Nesta terça-feira, 30/11, foi lançada a Carta Aberta de Alerta sobre Perigos do Novo Código de Mineração no estado do Rio Grande do Sul. O processo de mineração desenfreado por empresas transnacionais causa crimes, como os que ocorreram com Brumadinho e Mariana (MG). Em Minas Gerais, famílias estão há mais de dez anos sem receber auxílio ou compensação pelos danos que sofreram. Comunidades inteiras foram obrigadas a sair de suas cidades. Sendo assim, é fundamental que ocorra a organização da sociedade civil para combater as tentativas de exploração da terra, que gera impactos negativos na vida, na saúde e na dignidade das pessoas que vivem no entorno. A Amigos da Terra Brasil entrevistou Luna Dalla Rosa Carvalho, que faz parte do Comitê de Combate à Megamineração e escreveu a Carta Aberta, junto com um grupo de mulheres da sociedade civil. Confira as suas falas sobre como este combate e o alerta é importante para a vida das mulheres, como os processos criminosos que ocorreram no estado mineiro são aprendizados para organização enquanto grupos e coletivos combatentes à megamineração e como se organizou essa Carta Aberta.
Amigos da Terra Brasil: Como foi a caminhada para realizar esta carta? Como foi a construção conjunta com o grupo de mulheres?
Luna Dalla Rosa Carvalho: Essa carta surgiu de uma articulação que está se gestando entre mulheres envolvidas no enfrentamento à megamineracão aqui no RS, especialmente no bioma Pampa, que é onde está a maior parte dos projetos de megamineracão previstos, mas também agrega mulheres de outros estados. São pecuaristas familiares, agricultoras, pesquisadoras, professoras, ativistas que estão juntando suas forças e suas habilidades para entender como a megamineracão afeta a vida das mulheres e se posicionar frente a esse processo. Estamos articuladas conjuntamente ao Comitê de Combate à Megamineracão do RS e a outras entidades e coletivos que vêm fazendo esse enfrentamento em diversas localidades. Também contamos com o apoio de várias organizações ambientalistas, grupos de pesquisa, movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
ATBR: Como a publicação da Carta Aberta contra a Megamineração é importante para a vida das mulheres? O que muda?
LDRS: O avanço da mega mineração afeta negativamente a vida de todos, mas especialmente a vida das mulheres. Sejam elas mulheres indígenas, quilombolas, agricultoras e pecuaristas familiares, pescadoras, sejam as mulheres da cidade. Porque são as mulheres que lidam mais diretamente com os efeitos que a megamineração têm na saúde das pessoas, no ambiente, nos modos de vida, e isso se dá tanto pra quem é diretamente afetado como as comunidades afetadas pelos empreendimentos minerários, como para as esposas dos trabalhadores da mineração, para as mulheres das regiões minerárias e de garimpo, quando a prostituição dessas regiões começa a crescer, quando as águas começam a ficar contaminadas, quando a violência aumenta, quando a alimentação passa a piorar, pois já não se pode cultivar os alimentos que nutriam os corpos de uma forma saudável. Temos muitos relatos de mulheres de outras regiões do Brasil e de outros países da América Latina que mostram isso. Aqui, no Rio Grande do Sul, estamos nos organizando contra o avanço de megaprojetos de mineração a céu aberto por entender que não queremos que se repita o que já acontece nas regiões minerárias. É um movimento que conta cada vez mais com a participação de mulheres, que se vêem ameaçadas por esses projetos que afetam a vida de forma tão drástica.
ATBR: O que Mariana e Brumadinho (MG) têm a nos ensinar sobre a responsabilidade de nos organizarmos enquanto sociedade civil para que barrarmos esse processo venenoso?
LDRS: Acho que Mariana e Brumadinho ensinaram que não podemos deixar passar sem a devida avaliação, discussão e participação da sociedade esses projetos que envolvem sérios riscos à vida e à saúde humana e dos ecossistemas. Não queremos perder nossos rios como a população da bacia do Rio Doce ou do Rio Parauapebas perdeu. Não queremos perder nossos entes queridos, não queremos que os trabalhadores da mineração morram nesse tipo de incidente. Aqueles incidentes serviram para mostrar que se a gente deixar passar depois pode ser tarde, mesmo que haja engenheiros e técnicos dizendo que as estruturas são seguras e que é possível restaurar os ambientes degradados. Tem um coisa que eu acho bem complicada nos processos de licenciamento ambiental desses megaempreendimentos, que é a imposição de um saber técnico, como se o conhecimento das populações que vivem nos lugares afetados não valesse ou como se um cidadão que não tem uma formação em engenharia, geologia e biologia não pudesse falar, contestar ou questionar um empreendimento. Cada vez mais vemos que a ciência e a engenharia podem errar, que não conhecemos todos os processos naturais, que não sabemos qual é a real dimensão da interferência humana nos ecossistemas. Estamos vivendo uma crise ambiental gravíssima e existem pessoas, que estão inclusive em órgãos públicos importantes como a FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) aqui no estado, que insistem em se fechar numa postura tecnicista, negando ou minimizando os reais riscos envolvidos nesses empreendimentos. Eu acredito que se são empreendimentos com alto impacto, é necessária muita avaliação, escuta e até mesmo respeito caso a população não queira o empreendimento na sua região, afinal devemos ter o direito de decidir quando se trata da nossa vida que está em jogo. Cada vez mais parece que querem passar por cima da participação popular, da legislação ambiental para implementar esses projetos, num claro desrespeito à nossa soberania e aos nossos direitos. Por isso, é necessário a sociedade se organizar e estar sempre atenta para poder se posicionar antes que seja tarde demais.
Confira abaixo a Carta Aberta!