Local está ameaçado por uma obra do DMAE sem consulta popular. Impactos seriam amenizados se tivesse mais investimento
A Prainha de Copacabana (Avenida do Lami, próximo ao nº 23), em Belém Novo, extremo sul de Porto Alegre (RS), sofre com as consequências da construção do novo Sistema de Abastecimento de Água (SAA) Ponta do Arado. O Coletivo Preserva Belém Novo já denunciou que o DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), órgão da prefeitura da Capital, não realizou estudos prévios nem divulgou relatórios acerca dos possíveis impactos ambientais que a construção poderia provocar. O fechamento da prainha atinge diretamente a população local, como o caso dos cerca de 40 pescadores da região que obtém do Rio Guaíba, nas margens da Praia de Copacabana, seu principal meio de subsistência.
Além do trecho da prainha que abarca o porto, onde os pescadores atracam seus barcos, a pracinha infantil, a única da região com brinquedos adequados, ao lado direito da praia de quem vem da Avenida do Lami, a qual, segundo moradores locais é muito usada pelas crianças da área, também irá sumir. Isso porque, além da falta de estudos próprios para a construção do SAA, sequer foi feita uma consulta pública prévia para compreender qual seria o melhor lugar para o posicionamento da estrutura. Nos últimos anos, a população tem crescido consideravelmente na Zona Sul do município, muito devido à expansão de novos empreendimentos, loteamentos e condomínios na região (apenas o projeto de loteamento privado da Fazenda do Arado Velho tem previsão de aumentar em 70% os habitantes do bairro), pressionando, desta forma, por um sistema de abastecimento de água maior e mais eficiente. “É uma obra extremamente necessária para o bairro Belém Novo e para diversos bairros por conta da melhoria no abastecimento de água, mas a forma como ela está sendo feita viola os direitos dos cidadãos”, explica a coordenadora do Conselho Local de Saúde, delegada da Região de Planejamento 8 e moradora de Belém Novo, Michele Rihan Rodrigues. O procedimento junto ao Ministério Público, a ser direcionado pela Promotoria da Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, é o de número 01629.002.243/2021.
O projeto de ampliação do sistema de abastecimento de água começou a ser manifestado em 2013, contudo, apenas em 2020, após anos de sofrimento e prejuízos sofridos pela comunidade periférica, privadas de um serviço básico à vida , a obra começou. Poderia ser uma boa notícia, se não fosse o fato de que a população foi surpreendida por um cercamento da região, sem aviso prévio. “É um processo entre a Prefeitura e a comunidade totalmente desrespeitoso, já que a Prefeitura teve tempo de sobra para poder vir aqui dialogar com a população, desde que está prevista essa obra, que começou a ser vista em 2013, e só o fez quando iniciou as obras”, explica Rodrigues, e acrescenta que o tal “diálogo” sequer foi de fato considerado. Nos encontros realizados em 2021, com a participação de uma pequena parcela da população local, o DMAE apenas informou que, nos próximos tempos, os moradores conviveriam com incômodos. “Hoje, a população acorda com barulhos na noite porque as obras acontecem dia e noite, com uma draga dentro do Guaíba abrindo o leito do rio pra passar a tubulação. Isso causa transtornos à saúde”.
Quando se trata da vida dos cidadãos locais, a situação é ainda mais grave. Segundo o pescador Rosemar Soares da Costa, morador da região de Copacabana há 15 anos: “A água daqui agora queima as pernas, queima os pêlos das pernas, cai tudo, só de entrar na água. Eu já nem entro porque sou diabético”. Ele explica que com o produto colocado na água do rio, nunca mais foi possível encontrar peixes na área. Dessa forma, o pescador, há 10 anos regulamentado, precisa andar mais de 2 km para encontrar os peixes, presentes na água corrente e limpa do Rio Jacuí, pois a bacia de Copacabana está tomada pela poluição do DMAE. “Começaram em outubro de 2020 a fazer essas obras. Eu sei porque eles avisaram de uma reunião e eu participei. Naquela época eu cantei a pedra, perguntei: vão fazer teste da água, vão analisar a água, como vai ser? Eles disseram: tá tudo certo, tudo como deve. Até hoje não recebemos nenhum documento que prove”, destaca Michele Rihan Rodrigues. Ela diz ainda que os poucos que participaram da conversa foram tratados inclusive como ignorantes. A problemática da saúde da população motivou a coordenadora do Conselho Local de Saúde a denunciar a questão da balneabilidade deficiente para a Promotoria de Direitos Humanos, a qual foi redirecionada para a Promotoria do Meio Ambiente, sob número 01304.001.124/2021. No processo, Michele sublinha a “ausência de exames e/ou de acessibilidade aos resultados dos exames que demonstrem as condições de banho nos balneários”. Mesmo com moradores constatando os problemas, o processo foi arquivado. “Não adianta eles perguntarem pra mim o que eu acho da obra. A assistente social vinha perguntar, mas chega lá e fala o que ela pensa, não o que ela me perguntou aqui”, diz o pescador.
“É uma área que a população infelizmente vai perder. Tem um aviso de que, a partir de segunda-feira, dia 17 de janeiro, o DMAE vai remover a pracinha infantil sem aviso prévio à população, sem dialogar antecipadamente sobre todas essas obras e os impactos que isso tem na vida da população”, relata Rodrigues. A área de lazer será simplesmente desmontada, e a condução do processo vem sendo inclusive agressiva: “Chegaram aqui com as crianças no balanço, mandaram as crianças saírem porque eles iam desmanchar a pracinha. Aquilo me doeu”, contou o pescador Rosemar Soares. Portanto, já é possível constatar que a situação da Prainha de Copacabana vai de mal a pior, um total descaso com a população e, também, movida pela ganância. Segundo uma moradora local que participou de uma das apresentações feitas pelo DMAE e conversou com um engenheiro, “com R$ 20 milhões a mais, seriam feitas duas adutoras e não seria necessário acabar com a praia. Vão fazer todos os canos novos puxando de uma adutora que já tem, em média 40 anos, sendo que a vida útil desse tipo de cano é de no máximo 50”. Dessa forma, o DMAE está economizando R$ 20 milhões e acabando com a Praia de Copacabana.
Fernando Costa, do Conselho Diretor da Amigos da Terra Brasil, sublinha que, “mais uma vez, estamos vendo a Prefeitura atuar de forma autoritária, e não participativa, usando de uma obra de infraestrutura importante para cidade como palco para uma “higienização”. Ali, a cultura popular está sendo excluída e desrespeitada”. Ele explica que a Praia de Copacabana tem uma característica cultural que se relaciona com a cultura dos pescadores, com os moradores locais. Isso porque, ali não são comuns pessoas que iriam veranear ou frequentariam o lugar esporadicamente. Costa relata que, “apesar de tudo, a cidade se reinventa e cria espaços de cultura, e esses são os espaços preferidos da prefeitura para serem ”higienizados”, ”limpos” e excluídos do mapa cultural da cidade”.
A obra do SSA na Praia de Copacabana já foi usada como “moeda de troca” para a aceitação do Condomínio do Arado Velho, e a situação vem piorando. O conglomerado imobiliário tem um acordo com a prefeitura que garante esse empreendimento. Dessa forma, tem sido feito um esforço nos últimos tempos para garantir a alteração de leis, de regulamentações específicas para o empreendimento, movidas na Câmara de Vereadores em prol do lucro. “Como não poderia faltar, aparece aqui novamente a velha tática de dividir para conquistar. Se coloca a situação da Lomba do Pinheiro ou da falta de infraestrutura de abastecimento de água da cidade como se elas fossem de responsabilidade dos moradores de Belém Novo. Como se devessem abrir mão do seu espaço cultural para garantir que a população da Lomba do Pinheiro tivesse água”, coloca Fernando Costa. Ele destaca que esta tática é bem comum tanto na iniciativa privada, para especulação imobiliária, quanto na prefeitura, pelo prefeito Sebastião Melo, o qual usa desses artifícios imorais para garantir o seu governo com o desgoverno.
A Amigos da Terra se posiciona terminantemente contra essa atitude da Prefeitura e se coloca a favor do diálogo, da discussão de uma solução na qual os moradores sejam ouvidos. É imperativo que a população seja escutada e que não haja fatos consumados. A Prefeitura não pode assumir essa postura autoritária que vem construindo nesse pouco tempo de governo.
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