O dia 8 de março é um marco internacional de luta das mulheres por direitos. Em Altamira, no Pará, as mulheres impactadas pela barragem de Belo Monte são exemplo de força e resistência no enfrentamento aos desafios trazidos pela construção de grandes empreendimentos. Com a chegada da hidrelétrica no Rio Xingu, mais de 10 mil famílias precisaram sair de seus lares para ir morar em casas pré-moldadas, desconectando-se do modo de vida que estavam acostumadas, a maioria das famílias perdeu o vínculo comunitário e, em raras situações, foi possível manter a rede de apoio e solidariedade que existia entre as mulheres há tantos anos.
A população de Altamira aumentou de 99 mil habitantes em 2010, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para 170 mil, segundo a prefeitura municipal de Altamira, em levantamento de 2013. O incremento populacional trazido pela construção da barragem não foi acompanhado de políticas públicas ou por parte da empresa para estabelecer toda estas pessoas, em maioria trabalhadores e migrantes em busca de promessas de prosperidade. Com as obras para a construção da hidrelétrica, os RUCs (Reassentamentos Urbanos Coletivos) construídos pela empresa longe do centro para reassentar as famílias impactadas, com escolas, saúde e transporte público deficitários, favoreceu um incremento na violência do município. Como relata Francinete Novais, do RUC Laranjeira: “a empresa faz a propaganda que a casa é boa, mas vai fazer quatro anos que eu moro nesta casa e eu já precisei reformar quatro vezes”.
A cidade chegou a liderar o ranking das mais violentas do país em 2017 e caiu para o segundo lugar em 2019 segundo o Atlas da Violência. Mães, avós, irmãs, tias, passaram a ver a juventude ser morta frequentemente. As creches e escolas que levam a marca da Prefeitura Municipal de Altamira e da empresa Norte Energia estão sucateadas e não conseguem atender a toda a população. Hoje, há poucas alternativas para que os jovens possam ter seus momentos de lazer e educação. Junto a isso, cresce também a violência contra a mulher, que se dá para além de quando ocorre um feminicídio, ela acontece na dificuldade de diálogo com a empresa e as lideranças mulheres. Está também na burocracia no atendimento de saúde que torna um entrave na realização de exames para as mulheres na saúde pública.
Em Altamira, as mulheres enfrentam o preconceito e a discriminação ao viver nos RUCs, localizados na periferia da cidade. Ivanir, desempregada, relata qual a situação que passa ao procurar um emprego formal: “já coloquei vários currículos, quando a pessoa vê que sou do RUC Água Azul e dizem que aqui é muito violento, mas eu moro aqui à 5 anos”. A dificuldade em conseguir emprego na região central do município e a falta de oportunidade de geração de renda dentro dos próprios reassentamentos. Francinete descreve que “várias mulheres que eu conheço estão desempregadas. Eles (Norte Energia) não colocaram nenhuma atividade para gente, nem um curso, nada. Os homens têm prioridade para trabalhar. Nós mulheres também queremos trabalhar, não queremos depender de homem”, defende.
A gestão financeira das famílias tem sido um dos principais desafios com o desemprego de jovens e mulheres aliado ao preços na tarifa de energia elétrica. Hoje o valor pago pela energia na região é a mais cara do país, cerca de R$ 0,67/KWh.Em comparação com São Paulo, R$ 0,34/KWh, o valor é 50% mais caro, segundo dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Além de receber os impactos de Belo Monte, a população não teve benefícios na conta de luz, pelo contrário a conta de luz que antes era em média de R$ 70,00 mensais, passou a ser R$ 300,00 mensais.
O atual processo de desenvolvimento do modelo capitalista e também do atual modelo energético é o que mais viola direito humanos e neste processo as mulheres são as mais impactadas. Quando uma barragem é instalada em um território, as mulheres são as que mais sofrem. Como afirma Josiane, uma das atingidas e reassentadas: “quando falta de água, somos nós mulheres que mais sofremos, pois somos nós que temos que cozinhamos, limpamos a casa, lavamos roupa”. Por isso, muitas vezes, a defesa da água passa a ser uma tarefa das mulheres.
Também, quando a hidrelétrica chega aos territórios, são as mulheres as primeiras a se organizarem e lutarem por seus direitos e, de modo consequente, passam a ser perseguidas por sua força ser uma ameaça a conclusão do megaempreendimento. Infelizmente, temos a triste experiência do ocorrido com Dilma e Nicinha, lutadoras contra a violação de direitos na construção das barragens, que foram assassinadas por colocar suas forças em defesa de seus territórios.
E diante de tantos desafios, as mulheres têm seguido firmes. Seguem como protagonistas em defesa da vida, do corpo-território, da vida comunitária, da vida dos seus territórios e da manutenção de seu modo de vida. É neste sentido que passam a ser guardiãs dos territórios, sendo co-criadoras para resistir e reinventar a luta em defesa das vidas, por democracia e por direitos.
Veja o depoimento das mulheres atingidas por barragens de Altamira que, tomadas de consciência dos seus direitos, seguem tomando voz e lutando contra a violação promovidas pelo sistema capitalista-patriarcal: