza de maneira contraditória o termo Transição Energética Justa para maquiar de verde a continuidade da exploração e queima do carvão mineral.

A proposta objetiva, única e exclusivamente, a manutenção da queima subsidiada do carvão mineral, com destaque à Usina Termelétrica de Candiota III – Fase C, como fonte de geração de energia fóssil, “provavelmente” até 2040, momento no qual finalizaria a exploração do carvão da região “para este fim”. Pretendem explorar o carvão até exaurir as jazidas, negando seu papel destrutivo e poluidor nas mudanças climáticas?

O PL 4.653/2023 não aponta nenhuma meta para a transição energética justa e verdadeira, somente empurra com a barriga o incentivo ao uso do pior combustível fóssil por mais uma década e meia e tenta pegar carona na questionável Lei 14.299/2022 (objeto da ADI 7.095 no STF). A referida lei garante subsídios aos combustíveis fósseis até 2040, neste caso os incentivos são ao complexo termelétrico Jorge Lacerda, no município de Capivari de Baixo (SC), obtidos pelo lobby do setor de empresas carboníferas de Santa Catarina. Cabe destacar que os subsídios anuais para o uso do carvão mineral como fonte de energia ultrapassam 700 milhões de reais e são pagos por todos nós através de taxas que encarecem nossa conta de luz.

Sem questionar se os níveis de emprego e desenvolvimento da região são compatíveis com os grandes lucros do setor carvoeiro, a principal justificativa explicitada neste PL seria evitar desempregos e não comprometer a economia no município de Candiota e região, caso a queima do carvão mineral fosse interrompida de forma “abrupta” (sic). Os proponentes ancoram neste ponto a utilização do termo “justa”, ao tratar da necessária transição energética em direção à descarbonização. De fato, um dos pontos para que a transição seja justa é ser inclusiva com os trabalhadores e não contra eles. Entendemos que um dos objetivos deve ser prevenir a perda de empregos, mas não só isso. É preciso um planejamento concreto no sentido de criar novos postos de trabalho de qualidade. Porém, a proposta não apresenta, muito menos vincula a continuidade da queima subsidiada de carvão ao planejamento e desenvolvimento das necessárias, possíveis e diversas mudanças na matriz econômica e produtiva da região. Além disso, a transição deve ser justa com todas e todos, não somente com os empregos locais e com os grupos econômicos que lucram com o carvão.

As mudanças climáticas em curso nos colocam diante da tarefa inadiável de promover, nos próximos dez anos, uma profunda mudança no atual modelo de produção e consumo. Pensar, neste momento, em manter e expandir empreendimentos de megamineração e queima de carvão é comprometer as condições de vida desta e das futuras gerações a nível global, mas também a nível local, pois essas atividades estão diretamente relacionadas a pioras na qualidade ambiental e, consequentemente, de vida da população residente nos territórios onde se localizam tais estruturas.

O PL desconsidera totalmente o contexto da emergência climática e do aumento de contaminação ambiental local e regional decorrente das atividades ligadas a este combustível fóssil altamente poluente.

No que se refere aos Gases de Efeito Estufa (GEE), é importante assinalar que os combustíveis fósseis, em especial o carvão, vêm causando o agravamento de eventos climáticos destruidores da natureza e das condições de vida. As usinas térmicas de Candiota foram consideradas, no ramo de termelétricas, as principais responsáveis pelos gases de efeito estufa no ano de 2022 no Brasil, segundo recente estudo do Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA).

É incontestável o quadro de agravamento da crise climática, decorrente do aumento dos gases de efeito estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis que não param de crescer. A quantidade de gás carbônico na atmosfera do planeta já chega a 420 partes por milhão, o que não tem precedentes nos últimos 800 mil anos. Estimativas de recente trabalho científico (Ripple et al. 2023) levantam a possibilidade muito provável de que a quantidade de CO2   na atmosfera possa ultrapassar valores maiores do que nos últimos 100 milhões de anos. O ano de 2023 já é considerado o ano com maior temperatura média já registrada da atmosfera do planeta, segundo a Organização Meteorológica Mundial. Recentemente, tivemos no Rio Grande do Sul eventos climático-ambientais de dimensões dramáticas e inéditas, em decorrência do fenômeno El Niño, nas regiões da bacia do Guaíba, Taquari e Litoral Norte. Em outubro, os rios do Amazonas passaram secas extraordinárias e por níveis até então nunca vistos. O aquecimento global e as mudanças climáticas já estão sem controle e talvez correspondam aos maiores problemas ambientais atualmente.

Quanto aos poluentes do carvão (térmicas ou mineração), a poluição não se dá somente por gases tóxicos (gases de nitrogênio, enxofre, ozônio e monóxido de carbono, etc.), mas também por particulados (poeiras oriundas da mineração, transporte, trituração e beneficiamento). Ambos os processos geram metais pesados (mercúrio, chumbo, cádmio, arsênio, cromo, etc.), que, no conjunto, provocam doenças graves e múltiplas às pessoas, principalmente em crianças. Cabe destacar que as crianças em Candiota apresentam internações por problemas respiratórios elevadíssimos (54%), sendo 6,3 vezes mais do que Esteio, por exemplo, segundo o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS) da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Diversos trabalhos científicos realizados nas regiões carboníferas do RS apontam, também, problemas da saúde (dentição) de bovinos decorrentes do flúor; contaminação de ovos de galinha com chumbo, cádmio e flúor; genotoxicidade em amostras de carqueja; citotoxicidade e fitotoxicidade das águas superficiais; genotoxicidade em células sanguíneas, fígado, rim e pulmão de roedores nativos (Tuco-Tuco). Além de já terem sido identificados efeitos genotóxicos do carvão em trabalhadores de Candiota que foram expostos ao carvão como parte de sua ocupação, com significativo aumento de danos em células linfócitas e bucais, além de outros problemas. Bigliardi et al. (2020) avaliaram parâmetros hematológicos e bioquímicos em residentes (há mais de dez anos) de Candiota, Pedras Altas e Aceguá e sua relação com a qualidade do ar da região. Os resultados sugerem uma possível influência de MP10 (materiais particulados inaláveis menores que 10 micrômetros) na função hematológica, especificamente em hematócrito, entre os residentes. Uma importante percentagem desta população demonstrou alteração nos parâmetros hematológicos (43,1%) e função do fígado (30%). Entre as três cidades, a população de Pedras Altas parece ter um maior comprometimento dos parâmetros sanguíneos avaliados.

Como agravante, a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) admite que o carvão gaúcho é de má qualidade, possuindo muito enxofre (poluente em maior quantidade) e mais de 55 % de cinzas, o que requer custos elevadíssimos de tecnologia na redução de sua poluição.

Destacamos também que a justificativa do PL, bem como os discursos de seus defensores resgatam a Lei Estadual 15.047/2017, que criou aPolítica Estadual do Carvão Mineral e instituiu oPolo Carboquímico do Rio Grande do Sul. A implantação de um Complexo Carboquímico na região e o desenvolvimento de uma indústria de gás sintético derivado do carvão mineral localtêm sua viabilidade econômica e socioambiental altamente questionáveis:

  1. Não há demonstração da viabilidade industrial de uso do carvão gaúcho (de má qualidade) para gaseificacão;
  2. Não há especificação do tipo de planta carboquímica a ser adotada para o carvão gaúcho;
  3. Não há indicação de viabilidade econômica sem os subsídios atuais, nem da fonte de recursos necessários (na casa dos bilhões de dólares) para o desenvolvimento das atividades previstas de incremento do uso diversificado do carvão;
  4. Não há estudo da viabilidade ambiental de uma planta carboquímica em Candiota, que além da liberação ainda maior de poluentes, implicaria em altíssimo consumo de água e energia.

É de conhecimento público que as indústrias carboquímicas dos EUA e China apresentam prejuízos bilionários nos últimos anos, problemas operacionais (como corrosão em gaseificadores e dificuldades para tratar efluentes), denúncias de danos ambientais (como vazamento de sulfato de hidrogênio, fortes emissões de enxofre) e estudos que apontam alta emissão de CO2 e uso elevado de água e energia para a produção do gás sintético. Em fim de ciclo de investimentos nessas tecnologias obsoletas, esses países nada têm a perder ao exportar o que lá já se pode considerar sucata, enquanto aqui brindam como modernidade ilusória.

Cabe destacar que essa Lei Estadual 15.047/2017 foiaprovada em regime de urgência, portanto sem debate com a sociedade, no apagar das luzes do governo deJosé Ivo Sartori (MDB), contrapondo-se à anterior Lei 13.594/2010, que estabelece a Política Gaúcha de Mudanças Climáticas. O atual governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), apesar de ter mudado seu discurso (após a tentativa frustrada de implantação da Mina Guaíba), na prática não apresenta nenhum esforço no sentido de revogar a Lei do Polo Carboquímico, ou de limitar a exploração e queima do carvão mineral no RS, ao contrário, faz movimentos ativos na busca por investidores nestas áreas, através do programa InvestRS.

Portanto, fica evidente que esse desastroso projeto de lei representa um risco ainda maior de expansão da mineração predatória e insustentável no Rio Grande do Sul, correspondendo a um enorme retrocesso nas políticas de redução de uso de combustíveis fósseis, em face da liderança retomada pelo Brasil no que toca aos acordos internacionais (COP). A contradição é explícita quando a proposta dá destaque à “valorização” do carvão, sem prever o resgate das vocações socioeconômicas do Pampa, como a pecuária familiar, seus produtos derivados, a apicultura, a olivicultura, o turismo rural e ecológico, crescentes, ou mesmo o estabelecimento de uma potencial indústria de equipamentos ligados às fontes de energias renováveis necessárias e urgentes (eólica, solar, bioenergia diversificada), importantes desde que desenvolvidas e implantadas a partir de uma lógica socioambiental e não predatória.

Assim, o Comitê de Combate à Megamineração do Rio Grande do Sul, que reúne mais de 100 entidades e movimentos organizados do Estado, vem solicitar o arquivamento do Projeto de Lei do Senado nº 4.653/2023, reivindicando um amplo debate sobre uma transição energética justa e verdadeira, que aponte para os modos de vida diversos (sociobiodiversidade) da região e suas vocações econômicas locais, com apoios, inclusive financeiros, de parte dos governos (federal, estadual e municipais), quiçá internacionais, no esforço coletivo para o combate urgente aos gases de efeito estufa e na melhoria da qualidade de vida para todas e todos.

Comitê de Combate à Megamineração no RS

Porto Alegre, 06 de novembro de 2023

 

Nota sobre Gaza e Israel da Federação Amigos da Terra

Como uma federação comprometida com a paz, a Amigos da Terra Internacional (ATI) se opõe a todo ato de violência. Estamos horrorizados com as imagens que recebemos tanto de Israel quanto de Gaza e nos parte o coração que pessoas inocentes estejam pagando o preço de décadas sem uma solução justa para uma situação fundamentalmente insustentável. Com clareza e determinação, condenamos veementemente o assassinato de inocentes e pelos reféns.

A ATI apoia a autodeterminação do povo palestino nos territórios ocupados por Israel desde a guerra de 1967. Fazemos firme oposição à ocupação militar israelense e ao roubo contínuo de terras para a construção de assentamentos, bem como à sua tolerância à violência e ao terror que colonos israelenses praticam contra os palestinos. Concordamos plenamente com a visão delineada na Resolução 67/19 (2012) da ONU: “a concretização dos direitos inalienáveis ​​do povo palestino e a concretização de um acordo pacífico no Médio Oriente que ponha fim à ocupação que começou em 1967 e concretize a visão de dois Estados, com um Estado da Palestina independente, soberano, democrático, contíguo e viável, vivendo lado a lado com Israel em paz e segurança sobre a base de fronteiras anteriores a 1967. 

Também nos pronunciamos, em repetidas ocasiões, sobre a grave situação na Faixa de Gaza. Durante dezesseis anos, Israel impediu a livre circulação de pessoas e de mercadorias dentro e fora de Gaza. Durante este bloqueio, Israel bombardeou Gaza impunemente, destruindo infra-estruturas civis e assassinando pessoas inocentes. Em 2016, o Secretário-Geral da ONU chamou o bloqueio de “punição coletiva pela qual devemos ser responsabilizados”. Não há como exagerar o profundo trauma infligido ao povo de Gaza.

Ao longo do seu bloqueio a Gaza, Israel recusou-se a implementar uma solução a longo prazo que conduzisse à paz e à segurança para todas e todos. E a comunidade internacional manteve-se indiferente e não usou o seu peso e influência para garantir que Israel cumpra as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que exigem o fim permanente da ocupação das terras palestinas.

Agora ocorre o pior: há uma guerral brutal e assimétrica entre Israel e Gaza. O ataque a civis israelenses foi horrível, a resposta de Israel contra as palestinas e palestinos tem sido assustadora e devastadora. No conflito não haverá vencedores: apenas mais mortes e sofrimento. 

Muitos países têm prometido apoio e solidariedade a Israel, enquanto Israel ataca Gaza com toda a força de seu poder militar. 

Em Gaza, está se desencadeando uma crise horrível e de grande escala, que agora está deixando a população que vem sido atingida há anos (da qual quase a metade é menor de 18 anos) sem eletricidade, água e combustível. 

Bombas caem sobre o povo e as infra-estruturas de Gaza, deixando milhares de desalojados, sem casas ou refúgio, e massacrando um número incontável. Este ataque à população civil de Gaza é um crime de guerra e deve ser interrompido imediatamente.

Neste momento crítico, apelamos ao fim da violência, que em todas as partes respeitem e cumpram as suas obrigações ao abrigo do direito internacional humanitário e dos direitos humanos, e exigimos que as causas estruturais deste conflito sejam definitivamente resolvidas. Incitamos Israel a aceitar as resoluções da ONU que exigem que se retire dos territórios ocupados em 1967, incluindo Jerusalém Oriental, e a implementar o direito de regresso e a compensar os refugiados palestinos.

É provável que esta guerra termine com milhares de mortes inocentes, mas a situação a longo prazo não mudará até que palestinos e israelenses tenham total autonomia sobre as suas próprias vidas e terras, e a capacidade de viver em segurança e com dignidade. Apelamos a todas as nações e organizações internacionais para que usem a sua influência agora e sem demora para resolver o conflito atual e para exigir o fim da ocupação e uma solução justa e permanente para o povo palestino.

Texto originalmente publicado na página da Amigos da Terra Internacional, em: https://www.foei.org/es/proclama-gaza-israel/ 

A Amigos da Terra Ásia Pacífico apoia o povo da Palestina na sua resistência à ocupação e ao apartheid e apela ao fim imediato do ataque a Gaza

Amigos da Terra Ásia Pacífico
Segunda-feira, 16 de outubro de 2023

O povo palestino sofreu inimaginavelmente durante 16 anos de bloqueio militar ilegal israelense e de um regime de apartheid cruel e imoral durante 75 anos.

Não pode haver paz sob ocupação.

Em retaliação aos ataques contra os israelenses no fim de semana passado, Israel declarou formalmente guerra contra Gaza. Lançaram ataques aéreos, matando centenas de palestinos e ferindo milhares, bombardeando edifícios residenciais, escolas e instituições médicas, bloqueando o abastecimento de alimentos e água, cortando energia e ameaçando cometer mais crimes de guerra contra palestinos sitiados em Gaza.

O Ministro da Defesa israelense declarou que “lidamos com animais humanos e agimos em conformidade”, um exemplo vergonhoso da desumanização do povo palestino que justifica o  contínuo deslocamento, opressão, humilhação, fome e assassinato de civis.

Só no ano passado, o sistema de opressão racista e fundamentalista de Israel foi responsável por ataques contra palestinos na Cisjordânia, que mataram 238 palestinos, incluindo 40 crianças, bem como pelos ataques à Mesquita de Al-Aqsa e ao templo sagrado cristão e islâmico. locais, além de declarar e implementar a anexação dos territórios ocupados.

A rejeição de Israel aos acordos assinados e o fracasso em aderir às normas e leis internacionais levaram à destruição da vida palestina na sua terra e a uma situação desesperada para os palestinos em toda a Palestina Histórica.

O silêncio da comunidade internacional  relativo às práticas criminosas e racistas das forças de ocupação israelense contra o povo palestino, e a continuação da injustiça e da opressão a que o povo palestino está exposto, é a razão por trás dessa atual situação trágica e da ausência de segurança na região. A dignidade exige justiça, liberdade e independência para o povo palestino, bem como a plena implementação das leis internacionais.

Como uma federação dedicada à paz, condenamos veementemente o assassinato de pessoas inocentes e a tomada de reféns inocentes em termos inequívocos.

Enquanto 2 milhões de pessoas em Gaza enfrentam bombardeamentos contínuos e uma crise humanitária, a Amigos da Terra Ásia Pacífico apela a todos aqueles que lutam por justiça para:

Organizar protestos para exigir o fim do ataque criminoso de Israel ao povo palestino, o fim do cerco a Gaza e do bloqueio em curso.

Mobilize-se imediatamente para refutar a propaganda israelense que ignora ou justifica o ataque histórico e contínuo ao povo palestino, seja nos meios de comunicação social ou por parte dos governos.

Pressionem os seus governos para que apoiem o apelo palestino à reativação imediata do Comitê Especial da ONU contra o Apartheid

 

 

Palestina Livre: não haverá paz enquanto a opressão continuar!

Em meio à tanta tristeza e indignação que nos causam os mais recentes ataques bárbaros de uma violência que se arrasta por décadas no Oriente Médio, vitimando todos os povos que ali vivem, trazemos a manifestação de Andressa Soares, coordenadora para América Latina do Comitê Nacional Palestino do BDS, movimento não violento da sociedade civil palestina que pede Boicote, Desinvestimento e Sanções ao Estado de Israel.

Todo o contexto de violência que temos visto nos últimos dias não começou na 6ª feira, 6 de outubro. Hoje, são mais de 4 milhões de palestinos e de palestinas em diáspora no mundo, expulsos de suas terras, e mais de 520 cidades palestinas destruídas, pela imposição de um regime de ocupação de terras pelo Estado e governo israelense.

“Temos que entender que a opressão é a raiz para toda a violência. E não vai haver paz enquanto a opressão e o regime de Apartheid imposto pelo Estado de Israel não cessarem”, defende Andressa no vídeo do post.

O Movimento BDS também promove boicotes a empresas transnacionais que financiam e perpetuam as violações de direitos humanos no território palestino.

Confira a manifestação de Andressa Soares, coordenadora para América Latina do Comitê Nacional Palestino do BDS, na íntegra em: 

 

A Amigas da Terra Brasil se solidariza aos povos da região que sofrem com toda essa violência e são os reais impactados.  

Denunciamos o atual plano genocida em curso, deflagrado com a guerra em Gaza, e que tem em suas raízes:

  • a negação dos direitos à autodeterminação, existência e autodefesa do povo Palestino, pelo não reconhecimento de um Estado Soberano em convivencia pacífica com o Estado de Israel, e portanto em desacordo à Resolução 67/19 da ONU (2012)
  • sua ocupação ilegal desde a guerra de 1967, com militarização e expropriação contínua de terras para atividades de assentamento de Israel
  • o bloqueio de Gaza, negando por 16 anos a livre circulação de 2 milhões de pessoas, além de mercadorias, alimentos, saúde e acesso serviços básicos, durante os quais o exército do Estado de Israel bombardeou Gaza com impunidade
  • a conivência das grandes potencias ocidentais e empresas que financiam esse regime de aparthaid e militarização por mais de 75 anos, e 
  • a recusa da comunidade internacional em colocar em prática uma solução de longo prazo pela paz, com cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança da ONU que exigem o fim permanente da ocupação das terras palestinas.
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