A Amigos da Terra Brasil recebeu, no final do ano passado, ordem de desocupação de sua sede, a CasaNat, movida pela Advocacia Geral da União (AGU). Na sexta-feira (14), a juíza responsável pelo processo negou o pedido da AGU.
A Advocacia Geral da União (AGU) teve seu pedido de reintegração de posse da CasaNat negado na última sexta-feira (14) pela juíza Ana Paula de Bortoli, da 10ª vara federal de Porto Alegre. A juíza alega que não vê urgência na solicitação da União, tampouco risco de dano irreparável na permanência da Amigos da Terra Brasil em sua sede, já que o perigo de risco ou dano alegado pela União não foi demonstrado, e por isso rejeitou a liminar de reintegração de posse. A advogada da Amigos da Terra Brasil, Cláudia Ávila, entende que existe uma disputa entre interesse público e interesse governamental no processo em questão.
A sede da Amigos da Terra Brasil, mais conhecida como CaSaNat, é um imóvel cedido pela União desde 2005 através de um contrato de cessão de uso gratuito. Desde então, a organização restaurou todo o imóvel e desenvolve ali uma série de atividades de interesse público pela defesa de uma sociedade ecologicamente sustentável e socialmente justa, como feiras agroecológicas, mutirões, oficinas, debates, distribuições de livros, entre outras. Em vinte e um de novembro de 2019, a Amigos da Terra Brasil recebeu uma notificação, entregue em mãos pelo Superintendente do Patrimônio da União no RS, Sr. Gladstone Themoteo Menezes Brito da Silva, de que deveria desocupar o imóvel em até noventa dias. A ordem vem da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, responsável pela gestão do Patrimônio da União no governo Bolsonaro. Desde o início, a União ignora o princípio da legalidade, já que a Amigos da Terra Brasil em nenhum momento até então havia sido intimada para exercer seu direito de defesa em um processo administrativo sobre cancelamento da cedência do imóvel.
Entre as mais recentes justificativas da AGU para o pedido de reintegração de posse da CasaNat está o fato de que “o Brasil atravessa uma grave crise fiscal”, e que a alienação do patrimônio público “vem sendo considerada uma alternativa importante para a reestruturação das finanças públicas da União”. A União ainda aborda a crise da COVID-19 como responsável por reduzir a arrecadação do Estado e criar a necessidade de auxílios médico e financeiro à população. “A união, além dos custos correntes, tem tido gastos extraordinários com o pagamento de benefícios emergenciais e auxílios financeiros aos Estados”, e a CasaNat entraria como um imóvel que poderia ser alienado para reduzir o defcit fiscal brasileiro. Sabemos que esses argumentos são irrisórios porque somente de janeiro a agosto desse ano há mais de 399 bilhões de reais em impostos sonegados por empresas e indivíduos no Brasil, o equivalente a cerca de 4 bilhões de bolsas família. Somente a devida cobrança dos sonegadores já acabaria com o mencionado déficit fiscal. Se somada à taxação de grandes fortunas, todo o dinheiro poderia ser revertido em políticas públicas que beneficiassem, de fato, a população.
Cláudia Ávila e Jacques Alfonsin, advogados que representam a Amigos da Terra Brasil no processo, defendem que há um jogo de interesses em questão: o interesse governamental e o interesse público. “O pedido de reintegração da União não passa de um interesse governamental esporádico, ideologicamente comprometido com uma política privatista de desmonte dos direitos sociais”, comenta Cláudia. Já o trabalho que vem sendo realizado pela Amigos da Terra Brasil, tanto em sua sede como fora dela, é todo de interesse público. Desde a participação política em instâncias de tomada decisão, como conselhos municipais e estaduais, até o próprio recebimento de recursos de fundos municipais para a realização de projetos como o das Quartas Temáticas, que acontecia na CasaNat e foi inclusive premiado enquanto Destaque Ambiental em 2007 pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM), bem como a realização de eventos como a Feira Frutos da Resistência, uma feira agroecológica de troca de saberes entre campo e cidade que reúne cerca de 500 pessoas por dia. “Importante ressaltar que, mesmo durante a pandemia, o imóvel alvo do processo de reintegração de posse tem servido como ponto de distribuição de alimentos e itens de higiene para populações vulneráveis”, destaca Cláudia. A CasaNat resiste, a Amigos da Terra Existe. Seguiremos firmes, engajados e engajadas na defesa de uma sociedade mais justa.