BRASIL À VENDA

A avalanche de concessões de parques e praças brasileiros à iniciativa privada

A nível Federal, Estadual e Municipal, a elite brasileira, sob o verniz do patriotismo, decidiu confirmar a profecia de Raul Seixas e alugar o Brasil. Há uma engrenagem muito bem azeitada para realizar a venda dos bens comuns do país. Bens comuns, pois a biodiversidade e a natureza da qual fazemos parte é de todas e todos. Discordamos do ideal neoliberal de que elas possam estar a serviço do enriquecimento de alguns que, pelo uso da manipulação ou da força, dizem-se donos para pilhar e vender, frente à miséria da imensa maioria da população.

Brasil de Parcerias. Imagem: Portal PPI

O país é hoje cercado pelo projeto de entrega para a Iniciativa Privada de todos os lados. O portal do Programa de Participação e Investimentos do governo federal apresenta projetos em estudo e em andamento nas áreas de ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, mineração, energia,  logística, pesqueira, portuária, de comunicações, passando por creches, presídios, empresas públicas como Dataprev, Telebras, Serpro em todos os estados, EBC, Eletrobras, Correios e, como foco desse material, a privatização de áreas públicas como florestas, parques nacionais e estaduais. No mapa são 117 projetos em andamento, os quais conferem uma ideia visual da entrega na gestão de áreas centrais para o país.

As Parcerias Público Privadas (PPPs) – contratos de prestação de serviços de médio e longo prazo (de cinco a 35 anos) firmados pela Administração Pública e regulados pela Lei nº 11.079/2004 – preveem a implantação de infra-estruturas necessárias para a prestação de serviços contratados pela Administração e dependem de iniciativas de financiamento do setor privado. Estas são, junto ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) – destinado à interação entre o Estado e a Iniciativa Privada por meio do estabelecimento de contratos de parceria para execução de empreendimentos públicos e medidas de desestatização –  manifestações do trabalho conjunto entre o Poder Público e Privado. Enquanto isso, as denominadas “concessões” – cedência de bens públicos ao setor privado – fecham o ciclo.                                    

Na esfera prática, entre as transições público-privadas, há o estabelecimento de programas como o “Adote um Parque”. Este, promulgado em fevereiro de 2021 pelo Governo Jair Bolsonaro, tem como objetivo a privatização de UCs (Unidades de Conservação) federais. É oportunizado, portanto, que pessoas físicas e jurídicas privadas “adotem” ou seja, paguem um valor de 50 Reais ou 10 Euros por hectare, assim se tornando os responsáveis pelo território adotado. Enquanto isso, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vem desenvolvendo o “Programa de Estruturação de  Concessões de Parques Naturais”, o qual é voltado para a desestatização de serviços de visitação de parques naturais. Dessa forma, ele privatiza áreas naturais e “estrutura” o turismo em locais anteriormente protegidos e preservados. Para além desses dois programas a nível federal, nos quatro cantos do Brasil os espaços públicos nas cidades vem sendo privatizados. “Antes, o Adote um Parque era só Amazônia e o BNDES, era nacional. Mas agora o Adote um Parque já é nacional com a ampliação para o Cerrado”, explica o Coordenador do Programa Amazônia da Terra de Direitos, Pedro Martins.

 O governo brasileiro vem, nos últimos anos, adotando uma política geral de privatização dos bens nacionais, tanto de natureza, quanto de espaço público.  Por o país ser conhecido mundialmente por sua vastidão de recursos naturais, é de interesse de empresas transnacionais e internacionais a posse desses recursos e de recortes do território, um dos motivos pelos quais a Amazônia já foi tão desmatada. A alta do Dólar americano e a desvalorização do Real colocam o Brasil em dívida crescente e em uma onda de cortes de gastos, o que motivou o governo a tentar privatizar e extrair recursos financeiros de todas as formas possíveis, independentemente das consequências. Com a pandemia da COVID-19, a situação tomou uma gravidade ainda maior: “Como o Ministro Salles mencionou numa reunião ministerial: vamos aproveitando a pandemia para ir fragilizando essa legislação protetiva do meio ambiente. Poderíamos dizer que nós estamos no Brasil, especificamente em Porto Alegre (RS), também assistindo a passagem de uma enorme boiada urbanística”, diz a Diretora Geral do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), Betânia Alfonsin. 

O Programa “Adote um Parque”

O Programa “Adote um Parque” chega para contribuir com a perda de identidade original brasileira. “Ele já tem nove meses de funcionamento desde a sua criação, e agora está nesse momento importante de avanço dos protocolos de intenção firmados entre as empresas e o Ministério do Meio Ambiente. Ao mesmo tempo, ainda não se tem nenhum caso de iniciativa concreta de adoção de empresas em parques e/ou reservas extrativistas, ou qualquer outra modalidade de UCs”, destaca o Coordenador do Programa Amazônia da Terra de Direitos.

Com a adoção de Unidades de Conservação,  a pessoa física ou jurídica privada, grande parte no formato de empresas, como é o caso do Carrefour, ganham direitos. Elas precisam das chamadas “contrapartidas”, garantidas no decreto que firma o programa. “As grandes corporações como Coca-Cola, Carrefour e Heineken já deram largada nesse processo, mas outros investidores podem ainda estar sondando se o Programa Adote um Parque realmente vai prosperar e se ele vai ter benefícios concretos para as empresas”, explica Pedro Martins. Podem ser identificadas três formas de contrapartida criadas pelo programa. Primeira: IDENTIFICAÇÃO. O projeto prevê que as empresas que fazem essa doação de bens e serviços possam utilizar placas para atividades dentro das unidades de conservação. Segunda: PUBLICIDADE. Ou seja, tentam vender uma marca de sustentabilidade, um projeto de sustentabilidade da empresa. Terceira: USO DIRETO. O projeto prevê o uso direto da empresa na Unidade de Conservação adotada, e que está condicionada apenas à decisão do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e ao Plano de Manejo. Assim, a organização passa a depender da empresa adotiva para atuar e tomar qualquer decisão. “Ele foi pensado para transferir responsabilidade do Estado brasileiro, do Governo Federal, para empresas na gestão dos territórios. Pois, da feita que não há orçamento para gestão das UCs, mas o governo supostamente oferece uma alternativa, tudo o que vier de demanda desses territórios para a gestão das UCs, o Estado vai ter uma resposta que é o programa Adote um Parque”, sublinha Martins.

O Plano de Manejo é um documento político que traz as diretrizes norteadoras do uso do território das UCs. Se os mecanismos de gestão estiverem nas mãos das empresas, a autonomia de quem reside nos territórios, ou seja, os povos nativos e as famílias, não existiria mais. A lógica do projeto é tirar o ICMBio de cena. “Existe uma perda da autonomia das comunidades se tratando de como vão gerir seu território quando é uma empresa, ou seja, quando não é um ente estatal, que está intermediando essa relação”, destaca Pedro Martins.

O Brasil como um todo

A nível Federal, as FLONAS (Florestas Nacionais) localizadas nos municípios gaúchos de  São Francisco de Paula, de Canela e de Passo Fundo foram qualificadas no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) e incluídas no PND (Programa Nacional de Desestatização) pelo CPPI (Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos) em 19 de Fevereiro de 2020 via Resolução CPPI n° 113. “Floresta Nacional é para uso de madeiras. Eles querem incrementar também o turismo nas FLONAS. Elas teriam menos restrição, permitem a retirada de madeira, principalmente de árvores exóticas. Essas florestas foram criadas para haver uma exploração florestal, mas dentro de um Plano de Manejo”, explica o doutor em Ecologia e Recursos Naturais, Paulo Brack. Como justificativa, o CPPI alega que a concessão desses bens públicos para a iniciativa privada levaria ao apoio à visitação, à conservação, à proteção e à gestão das unidades. “Nas FLONAS, existe uma dupla possibilidade dessa chegada mais incisiva do setor privado. Essas FLONAS do Sul estão com uma tendência de serem aproximadas do setor privado, no quesito do uso público, da visitação. Isso as assemelha ao processo de concessões que se vê em outros parques nacionais”, explica o analista ambiental, doutor em Ecologia Social, Professor de Desenvolvimento Territorial na UFRJ(Universidade Federal do Rio de Janeiro) e diretor da ASIBAMA-RJ(Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro), Breno Herrera.

Contudo, vale ressaltar que a concessão não atribui nenhum direito sobre a titularidade da floresta concedida, ou seja, o patrimônio continua sendo da União. Cabe aos concessionários investir para melhorar as condições e a infraestrutura para visitação às Unidades de Conservação, o que será viabilizado, pelo menos em parte, pelo montante obtido com os ingressos cobrados para a visitação. “A elitização decorrente desses aumentos de tarifa incide diretamente na impossibilidade de acesso de pessoas de baixa renda aos parques nacionais”, sublinha Herrera. A iniciativa envolve investimentos da ordem de R$ 8,4 milhões para a Flona de Canela e R$ 6,2 milhões para a Flona de São Francisco de Paula, já nos primeiros dois anos de contrato, cujo prazo total é de 30 anos. 

Ainda em âmbito Nacional, os parques de Aparados da Serra (RS) e da Serra Geral (RS), ambos localizados na região de Cambará do Sul, têm suas concessões integradas ao PPI do Governo Federal. Entre elas, se aplicam a concessão de serviços de apoio à visitação, ao turismo ecológico, à interpretação ambiental e à recreação em contato com a natureza, segundo o Governo Federal. No dia 12 de agosto de 2021, em Brasília, tais Unidades de Conservação, que abrigam os cânions Itaimbezinho e Fortaleza, foram leiloadas e arrematadas à empresa Construcap. No dia 20 do mesmo mês,  estabeleceu-se que, a partir do dia 1 de setembro, a cobrança de ingressos no Parque Nacional Aparados da Serra passaria a vigorar. O valor inicial ficaria entre R$35 e R$55 nos primeiros três meses e, a partir de dezembro, subiriam  para  R$50 e R$80, quando até a concessão do espaço, a entrada era gratuita “As estruturas hoje previstas para serem construídas no Aparados da Serra são absurdas! São gigantescas, com muito concreto, com desmatamento, com vidro, acrílico, artificialização da paisagem… Isso atrai as pessoas que têm menor cultura pela natureza, porque por estarmos afastados dela, a gente acha coisas transformadas bonitas. Então eles vão investir em grandes estruturas que vão causar grandes impactos”, declara Paulo Brack.  

Como contrapartida,  desenvolveu-se um projeto com o objetivo de integrar as comunidades locais à rotina das UCs concessionadas. É uma forma de incremento econômico para essas pessoas que mais precisam e que legitimamente estão mais envolvidas na sociobiodiversidade. “Existem outras possibilidades de geração de emprego sem esse intermediário de grande porte como uma empresa privada. Alguns modelos são, por exemplo, a contratação direta de agentes temporários ambientais (ATAS). Tem também a possibilidade legal bem recente de uma lei publicada em 2018,  que ampliou o escopo dos chamados brigadistas, que são contratados já historicamente por parques e reservas para combater o fogo, ampliou o escopo para que os ATAS possam trabalhar com funções de apoio à gestão das UCs além do manejo do fogo”, diz Breno Herrera. Ele explica que outra modalidade seria o fomento ao cooperativismo local na operação de ecoturismo de uso público. Dessa forma, o governo poderia capacitar moradores locais, estimular a formação de associações ou cooperativas. Essas – formadas por pessoas da região, os chamados mateiros, ribeirinhos, quilombolas – podem operar diretamente o chamado “uso público”, fazendo ali a sua organização comunitária e continuando a zelar pelos espaços ancestrais,  os quais moram e protegem há  muitas gerações. 

Estados em transe

A nível Estadual, o “Programa de Estruturação de  Concessões de Parques Naturais”, do BNDES, marca presença. Para poder ser incluído no programa de concessões, os parques devem ser primeiramente adicionados ao PPI (Programa de Parcerias de Investimentos).  Essa tal “estruturação” é uma espécie de desestatização (também conhecida como privatização). “Lendo as minutas, dá pra ver que eles partem da lógica de olhar a Unidade de Conservação como uma oportunidade de desestatização. Eles entendem que com a concessão, existe menos carga atribuída ao Estado, e aí se tem uma oportunidade de negócios para o setor privado”, explica Paola Stumpf, analista ambiental da ASSEMA/RS(Associação dos Servidores da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul). O programa usa como uma de suas justificativas a premissa de que os parques naturais brasileiros precisam desenvolver o turismo. Contudo, esses lugares englobam muito mais do que apenas a questão turística, tendo como característica a proteção à cultura e à sociobiodiversidade. “É claramente visível que quem constituiu aqueles documentos e trabalhou nessa modelagem não tem muito conhecimento do que é uma Unidade de Conservação e nem do que é uma  legislação que regra esse assunto”, destaca Rafael Caruso Erling, biólogo e analista ambiental da ASSEMA/RS. Por esse motivo, nota-se que o objetivo principal do programa é o lucro, como o de qualquer empresa. “Há todo um movimento de despossessão de populações de baixa renda e de compra e tomada de terras públicas, para justamente converter tudo isso em mercadoria”, explica Betânia Alfonsin. 

Conforme notícia do próprio BNDES, em Janeiro de 2021 o banco já havia assinado contrato com seis estados (Tocantins, Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul), totalizando um conjunto de 26 Unidades de Conservação e outros ativos correlatos que seriam concedidos à iniciativa privada. “Está existindo a participação dos técnicos de cada Estado, respectivamente. No Mato Grosso do Sul, o processo vai levar um pouquinho mais de tempo, justamente porque houve contribuição dos técnicos e analistas, e o processo está sendo corrigido/adequado, dentro do possível, para melhor trâmite”, relata Erling. Ele sublinha que a questão de o processo estar sendo centralizado e com pouca participação tanto dos analistas quanto da sociedade, é  característica exclusiva do Rio Grande do Sul.

 O BNDES ainda previa assinar contratos com outros estados em breve. Na época, 10 UCs de Santa Catarina, Amazonas e Goiás estavam em processo de análise para integrar o programa. Pelos contratos, o banco vai oferecer apoio, avaliação, estruturação e implementação de projetos visando à concessão dos parques. Contudo, as concessões não deixam claro quais os seus limites. O escopo do BNDES fala em desestatização, ou seja, o Estado cada vez tem menos ingerência na área. “O que acontece é que o programa de Estruturação de Concessões (BNDES) pode até ser mais violento, porque nele, a empresa realmente é a gestora, enquanto no Adote um Parque ela intervém na gestão”, explica Pedro Martins. Assim, a função de conservação acaba ficando diminuta dentro de um objetivo de ganhar dinheiro. “Eles falam assim: nós não vamos privatizar, vai continuar sendo patrimônio público, inalienável, mas nós vamos conceder. Na prática, isso é uma concessão, é uma privatização! Porque durante todo esse tempo, quem vai estar lucrando em cima dessas áreas naturais, é a iniciativa privada”, destaca a membro do Coletivo de Comunicação do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), Grasiele Be .

No Rio Grande do Sul, entre as 23 Unidades de Conservação existentes, cinco já integram o programa do BNDES: Parque Estadual do Caracol, Parque Estadual Delta do Jacuí, Parque Estadual Tainhas, Parque Estadual do Turvo e o Jardim Botânico de Porto Alegre. “O programa do BNDES é voltado estritamente para parques naturais, então já vem com uma ideia de que parques naturais no Brasil não impactam as populações. Porque eles são UCs de proteção integral, portanto não é pra ter pessoas morando nesses lugares. Acontece que vários deles tem conflito de sobreposição com outros territórios, sejam eles quilombolas, terras indígenas e outras comunidades tradicionais”, sublinha o Coordenador do Programa Amazônia da Terra de Direitos. A ONG Instituto Semeia é a principal parceira do banco nesse projeto das concessões. O apoio do BNDES envolve parques naturais – Unidades de Conservação de proteção integral reguladas pela Lei 9.985/2000 (Lei Federal que instituiu o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) – e estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das UCs. “Uma empresa que foi concessionária de um parque, usando o exemplo do Parque Estadual do Turvo, vai querer impor que se faça o asfaltamento da estrada, coisa que não existe hoje. Aumentar a velocidade de automóveis poderia promover o atropelamento de animais, como onças que existem lá. O Turvo é o parque do Estado que, sob a ótica das concessões, possui a maior quantidade de espécies ameaçadas da fauna e da flora”, comenta Paulo Brack. 

Porto Alegre à venda

A nível municipal, na cidade de Porto Alegre, a concessão de parques e praças é uma crescente. “Isso é uma lei que foi aprovada na Câmara de Vereadores. O espaço público é público. Porém, não há nenhuma ingerência ou Plano Diretor com relação à concessão ou não dos espaços públicos”, explica o advogado Felisberto Luisi.

Entre as principais concessões já efetivadas,  encontram-se, por exemplo, o Parque Harmonia e o Parque Germânia. Este último, como explica Luisi, “é um parque privado, não é um parque público. Parque público é aberto, em que as pessoas podem entrar a qualquer hora, não há qualquer restrição de acesso, como é a Redenção, o Marinha e o Chico Mendes, que são parques abertos que a população entra a qualquer horário”. No caso do Harmonia, o Secretário Adjunto de Parcerias, Jorge Murgas, explica: “O Parque Harmonia basicamente hoje não tem muita atividade para que as pessoas possam utilizar aquele bem, com exceção da Semana Farroupilha. Então o município, na gestão passada, optou por  receber estudos através de um procedimento de manifestação de interesse, para modelar a concessão do Harmonia e aquele espaço se tornar mais qualificado, receber alguns equipamentos e os cidadãos possam usar ele”. Ou seja, os casos atuais podem ser vistos como exemplo daquilo que seria passível de acontecer com a concessão de parques e praças na cidade. Quanto aos últimos processos em execução, estão em voga  os parques Marinha do Brasil, Parcão e o Parque da Redenção. “Nós estamos estudando o Marinha, Orla Trecho 3, Parcão, Redenção. Mas tudo está numa fase muito inicial para se estudar  a possibilidade da concessão. Já estava no programa, já havia começado”, declara Murgas.

A ideia é que não sejam cobrados ingressos para circulação de público, mas, assim como no caso do Parque Harmonia, já privatizado, quem quiser usar a roda gigante ou consumir na churrascaria, por exemplo, vai precisar pagar. Desse modo, o parceiro privado tem o direito de instalar atividades econômicas dentro do espaço comprado.  “Nós tínhamos o orquidário, o único público de Porto Alegre, e aí o ex-prefeito Nelson Marchezan Jr. passou os tratores por cima. Agora vão ser colocados ali uns cinco ou seis contêineres. Um vai vender fruta, o outro vai vender flor, outro vai vender torrada, suquinho… Vai dar em tese uma socializada no parque? Vai. Mas nós continuamos achando que vamos sair perdendo. Gostaríamos que o nosso orquidário continuasse lá, mas, já que o prefeito de Porto Alegre, em acordo com a Câmara de Vereadores tiraram isso de lá, nós não podemos fazer nada”, relata o atual prefeito da Redenção, Roberto Ivan Jakubaszko. Segundo o Secretário Murgas, as concessões permitem o desenvolvimento de espaços de entretenimento, de forma que “no fim, o pessoal vai ter uma cobrança, mas não para acesso ao parque. Então, essa operação acaba sendo administrada pelo concessionário e nesse período ele vai obter resultado financeiro por administrar todo parque e implantar essas melhorias”.

Juridicamente falando, o processo de concessão de parques e praças é considerado algo novo, ainda estudado e sujeito a adaptações. “Conceder praças e parques é algo muito novo, é diferente da privatização. Precisa modelar ele economicamente para que  possa ser sustentável e para que esse parceiro possa fazer os melhoramentos. Então, não é algo muito simples”, explica Jorge Murgas. Em termos práticos, o Secretário Adjunto explica que a execução de concessões no município de Porto Alegre funciona da seguinte forma: primeiro, o estudo de proposta de local para concessão é recebido e analisado. Se viável economicamente, o poder público pode ter interesse em conceder aquele espaço por várias razões. “Entre elas, se pode considerar uma subutilização do espaço, a falta de equipamento público de qualidade para o cidadão utilizar… Quando o estudo é aceito, se começa a elaborar o edital”, explica Murgas. Geralmente no estudo já vem uma modelagem jurídica, onde estarão presentes as diretrizes do edital de concessão e os contratos. O edital de concessão, a partir daí, vai para o Tribunal de Contas do Estado, que o analisa e então se manifesta, fazendo as suas considerações ou não. A partir disso, o poder público licita a concessão por determinado período. A lei responsável pelas concessões é a Lei de Mobiliário Urbano 12518. Já a Lei 12559, de 2019, é a que  autoriza a concessão de praças e parques urbanos. Por último, mas não menos importante, a Lei 9875, de 2005, instituiu o Programa de Parcerias Público-Privadas e estabeleceu o Conselho Gestor de Parcerias, responsável por cuidar dos processos de concessão.

“No momento em que se começa a passar para a iniciativa privada, se ela não tem o olhar do ente público, ou do servidor público, ou do funcionário público, aquele que defende o interesse do cidadão, ela passa a defender o interesse privado. Quando isso acontece, o espaço começa a ser elitizado e a excluir as pessoas”, explica Felisberto Luisi. É sabido que quando um espaço se torna um disparador econômico, a parcela da sociedade que não se encaixa em seus padrões, como o caso de pessoas em situação de vulnerabilidade, são automaticamente excluídas ou deixam de frequentar o lugar voluntariamente, pois são comumente rechaçadas. “Ou seja, se acaba afastando mais as pessoas pobres, seja pela impossibilidade material de chegar, seja pelo constrangimento em espaços que tu não se sente à vontade de estar ali porque não se sente à altura daquele ambiente. Trata-se de uma questão de auto-estima em função dessas diferenças sociais impostas”, atesta o presidente do Instituto de Arquitetura Brasileiro do Rio Grande do Sul (IAB-RS), Rafael Passos. Tal constrangimento pode ser percebido factualmente na cidade de Porto Alegre: “Mesmo a Orla do Guaíba, que aparentemente é utilizada por uma grande massa das pessoas, é excludente, por mais que as pessoas digam que frequentam. Chega um determinado horário que eles tem que se retirar, não é um espaço livre. Se a pessoa quiser ficar até a meia noite, 1 hora da manhã, ela não consegue, uma hora ou outra chega os guardas da segurança privada. Então a permanência no parque é restringida”, sublinha Luisi.

A batalha pela administração de parques e praças no Brasil é densa e passível de muitos debates ainda nos próximos anos. O futuro do país é desconhecido, mas a firmeza do cidadão e dos movimentos sociais são as únicas capazes de mudar o curso da história.

Uma resposta para “BRASIL À VENDA”

  1. É incrível, que neste momento, onde a natureza nos mostra a importância das relações entre as espécies, com o COVID demonstrando a força dos impactos ambientais na saúde do planeta, que a conservação da biodiversidade esteja sendo tratada como um fator secundário, superficial. Agora, mais do que em qualquer outro momento devemos conservar as áreas naturais que restam, cuidando de todas as formações florestais, campestres e dos recursos genéticos que as compõem. Pensando no bem da humanidade e dos outros seres que vivem no planeta, que fornecem o equilíbrio necessário para a vida. Não é o momento de lucrar com os recursos naturais, destruindo-os e elitizando-os.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress