Uma audiência pública online foi anunciada para o próximo dia 18/10, às 11h
Sem diálogo popular, constrói-se mais um ataque aos direitos básicos da população: um dia após as eleições do primeiro turno , o governo gaúcho tenta avançar com a entrega da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) para a iniciativa privada, lançando a convocação para audiência pública online com objetivo de avançar com o processo. A empresa pública é responsável pelo abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de mais de 6 milhões de usuários em 317 dos 497 municípios gaúchos e existe desde 1965.
Na segunda-feira (3), uma convocação para discutir a privatização foi publicada no Diário Oficial do Estado anunciando a audiência pública a ser realizada no próximo dia 18 de outubro, terça-feira, a partir das 11h, de forma virtual. De acordo com o governo, a audiência tem por objetivo “garantir a publicidade de todas as condições relevantes da desestatização da Corsan, bem como colher sugestões e contribuições para o aprimoramento do processo”. Processo esse que avança quase sem diálogo social, em meio a um segundo turno das eleições. Vale lembrar que a não privatização da Corsan era uma das promessas do ex-governador Eduardo Leite (PSDB).
O andamento da privatização sequer leva em consideração a possibilidade da população dizer não à venda de uma empresa que atende a um setor estratégico como o saneamento. Na proposta, não são lembrados os riscos que essa medida poderá gerar para os municípios mais pobres e para a população em geral. Na mesa, durante a audiência deverão estar representantes da Corsan, do governo do Estado, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco Genial. O link de acesso para participação será divulgado no site da Sema (Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura): www.sema.rs.gov.br/privatizacoes.
Afinal, quem disse que a Corsan precisa ser privatizada?
A verdade é que não. Em junho deste ano, um estudo da Consultoria GO Associados afirma que a Corsan possui capacidade financeira para cumprir com as metas do chamado Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, aprovado pela Câmara Federal e sancionado em 2020, sob a Lei 14.026. O próprio levantamento indica que a empresa pública gaúcha está entre as 10 companhias que cumprem as 4 exigências econômico-financeiras estabelecidas pela nova legislação: índices de margem líquida, grau de endividamento, retorno sobre patrimônio líquido e suficiência de caixa. A Corsan arrecada mais do que gasta e tem capacidade de realizar os investimentos para cumprir as metas de saneamento que o país precisa atingir, até 2033: 99% da população com acesso à água potável e 90% com saneamento básico. Contraditoriamente, o principal argumento do governo gaúcho para realizar a privatização, é afirmar, sem comprovar através de dados, que por uma questão financeira só seria possível atingir a meta com a venda de ações da empresa gaúcha.
A Corsan teve nos últimos 5 anos um lucro líquido médio de R$ 300 milhões por ano, chegando em 2020, a um faturamento bruto de R$ 3,2 bilhões. Além disso, desde 2019, ganhou na Justiça o direito de não pagar impostos federais, por ser uma empresa pública e lidar com um setor fundamental como o saneamento. Em 2021, isso gerou uma economia de R$ 126 milhões de impostos, na média, até 2033 esse valor poderia chegar a aproximadamente R$ 1,5 bilhão, mais do que o R$1 bilhão que o governo esperava arrecadar com a venda de ações na bolsa de valores. Os dados são do Sindiágua/RS.
Além disso, é importante entendermos porque dizemos que as empresas públicas são estratégicas. A Corsan, através do subsídio cruzado, cumpre com um papel que empresas privadas não cumpririam: de investir recursos em municípios cuja arrecadação das tarifas é mais baixa do que os custos de operação do sistema de tratamento.
Reafirmamos que a água é um bem público e o acesso à água potável deve ser assegurado pelo Estado sem torná-lo uma mercadoria, onerando a população. Sabemos que municípios empobrecidos sofrerão mais com a lógica de mercado e podem ter sua segurança hídrica comprometida, pois a iniciativa privada tende a se interessar somente por cidades grandes e ricas para destinação de recursos. É preciso articulação para barrar esse retrocesso, primeiro enterrar a privatização da Corsan, e em um novo governo, reverter a legislação privatista do Novo Marco Legal do Saneamento, que visa beneficiar as empresas privadas.
Sempre é tempo de reverter ações que não beneficiam o povo. Seguindo o exemplo de países europeus, como aponta um estudo do Instituto Transnacional (TNI), que entre 2000 a 2019, 312 cidades em 36 países reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto. Entre elas, Paris (França), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina) e La Paz (Bolívia). No país vizinho, Bolívia, nos anos 2000, uma massiva mobilização popular conseguiu expulsar a transnacional norte-americana, Bechtel Holding, que geria o sistema de água e esgoto de Cochabamba, região central do país, após o aumento de até 200% no preço da água, em um episódio que ficou conhecido como a Guerra da Água.
Com todos os indícios que a Privatização da Corsan não vai ser melhor para a população, o Governador Leite insiste neste erro. Com certeza está pensando em seus próprios interesses e não no benefício do povo.