É fundamental a mobilização e construção coletiva frente ao avanço das políticas neoliberais que impactam diretamente a vida das mulheres
Desde o início da pandemia, em todo o mundo e especialmente nos países do Sul Global, as mulheres organizadas vêm cumprindo um papel essencial nas ações de solidariedade que visam enfrentar os impactos da COVID19, em vários casos, potencializados por ações e omissões de países governados pela direita e extrema direita dessa região.
Uma parte desses problemas têm a ver com o poder exercido pelas grandes empresas sobre os governos para colocar os interesses das elites por cima dos interesses dos povos, em plena crise. No Brasil, um exemplo é a falsa dicotomia imposta entre economia e vidas, que implica, não apenas na pressão pela flexibilização (ou simplesmente, não implementação) de medidas restritivas de combate à pandemia, como também na exigência de um “Estado mínimo” que não utilize seus próprios recursos na defesa das vidas dos mais empobrecidos.
É sempre importante lembrar também, como sempre o faz nossa companheira do povo garífuna, Miriam Miranda, da Organização Fraternal Negra Hondurenha (Ofraneh), o papel central das empresas transnacionais no debilitamento das democracias da região e o interesse direto nos golpes de Estado cometidos nos últimos anos na América Latina.
Diante desse cenário, a Aliança Feminista Popular, composta pela Marcha Mundial de Mulheres (MMM), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e Amigos da Terra Brasil (ATBr), e junto ao Movimentos de Pequenos Agricultores (MPA), se somou ao Dia de Solidariedade Feminista Internacional Contra o Poder das Empresas Transnacionais, no último sábado, 24 de abril, com ações de solidariedade que visam contribuir com as comunidades periféricas no acesso à alimentação digna e saudável.
“Não estamos pensando essa rede de solidariedade para apenas um dia, e sim em curto, médio e longo prazo. Estamos iniciando um projeto de Cozinha Solidária aqui na Ocupação Povo Sem Medo; a gente vai ter comidas saindo de dentro da ocupação para as famílias da ocupação e também de outros conjuntos habitacionais, como o Timbaúva e Senhor do Bonfim”, diz a companheira Juliana Motta do MTST em relação às metas da aliança.
Tanto na Ocupação Povo Sem Medo quanto na Comunidade do Morro da Cruz, a aliança vem trabalhando junto às comunidades na construção de hortas orgânicas como forma de combater a crise imposta pelas medidas neoliberais do governo Bolsonaro. Na atual conjuntura crítica, reafirmamos que nossa luta é pela vacina contra o coronavírus e pela comida contra o vírus da fome.
E não é possível avançar nessa luta sem denunciar e enfrentar as principais causas das crises que vivemos: “É fundamental essa mobilização e construção coletiva frente ao avanço das políticas neoliberais que impactam diretamente a vida das mulheres”, afirma a companheira Any Moraes, da MMM.
Para dialogar sobre a forma em que esse neoliberalismo e as empresas transnacionais vêm impactando a vida das mulheres, também realizamos um diálogo transmitido online com militantes dos movimentos que integram a aliança, no último dia 14.
A solidariedade de classe está entre os principais eixos da nossa organização. “Buscamos incentivar redes de comércio justas, fortalecendo a luta das trabalhadoras e trabalhadores do campo e alimentando de saúde porque o alimento que vem dos movimentos sociais do campo são comida de verdade para o povo organizado nos movimentos sociais da cidade”, afirmou a companheira Letícia Paranhos, da Amigos da Terra Brasil durante a atividade online.
As ações de solidariedade que construímos também apontam para as mudanças que precisam ser implementadas: “é uma solidariedade de mão dupla que fortalece a luta da classe trabalhadora dos movimentos sociais do campo, animando redes de comércio justas, e, alimentando o povo organizado e periférico urbano. Além de contribuir no combate ao problema urgente da fome é uma ação para questionar a reorganização das nossas sociedades: uma reorganização que não seja a partir do mercado, do capital e dos interesses das grandes empresas transnacionais”, disse a integrante da ATBr.
O escândalo da concentração de riqueza em meio à pior crise global das últimas décadas
Não apenas os ricos ficaram mais ricos durante a própria pandemia, como utilizaram a crise para avançar no modelo de concentração de riqueza e das decisões políticas em nível global ainda mais.
Como denunciamos, junto a Amigos da Terra Internacional, TNI e MMM, apesar de a pandemia ter demonstrado a importância dos sistemas públicos de saúde e de Estados que invistam no combate à desigualdade, o que assistimos é novamente a invasão de espaços de decisão que deveriam ser públicos por parte de grandes empresas. É o caso da iniciativa Covax Facility, lançada em 2020 pela Organização Mundial da Saúde.
Como definiu o pesquisador Harris Gleckman, em texto publicado pela ATI, a Covax Facility “foi projetada para funcionar como um banco comercial, usando capital, em grande parte fornecido por governos, para moldar a indústria global de fabricação de vacinas e o mercado consumidor de vacinas no sul”.
Durante o Dia de Solidariedade Feminista Internacional Contra o Poder das Empresas Transnacionais, a companheira da MMM, Ana Priscila Alves, explicou os problemas em relação à iniciativa: “ela se apresenta como uma iniciativa da OMS para ‘organizar’ a distribuição de vacinas, mas, na verdade, é um processo que privatizou a gestão das vacinas, medicamentos, instrumentos de diagnósticos da covid. Não são os Estados os protagonistas desse processo, e sim, estão ali de igual pra igual com as fundações e empresas transnacionais, isso que se chama de “múltiplas partes interessadas”. Isso é o que chamamos captura corporativa das organizações multilaterais, e que já vem acontecendo há muitos anos em todo o sistema ONU, e que legitima o predomínio dos interesses das transnacionais sobre as vontades e interesses dos povos”.
Ao mesmo tempo, em nível local e regional, para além do desdém, do negacionismo e da falta de vontade política de vários governos para enfrentar a crise de maneira assertiva , assistimos, em casos como o do Brasil, o foco voltado completamente para o desmonte das políticas públicas que garantem direitos mínimos e históricos para os povos da região.
Na América Latina, a exceção é Cuba. No mesmo dia da ação contra as transnacionais, a ilha caribenha iniciava seu processo de vacinação em massa contra a covid-19, com duas das vacinas desenvolvidas no país (o único da América Latina a avançar na criação de imunizantes contra a doença pandêmica). “Cuba tem sido um exemplo e uma esperança: ter uma alternativa socialista, produzida pela pesquisa e pela ciência voltadas para o povo, é um marco para todos os países do Sul Global, e pode ser um caminho importante para demarcar e ampliar a solidariedade de classe e a possibilidade de cooperação justa entre os povos”, disse Ana Priscila durante a atividade.
A organização e a solidariedade populares no Brasil e na América Latina se mantêm firmes e estão crescendo durante este momento de crise profunda. Todas essas ações fazem parte de um processo conjunto de formação de luta coletiva que deve ser a base do enfrentamento maior ao poder do capital, que também não para de crescer. Nossas alianças visam a transformação da economia para desmantelar o poder corporativo e assegurar que as vidas dos nossos povos estejam no centro do debate, ao contrário do que os representantes do capital querem impor.
As mulheres, e principalmente as mulheres negras, indígenas e periféricas, estão entre as principais afetadas pela crise, mas também são as que estão à frente dos processos de resistência a essa crise e ao modelo neoliberal que a torna muito mais cruel. Como Aliança Feminista Popular nos comprometemos a continuar fortalecendo essa luta em defesa da vida e da dignidade dos povos e contra o poder crescente e impune das corporações transnacionais!
Vacina contra o coronavírus, comida contra o vírus da fome e Fora Bolsonaro!
Confira o vídeo sobre a ação de solidariedade feminista e contra as empresas transnacionais: