Ato do dia 5 de Fevereiro marca a luta contra o racismo e pelo fim dos assassinatos a pessoas negras
No dia 24 de janeiro de 2022, o congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, foi brutalmente espancado até a morte por três homens no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Os assassinos respondem por homicídio doloso duplamente qualificado, pois houve intenção de matar e a vítima foi impossibilitada de se defender. O jovem sofreu pauladas, golpes de taco de beisebol, foi amarrado e sufocado. Após grande repercussão do caso, no dia 5 de fevereiro, as cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e mais 30 outras pelo país se somaram em atos contra o racismo e por justiça à Moïse e a Durval.
A Orla Rio, concessionária responsável pela operação e manutenção de mais de 300 quiosques localizados nas praias do Rio de Janeiro, decidiu conceder à família de Moïse , o quiosque no qual ele trabalhava, para que pudessem tocar seu próprio negócio. Contudo, hoje, dia 8 de fevereiro, o atual dono do empreendimento, Celso Carnaval, de 81 anos, diz que pretende continuar como operador do local: “Vou devolver o que?”. O referido quiosque é alvo de processo judicial desde Junho de 2021 que envolve a concessionária e Carnaval, no qual a concessionária pede reintegração de posse por diversas irregularidades, incluindo a entrega da operação do estabelecimento a um estranho sem consentimento da Orla Rio.
Os crimes de racismo neste breve início de 2022 não param por aí. Na última quarta-feira, dia 2 de fevereiro, o trabalhador brasileiro Durval Teófilo Filho, de 38 anos, foi morto ao ser baleado pelo Sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra, quando tentava entrar em seu edifício, em São Gonçalo, região Metropolitana do Rio. O assassinato se deu, segundo Bezerra – indiciado inicialmente doloso (sem inteção de matar) e apenas depois de o povo muito reclamar, por homicídio então culposo (quando há inteção de matar) – porque ele teria “confundido” Durval com um bandido. Tanto Durval quanto Moïse foram acometidos pelo mesmo mal: RACISMO. “Nossa origem é essa. Somos descendentes de africanos que foram sequestrados e a impunidade, a normalidade em uma sociedade que já tem quase 400 anos de violência colonial, racista e mais o período pós abolição, com o aumento da violência e do racismo é o caldo de cultura que banaliza os corpos e territórios negros”, declara o membro da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul (FQRS), Onir de Araújo.
Os atos de sábado (5/02), realizados em diversas capitais, foram de extrema importância para denunciar e informar a população. “Houve grande participação da comunidade de imigrantes, que expôs todas dificuldades que eles sofrem ao ingressarem no Brasil: a falta de emprego, dificuldade de conseguir documentação, precarização do trabalho, violência, xenofobia, racismo”, explica a nutricionista e Pastoral Afro da Paróquia Mãe do Perpétuo Socorro, Conceição Vidal. O evento contou com a participação da comunidade congolesa, da associação de senegaleses, haitianos e angolanos, junto a entidades e organizações do movimento negro e dos quilombolas, como relatou De Araújo. “É a barbárie de volta, as pessoas perderam a noção de humanidade e veem um ser humano como uma barata, onde se possa eliminar! É ultrajante!”, diz a engenheira civil e co-fundadora do Catálogo Afro (grupo de pretas e pretas com graduação do Ensino Superior), Eliane dos Santos. Este início de ano marcado pelo sangue de pessoas negras inocentes é apenas a ponta de um iceberg que já vem se formando há muito tempo. “Os recentes acontecimentos nos fazem pensar como o processo de escravização no Brasil, que durou 300 anos, ainda está presente na sociedade brasileira”, destaca Vidal. Eliane dos Santos conta que, há 30 anos atrás, seu irmão estava indo para o colégio, num bairro de classe média alta onde eles moravam, com a pasta embaixo do braço, e a polícia o parou para revistá-lo, o agrediu e bateu nele. “Meu irmão foi preso, por desacato, pq tentou se defender das agressões! Uma tristeza na nossa família! Uma dor profunda que ficou em nós…”.
O racismo estrutural é aquele que é considerado subliminar, o qual reside nas mentes das pessoas “elas olham pessoas pretas e veem perigo, ódio, desprezo!”, sublinha a co-fundadora do Catálogo Afro. É ele que sustenta crimes como os que acometeram Durval e Moïse. De acordo com o censo do IBGE, a população negra equivale a 56% do contingente brasileiro, mas, mesmo sendo maioria , a discriminação que mata está presente no cotidiano dessas pessoas que até hoje “recebem o menor salário, tem dificuldade em acessar o sistema de saúde e de educação”, segundo Conceição Vidal. Onir Araújo, da FQRS, explica que são feitas hoje várias denúncias envolvendo relações de trabalho completamente fora de qualquer padrão humano aceitável. Ele também destaca que existe uma perseguição permanente a imigrantes que trabalham como ambulantes. “Há ausência de uma política pública de acolhimento desses povos, em especial de imigrantes de origem africana, do Haiti e de países dessa esfera de objetos da exploração econômica, social e imperialista”. Ele conta ainda que a FQRS solicitou uma audiência pública em Porto Alegre para falar sobre as várias violações de direitos que os imigrantes estão sofrendo, sobre como os entes de justiça estão monitorando, acompanhando e garantindo a efetivação desses direitos, e também sobre a violência e letalidade das forças de segurança em relação à população negra em geral. O objetivo de ações como estas são em prol de um futuro mais justo e igualitário: “temos que pensar nas nossas crianças que estão vindo, elas têm que ter um futuro melhor que o nosso, muito melhor!”, diz Dos Santos.
Entre tanta violência e racismo escancarado, o medo faz parte do cotidiano das pessoas negras: “É inconcebível que as coisas mais banais como ir ao supermercado, levar um filho ao colégio, se divertir no final de semana na frente de casa e ir ao trabalho sejam um risco de vida cotidiano”, diz Onir de Araújo. É por esse motivo que a educação é um importante elemento na luta por um futuro melhor, no combate ao racismo e na valorização das vidas negras: “Penso que temos que começar na educação, nas escolas. Desde pequenas, as crianças têm que ver o outro como igual. Precisamos continuar com a cotas nas universidades para termos uma margem maior de equiparação formando pessoas pretas instruídas, pois assim teremos mais mentes que pensem formas de combater esse racismo tão cruel que assola nossa sociedade!”, opina Eliane dos Santos.
Já basta de tanto racismo e violência. A Amigos da Terra Brasil repudia veementemente os atentados racistas cometidos contra Durval, Moïse e contra tantos outros que já precisaram morrer para que alguém os ouvisse. CHEGA!
#VidasNegrasImportam