Até outubro deste ano, 123.153 famílias se encontravam sob ameaça de despejo, segundo dados levantados pela Campanha Despejo Zero. O número representa um aumento de 554% desde março de 2020, quando a campanha iniciou o levantamento.
No último dia 1° de dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, em resposta a pedido do Psol, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Campanha Despejo Zero, decidiu estender a suspensão de despejos e remoções até 31 de março de 2022.
A medida cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ( ADPF) 828, na qual Amigos da Terra está como Amicus Curiae, havia sido concedida por Barroso em junho deste ano, com prazo até o último dia 3 de dezembro.
A decisão é importante, mas a pressão precisa ser mantida, pois ela irá para o plenário virtual do STF entre 6 e 8 de dezembro. Em sua argumentação, o ministro Barroso afirmou que as autoridades públicas devem ter “especial cautela” em uma conjuntura que as ameaças da pandemia ainda não se dissiparam.
É fundamental que o plenário do STF mantenha a decisão de Barroso e que, posteriormente, a medida cautelar seja respeitada em todo o território nacional. Mesmo com a vigência da medida, o número de famílias que perderam sua moradia via despejo ou desocupação no período de pandemia, continua aumentando.
Às avessas: nem a crise sanitária fez com que União, estados e municípios garantissem minimamente o direito constitucional à moradia
Segundo a campanha, de março de 2020 até outubro deste ano, 23.500 famílias já foram despejadas, representando um aumento de 269% na cifra. Os estados onde a situação é mais crítica são São Paulo, com 5.146 famílias despejadas nesse período, Rio de Janeiro 4.862 famílias e Amazonas 3.231 famílias. Ceará, Paraná e Pernambuco também registram números altos: com 1.195, 1.656 e 1.895 famílias despejadas respectivamente.
Em meio a uma crise sanitária em que a garantia do direito à moradia deveria ter sido considerada pelos poderes públicos como prioridade, parece que o contrário foi feito. Na capital do Rio de Janeiro, 31% das pessoas que estavam em situação de rua a meados deste ano, ficaram nessa condição durante a pandemia, segundo pesquisa feita pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Dessa porcentagem, 64% afirmaram ter ficado em situação de rua devido à perda de trabalho, moradia ou renda.
Já na capital paulista, segundo estimativa do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo (MEPSR-SP), em outubro deste ano havia 66.280 pessoas sem teto na cidade. O número quase triplica o registro feito através da Pesquisa Censitária da População em Situação de Rua feito em 2019 pela Prefeitura de São Paulo, que apontou 24.344 pessoas nessa condição.
O movimento também considera que houve uma intensificação da crise de moradia na capital paulista durante a pandemia.
O presidente do MEPSR-SP alerta que o perfil das pessoas também mudou no último período: “Há muitas famílias, famílias inteiras com crianças, inclusive crianças recém-nascidas vivendo em situação de calçada, procurando abrigos. Antes (da pandemia) havia uma procura (da população de rua) por documentação, cursos profissionalizantes, agora não. Eles procuram por barraca para ficar com as crianças e por alimentos”, denunciou Mendonça em entrevista realizada em outubro na Rádio Brasil Atual.
A situação se repete em Porto Alegre. Uma pesquisa feita no final de 2020 pelo Centro Social da Rua mostrou que 26,9% da população em situação de rua na capital gaúcha tinha teto até um ano antes da pesquisa. Porto Alegre tem hoje cerca de 2,5 mil pessoas nessa condição, segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), da prefeitura.
Despejos em áreas rurais
No final de setembro, o Congresso Nacional rejeitou o veto de Jair Bolsonaro à Lei 14.216/2021, que suspendeu atos de remoção e despejo até 31 de dezembro deste ano, mas exclusivamente para imóveis urbanos.
Em sua decisão, o ministro Barroso criticou o foco da medida aprovada pelo Legislativo, afirmando que “cria uma distinção desproporcional e protege de forma insuficiente pessoas que habitam áreas rurais, distorção que deve ser corrigida na via judicial”.
A profunda crise econômica gerada pela administração Guedes-Bolsonaro com recordes nos níveis de desemprego (atualmente atingindo quase 14 milhões de pessoas), e a fome voltando a atingir 19 milhões de pessoas em todo o país, segundo o último levantamento feito sobre o tema há um ano, deveria ser motivo suficiente para tirar da completa paralisia as políticas de reforma agrária. Novamente, em lugar disso, além da ausência total de apoio aos pequenos produtores de alimento, os ataques às famílias sem terra ainda aumentaram. Em 2020, foram 1.906 famílias que sofreram despejo, e 15.718 ameaçadas de despejo em todo o país, segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, da Comissão Pastoral da Terra.
Um dos casos graves mais recentes de ameaça de despejo é o das famílias do Acampamento Marielle Vive, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Valinhos (SP). Contrariando a medida cautelar do STF, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu manter a reintegração contra 450 famílias que tornaram a área improdutiva de 130 hectares, em território de produção agroecológica.
A decisão é insólita, além de não garantir os direitos básicos à população brasileira, o Estado utiliza seus recursos para combater a organização popular que visa enfrentar as graves crises pelas que atravessa o povo brasileiro.
Os poderes precisam parar de combater os direitos à terra e à moradia, e passar a defendê-los como determina a Constituição. O primeiro passo é a suspensão de despejos em áreas rurais e urbanas, inclusive além do período de pandemia, porque sabemos que os efeitos da crise econômica e dos desmontes promovidos pelos governos Temer e Bolsonaro não desaparecerão tão cedo.
Nos solidarizamos com todas as famílias em luta contra as ameaças de despejo em todo o país. Fora Bolsonaro, nenhum despejo a mais!
* Artigo publicado no jornal Brasil de Fato em 06/12/2021 neste link: https://www.brasildefato.com.br/2021/12/06/ter-onde-morar-e-um-direito-stf-precisa-manter-suspensao-dos-despejos-ate-marco-de-2022
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