Todos os dias são cometidas injustiças em todo o mundo contra defensoras e defensores dos territórios e violações dos direitos coletivos dos povos e dos direitos humanos.
A amigos da Terra International trabalha para responder rapidamente às violações e mobilizar o apoio internacionalista para povos e comunidades ameaçadas, de acordo com suas necessidades e desejos. De 2020 a 2021, temos apoiado defensores em todos os cantos do mundo, da Palestina à Colômbia, de Moçambique a Honduras, da Bósnia-Herzegovina ao Brasil.
Neste 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos, fizemos um balanço da situação e apelamos para uma solidariedade internacionalista mais forte com os defensores.
Qual é a nossa posição no final de 2021?
Desde a crise econômica de 2008, o mundo tem testemunhado o ressurgimento da ideologia conservadora e a ascensão do poder neofascista e autoritário. Este populismo de direita crescente parece desafiar as formas tradicionais de política, mídia e o próprio conhecimento. Líderes como Bolsonaro no Brasil, Duterte nas Filipinas e anteriormente Trump nos EUA – para citar apenas alguns – desmantelaram regulamentações, impuseram novas leis draconianas e encorajaram e fortaleceram o poder das corporações transnacionais, em detrimento da democracia, estabilidade e direitos humanos.
A contínua expansão do sistema econômico neoliberal significou mais privatização, mercantilização e financeirização da natureza e dos bens comuns globais. Onde as regulamentações ambientais foram enfraquecidas ou desmanteladas, as corporações transnacionais se lançaram para extrair o máximo possível de nosso mundo natural e de nossos povos. Este modelo de lucro está na raiz das crises sistêmicas que enfrentamos: do clima, da biodiversidade, dos alimentos, da água, dos meios de subsistência.
Frente a estas crises, os povos de todo o mundo estão se organizando para defender seus territórios e seus direitos. Estão promovendo propostas de mudança de sistema favorável ao meio ambiente e emancipadora aos seres humanos.
A realidade devastadora é que o rápido aumento do autoritarismo em todo o mundo e as atividades descontroladas das empresas transnacionais levaram a uma grave escalada de violência política e ataques contra aqueles que buscam defender o meio ambiente e os direitos dos povos. Somente em 2020, a Global Witness registrou 227 ataques letais – uma média de mais de quatro pessoas por semana, relacionados à exploração de recursos naturais. Na América Latina, mais de um terço das vítimas desses assassinatos eram indígenas.
Se soma a isso, a emergência sanitária desencadeada pela pandemia Covid-19 que foi utilizada em muitos países para endurecer o autoritarismo e reprimir as populações Indígenas. No Brasil, na Colômbia, nas Filipinas e em outros lugares, os governos têm utilizado medidas de confinamento para militarizar e controlar os territórios, tornando muito mais fácil para eles perpetrar violações dos direitos humanos com total impunidade. Com a pandemia ainda não terminada, esta situação deverá se agravar pelos próximos anos.
Que papel desempenha a solidariedade internacionalista na defesa dos direitos humanos e do meio ambiente?
A solidariedade internacionalista representa a possibilidade de acompanhar as lutas contra a injustiça em qualquer parte do mundo e de senti-las como nossas próprias causas. Nós, como indivíduos, podemos desempenhar um papel importante na transformação de nossas sociedades. Solidariedade significa enfrentar todas as formas de opressão como o patriarcado, o racismo, o colonialismo e a violência do Estado, mesmo que elas só nos afetem indiretamente.
As lutas pela justiça ambiental – que incluem a defesa da água e dos serviços públicos, a construção da soberania alimentar e da soberania energética e a promoção da agroecologia – exigem hoje, mais do que nunca, nossa solidariedade.
Podemos nos organizar como movimentos para exigir justiça social, ambiental, econômica e de gênero e defender a soberania dos povos. Juntas e juntos, podemos levantar nossas vozes para denunciar a injustiça e também apoiar concretamente aqueles que sofrem opressão e perseguição.
As lutas destacadas em 2020-2021
Nos últimos dois anos, nossa rede ambiental de base e popular tem apoiado lutas em todo o mundo, inclusive na Costa Rica, Bolívia, África do Sul, Uganda, Brasil e agricultores na Índia.
