Políticas indigenistas do RS sofrem risco de desmonte e fragilização

Os técnicos Ignácio Kunkel e Márcia Londero foram afastados da Divisão Indígena e Quilombola do Departamento de Desenvolvimento Agrário, Pesqueiro, Aquícola, Indígena e Quilombola (DDAPA) da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul (SEAPDR).

As políticas públicas voltadas às populações indígenas no Estado do Rio Grande do Sul (RS) contavam, até pouco tempo, com dois profissionais empenhados em seu desenvolvimento e implementação. O afastamento de Ignácio Kunkel e Márcia Londero é um reflexo da fragilização e do desmonte de políticas voltadas à agricultura e à segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas, estratégias até então formuladas com o protagonismo das aldeias. Não há, hoje, outros servidores ou servidoras concursadas, dentro da SEAPDR, com experiência ou qualificadas para trabalhar nas questões indigenistas. O risco é que as políticas públicas indigenistas se tornem meramente assistencialistas, sem contemplar o fortalecimento da diversidade dos povos.

Assinamos, junto a outras organizações parceiras, uma carta direcionada ao Secretário Covatti Filho, da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural.

“Os povos guarani, kaingang e charrua são parte da história de nosso estado, prestando inestimável contribuição à cultura gaúcha, ao meio ambiente equilibrado, à diversidade e também à agricultura, de que se ocupa a secretaria em questão. Além disso, são também sujeitos de direitos previstos na Constituição Federal, bem como na Estadual. Como povos que sobreviveram a processos de genocídio, ainda buscam se recuperar e restabelecer do trauma colonial. Nesse sentido, as políticas públicas que caracterizam o período democrático foram fundamentais na recuperação demográfica, nos índices de qualidade e expectativa de vida, no fortalecimento da cultura, tradições e organização social, bem como na dignidade desses povos.

A desestruturação da Divisão Indígena e uma possível interrupção das políticas de etnodesenvolvimento traria graves consequências às comunidades indígenas de todo estado, e manifestaria a opção inequívoca por um modelo de desenvolvimento injusto, desigual e excludente para o meio rural gaúcho.” (trecho retirado da carta)

Leia a carta na íntegra aqui

Na imagem, Aldeia Guajayvi, localizada no munícipio de Charquedas.
Foto: Heitor Jardim/Amigos da Terra Brasil. 

Amigos da Terra Brasil se solidariza com o Assentamento Quilombo Campo Grande

Ação violenta do Estado impele a ação popular de solidariedade

[Español abajo // English below]

A Amigos da Terra Brasil expressa solidariedade ao Assentamento Quilombo Campo Grande, localizado no município de Campo do Meio, sul de Minas Gerais, e extremo repúdio às violências sofridas pelas cerca de 450 famílias na sexta-feira, 14 de agosto. A ação de reintegração de posse com uso da força policial comandada pelo governador do estado, Romeu Zema (Partido Novo), e respaldada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, demonstra a mais sórdida face da política de morte do Estado Neoliberal. Além de destruírem a Escola Popular Eduardo Galeano, o barracão coletivo onde moravam três famílias, as plantações de milho, café, pitaia e outros produtos que tornam o assentamento referência em agroecologia na região, a expulsão destas famílias da terra em que vivem há mais de 20 anos os coloca em risco iminente de contaminação pela pandemia de Coronavírus.

Antes da ação de reintegração de posse, nenhum caso de Covid-19 havia sido registrado no assentamento, apesar de o município de Campo do Meio ter 19 confirmações da doença. Como conceber a ideia de que, em meio a uma pandemia que já levou mais de 110 mil vidas no Brasil, o Estado articule uma ação violenta de expulsão de famílias de trabalhadoras/es que vivem nestas terras por não terem sido indenizadas/os com a falência da Usina Ariadnópolis, em 1996, e que por décadas trabalharam sem carteira assinada?

A ação movida por Jovane de Souza Moreira e seu filho, Jovane Jr. — que colecionam relatos de ameaças contra os assentados — tenta reativar a usina falida. A ofensiva começou quando o Governo de Minas Gerais publicou um decreto, em 2015, que atestava as terras da usina Ariadnópolis como interesse social para fins de reforma agrária. No ano passado, o governador Zema revogou o decreto. 

Ainda em 2017, Jovane pode quitar as dívidas trabalhistas, após firmar contrato com a empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., prevendo a recuperação judicial da empresa para produção de café. Contudo, ele ainda deve cerca de R$ 400 milhões para a União referentes à contribuições previdenciárias, FGTS e impostos federais. O argumento é de que, se reativada, a usina poderia gerar até 400 empregos. Agora, a decisão judicial favorece os empresários, apesar de o governo do estado negar que a ação fosse ocorrer. Quando expulsam essas pessoas da terra em que vivem sob essa lógica, o Estado fortalece a ideia de que populações campesinas devem ser subordinadas e não autônomas.

Conforme denúncia do MST, a ação violenta extrapola os caminhos legais, uma vez que a área de 26 hectares inicialmente constatadas no processo judicial n. 6105218 78.2015.8.13.0024, que já estavam desocupados, foi ampliada para 52 ha no último despacho da Vara Agrária e a operação policial foi além da determinada pela liminar, destruindo a casa e lavouras de sete famílias.

A política é de morte, pois ceifa vidas, ceifa sonhos, ceifa a possibilidade de outros futuros possíveis para além da lógica coronelista e colonial de concentração de terras histórica no país. Em meio a uma crise de saúde e economia, ao invés de buscar soluções baseadas na solidariedade e na inclusão popular, o governo de Zema comete crime ao comandar a expulsão das famílias com violência, sem nem ao menos preocupar-se com possibilidades de destinos que não sejam a migração para as cidades com a perpetuação e aprofundamento do ciclo de pobreza e desigualdade.

Neste momento as famílias estão se reorganizando. A reconstrução da escola é a prioridade. Para além de um espaço de educação, a importância simbólica de não abrir mão da organização e coletividade se fazem absolutamente necessárias neste momento. Reocupar o espaço, cumprindo a função social da terra e garantindo que a comunidade continue seu caminho de resistência, com organização e produção agroecológica, reafirma a luta pela vida.

Viemos a público reforçar nosso repúdio e responsabilizar o governo do estado de Minas Gerais e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o que venha a ocorrer com estas famílias. Estamos juntas e juntos na defesa destas famílias e para que outras comunidades não sofram este tipo de violência. A ação violenta do Estado impele a ação popular de solidariedade, como medida de apoio em caráter de urgência. Salientamos a importância de mobilização na denúncia nacional e internacional, e no apoio financeiro para que possam reconstruir a escola e estar em segurança neste momento delicado da pandemia que atravessamos.

Apoie a Campanha de Solidariedade para o Assentamento Quilombo Grande!

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Amigos de la Tierra Brasil se solidariza con el Asentamiento “Quilombo Campo Grande”

Acción violenta del Estado impulsa la acción solidaria popular

Amigos de la Tierra Brasil expresa solidaridad con el Asentamiento Quilombo Campo Grande, ubicado en el municipio de Campo do Meio, al sur de Minas Gerais, y rechazo extremo a las violencias sufridas por unas 450 familias en el viernes, 14 de agosto. La acción de recuperación de propriedade con el uso de la fuerza policial comandada por el gobernador del estado, Romeu Zema (Partido Nuevo), y respaldada por el Tribunal de Justicia del estado de Minas Gerais, demuestra la cara más sórdida de la política de muerte del Estado Neoliberal. Además de destruir la “Escola Popular Eduardo Galeano”, la choza colectiva donde vivían tres familias, las plantaciones de maíz, café, pitaya y otros productos que hacen del asentamiento referencia en agroecología en la región, la expulsión de estas familias de la tierra donde han vivido durante más de 20 años los pone en riesgo inminente de contaminación por la pandemia del Coronavirus

Antes de la acción de recuperación de la propiedad, no se había registrado ningún caso de COVID 19 en el asentamiento, aunque el municipio de Campo do Meio tenía 19 confirmaciones de la enfermedad. Cómo concebir la idea que, en medio de una pandemia que ya se ha cobrado más de 110 mil vidas en Brasil, el Estado articule una acción violenta de expulsión de las familias de trabajadores que viven en estas tierras por no haber sido indemnizados con el quiebre de Usina Ariadnópolis, en 1996, y que han trabajado durante décadas sin derechos laborales? 

