Após o cessar-fogo: seguimos na luta para desmantelar o apartheid e pelo fim do genocídio do povo palestino

O cessar-fogo é um respiro meio a devastação, assim como um passo relevante para pôr fim à perda de vidas e ao sofrimento generalizado que o povo palestino vive, especialmente na Faixa de Gaza. Mas lembramos que o cessar-fogo não marca o fim do genocídio e do ecocídio, tampouco constitui verdadeira justiça. A ocupação israelense segue desapropriando, matando e destruindo. A celebração do cessar-fogo não pode ser sinônimo da normalização do sistema de apartheid imposto pelo Estado de Israel, e urge que este seja responsabilizado por seus crimes. 

A Amigas da Terra Brasil, integrante da Amigas da Terra Internacional, recebeu com alívio a notícia do novo acordo de cessar-fogo. Por mais que este passe por um processo de intensa fragilidade, ameaças e contradições, ele é fundamental para assegurar melhores condições na construção da luta palestina. Expressamos o sincero reconhecimento a todos nossos grupos membros, pessoas aliadas e simpatizantes, por nos apoiarem na defesa dos direitos de pessoas palestinas e por lutarem conosco por justiça na Palestina.  Nos solidarizamos à causa e seguimos no compromisso de fortalecer o apoio à Pengon – Amigas da Terra Palestina e à luta do povo palestino por sua dignidade, soberania e território.  

Apresentamos as nossas mais profundas condolências às inúmeras famílias que perderam entes queridos e às pessoas que foram deslocadas ou feridas. A devastação causada em territórios palestinos foi profunda e afetou todos os aspectos da vida, incluindo o acesso a serviços essenciais, à educação, à alimentação, saneamento, água e à dignidade humana básica. 

O povo palestino denuncia há décadas que vive sob um regime de apartheid imposto por Israel, tanto nos territórios palestinos ocupados quanto dentro das fronteiras do estado israelense. Denuncia, também, a normalização desse cenário por parte do estado sionista e seus aliados. O cessar-fogo não pode levar novamente à invisibilização e normalização da situação.  

Apartheid, conforme definições na Convenção de Apartheid e no Estatuto de Roma, é um crime contra a humanidade que consiste em cometimento de “atos inumanos com intenção de  manutenção de uma dominação racial de fato e institucional sobre outro grupo étnico sistematicamente oprimido”.  Ainda que a opressão de grupos étnicos esteja presente em várias partes do mundo, a situação imposta por Israel hoje se enquadra na definição pois além da opressão de fato, ela é também de direito. Israel se define como um estado judeu em sua constituição, e conta com pelo menos 35 leis discriminatórias contra palestinos, como impedimento à reunião familiar, confisco e limite à obtenção de terras, restrição à liberdade de locomoção com os muros da Cisjordânia e o sítio a Gaza, aplicação de estatutos militares somente a pessoas palestinas, colonização judaica de áreas palestinas por meio da força, e impedimento do direito de retorno dos refugiados palestinos. O sistema de apartheid foi reconhecido em extensos relatórios pela Anistia Internacional, Human Rights Watch e até organizações israelenses de direitos humanos como a B’tselem, e pela Corte Internacional de Justiça em julho de 2024, que declarou a violação do artigo 3o da Convenção contra todas as formas de discriminação por parte de Israel. 

Após 472 dias da intensificação de um genocídio que, na verdade, é um pesadelo real vivido pelo povo palestino há 76 anos, numa Nabka ampliada, foi anunciado um cessar-fogo oficial no início de 2025. Mas é preciso ir além. Lembramos que a memória não pode ser apagada:  Escolas, hospitais, ambulâncias e campos de refugiados palestinos foram bombardeados sem trégua pelo Estado de Israel antes do cessar-fogo. Gaza teve a luz e a internet cortadas. A falta de água e o bloqueio da chegada de alimentos, medicamentos, combustível e suprimentos para a população sangraram o cotidiano no território, onde o povo palestino e muitas crianças lutaram para sobreviver entre lonas e escombros, juntando corpos a sua volta. 

Ao destruir as condições necessárias à vida, o genocídio de Israel, financiando e armado pelo Ocidente colonial, reduziu intencionalmente a Faixa de Gaza, que ocupavam ilegalmente, a uma zona inabitável. Neste cenário de destruição, mesmo após o cessar-fogo, a perda massiva de vidas palestinas pode ter continuidade na fome, na propagação de doenças infecciosas, na falta de estruturas e na tentativa de forçar os palestinos ao exílio. Em Gaza, 19 anos de bloqueio transformaram o local na maior prisão ao ar livre do mundo, onde 2,3 milhões de pessoas não têm acesso a água potável, eletricidade e material médico. 

Desde que entrou em vigor, no dia 19 de janeiro, o acordo de cessar-fogo é constantemente ameaçado e violado pelo estado de Israel, que obstrui entregas essenciais de ajuda humanitária e suprimentos em Gaza. Além disso, vale lembrar que, dias depois do cessar-fogo, Israel lançou uma operação militar em grande escala na Cisjordânia. Atualmente, estão intensificando sua atividade militar em distintas zonas, principalmente no norte, além de isolar povos e cidades mediante o uso de mais de 898 portões e postos de controle que foram instalados. Os ataques seguem em curso, enquanto Trump fala abertamente de anexar a Faixa de Gaza mediante a expulsão de todas as pessoas palestinas. O que deixa transparecer aquela que sempre foi a intenção de Israel e de seu aliado incondicional EUA: a limpeza étnica, deslocamento forçado total de todo o povo palestino e a expansão do território israelense militarmente e por meio do colonialismo de assentamentos.  

A magnitude da destruição é assombrosa. Infraestruturas vitais foram danificadas, deixando sobreviventes navegarem por uma paisagem de dor, medo e ruína. À medida que as famílias começam a regressar ao que resta de seus lares, elas enfrentam a dolorosa realidade da perda e a difícil tarefa de reconstruir suas vidas a partir das cinzas. Essa era a realidade muito antes do genocídio e agora, mesmo depois do cessar-fogo, as consequências da devastação intensificaram dificuldades do povo palestino, fazendo com que Gaza tenha que suportar limitações ainda maiores. 

A ação, assim como a solidariedade internacional contínua, são urgentes para desmantelar de fato o genocídio e o apartheid social impostos pelo Estado de Israel. Sem uma pressão massiva, a notícia do cessar-fogo pode passar a impressão equivocada de que a paz foi alcançada. Mas a luta não findou. O genocídio pode assumir formas menos visíveis, o que facilita o caminho de desmobilizar a indignação regional e mundial, assim como de fragilizar a perspectiva de boicotes e sanções à Israel, tão fundamentais para alcançarmos a justiça. Essa desmobilização serve aos interesses imperialistas e colonialistas de Israel e dos Estados Unidos, que lucram com a criação de verdadeiros laboratórios de extermínio nos territórios de vida. É preciso despender forças, pressionando para que os culpados sejam responsabilizados pelo genocídio, e para que todas as atrocidades cometidas não caiam em esquecimento e tampouco se repitam.

A liberação da Palestina e o desmantelamento do projeto colonial isralense é uma condição para que nossas lutas pela justiça climática e soberania alimentar sejam vitoriosas. Enquanto o ocidente blinda Israel da responsabilização, suas empresas Mekorot e Netafim, que roubam águas dos territórios palestinos, vendem para a América Latina soluções “verdes” para irrigação e gestão de águas através da privatização, ameaçando comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas e de agricultura familiar. Ao mesmo tempo, a Adama vende grande parte dos pesticidas e agrotóxicos para quase todos os países da região, contribuindo para a destruição ambiental e contaminação de nossa comida. 

Só uma pressão global massiva, especialmente sob a forma de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS), pode verdadeiramente contribuir para acabar com o genocídio de Israel e apoiar a luta palestina para desmantelar o apartheid. 

Para iniciar a mudança rumo uma justiça real, nossas exigências são: 

Solicitamos a todos os governos que: 

  • apoiem economicamente a reconstrução de Gaza baseando-se na soberania do povo palestino;
  • parem a exportação e importação de todos os tipos de armas, assistência militar e peças de reposição para Israel;
  • cumpram suas obrigações de sanções a Israel com base na decisão da Corte Internacional de Justiça e de seus líderes  investigados pela Corte Penal Internacional como primeiro passo para alcançar a justiça e responsabilização de Israel

Fazemos um chamado à comunidade internacional para que tome ações sólidas e tangíveis de apoio ao povo palestino:  

  • pressionando os governos para que apliquem as medidas mencionadas;
  • pressionando as empresas que se beneficiam da ocupação do Estado de Israel para que ponham fim às suas atividades nos nossos territórios, como Mekorot;
  • compartilhando as histórias de pessoas palestinas, de suas lutas e suas demandas por liberdade e pelo fim da ocupação
  • pressionando pelo fim da impunidade de Israel e de suas corporações, exigindo que, pelo bem de toda humanidade,  sejam responsabilizados por seus crimes – o que evita que estados coloniais poderosos possam tornar nações, comunidades, povos e países em zonas de sacrifício para o seu acúmulo de riquezas, 
  • Impedir que União Europeia e Estados Unidos voltem a invisibilizar globalmente o apartheid de Israel e que este normalize suas relações com ditaduras árabes
  • Que se intensifique a pressão pela solidariedade concreta por meio de ações de boicotes, desinvestimentos, sanções e medidas políticas

Seguimos na luta por uma Palestina Livre! 

Amigas da Terra Brasil,
Janeiro de 2025

 

Leia também o posicionamento e demandas da Campanha Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS):

Confira as demandas e posicionamento da Amigas da Terra Internacional 

Saiba mais sobre o nosso posicionamento 

Oficina de Olho na Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM)

🔍 Na sexta-feira (31), ocorreu a “Oficina de Olho na CFEM”, na Fecosul, em Porto Alegre (RS). O encontro aprofundou o debate sobre o modelo mineral brasileiro. Como pesquisador da De Olho na CFEM, Eduardo Raguse, do @mam, @comite e ATBr, expôs o que é e como se dá a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) em diferentes municípios do Brasil.

🚩 Pontos como minerodependência, finitude dos recursos, falácia do desenvolvimento e injustiça econômica foram abordados. E por meio do acompanhamento e investigações dos impostos gerados no país a partir da atividade, fica evidente: Mineração no Brasil é um saque.

🚨 No atual modelo mineral, a atividade gera impactos devastadores aos povos e territórios de vida, ampliando violência, feminicídio, prostituição infantil, poluição, contaminação, devastação da natureza e adoecimento físico e mental da população. Além disso, apenas migalhas acabam sobrando para os municípios minerados, devido à baixa alíquota à CFEM e das altíssimas taxas de sonegação por parte do setor minerário.

Durante a oficina, aspectos como a falta de transparência dos municípios quanto à utilização dos recursos que vem da mineração, assim como a falta de controle social sobre seu uso, foram discutidos.

Urge construirmos outros horizontes, com mecanismos de controle social e acesso à utilização dos recursos, exigindo transparência e priorizando a utilização desses recursos para o bem-estar das comunidades e para a diversificação econômica, superando a dependência da mineração no nosso país.

Seguimos em luta por um novo modelo mineral brasileiro, soberano e popular!

Acesse a apresentação feita durante a Oficina e fique por dentro dos dados: 2025-01-31 – Oficina CFEM RS – Eduardo Raguse

O cessar-fogo não é o final, é o princípio

A Amigos da Terra Internacional,  junto à PENGON (Amigos da Terra Palestina), expressa o sincero reconhecimento e gratidão a todos nossos grupos membros, aliadas, aliados, aliades e simpatizantes, por nos apoiar na defesa dos direitos humanos de pessoas palestinas e por lutar junto a nós por justiça na Palestina. Com esse novo acordo de cessar-fogo foi dado um primeiro passo crucial para pôr fim à guerra, à perda de vidas e ao sofrimento generalizado. Isso proporcionará um alivio muito necessário ao povo palestino de Gaza, que têm suportado penúrias e destruição inimagináveis ao largo dessa guerra. 

Apresentamos as nossas mais profundas condolências às inúmeras famílias que perderam entes queridos e as pessoas que foram deslocadas ou feridas. A devastação desta guerra foi profunda e afetou todos os aspectos da vida, incluindo o acesso a serviços essenciais, à educação e à dignidade humana básica.

Este momento de respiro deve ser um momento para a reflexão e a solidariedade contínua, mas também para a ação urgente. É o momento de reconstruir e salvar o que restou de Gaza. Para alcançar isto, insistimos na necessidade de um cessar-fogo sustentado que garanta segurança e justiça para a população da Faixa de Gaza.

Habitantes de Gaza regressam ao que resta de seus lares no norte da Franja Crédito: Pengon/Amigos da Terra Palestina

Após 472 dias de genocídio, foi anunciado um cessar-fogo oficial. No entanto, é crucial estar ciente do seguinte: 

Para o povo palestino, o cessar-fogo não marca o o fim do genocídio e nem do ecocídio. O ritmo apenas diminuiu. Um cessar-fogo não é uma declaração de paz. Não constitui justiça. Não é uma forma de liberdade. Não é mais que uma pausa na contínua eliminação do povo palestino e de sua terra. Pode ser que agora as bombas tenham deixado de cair, mas a ocupação israelense segue desapropriando, matando e destruindo. 

A magnitude da destruição é assombrosa. Lares, escolas, hospitais e infraestruturas vitais foram danificadas, deixando sobreviventes navegarem por uma paisagem de dor e ruína. A medida que as famílias começam a regressar ao que resta de seus lares, enfrentam a dolorosa realidade da perda e a difícil tarefa de reconstruir suas vidas a partir das cinzas.

Dias depois do cessar-fogo, Israel lançou uma operação militar em grande escala na Cisjordânia. Atualmente estão intensificando sua atividade militar em distintas zonas, principalmente no norte, além de isolar povos e cidades mediante o uso de mais de 898 portões e postos de controle que foram instalados. 

Em Gaza, 19 anos de bloqueio transformaram a Faixa numa prisão ao ar livre, onde 2,3 milhões de pessoas não têm acesso a água potável, eletricidade e material médico.

Esta era a realidade muito antes do genocídio e agora, mesmo depois do cessar-fogo, as consequências da devastação intensificaram estas dificuldades, fazendo com que Gaza tenha que suportar dificuldades e limitações ainda maiores que a converteram em uma zona inabitável. 

Isso não pode continuar. Para iniciar a mudança rumo uma justiça real, nossas exigências são as seguintes: 

Solicitamos a todos os governos que: 

  • apoiem economicamente a reconstrução de Gaza baseando-se na soberania do povo palestino;
  • parem a exportação de todos os tipos de armas, assistência militar e peças de reposição para Israel;
  • cumpram suas obrigações em virtude da CPI como primeiro passo para alcançar a justiça e responsabilização de Israel

Fazemos um chamado à comunidade internacional para que tome ações sólidas e tangíveis de apoio ao povo palestino:  

  • pressionando os governos para que apliquem as medidas mencionadas;
  • pressionando as empresas que se benefician da ocupação do Estado de Israel para que ponham fim às suas atividades, como Mekorot;
  • compartilhando as histórias de palestinas, palestinos e palestines, de suas lutas e suas demandas por liberdade e pelo fim da ocupação  

Texto originalmente publicado no site da Amigas da Terra Internacional, em: https://www.foei.org/es/el-alto-el-fuego-no-es-el-final/ 

Ressoa o tambor: Comunidade Kilombola Morada da Paz convoca territórios de vida para atividades do Okan Ilu 2025

Ocupar corações e mentes – retomada da percepção da luta em unidade

Que pessoa eu sou se eu não lutar pelo bem, pelo belo, pelo direito de ser e existir do meu povo?” – Ìyálaṣé Yashodhan Abya Yala

Parada da Légua, durante o Okan Ilu 2024 na Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) | Foto: Fabiana Reinholz

Nos dias 17, 18 e 19 de janeiro de 2025, a Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz), convida para atividades da 10ª edição do Okan Ilu, um encontro político, espiritual e cultural para celebrar a vida em toda sua diversidade e potência. Por uma solidariedade real e radical, este é um chamamento para juventudes, povos indígenas, kilombolas, ribeirinhos e tradicionais, assentadas da reforma agrária, ocupações, movimentos sociais, população LGBTQIAP+, coletivos culturais, e defensores da terra para fazerem presença, em comum(u)nidade na luta pelo direito de ser e existir de seus corpos, povos e territórios. O encontro acontecerá nesta sexta-feira (17) em Porto Alegre, no CRIA (Centro de Referência Indígena), e terá continuidade no sábado (18) e no domingo (19), na CoMPaz, em Triunfo (RS). 

O Okan Ilu é uma confluência entre povos indígenas, kilombolas, periféricos e juventudes em luta por território, autonomia e dignidade. Um encontro entre povos que fazem viva a ancestralidade no toque com o tambor, no cortejo que traz ao lado a memória das mais velhas e semeia o futuro, no akilombar.  Povos das aldeias e retomadas originárias, que insistem em dizer seus nomes e que a terra não é mercadoria. Povos que atravessam a violência produzindo alimentos sem veneno em assentamentos da reforma agrária. Gentes que fazem e são acolhida,  arte-resistência nas periferias e ocupações que lutam por moradia. É a convergência e ressonância entre quem faz os enfrentamentos para garantir a paz e o zelo de seus territórios de vida, ameaçados por uma série de projetos de morte do capital. 

É um momento de denúncia das violações que seguem ocorrendo contra os povos, mas é, sobretudo, o anúncio de que outros horizontes, com base no envolvimento, no cuidado, no coabitar, no respeito à natureza e na coletividade, são possíveis e vêm sendo construídos. É memória viva, e é também um ato de restabelecimento entre territórios, para os seus fortalecimentos mútuos, de suas gentes e seres -assim como do sonho, da aliança, e da preparação para a luta.

Neste ano, durante os dias 17, 18 e 19, as atividades do Okan Ilu estão organizadas abordando temáticas específicas que se conectam. Entre elas, se enraízam as partilhas sobre a ancestralidade, a história, os corpos percussivos, a resistência dos povos,  corpos-territórios e a perspectiva de encantamento e diálogo com as juventudes. Por meio da arte e da cultura, conectando todos os momentos, está o tema que rege este Okan Ilu: Ocupar corações e mentes: retomada da percepção da luta em unidade.

Nesse entrelaçar de culturas e saberes, o som será o guia. Ele faz chão para as próximas gerações, ao mesmo tempo que evoca e faz presentes as histórias de luta de quem veio muito antes, vibrando num chamado que nutre, que dá ritmo ao sonho por outros mundos possíveis. É acolhimento, resistência, porta-voz da transformação.  “O Okan Ilu começou em 2015. E é o momento em que o território celebra o tambor: Okan, o coração, e Ilu, o tambor, na livre tradução do iorubá. E então começa o momento de celebração, de festejo desse ser que para além de instrumento é um ser vivo, espiritual, que historicamente mantém vivas as tradições ancestrais até hoje. O Okan Ilu é esse momento que lança um clamor, vozes múltiplas que ecoam em uníssono pelo direito de ser e existir de seus povos, de seus territórios. Em 2025, a abordagem do Okan Ilu traz a perspectiva da cultura, da ancestralidade como arte, cultura, música, dança, poesia, educação”, expõe Ogan Ayan  N’goma Muzunguê, Alabe Khan da Nação Muzunguê e jovem liderança da CoMPaz.

A cultura como manifestação e ação política também tem como intenção ser uma ferramenta, um chamado às juventudes. “ A juventude se afastou muito da luta e é preciso fazer uma retomada, numa luta interseccional, de contexto racial, de classe, de gênero, sexualidade, identidades diversas. É aquilo que Ailton Krenak fala: o futuro É ancestral. Voltar o olhar para os kilombos, aldeias, retomadas, assentamentos, é a única alternativa viável. Esse Okan Ilu, ocupar o coração e as mentes, é muito pensando nessa juventude e de gerações mais recentes muito cooptadas pelo capitalismo, pelo sistema. É pensado no sentido de como reencantar a juventude, como tocá-la. Como re-convocar as juventudes em defesa da vida e reativar os seus propósitos de lutar por seus territórios”, afirma Ayan.

Ecoa o clamor dos povos, o grito da terra
Chamamento às atividades do Okan Ilu e à festa da vida

Parada da Légua, durante o Okan Ilu 2024 | Foto: Fabiana Reinholz

No dia 17 (sexta-feira) a CoMPaz estará em Porto Alegre (RS),  fazendo um movimento do território para fora. Junto aos povos indígenas, a partir das 16h acontecerá um encontro em frente ao Centro de Referência Indígena do RS (CRIA), localizado na Cidade Baixa, na Travessa Comendador Batista, 26. O momento será de manifestar ação, em um chamamento de vida e para sonhar a vida dos povos. Nele haverá uma ManiFestaAção que tem como lema o Levante dos Povos pelo Bem Viver: organizar a esperança, dançar a resistência e curar a vida, seguido do Cortejo das Maracás ocupando as ruas, em celebração às mais velhas e anciãs dos territórios. Marcado por processos culturais, artísticos e poéticos, de onde emerge luta e a espiritualidade,  o encontro contará  com uma feira com exposição de produtos dos territórios de vida, partilha de alimentos e com a presença de coletividades que também estarão construindo os outros dias do Okan Ilu e a unidade dos povos. 

Nos dias 18 e 19, o movimento será de trazer pessoas para o Território de Mãe Preta, e as atividades acontecerão na Comunidade Kilombola Morada da Paz, na BR 386, KM 410, no Distrito de Vendinha, em Triunfo (RS), das 9h às 18h. Para confirmar presença, contatar Ayan no número (51) 98330-8955.

No sábado (18), será abordada a questão do corpo como território –  quem somos e o que situa um corpo, o que comunica. Estarão fazendo presença povos que caminham lado a lado, com enfoque nas retomadas e aldeias indígenas de diversas regiões, seja do Rio Grande do Sul, Brasil e de outros países. O dia pautará a luta dos povos em retomadas, o que é um corpo territorializado e um corpo desterritorializado, entendendo o que e a quem proteger. Também será celebrado um levante matricial nos cacicados indígenas. Com muito fluxo de energia, a data reflete sobre como colocar o corpo no mundo e sinalizar para fora a potência que há nos corpos dos povos indígenas, kilombolas, periféricos, pessoas trans, não binárias, em toda diversidade de formas de ser e expressar. 

O domingo (19), fará um retorno ao princípio do Okan Ilu. Como explica Ayan N’goma Muzunguê, Alabe Khan da Nação Muzunguê e jovem liderança da CoMPaz, a data: “Pensa o tambor falante, o som que ressoa no coração e passa pelo corpo, que é o porta voz das histórias –  histórias de muito antes, histórias do amanhã, num tempo de conexão, comumunidade e  resgate. Queremos potencializar a questão do som e todas formas de percussão, o corpo percussivo, a poesia, para além da área temática da música, que está em todas manifestações do nosso coração”. Grupos artísticos, percussivos, que trabalham a questão do som como ferramenta de luta e condutor de vida de diversas partes do Brasil estarão presentes, assim como coletivos de arte educação, comunicação e  projetos sociais com crianças e juventudes a partir da arte e da cultura. 

As datas marcam esse encontro percussivo entre juventudes e territórios de vida, assim como faz a renovação das alianças que vêm sendo construídas de outras caminhadas que mantém viva a luta negra, indígena e afrobrasileira. A partilha será de conhecimentos sobre instrumentos, do som, do fazer e do toque que ressoa no encontro de percussões. Na partilha dessas experiências e experimentações, vão se construindo alianças das histórias de vida e desses tambores que confluem no Okan Ilu.

“A cultura é acolhimento, é deixar passar pelo corpo, ter a luta e o que precisa ser dito dito em diversidade, lutando uma guerra em várias frentes. A Ya traz que com a questão da BR nos colocamos em sentido de guerra. Ao contrário de quem fala em paz mas quer guerra, falamos de guerra para salvaguarda deste território”, afirma Ayan. O Okan Ilu é: “O poder da continuidade dos conhecimentos ancestrais, para que eles possam nos auxiliar a enfrentar os dias de hoje com dignidade, sabendo de onde viemos e quem somos.” 

Solidariedade das lutas na concentração para a Parada da Légua, durante o Okan Ilu 2024 | Foto: Carolina Colorio

A Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz)  está localizada no distrito de Vendinha – entre Montenegro e Triunfo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e está sendo diretamente afetada pelo empreendimento de ampliação da BR-386, a menos de 500 metros do seu território. A expansão da BR, assim como do monocultivo de eucaliptos na região, somada a projeto de implementação de um lixão industrial de resíduos tóxicos e a instalação da central de pesagem ameaçam a comunidade, que resiste e se torna uma ilha de vida, um refúgio para onde seres migram quando têm seus territórios devastados. Em articulação com outros territórios de vida, a comunidade traz a conotação política em seus ritos, especialmente após 2020, quando em plena pandemia recebeu a notícia da ampliação da BR e agiu para barrar a légua. Nessa luta, que se irmana com tantas outras, a CoMPaz firma um processo de fortalecimento territorial radical e lembra que ninguém está só. O Okan Ilu reaviva essa memória de enfrentamento e tantas outras, consolidando um apoio mútuo entre territórios em defesa da terra e da natureza.

Esta é uma convocatória à caminhada coletiva, ao rito do tambor que emana o som da vida, para construir caminhos num encontro entre gerações para quem vem num movimento cultural de enfrentamento.  Um chamado para retornar às memórias da ancestralidade, a manter aceso o fogo de uma força milenar que está com os povos na construção e busca pela dignidade.   A todes, todas e todos que sentem vibrar no coração o ritmo da luta, que são tocados pelo som da vida e trazem no enfrentamento o celebrar, fortalecendo essa potência. 

Ecoa o clamor dos povos, o grito da terra. É tempo de combate em Território de Mãe Preta, que se expande onde a festa da vida te convida a ser com, a acontecer. Venha compor em união aos povos, aos guardiões dos territórios, à terra, ao fogo, aos ventos e folhas, serpenteando com as águas que sempre encontram um caminho.  Este é um chamado para ser parte nesse movimento de multidiversidade que tem em comum a defesa das vidas. Te esperamos nesse encontro e encaminhamento, para confluirmos, nos fortalecermos e saudarmos o tambor do coração. 

Confira como foi o Okan Ilu de 2024, que teve como ápice a Parada da Légua, quando povos em marcha pararam a BR-386, uma das ameaças que se debruçam sobre a CoMPaz

Conheça a história de luta da CoMPaz

Acesse o Protocolo autônomo e comunitário de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé da CoMPaz: O Dossiê Kilombo – Proteger, Defender e Vigiar

 

 

Série “Por dentro do Pampa: conservação, desafios e políticas ambientais” debate a relevância da defesa do bioma e de seus povos

Série lançada pela Amigas da Terra Brasil em parceria com a especialista Luiza Chomenko traz a tona reflexões cruciais sobre o Pampa. Além de contextualizar as atuais ameaças, aponta caminhos para assegurar a defesa dos direitos humanos e dos povos, assim como do bioma

Os desmontes em proteção ambiental e em políticas que incluem a natureza, assim como o avanço de novo ciclo de monocultivos no Rio Grande do Sul (RS), se entrelaçam com antigas violências que incidem nos territórios de vida gaúchos. As nascentes e águas que correm, os banhados e os campos nativos, assim como a cultura dos povos tradicionais, quilombolas e indígenas e todo o bioma Pampa estão ameaçados. Mas a luta continua, e a defesa dos biomas e dos povos é crucial para frear a emergência climática e garantir direitos.

A pesquisadora e doutora em Biologia, Luiza Chomenko, se dedica há mais de três décadas à questão socioambiental e à defesa do Pampa, que significa, também, a defesa de nossas vidas. Na série “Por dentro do Pampa: conservação, desafios e políticas ambientais” trazemos esse debate à tona na voz de Luiza, salientando as riquezas do bioma, que estão especialmente nas suas gentes e histórias. Além disso, a especialista compartilha seus conhecimentos e reflexões sobre o atual contexto do Pampa, que está sob ameaça com uma série de projetos que, em nome do lucro, ignoram os ciclos de vida.

Confira mais sobre o Pampa no livro “Nosso Pampa desconhecido”, organizado por Luiza Chomenko e Glayson Ariel Bencke

A série conta com quatro vídeos, em que Luiza aborda a relevância da cultura do Pampa e de suas gentes, que se conectam e coabitam com os ciclos de vida do bioma. A pesquisadora destaca a diversidade de fauna e flora entre banhados, zonas úmidas e áreas campestres, apresentando também reflexões sobre crédito de carbono e os impactos dos monocultivos – que de plantios industriais de árvores à expansão da soja no RS, causam o descampamento do Pampa, a remoção de comunidades tradicionais e o risco de eliminação de espécies.

No primeiro vídeo, Luiza expõe qual é a atual situação do bioma, destacando a importância de sua preservação. Aborda, ainda, as dificuldades em relação a políticas efetivas que valorizem na prática a sociobiodiversidade. Ponto que, quando não é considerado, coloca em risco a sobrevivência do Pampa.

No segundo vídeo da série, a pesquisadora e doutora em biologia se debruça na importância inestimável do bioma, que abriga milhares de espécies e uma diversidade singular. Também expõe a relevância dos povos e da cultura que nele coabitam, indicando que uma das maiores riquezas deste está na sua gente e na sua cultura, intimamente conectada à natureza.

Neste episódio abordamos como os modelos inadequados de uso de solo, nas áreas rurais e urbanas, se relacionam às ameaças ao Pampa, colocando em risco a própria sobrevivência de comunidades tradicionais – forçando sua remoção e causando impactos ambientais, culturais, psicológicos e emocionais. Luiza fala das consequências do descampamento, fenômeno de devastação do campo, que também elimina espécies de relevância global e espécies endêmicas, quando o RS possui extensas listas sobre fauna e flora ameaçadas de extinção. Pontos ignorados, mas que são fundamentais na formulação de ações e políticas em defesa do Pampa.

A defesa dos biomas e dos povos é fundamental para garantir direitos humanos, territoriais e para frear a emergência climática. Seguimos em luta pela preservação do Pampa e pela dignidade de seus povos ✊🏼🌿

Nota de Apoio à permanência do Programa Cantos do Sul da Terra

A organização Amigas da Terra Brasil vem, por meio desta, manifestar seu apoio ao programa Cantos do Sul da Terra, que foi recentemente encerrado por decisão de Caio Tomazeli, secretário de Comunicação do governo de Eduardo Leite (PSDB). Este programa é de extrema importância, pois representa uma das poucas iniciativas que coloca a cultura regional como um elemento diverso e interconectado com a história da América Latina e com o território pampeano.

O Cantos do Sul da Terra tem mostrado, ao longo de sua trajetória, não apenas a riqueza da expressão cultural local, mas também a pluralidade de manifestações artísticas que dialogam com as raízes e as tradições dos povos que habitam essa rica região. Ao promover a cultura regional em sua diversidade, o programa se torna um espaço vital para a valorização das identidades locais e para a formação de um diálogo cultural mais amplo.

A decisão de encerramento do programa não apenas compromete essa diversidade, mas também limita a possibilidade de conhecimento e apreciação das múltiplas vozes que compõem o cenário cultural do Sul do Brasil e de toda a América Latina. A hegemonização das narrativas culturais é um processo perigoso, que pode levar ao apagamento de identidades e à perda da riqueza cultural que caracteriza nossa sociedade.

Por isso, fazemos um apelo às autoridades competentes para que reavaliem essa decisão e mantenham o programa Cantos do Sul da Terra como um potente espaço de resistência cultural, diálogo e educação. A preservação da cultura local deve ser uma prioridade, e o Cantos do Sul da Terra é um caminho fundamental para garantir que essas vozes sejam ouvidas e respeitadas.

Apoiamos a continuidade dessa iniciativa, que é essencial para fortalecer a diversidade cultural e promover um entendimento mais profundo das nossas identidades no contexto latino-americano.

Amigas da Terra Brasil

Azotea: podcast da Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) traz uma proposta profunda por justiça ambiental e social

Te apresentamos “Azotea”, o novo podcast de Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC), uma proposta profunda por justiça ambiental que sacudirá o mundo desde as alturas. Em três episódios, a impunidade corporativa e as injustiças de um modelo econômico que coloca o lucro acima das vidas são expostas, assim como o impacto na vida dos povos e territórios.

A série sonora é um mergulho na luta dos povos amazônicos e da União das Pessoas Afetadas pela Chevron-Texaco (UDAPT) pela defesa dos seus territórios contra a ação criminosa da #Chevron. Além da denúncia, o podcast traz um chamado para a ação, instigando ouvintes a se unirem na defesa dos direitos humanos e à proteção do meio ambiente. Nessa travessia sonora, você descobrirá como pode contribuir na defesa de nosso planeta e dos direitos dos povos afetados.

🎧 Acesse, escute e acompanhe o podcast aqui

Episódio 1 | A essência da luta:

No primeiro episódio, por meio da história de Bruna, uma jovem equatoriana que enfrenta o caos em Buenos Aires, exploramos o impacto da conta    minação petroleira na Amazônia equatoriana e a luta das comunidades indígenas por seus direitos.

Episódio 2 | A espera:

Neste episódio, Bruna Montes, uma jovem ativista ambiental, usa as redes sociais para protestar do telhado de um prédio em Buenos Aires. Ao contar a sua história, ela revela a realidade devastadora que a sua família enfrenta: a sua avó, vítima da poluição causada pela empresa Chevron, está em estado crítico devido a uma nefropatia aguda.

Por meio de testemunhos e arquivos midiáticos, é explorado como o legado de injustiça deixado pela decisão do Tribunal de Haia e como a luta pela justiça ambiental não é apenas uma questão local, mas um desafio global que envolve todos nós. A voz de Bruna ressoa como um apelo à ação, conclamando os ouvintes a se unirem na defesa dos direitos humanos e na proteção ambiental.

Episódio 3 | Ultimato:

No episódio final de Azotea acompanhamos a luta de Bruna Montes, ativista equatoriana que enfrenta a Chevron e exige justiça pela devastação ambiental na Amazônia. Por meio de uma emocionante conferência de imprensa e de testemunhos comoventes das pessoas afetadas, o episódio leva-nos às consequências da poluição causada pelas empresas transnacionais. Unimo-nos a Bruna no seu protesto para que a ONU e outras organizações internacionais adotem um Tratado Vinculante, um passo crucial para acabar com a impunidade corporativa e proteger os direitos humanos.

Este podcast foi produzido com o apoio financeiro da ASDI por meio do ForumCiv. Nem ASDI nem o ForumCiv participaram na produção deste podcast, nem são responsáveis ​​pelo seu conteúdo ou pelas opiniões nele expressas. Uma produção original da Tristana Productions para ATALC. 

Feira Frutos da Resistência 2024: unindo campo e cidade, encontro celebrou a diversidade e potência dos territórios de vida

Feira Frutos da Resistência: Unindo campo e cidade, encontro celebrou a  diversidade e a potência dos territórios de vida 

Aromas, sabores, alquimias e artesanias da terra convidavam a quem transitava pela  Rua Olavo Bilac, onde está a Casanat- Casa sede da Amigas da Terra Brasil, a um encontro de esperançar.  No ritmo de muitas culturas e lutas, o sábado (30/11) contou com mais uma edição da Feira Frutos da Resistência, um espaço de confluência, partilha de saberes e dos enfrentamentos e resistências que se dão no Bioma Pampa, na Mata Atlântica e na metrópole de Porto Alegre.

Difundindo a agroecologia e a economia solidária, o momento teve uma série de debates a partir de falas e exposições dos territórios de vida. “Estamos aqui no compromisso com a vida, com territórios que constroem uma vida saudável e esse bem viver”, expôs Fernando Campos, da Amigas da Terra Brasil e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).  

Eduardo Raguse, do MAM, Comitê de Combate à Megamineração e ATBr evidenciou a importância do momento como forma de resistência,  reafirmando o compromisso permanente com a luta dos povos originários, quilombolas e com a reforma agrária. “Seguimos nos organizando e construindo redes, com os pés nos territórios e fazendo a luta do dia a dia”. Em exposição, Eduardo falou sobre o impacto dos monocultivos e do agronegócio no Rio Grande do Sul, salientando a importância de fomentar a agricultura familiar e de assegurar o direito de ser e existir dos seres e territórios de vida. 

Marla Kuhn, da Abrasco, aprofundou o tema, trazendo a questão de gênero e como os agrotóxicos afetam a questão reprodutiva e a saúde das mulheres. No momento, apresentou o Almanaque “As mulheres semeiam a vida: os agrotóxicos destroem a saúde reprodutiva humana e o ambiente”, contando sobre o processo de consolidação deste.  Evidenciou, ainda, a relação entre a bancada da Bíblia, contra o aborto e que violenta constantemente direitos das mulheres, com o apoio ao PL do Veneno. 

Eduardo Raguse e Marla Kuhn abordam a questão dos agrotóxicos no RS

Graciela Almeida, agricultora agroecológica da Família Almeida, assentamento Santa Rita de Cássia II (MST), em Nova Santa Rita, Região Metropolitana de Porto Alegre (RS), destacou que a Feira Frutos da Resistência é biodiversa como nós. Em fala sobre a realidade de seu território, rememorou a importância de seguir na luta para não normalizar o envenenamento de nossas gentes e possibilitar vidas realmente saudáveis. “Naturalizam algo que está errado, porque o certo é preservar a natureza, o certo é cuidar dos bens comuns. O certo, ou verdadeiro, é pensar no futuro, nas futuras gerações, não no lucro de poucos. A gente continua combatendo e lutando contra o óbvio. Contra o óbvio que está mal, que é a morte. E nós seguimos lutando porque acreditamos que estamos do lado certo da história, e porque temos que lutar igual lutam outros povos, os povos originários, os quilombolas, todas as comunidades e territórios que resistem nesse mundo, e nesse Sul Global, sobretudo”, afirmou.  

Cores e sabores da produção agroecológica na Feira Frutos da Resistência

A feira também teve muita poesia com o lançamento do livro Búfalo Antigo, de Charles Trocate, da Direção Nacional do MAM. O companheiro abordou a questão minerária no país e seu impacto na vida dos seres, propondo a perspectiva da soberania, controle social da mineração e de outro modelo de produção. “A mineração goza do privilégio de seu desenvolvimento e progresso. Talvez a gente tenha nascido tardiamente dentro da configuração do modelo mineral, mas talvez seja o momento exato pra gente poder levantar essa perspectiva de que nós somos um país minerado e portanto rivalizar, exigir um outro modelo, o controle social  da mineração pertence a essa geração que sim, está se preocupando com isso, afinal estamos vivendo sobre uma ruptura metabólica, sobre uma emergência climática”, frisou. 

Lançamento do livro Búfalo Antigo, de Charles Trocate, da Direção Nacional do MAM

Meio aos aromas e debates da feira, os ritmos sonoros de Orun Muzunguê, da Comunidade Kilombola Morada da Paz, Mariana Stedele e Duo Irmãs Vidal anunciavam as histórias de luta há tanto presentes, e deram mais pulsão de vida ao encontro. A eles, se somou a exposição e cantos da Cacica Florência Quevedo, da comunidade indígena Warao venezuelana. Artesanias Guarani, Kaingang e Warao encheram a feira de cores e entrelaços, que além de alimentos agroecológicos, teve quitutes cheios de sabor, alquimias, brechó e a exposição diversa do trabalho cooperado no campo. 

“Viemos de uma reconstrução do espaço que está permanentemente em transformação, para acolher essa feira”, comentou Lúcia Órtiz, da Amigas da Terra Brasil. Em fala, ela contextualizou como a pandemia de Covid-19 e o avanço do fascismo sobre os corpos e territórios, durante o governo de Jair Bolsonaro, interrompeu também a Feira. “Esse momento de retomarmos a feira é de grande festa. Também retomamos uma iniciativa que tem longa caminhada, de a gente construir nessa outra economia, com outros valores, essa economia afetiva, feminista, popular, contra os avanços do neoliberalismo e dos acordos de livre comércio” expôs, contando a história dos encontros entre mulheres de várias partes do Brasil que, próximas aos vales e às águas, conflui no início da CSAA Territórios de Vida. Uma aliança entre campo e cidade que constrói a economia feminista e popular.

Confira o álbum de fotos da Feira Frutos da Resistência:

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Pré-lançamento da CSAA Territórios de Vida 

Um dos momentos de destaque da Feira foi o pré-lançamento da CSAA Territórios de Vida.  Os territórios que compõem a Comunidade falaram de suas realidades, das lutas que travam, sobretudo pós a enchente de maio, e destacaram a importância de uma forma de produzir coletiva, enraizada na amorosidade, zelo pela terra e respeito aos ciclos da natureza. A iniciativa une campo e cidade em chamamento para que mais pessoas sejam parte da produção agroecológica cooperada.  “A gente conseguiu confluir essas águas mais uma vez, e as águas quando elas confluem elas crescem, e a gente convida a todas e todos na cidade para fazer parte da Comunidade que Sustenta a Agricultura Agroecologia (CSAA Territórios de Vida) em toda a sua diversidade, dos povos originários, dos povos quilombolas, do povo na cidade, das hortas comunitárias, da agroecologia, dos assentamentos da reforma agrária”. 

A Amigas da Terra Brasil está retomando a Feira após reforma em sua casa sede, que passou por melhorias. O momento também celebrou a nova casa, que abre as portas para que mais iniciativas como essa sejam construídas em comunidade.“Que a Casanat e o espaço Frutos da Resistência voltem a ser esse ponto de encontro, esse ponto de luta, de convergências, e também de abundâncias, de prosperidade, e de dividir e partilhar esses saberes e sabores. Essa abundância que tem em cada um dos territórios em sua diversidade, megadiversidade”, expôs Lúcia.

A Feira é uma forma de expressar e compartilhar com a população sobre as lutas em defesa da vida. Estas são travadas por uma série de territórios gaúchos que estiveram presentes, salientando o quanto se faz necessária a construção de soberania popular, alimentar e dos territórios, via o combate aos grandes projetos de morte da especulação imobiliária, da mineração, do agronegócio e de seus venenos.

Amigas da Terra Brasil

Tratado Vinculante: A sociedade civil denuncia a influência que grandes empresas exercem na ONU

A histórica 10ªSessão de Negociações por um Tratado da ONU que faça as com que as grandes empresas transnacionais (ETN)  sejam responsabilizadas por suas violações de direitos humanos (Tratado Vinculante) acaba de começar em Genebra, na Suíça. Ainda que a princípio seria realizada em outubro de 2024, a decisão unilateral e pouco democrática da Presidência de alterar as datas das negociações apenas um mês antes afetou a presença física da sociedade civil.

Apesar disso, a Amigos da Terra Internacional, junto com a Campanha Global para reivindicar a soberania dos povos, desmantelar o poder das transnacionais e por fim à impunidade está decidida a garantir que a sociedade civil, as comunidades afetadas e os povos indígenas não sejam deixados de lado.  A Amigas da Terra Internacional se mantém firme para garantir que o Tratado Vinculante reflita a vontade dos povos, e suas demandas por justiça às pessoas afetadas que lideram a luta contra o poder empresarial, acima dos desejos das empresas transnacionais.

“As atividades desmedidas das Empresas Transnacionais sangram as comunidades, nossas terras, o meio ambiente e os povos indígenas. As grandes empresas seguem violando os direitos humanos em todo mundo com impunidade. Um Tratado Juridicamente Vinculante, forte e efetivo, deve nos garantir o direito de acesso à justiça e às reparações. Deve garantir que as ETN possam ser julgadas por tribunais independentes pelos delitos cometidos em qualquer parte do planeta. Deve garantir a reparação plena pelos danos, especialmente para as pessoas mais vulneráveis. É inaceitável que se dê maior relevância aos interesses das grandes empresas ao invés de aos direitos humanos”  Pablo Fajardo, UDAPT / Amigos da Terra Equador

O valor agregado do Tratado Vinculante reside na sua complementariedade com as regulamentações nacionais e regionais em matéria de empresas transnacionais. De todas maneiras, deve ser ambicioso e colocar as comunidades e os povos no centro. Muitas destas regulamentações são insuficientes para cobrir todas as cadeias de valor globais e as violações dos direitos humanos que as empresas transnacionais continuam a cometer nelas. As leis nacionais por si só não são suficientes.” Aurore Dorget, Amigos da Terra França.

No entanto, como ocorre em muitas negociações da ONU, o poder das grandes empresas encontrou o seu lugar nas salas de negociações:

“É claro que o lobby empresarial presente nas salas de negociações (como a Organização Internacional de Empregadores, ou o Conselho de Negócios Internacionais dos Estados Unidos) está decidido a debilitar o texto do tratado e converte-lo em outro instrumento frágil e inútil, baseado na autorregulação e na devida diligência das grandes empresas. As propostas dos países do Norte Global de incluir a múltiplas partes interessadas não são mais que tentativas para consolidar ainda mais a cooptação empresarial do processo. Exigimos medidas claras para proteger o espaço contra a influência de grandes empresas  e garantir que as vozes dos povos afetados e dos Estados do Sul Global sejam as que deem forma ao Tratado Vinculante”, Erika Mendes
Justiça Ambiental / Amigos da Terra Moçambique.

“A margem de manobra da sociedade civil e a democracia se encontram ameaçadas nas Nações Unidas e as negociações do Tratado Vinculante não são uma exceção.  Quer se trate de com que projeto de texto que avançamos, de especialistas selecionados ou das datas das sessões que são alteradas no último minuto, todas estas são partes técnicas da ONU que têm implicações muito reais para as comunidades e estados afetados do Sul Global, cujas vozes continuam a ser marginalizadas nas negociações que deveriam liderar.”

Publicado originalmente em Amigos da Terra Internacional, no link: https://www.foei.org/es/tratado-vinculante-la-sociedad-civil-denuncia-la-influencia-que-ejercen-las-grandes-empresas-en-la-onu/?fbclid=IwY2xjawHP-XVleHRuA2FlbQIxMQABHVtCZqJMpuo0-C3YsePfz1QNVtR4yNpmIPsb8RsyNJX82Gj4ih_rfOF1vQ_aem_N2iegz1O2B4D_uD3kapNWw

Amigas da Terra Brasil na 10ª Sessão de Negociações por um Tratado Vinculante

🌎✊🏽 Estamos em Genebra (Suíça), na 10ª Sessão de Negociações por um Tratado Juridicamente Vinculante sobre Direitos Humanos e Empresas Transnacionais junto à ONU, que começou nesta segunda-feira (16) e vai até sexta-feira (20). Nessa rodada de negociações temas medulares sobre o tratado serão debatidos, e a pressão popular e por nossas demandas históricas é imprescindível.

Após decisão arbitrária do presidente do grupo de trabalho quanto à pauta, que em setembro deste ano remarcou as negociações um mês antes da data prevista (outubro), minando a participação de muitas pessoas que haviam se organizado para marcarem presença em Genebra. Estamos novamente junto a movimentos sociais e organizações populares para fazer valer nossas vozes e garantir #direitosparaospovos e #regrasparaempresas. Seguiremos firmes para não deixar que este processo seja cooptado ou esvaziado.

🚩 Letícia Paranhos, presidenta da Amigas da Terra Brasil e co-facilitadora da Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade, fala sobre o Tratado Vinculante, a importância desta rodada de negociação e como projetos de lei a nível nacional, como o PL 572/22 do Brasil, somam na construção de um Tratado que realmente considere a primazia dos direitos humanos sobre o lucro. 

Confira o vídeo: 

É preciso dar um basta na impunidade das grandes empresas e transnacionais, que com o verniz de “responsabilidade corporativa” e “sustentáveis” corroem as condições de vida da classe trabalhadora, os direitos humanos, dos povos e dos territórios, causando danos irreversíveis na natureza. Seguimos na luta por um Tratado Vinculante que torne possível corrigir a assimetria de poderes entre empresas transnacionais e comunidades afetadas, proporcionando pôr fim a uma arquitetura da impunidade corporativa internacional.

🔗 Saiba sobre as nossas propostas na “Cartilha Laranja: Fronteiras para um Tratado Vinculante Juridicamente Efetivo”

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