Nosso apoio tem-se concentrado principalmente em Honduras, Colômbia, Palestina e Moçambique:
Apreensão de terras e desaparecimentos em Honduras
A comunidade indígena Garifuna em Honduras tem sido sistematicamente atacada há vários anos, geralmente por empresas de banana e óleo de palma e, mais recentemente, por garimpeiros de terras para projetos de expeculação imobiliária de turístico e loteamentos privados. Os povos Garífuna não foram consultados sobre nenhum dos projetos desenvolvidos por estas empresas, apesar de seu direito legal à Consulta Livre, Prévia e Informada, garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
OFRANEH é a organização dos povos afro-descendentes e indígenas Garífunas de Honduras. Seu compromisso histórico com a democracia e a defesa do território e sua contínua denúncia pública de violações de direitos fizeram dela um alvo de ataques.
Em 18 de julho de 2020, quatro membros do OFRANEH foram sequestrados nas suas casas por homens armados com uniformes da polícia. Em agosto de 2020, apelamos pelo seu retorno em segurança.
Até o momento, os líderes Garifuna não foram encontrados.
Sete meses após seu desaparecimento, o OFRANEH iniciou o Comitê de Investigação e Busca de Garífuna Desaparecidos de Triunfo de la Cruz (SUNLA). Sua coordenadora, Miriam Miranda, referiu-se a este comitê como “um meio de obter verdade e justiça neste país”.
O pano de fundo para esta e inúmeras outras atrocidades é um país onde o governo apóia a desapropriação e a exploração do território por corporações transnacionais, e emprega suas forças armadas para silenciar todas as formas de resistência. Por exemplo, o uso repressivo das forças estatais hondurenhas para defender o megaprojeto hidrelétrico Petacón e a perseguição judicial de líderes sociais da comunidade Reitoca que estão tentando defender suas terras e rios.
A Amigos da Terra Internacional se solidariza com as mulheres, camponeses e povos indígenas de Honduras, incluindo os povos Garífuna, os camponeses Guapinol, o Comitê Tocoa Commons e a Plataforma Agrária.
Levantamentos populares na Colômbia
Após três décadas de neoliberalismo, a Colômbia foi desprovida dos serviços públicos e mais de 21 milhões de pessoas foram deixadas na pobreza, quase metade da população. O governo também não cumpriu com os acordos de paz assinados com as FARC em 2016 e está seguindo uma estratégia de violência e opressão sistêmica contra movimentos e organizações sociais e defensores dos direitos dos povos, dos direitos humanos e dos territórios.
Em dezembro de 2020, nos unimos a CENSAT Agua Viva (Amigos da Terra Colômbia) para repudiar categoricamente a violência sistemática infligida pelo governo e apelar para uma redobrada coordenação internacionalista e organizar esforços em apoio ao povo colombiano.
Em maio de 2021, reiteramos este apelo e expressamos nossa solidariedade com a Greve Nacional e mobilizações contra o projeto de lei de reforma tributária do Presidente Duque. Com o vídeo Colombia en llamas desafia o neoliberalismo, procuramos conscientizar e expressar nossa solidariedade com a luta popular.
Lutas pelos direitos humanos e pela soberania alimentar na Palestina
Durante décadas, a ocupação israelense negou ao povo palestino o acesso e o controle sobre suas terras, fronteiras e recursos naturais. A ocupação é uma fonte de profundas violações dos direitos humanos e ambientais contra o povo palestino, envolvendo poluição, destruição de seus meios de subsistência, apropriação de terra e água, leis discriminatórias sobre a terra, despejos e deslocamento forçado.
Temos sido solidários com PENGON (Amigos da Terra Palestina) e com o povo palestino por muitos anos. Em maio de 2021, condenamos os contínuos ataques de Israel e apelamos urgentemente aos líderes mundiais para que usem seus recursos diplomáticos para pôr fim à ocupação de uma vez por todas.
No início de outubro de 2021, nos concentramos na luta pela soberania alimentar na Palestina através de um webinar com PENGON, La Via Campesina e o sindicato de agricultores locais UAWC (Union of Agricultural Work Committees). O webinar destacou em primeira mão como é difícil acessar terra para crescer e produzir alimentos sustentáveis tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, e procurou aprofundar o entendimento dos impactos ambientais, sociais, econômicos e de gênero da Ocupação.
