O por trás das câmeras da reivindicação das “Torres do Inter”
Na época em que a prefeitura de Porto Alegre era administrada por Leonel Brizola, em 1956, ele cedeu o terreno onde hoje está localizado o Estádio Beira Rio para que o Sport Club Internacional pudesse construir seu estádio, sob cobertura da Lei nº 1.651. Naquele contrato, foi explicitado que o município concedia o terreno ao Inter para construir um estádio, na época chamado no texto de “praça de esportes”. Segundo a Lei nº 6.150, de julho de 1988, nada além do estádio, de equipamentos e do comércio de apoio ao fortalecimento da área poderiam ser estabelecidos ali. O projeto do clube prevê ainda lojas e restaurantes. Contudo, no presente momento, o Clube está pedindo autorização para que sejam construídas torres residenciais e corporativas, cujos apartamentos e salas poderiam ser vendidos em prol de geração de lucro, e uma delas tem previsão de medir 130 metros de altura. “O Inter está pedindo, na verdade, duas coisas que são proibidas: a primeira é construir ali, com uma finalidade diferente da esportiva. A segunda coisa é a seguinte: eles não querem um simples prédio normal como prevê o plano diretor, mas sim um edifício que hoje está proibido, querem fazer os maiores prédios do Rio Grande do Sul, com o objetivo de vender os apartamentos”, afirma o diretor do Sindicato de Arquitetos do RS, Pedro Araújo.
A flexibilização é a política para amigos da prefeitura e de parte da Câmara de Vereadores, e é baseado no entendimento de entregar o Estado à iniciativa privada. Hoje, somos acometidos de diversas políticas que empregam esta máxima e comprometem os bens públicos, que devem ter função pública. É o caso do Pontal do Estaleiro, que tinha função específica e acabou indo para o privado, assim como o caso do Jóquei Clube, que também foi vendido e cedido à iniciativa privada com a desculpa de pagar as dívidas, hoje atrofiado entre shopping e torres de luxo. Mas não ficamos aí, temos muitos imóveis nessa condição de estarem cedidos, há muitos anos, para associações de profissionais, times de futebol, enfim, com interesses públicos e que, numa manobra, transformam-se em privados na mão da especulação imobiliária – principalmente as áreas que ficam na beira do Rio Guaíba, num momento em que o discurso de Porto Alegre de se virar para o rio ganha força e valor no mercado imobiliário.
Neste esforço de trazer e desvendar essas realidades paralelas de Porto Alegre é que foi realizado o Festival Ambiental POA 2021 no último sábado, dia 27 de novembro, no Parque Marinha do Brasil. Movimentos e organizações sociais deram a cara para dizer que Porto Alegre é mais! É resistência. As organizações estão construindo a unidade na ação para mudar esta realidade, por isso, neste momento, retomamos os espaços de encontro e manifestação.
Atualmente, tramita um projeto na Câmara Municipal, o qual pode ser votado a qualquer momento, para autorizar a construção das torres do Inter. Em 23 de setembro, o tema foi debatido em audiência pública virtual promovida pela Câmara de Vereadores. A próxima etapa consiste na análise e aprovação do assunto em plenário na Casa Legislativa, por enquanto sem data prevista. “O Inter não tem esse direito, mas à medida que o adquire, vai ganhar muito dinheiro. Supondo que o Sport Club Internacional quisesse comprar um terreno para construir essas torres, se a gente fosse dar um preço para esse espaço, seria de uma estimativa que não existe hoje em Porto Alegre, um valor absurdo. Mas vamos supor que a prefeitura poderia dizer isso: olha, lá naquela época, há 60 anos atrás, eu negociei contigo naqueles termos; agora, se tu quer alteração, nós vamos ter que renegociar. Então, o valor que seria o custo desse imóvel poderia ser repassado para prefeitura e ser investido em bairros como a Restinga, no Rubem Berta, no Sarandi… Seria o mínimo”, explica Araújo. O Clube alega que está em dificuldades financeiras, por isso pede a liberação para construir as torres e se recuperar. “Então, pegar um terreno público, que é de toda cidade, construir, vender e ficar com o dinheiro pra si, é absurdo. Então não é mais público, passa a ser privado, e o time embolsa enquanto a prefeitura nem vê a cor do dinheiro”, sublinha o arquiteto.
A constituição do projeto apresentado pelo Inter prevê como contrapartidas o alargamento da Avenida José de Alencar, a construção de um píer na área do Parque Gigante, localizada junto à Orla do Rio Guaíba, e a promoção de reformas no Asilo Padre Cacique e em uma unidade de saúde. Porém, “o valor do terreno chegaria perto de R$ 1 bilhão. Mas isso não está sendo discutido por ninguém, as pessoas discutem se é direito ou não, se é problema ou não, mas não percebem que a população está sendo engambelada. O prefeito diz que vão construir uma escola aqui, colocar uma lombada ali, mas é totalmente desproporcional ao que o time está adquirindo”, finaliza o arquiteto Pedro Araújo.
REFERÊNCIAS CONSULTADAS: