Não ao Marco Temporal! Do Império de Pedro II ao fascismo brasileiro, Lei de Terras e anulação da demarcação de terra indígena
Em terra brasilis, terra vermelha, terra preta, a estratégia genocida permanece intacta há 500 anos.
Artimanha do poder branco, que se faz e se constitui em espaços usurpados, marcando pela violência os corpos indígenas ao feri-los de morte e, pelo etnocídio, por meio do escondimento de sua cultura.
Nas linhas que traçam um espaço territorial dito Brasil, o racismo permanece como estratégia de uma ontologia prepotente.
Há 180 anos, em 1843, a Lei de Terras explicita o que já acontecia desde 1500: a necessidade de fazer desaparecer “o gentio”, o nativo, o índio. (https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-16/ha-170-anos-lei-de-terras-oficializou-opcao-do-brasil-pelos-latifundios.html).
Senhores de terras e sesmarias, homens de Dom Pedro II, planejaram o campo brasileiro, modelo que permanece até os dias atuais. Somente o lavrador poderoso tinha êxito no roubo de terras no interior do Brasil; tinha o poder eficaz de arrancar o indígena de suas terras, extraindo com violência suas raízes, matando-o. Era necessário que os indígenas desaparecessem e que as terras roubadas fossem registradas com o “selo branco” do colonizador.
No Brasil agrário do Império de Pedro ao fascismo bolsonarista, sesmeiros (hoje latifundiários) eram minoria e, os posseiros, maioria. Somente 0,7% das propriedades são superiores a 2 mil hectares, mas somadas ocupam quase 50% de toda área rural.
A disputa desigual por terras e suas riquezas naturais continua usando os instrumentos capitalistas institucionais, como o Legislativo e o Judiciário, por meio do lobby político com bolsos recheados de poder. Hoje, o espaço de legislação continua sendo um poder colonizador, e o judiciário, exercendo uma política branca e racista.
Mas as terras pretas e vermelhas seguem a fervilhar de vida e, em uma brecha legal aberta por seu poder cosmológico, imprime na Carta Magna brasileira, a Constituição, o direito originário. Indígenas, povos nascidos e de ancestralidade por estes territórios de linhas traçadas em cor branca, adquiriram institucionalmente, em 1988, o direito de existir e de ser.
Em maio de 2023, o sesmeiro agrário, etnocida, fez sangrar a instituição ocupada pelo Cocar, o Ministério dos Povos Indígenas, e o legislador colonizador aprovou, na Câmara dos Deputados, o PL 490/07, sobre a tese do Marco Temporal.
Neste dia 7 de junho entra, mais uma vez em pauta, no STF (Supremo Tribunal Federal), um julgamento de disputa de direitos sob o prisma da Justiça não indígena, que pode colocar em xeque este direito originário. Poderá se tornar uma decisão com repercussão geral (RE-RG 1.017.365) o resultado deste julgamento; se for desfavorável ao direito originário, será uma tentativa de esmagamento dos originários pelo poder das sesmarias de Dom Pedro II, atualizadas no agronegócio. Trata-se do julgamento de um pedido de reintegração de posse por parte do estado de Santa Catarina (SC) contra o povo Xokléng no território lãklaño, na cidade de Ibirama.
Ainda será julgada, no STF, uma ação civil originária 1.100, que trata de um pedido de anulação da demarcação da terra indígena Ibirama Lãklaño, situada no alto do Vale de Itajaí, também em SC. Esta terra indígena possui 37 mil hectares e uma população de aproximadamente 2 mil pessoas (https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3682).
Esta ação foi demandada pelo modo de exploração territorial capitalista de uma madeireira (Batistela Agroflorestal), famílias de colonos, com o apoio do governo do Estado de Santa Catarina, tendo como rés a instituição FUNAI (hoje ocupada por indígenas) e a União.
A decisão sobre esta ação influenciará a ideia de repercussão geral no julgamento do recurso sobre a reintegração de posse, pois embasa seus argumentos na tese do Marco Temporal. Esta tese coloca, em dúvida, a existência originária dos indígenas no Brasil, uma forma de seguir o ocultamento e apagamento étnico.
A história do Povo Xokleng ilustra as histórias dos povos que marcam seu modo de ser neste território, demarcado à força por linhas capitalistas colonizadoras.
Viveram caçados, escravizados, torturados, mortos por infecções, aldeados, confinados, sujeitados ao modo cidadão pobre.
Porém, sentimos os ventos movidos pelos cantos e danças desses povos e, ainda, vemos as cores da terra.
Do Império de Pedro II ao fascismo brasileiro, a cosmologia ou a ontocosmoecologia indígena faz a terra viver e pulsar por dias em que o céu não cairá!
Texto de Carmem Guardiola/ Amigos da Terra Brasil
Foto: Julio José Araujo Junior