Francisco Cali Tzay ,especialista da ONU, pontua a necessidade do Supremo Tribunal Federal em defender às terras e territórios dos povos indígenas do Brasil. Leia, abaixo, tradução da nota original em inglês publicada hoje, 23 de agosto de 2021, semana que os povos indígenas se mobilizam ao longo do país contra a aprovação do Marco Temporal, que terá sua votação na quarta, dia 25 deste mês.
GENEBRA (23 agosto de 2021) – Um especialista em direitos humanos da ONU pediu hoje ao Supremo Tribunal Federal (STF) que garanta os direitos dos povos indígenas a suas terras e territórios, e que rejeite um argumento legal promovido por agentes comerciais com o fim de explorar recursos naturais em terras indígenas tradicionais.
“A aceitação de uma doutrina de marco temporal resultaria em uma negação significativa de justiça para muitos povos indígenas que buscam o reconhecimento de seus direitos tradicionais à terra. De acordo com a Constituição, os povos indígenas têm direito à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam”, disse Francisco Cali Tzay, Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.
“Se o STF aceitar o chamado Marco Temporal em sua decisão sobre a demarcação de terras, no final deste mês, poderá legitimar a violência contra os povos indígenas e acirrar conflitos na floresta amazônica e em outras áreas”, adicionou o Relator.
A decisão do Supremo Tribunal – prevista em 25 de agosto de 21 – sobre o Recurso Extraordinário No. 1.017.365, orientará o governo federal e os futuros tribunais na resolução de questões de terras indígenas e na abordagem dos direitos indígenas.
“A decisão do STF não só determinará o futuro destas questões no Brasil para os próximos anos, mas também sinalizará se o país pretende estar à altura de suas obrigações internacionais de direitos humanos e se respeitará as comunidades indígenas que não foram autorizadas a participar de processos legais que revogaram seus direitos de terra”, disse Tzay.
Ele disse, ainda, que é vital que o Supremo Tribunal Federal – e todas as instituições e autoridades públicas – respeitem as normas legais, incluindo a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais.
O argumento legal em questão é conhecido como “marco temporal”, o qual os indígenas temem que possa legalizar a invasão de suas terras. Interesses empresariais que buscam explorar terras indígenas para mineração e agricultura industrial argumentam que os povos indígenas devem provar que ocuparam as terras na época da Constituição do Brasil, adotada em 1988.
“Ironicamente, esta mesma Constituição deveria ter garantido seus direitos de terra”, disse Tzay. Os povos indígenas e ativistas de direitos humanos argumentam que a Constituição não estabelece nenhum limite de tempo para estes direitos à terra indígena. Eles também argumentam que esta data arbitrária ignora o fato de que os povos indígenas podem ter sido removidos à força de suas terras antes disso.
“Os direitos dos povos indígenas à terra não decorrem de uma concessão do Estado, mas decorrem do próprio fato de que eles são os habitantes originais, e viveram nessas terras muito antes da chegada dos europeus ao Brasil”, salientou o Relator. “Apelo ao Supremo Tribunal Federal para que defenda os direitos dos povos indígenas a suas terras tradicionais, territórios e recursos naturais”, disse Tzay.
FIM
Francisco Cali Tzay (Guatemala) foi nomeado Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas por um mandato de três anos com início em 1º de maio de 2020. Ele é Maya Kaqchikel, fundador e membro de diferentes organizações indígenas na Guatemala. Ele foi presidente do Comitê da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, órgão do qual foi eleito por quatro períodos consecutivos de 4 anos cada.
Os relatores especiais fazem parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior corpo de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dos mecanismos independentes de averiguação e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Os especialistas em procedimentos especiais trabalham de forma voluntária; eles não são funcionários da ONU e não recebem um salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e atuam em sua capacidade individual.
Para maiores informações e assuntos da mídia, favor entrar em contato com o Sr. José Parra (jose.parra@un.org) e Sra. Isabela Zaleski Mori (consultant.zaleskimori@ohchr.org).
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