No dia 15 de setembro, os guaranis mbya da retomada da Ponta do Arado sofreram um novo a ataque por parte dos seguranças da Arado Empreendimentos. É o segundo ataque a tiros do ano. É mais uma ação que compõe, desde o começo da retomada, um cenário de ameaças, vigilância e terror psicológico para cima dos indígenas.
Na tarde do domingo (15), Cacique Timóteo Oliveira atravessou o Lago Guaíba com parte da família para participar de uma roda de conversa com outros parentes mbya guaranis e apoiadores na praia de Copabacana, Bairro Belém Novo, Porto Alegre. Na retomada, ficaram o companheiro de lutas Basílio, sua família e outras crianças. A poucos metros, estavam os seguranças privados que prestam serviços para a Arado Empreendimentos, que disputa judicialmente o território com os indígenas e é responsável pelas violações que estes sofrem.
Quem faz a vigilância são dois homens, prestadores de serviço para Zeladoria CFV, empresa contratada pela Arado Empreendimentos. Para Roberto Liebgott, coordenador do CIMI, a condição destes seguranças é “uma terceirização piorada, com uma precariedade empregatícia, uma submissão ao empreendimento e uma provável vulnerabilidade financeira, o que impulsiona o terror todo que eles causam aos guaranis”. Cacique Timóteo relata que os homens são pai e filho, e trabalham em regime de revezamento nos dias da semana. No entanto, no final de semana permanecem os dois no acampamento montado a poucos metros da última casa guarani.
A lona à direita é a última casa guarani. Onde está a moto é o acampamento dos seguranças. Foto: Douglas Freitas
No último dia 15, os homens convidaram amigos, beberam o dia todo, falando e escutando música em alto volume, o que, segundo o cacique, é comum que aconteça. “Ficam até às 2h da manhã, com música alta, cachorro brabo. De noite trazem armas grandes e depois levam embora. Debocham, imitam o choro da nossas crianças, as nossas risadas. Não ficamos tranquilos assim”, relata Timóteo. No meio da tarde, enquanto o cacique conversava na prainha, recebe uma ligação de Basílio. De um campo a 200 metros da retomada, dentro da área da Arado Empreendimentos, um dos homens havia disparado três tiros. “Todo mundo fica assustado, as crianças tudo com medo e chorando”, conta Timóteo. Após o contato de Basílio, o Cacique foi imediatamente até a 7ª Delegacia da Polícia Civil, onde registrou mais um Boletim de Ocorrência.
Já são várias denúncias. Este ataque é o segundo com tiros em 2019. Em janeiro, os segurança da Arado Empreendimentos invadiram a praia onde ficam os mbya guaranis e dispararam, na madrugada, mascarados, por cima da casa dos indígenas. Em dezembro, impuseram uma cerca física e instalaram o acampamento há poucos metros da última casa dos mbya guaranis.
O poço que os mbya guaranis coletam água já foi contaminado quatro vezes com lixo. Os indígenas limparam o local, mas ficam receosos de serem envenenados. Cacique Timóteo reproduz um diálogo dos seguranças: “Essa indiada só vai parar de limpar esse poço depois de morto”. Diálogos assim são escutados frequentemente pelos mbya guaranis, incluindo ameaças de as crianças sumirem. A proximidade do acampamento e a convivência forçada com os seguranças produz um regime de terror psicológico para os indígenas, que vivem sobre constante ameaça.
No dia 20 de setembro, o desembargador do TRF-4, Rodrigo Fravetto, determinou, em uma decisão parcial, a suspensão da reintegração e a garantia de posse e de trânsito dos indígenas. Nem essa decisão abrandou os ânimos. Na madrugada do dia 28 de setembro, um pedido de ajuda correu nos grupos de apoiadores da retomada: “[…] os caras estão atordoando, aterrorizando, fazendo barulho, batendo facão na placa do lado da casa dos mbya guaranis. Estão armados desde de tarde, ostentando arma […]”. Esta denúncia foi informada pelo CIMI ao desembargador e encaminhada como queixa formal à Polícia Federal.
Com o petynguá (cachimbo guarani) na mão, Timóteo, entre a fumaça, se confunde com a mata ao fundo. Ao terminar de baforar diz: “os juruá tem revólver, 38, arma de matar. Esta é minha arma. Ela eu não uso para matar, uso para acalmar. Acalmar os juruá”. Os mbya guaranis estão começando a produzir artesanatos na retomada, balaios, bichinhos de madeira, colares. Apesar do medo, com a tranquilidade ancestral, resistem. Com 58 anos, Timóteo fala com o coração. “peço aos espíritos, aos meus parentes na Argentina, Paraguai. O corpo da pessoa eu não vejo, mas mesmo assim peço que estejamos juntos e que nos ajudemos.” Aos que podem estarem presentes com o corpo, Timóteo convoca para que visitem a retomada, estejam presentes para se informar como anda a situação dos indígenas e prestar solidariedade.
Outra forma de apoiar a segurança dos mbya guaranis é contribuir na busca de uma bateria para armazenar energia e na instalação de luz nas casas. Veja como contribuir AQUI.
O ataque aos mbya guaranis da Ponta do Arado se deu em um final de semana em que outras duas comunidades indígenas foram atacadas no RS: na retomada de Terra de Areia e na terra Guadjayvi, em Charqueadas. Confira AQUI.