Em 19 de outubro, o ministro da defesa israelense emitiu uma ordem militar declarando seis organizações da sociedade civil palestina como “organizações terroristas” – incluindo a UAWC. Então, em 7 de novembro, as Forças de Defesa israelenses classificaram as mesmas organizações como “não autorizadas”, abrindo o caminho para uma maior repressão. Isto representa a última de uma onda de acusações infundadas feitas pelo governo israelense contra as organizações palestinas de direitos humanos. Juntamo-nos a centenas de organizações em todo o mundo para denunciar esta injustiça e apelamos à ação em 29 de novembro, o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino.
Energia suja em Moçambique
A indústria do gás está devastando as comunidades pesqueiras de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Desde a descoberta do gás natural ao largo da costa da província em 2010, várias empresas transnacionais, incluindo a gigante petrolífera francesa Total, mudaram-se para assumir sua parte. O projeto LNG de Moçambique levou a violações dos direitos humanos, pobreza, corrupção e violência e terá sérias consequências em um país que já é vulnerável aos impactos da mudança climática, como os dois ciclones catastróficos ocorridos em 2019.
A indústria petrolífera forçou mais de 550 famílias a sair de suas terras e cortou seu acesso ao mar, do qual dependem para a pesca e a alimentação. Mais de 820.000 pessoas também foram deslocadas pelos combates entre os exércitos moçambicanos e ruandeses, insurgentes e mercenários. Embora o governo e a indústria do gás insistam que a causa da violência é religiosa, a realidade é muito mais complexa.
Em junho de 2020, insitamos os governos de Moçambique, Reino Unido e França a pararem de financiar a exploração de gás no país, e exigimos um tratado forte e eficaz, internacionalmente vinculante, para responsabilizar as grandes empresas por violações dos direitos humanos.
Após um ataque mortal em março de 2021, a Total reivindicou “força maior”, e pausou seu projeto indefinidamente, retirando pessoal da área. Desde então, não pagou indenização aos membros da comunidade e declarou que não cumprirá suas obrigações de pagamento aos contratantes, incluindo as empresas locais.
No mesmo mês, o governo britânico anunciou o fim do financiamento de combustíveis fósseis no exterior, uma medida que chegou tarde demais para o projeto de GNL de Moçambique, que eles já haviam concordado em financiar em julho de 2020. Embora seja encorajador que na COP26 vários países envolvidos na indústria de gás de Moçambique se comprometam a acabar com o financiamento de combustíveis fósseis estrangeiros após 2022, isto não deve permitir que eles se esquivem de sua responsabilidade pela destruição que já estão financiando. A suspensão do projeto GNL é uma oportunidade ideal para os países cancelarem seus atuais contratos de financiamento e para a Total fazer as reparações tão necessárias às comunidades.
Em dezembro de 2021, a Amigos da Terra Inglaterra e Gales, e a Irlanda do Norte processaram o governo britânico por sua decisão de financiar o projeto de GNL. Este processo é apoiado pela Justiça Ambiental (Amigos da Terra Moçambique).
Qual é o caminho a seguir?
Essas injustiças e lutas pela justiça ambiental estão acontecendo em todo o mundo, inclusive na Europa, onde as violações dos direitos dos defensores têm aumentado recentemente. Por exemplo, na Bósnia e Herzegovina, a comunidade do rio Neretvica sofreu vários ataques e intimidações por resistir à construção de uma represa hidrelétrica nas águas vitais de seu rio.
Embora sejamos solidários com aqueles que defendem seus territórios, meio ambiente e direitos, exigimos regulamentações nacionais e internacionais para garantir que os direitos dos povos sejam reconhecidos e que governos e empresas sejam responsabilizados.
Em nível nacional, os governos devem implementar regulamentações ambientais que limitem o consumo excessivo. Eles devem estabelecer mecanismos de proteção para os defensores e salvaguardar o direito das comunidades ao consentimento livre, prévio e informado, envolvendo-os nas decisões sobre o que acontece em seus territórios.
Em nível internacional, estamos lutando por um tratado vinculativo da ONU que obrigaria as empresas transnacionais, suas cadeias de fornecimento e investidores a cumprir a legislação internacional de direitos humanos, a legislação ambiental e as normas trabalhistas. Tal tratado significaria que as empresas transnacionais não podem mais fugir de sua responsabilidade operando fora e além do alcance da lei nacional – elas seriam responsabilizadas perante um tribunal internacional.
O tratado estabeleceria fundamentalmente o direito à compensação, informação, justiça e garantias de não repetição de quaisquer violações dos direitos humanos, e incluiria disposições específicas garantindo proteção legal para aqueles que defendem os direitos dos povos e da natureza contra os interesses corporativos.