La acción jurídica interpuesta por Jovane de Souza Moreira y su hijo, Jovane Jr., quienes recopilan denuncias de amenazas contra los campesinos, intenta reactivar la planta fallida. La ofensiva comenzó cuando el Gobierno de Minas Gerais publicó un decreto, en 2015, que certifica las tierras de la planta de Ariadnópolis como de interés social a efectos de la reforma agraria. El año pasado, el gobernador Zema revocó el decreto.

Aún en 2017, Jovane puede saldar deudas laborales, después de firmar un contrato con la empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., con una previción de la recuperación judicial de la empresa para la producción de café. Sin embargo, todavía debe alrededor de 400 millones de reales al Gobierno Federal en concepto de cotizaciones a la seguridad social, derechos laborales e impuestos federales. El argumento es que, de reactivarse, la planta podría generar hasta 400 puestos de trabajo. Ahora, la decisión judicial favorece a los empresarios, a pesar de que el gobierno estatal niega que la acción se lleve a cabo. Al expulsar a estas personas de la tierra donde viven bajo esta lógica, el Estado fortalece la idea de que las poblaciones campesinas deben ser subordinadas y no autónomas.

Según denunció el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST), la acción violenta va más allá de los caminos legales, ya que el área de 26 hectáreas inicialmente encontrada en el proceso judicial núm. 6105218 78.2015.8.13.0024, que ya estaban desocupadas, se amplió a 52 ha en la última orden del Juzgado Agrario y el operativo policial fue más allá de lo determinado por el amparo, destruyendo la casa y cultivos de siete familias.

La política es de muerte, porque extirpa vidas, extirpa sueños, extirpa la posibilidad de otros futuros posibles además de la lógica coronelista y colonial de la concentración histórica de tierras en el país. En medio de una crisis sanitaria y económica, en lugar de buscar soluciones basadas en la solidaridad y la inclusión popular, el gobierno de Zema comete un delito al ordenar la expulsión de familias con violencia, sin siquiera preocuparse por las posibilidades de destinos que no sea la migración a las ciudades con la perpetuación y profundización del ciclo de pobreza y desigualdad.

En este momento, las familias se están reorganizando. La reconstrucción de la escuela es la prioridad. Además de un espacio educativo, la importancia simbólica de no renunciar a la organización y la colectividad es absolutamente necesaria en este momento. Volver a ocupar el espacio, cumplir la función social de la tierra y hacer que la comunidad continúe su camino de resistencia, con organización y producción agroecológica, reafirma la lucha por la vida.

Vinimos a público para reforzar nuestro repudio y responsabilizar al gobierno del estado de Minas Gerais y al Tribunal de Justicia de Minas Gerais por lo que les ocurra a estas familias. Estamos juntas y juntos en la defensa de estas familias y para que otras comunidades no sufran este tipo de violencia. La acción violenta del Estado impulsa la acción popular de solidaridad, como medida de apoyo de forma urgente. Destacamos la importancia de movilizar denuncias nacionales e internacionales, y brindar apoyo económico para que puedan reconstruir la escuela y estar seguros en este delicado momento de la pandemia que atravesamos.

Apoya la Campaña Solidaria para el Assentamento Quilombo Campo Grande! Lea más.

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Friends of the Earth Brazil stands in solidarity with the settlement “Quilombo Campo Grande”

We come to public to reinforce our repudiation and hold the government of the state of Minas Gerais and the Court of Justice of Minas Gerais responsible for whatever happens to the families. The violent action of the State impels the popular action of solidarity, as a measure of support on an urgent basis. We emphasize the importance of mobilizing national and international complaints, and financial support so that they can rebuild the school and be safe in this delicate moment of the pandemic that we are going through. Support the Solidarity Campaign for the Quilombo Grande Settlement

Friends of the Earth Brazil stands in solidarity with the Landless Workers Settlement “Quilombo Campo Grande”, located in the municipality of Campo do Meio, south of the state of Minas Gerais, and shows extreme repudiation to the violence suffered by about 450 families on August 14th. The eviction of families with use of the police force – commanded by the state governor, Romeu Zema (of the neoliberal “New Party”) – and supported by the Court of Justice of Minas Gerais, demonstrates the most sordid face of the death policy of the Neoliberal State. In addition to destroying the “Eduardo Galeano Popular School”, the collective shack where three families lived, the plantations of corn, coffee, pitaia and other products that make the settlement a reference in agroecology in the region, the expulsion of these families from the land where they have lived for over 20 years puts them at imminent risk of contamination by the Coronavirus pandemic.

Before the evictions, no case of Covid-19 had been registered in the settlement, although the municipality of Campo do Meio had 19 confirmations of the disease. How to conceive the idea that, in the midst of a pandemic that has already taken more than 110 thousand lives in Brazil, the State articulates a violent action to expel families of workers who lived in these lands for not having been compensated with the bankruptcy of Usina Ariadnópolis, in 1996, and who worked for decades without a formal contract?

The lawsuit filed by Jovane de Souza Moreira and his son, Jovane Jr. – who have several reports of threats against the settlers – tries to reactivate the failed plant of Usina Ariadnópolis. The offensive began when the former Government of Minas Gerais published a decree, in 2015, which attested the lands of the Ariadnópolis plant as a social interest for the purposes of agrarian reform. Last year Governor Zema revoked the decree.

Still in 2017, Jovane could settle labor debts after signing a contract with the company “Jodil Agropecuária e Participações Ltda.”, predicting the judicial recovery of the company for coffee production. However, he still owes around 400 million reais (Brazilian money) to the Federal Government regarding social security contributions and federal taxes. The argument is that, if reactivated, the plant could generate up to 400 jobs. Now, the court decision favors businessmen, despite the state government denying that the eviction would take place. When they expel these people from the land where they live under this logic, the State strengthens the idea that peasant populations should be subordinate and not autonomous.

As denounced by the Landless Workers Movement (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; MST), the violent action goes beyond legal paths, since the area of 26 hectares initially found in the judicial process no. 6105218 78.2015.8.13.0024, which were already unoccupied, was expanded to 52 ha in the last order of the Agrarian Court and the police operation went beyond that determined by the injunction, destroying houses and crops of seven families.

It is a death policy, because it mows lives, mows dreams, mows the possibility of other possible futures besides the colonial logic of historical land concentration in Brazil. In the midst of a health and economic crisis, instead of seeking solutions based on solidarity and popular inclusion, the Zema government commits a crime by commanding the expulsion of families with violence, without even worrying about the possibilities of destinations that let it not be migration to cities with the perpetuation and deepening of the cycle of poverty and inequality.

Right now, families are reorganizing. School reconstruction is the priority. In addition to an educational space, the symbolic importance of not giving up organization and collectivity is absolutely necessary at this time. Reoccupying space, fulfilling the social function of the land and ensuring that the community continues its path of resistance, with organization and agroecological production, reaffirms the struggle for life.

We come to public to reinforce our repudiation and hold the government of the state of Minas Gerais and the Court of Justice of Minas Gerais responsible for whatever happens to these families. We are together in the defense of these families and so that other communities do not suffer this type of violence. The violent action of the State impels the popular action of solidarity, as a measure of support on an urgent basis. We emphasize the importance of mobilizing national and international complaints, and financial support so that they can rebuild the school and be safe in this delicate moment of the pandemic that we are going through.

Support the Solidarity Campaign for the Quilombo Grande Settlement! Read more.

Pedido de reintegração de posse da CasaNat é negado por juíza da 10ª vara federal de POA

A Amigos da Terra Brasil recebeu, no final do ano passado, ordem de desocupação de sua sede, a CasaNat, movida pela Advocacia Geral da União (AGU). Na sexta-feira (14), a juíza responsável pelo processo negou o pedido da AGU.

A Advocacia Geral da União (AGU) teve seu pedido de reintegração de posse da CasaNat negado na última sexta-feira (14) pela juíza Ana Paula de Bortoli, da 10ª vara federal de Porto Alegre. A juíza alega que não vê urgência na solicitação da União, tampouco risco de dano irreparável na permanência da Amigos da Terra Brasil em sua sede, já que o perigo de risco ou dano alegado pela União não foi demonstrado, e por isso rejeitou a liminar de reintegração de posse. A advogada da Amigos da Terra Brasil, Cláudia Ávila, entende que existe uma disputa entre interesse público e interesse governamental no processo em questão.

A sede da Amigos da Terra Brasil, mais conhecida como CaSaNat, é um imóvel cedido pela União desde 2005 através de um contrato de cessão de uso gratuito. Desde então, a organização restaurou todo o imóvel e desenvolve ali uma série de atividades de interesse público pela defesa de uma sociedade ecologicamente sustentável e socialmente justa, como feiras agroecológicas, mutirões, oficinas, debates, distribuições de livros, entre outras. Em vinte e um de novembro de 2019, a Amigos da Terra Brasil recebeu uma notificação, entregue em mãos pelo Superintendente do Patrimônio da União no RS, Sr. Gladstone Themoteo Menezes Brito da Silva, de que deveria desocupar o imóvel em até noventa dias. A ordem vem da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, responsável pela gestão do Patrimônio da União no governo Bolsonaro. Desde o início, a União ignora o princípio da legalidade, já que a Amigos da Terra Brasil em nenhum momento até então havia sido intimada para exercer seu direito de defesa em um processo administrativo sobre cancelamento da cedência do imóvel. 

Entre as mais recentes justificativas da AGU para o pedido de reintegração de posse da CasaNat está o fato de que “o Brasil atravessa uma grave crise fiscal”, e que a alienação do patrimônio público “vem sendo considerada uma alternativa importante para a reestruturação das finanças públicas da União”. A União ainda aborda a crise da COVID-19 como responsável por reduzir a arrecadação do Estado e criar a necessidade de auxílios médico e financeiro à população. “A união, além dos custos correntes, tem tido gastos extraordinários com o pagamento de benefícios emergenciais e auxílios financeiros aos Estados”, e a CasaNat entraria como um imóvel que poderia ser alienado para reduzir o defcit fiscal brasileiro. Sabemos que esses argumentos são irrisórios porque somente de janeiro a agosto desse ano há mais de 399 bilhões de reais em impostos sonegados por empresas e indivíduos no Brasil, o equivalente a cerca de 4 bilhões de bolsas família. Somente a devida cobrança dos sonegadores já acabaria com o mencionado déficit fiscal. Se somada à taxação de grandes fortunas, todo o dinheiro poderia ser revertido em políticas públicas que beneficiassem, de fato, a população.

Cláudia Ávila e Jacques Alfonsin, advogados que representam a Amigos da Terra Brasil no processo, defendem que há um jogo de interesses em questão: o interesse governamental e o interesse público. “O pedido de reintegração da União não passa de um interesse governamental esporádico, ideologicamente comprometido com uma política privatista de desmonte dos direitos sociais”, comenta Cláudia. Já o trabalho que vem sendo realizado pela Amigos da Terra Brasil, tanto em sua sede como fora dela, é todo de interesse público. Desde a participação política em instâncias de tomada decisão, como conselhos municipais e estaduais, até o próprio recebimento de recursos de fundos municipais para a realização de projetos como o das Quartas Temáticas, que acontecia na CasaNat e foi inclusive premiado enquanto Destaque Ambiental em 2007 pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM), bem como a realização de eventos como a Feira Frutos da Resistência, uma feira agroecológica de troca de saberes entre campo e cidade que reúne cerca de 500 pessoas por dia. “Importante ressaltar que, mesmo durante a pandemia, o imóvel alvo do processo de reintegração de posse tem servido como ponto de distribuição de alimentos e itens de higiene para populações vulneráveis”, destaca Cláudia. A CasaNat resiste, a Amigos da Terra Existe. Seguiremos firmes, engajados e engajadas na defesa de uma sociedade mais justa.

Assembleia Geral da Amigos da Terra Brasil reúne 50 pessoas online e elege novos Conselhos

No último sábado (25), a Amigos da Terra Brasil realizou sua Assembleia Geral. Foram apresentados os Relatórios de Atividades e Fiscal junto ao balanço das ações desenvolvidas no último ano. Houve ainda a eleição dos novos Conselhos: Consultivo, Fiscal e Diretor.


A Assembleia Geral da Amigos da Terra Brasil (ATBr) 2020 aconteceu no sábado (25) por meio da plataforma Jitsi [software livre e de código aberto]. Com a presença de cinquenta pessoas conectadas desde seus lugares, o evento marcou a transição para um novo mandato, elegendo os conselhos Consultivo, Fiscal e Diretor para os próximos três anos. Mesmo na ausência do olho no olho, a emoção esteve presente já na fala de abertura da Patrícia Gonçalves, militante da Frente Quilombola (FQ-RS) e integrante do conselho diretor da ATBr. Pati lembrou das companheiras e do companheiro que agora nos acompanham desde outro plano: Déia (Andréia Golembieski Machado), nossa mais jovem diretora que partiu com 26 anos de uma curta e sábia militância, Scheila Motta, uma mulher guerreira sempre à frente da luta pela moradia na Vila Dique, Seu Zé (José Araújo), liderança no processo de remoção da Vila Tronco e exemplo de luta e resistência ao projeto neoliberal que quer apagar nossa memória. Déia, Scheila e Seu Zé: presentes! Hoje e sempre!

O presidente da organização, Fernando Campos, destacou a importância de cada pessoa que contribui na construção da ATBr em cada instância da organização, incluindo o grupo de gestão, os conselhos e sócios ali reunidos. Lembrou ainda que sermos parte de uma Federação Internacional nos conecta com experiências de outros países, nos dá suporte e nos possibilita articular com atores globais num projeto de enfrentamento e resistência ao neoliberalismo e de fortalecimento dos territórios e dos povos mais afetados por ele.

Estamos em uma luta ferrenha contra esse governo genocida. Essa política militarista, machista, racista, misógina, xenófoba e fascista não é exclusividade nossa: Estados Unidos, El Salvador, Honduras e outros países enfrentam a mesma onda conservadora e de ultra-direita que vem golpeando democracias e violando direitos e, no fim das contas, tudo está à serviço das corporações.

Fernando, Presidente da ATBr

Balanço de 2020

Arthur Viana, integrante da equipe de gestão da ATBr, apresentou o Relatório de Atividades com parte das ações realizadas no último ano, fruto das alianças com sujeitas/os políticas/os, muitas/os delas/es presentes na Assembleia. A Solidariedade Internacionalista com a Amazônia, com apoio de vários grupos da Federação Amigos da Terra Internacional e através de ações concretas junto ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e à Terra de Direitos que resultaram em uma série de denúncias desde os povos amazônicos em luta por sua soberania; as várias ações de incidência junto ao Comitê de Combate à Megamineração no RS em resistência ao projeto neoliberal imposto ao estado; a mobilização com o Grupo Carta de Belém (GCB) pela comunicação popular das resistências ao capitalismo verde; a solidariedade e a denúncia das violações de direitos diante do processo de remoção da Vila Nazaré pela Fraport, empresa transnacional alemã que tem concessão de uso do aeroporto Salgado Filho, com o MTST e a AMOVIN. Arthur também destacou a campanha em defesa da CaSaNaT que hoje resiste à uma tentativa de despejo por parte do governo #ForaBolsonaroeMourão.

Em novembro do ano passado, o governo federal manifestou a intenção de reaver a casa, que é uma cedência da União. Cláudia Ávila, nossa conselheira consultiva e advogada, lembra que a CaSaNaT era um local abandonado e que a ATBr revitalizou a área comum por meio de um projeto popular e coletivo. Mesmo com a ameaça de perder a sede, o espaço segue sendo referência de resistência na cidade. Durante a pandemia, é local de recebimento e armazenagem de doações de alimentos que chegam dos movimentos sociais do campo e percorrem um caminho de solidariedade até chegar nas periferias e ocupações, nos quilombos urbanos e nas aldeias indígenas.

Fomos acionados administrativamente, fizemos nossa arguição e fomos ignorados. Após isso, o processo foi conduzido para AGU, que entrou com um pedido de liminar para reaver a casa imediatamente. Fomos acionados e estamos aguardando a decisão da justiça sobre esse pedido. Em breve, todas as organizações parceiras serão convocadas para mais uma manifestação de solidariedade.

Cláudia Ávila, conselheira consultiva e advogada da ATBr.


// DIA DE LUTAS //

Lúcia Ortiz, vice-presidenta da ATBr, destacou que o dia da assembleia foi também o segundo dia de #brequedosapps. A greve das/dos trabalhadoras/es de aplicativos reflete a união da classe frente às opressões de quem lucra bilhões a partir das condições precárias de trabalho mesmo durante a pandemia. Pati (FQ-RS e ATBr) reforçou a data como o dia das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, sujeitas políticas fundamentais na luta por justiça no nosso continente. Também foi celebrado o dia internacional da Agricultura Familiar como parte do projeto político que reivindicamos para a construção da Soberania Alimentar. O último sábado de julho de 2020 marcava ainda um ano e seis meses do crime da Vale-Samarco-BHP-Bilinton em Brumadinho e seguimos exigindo justiça para os povos afetados e punição para a transnacional!


Eleição dos Conselhos (2020-2023)

A Assembleia também foi espaço de eleição dos Conselhos Diretor (CD), Fiscal (CF) e Consultivo (CC).

Conselhos Diretor e Fiscal

Lúcia apresentou as chapas indicadas para o Conselho Diretor (CD) e Fiscal (CF), cujas nominatas para os cargos se confirmaram em eleição sociocrática do CD em 28 de julho. As chapas foram aprovadas com unanimidade. Esses são os conselhos de ATBr para os próximos três anos:

CONSELHO DIRETOR 2020/2023

Presidenta: Lúcia Ortiz

Vice-presidente: André Guerra

Tesoureira: Clarissa Abreu

Secretária: Patrícia Gonçalves

Demais membros:

Letícia Paranhos

Fernando Campos

Cláudia Ávila

Suplentes:

Marília Gonçalves

Felipe Viana

CONSELHO FISCAL 2020/2023

Bruna Engel

Leandro Fagundes

Dirce Cristina de Christo

Suplentes

João Batista Aguiar

Marília Olivia Engel

Conselho Consultivo

Letícia Paranhos, integrante do CD, apresentou os Conselheiros Consultivos de 2020/2023. Além de treze companheiras/os que seguem compondo o espaço, foram incluídos 15 novos nomes de outros movimentos que se somam, reafirmando o compromisso de seguir ampliando o CC a partir de uma construção de confiança com atores e atrizes que caminham ombro a ombro nas diversas peleias com as quais ATBr se envolve. Antes de começar a citar a nominata, Letícia trouxe uma frase de Bertolt Brecht para prestar homenagem ao Luís Ercole, o conselheiro que há mais tempo constrói o CC da organização

Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.

Bertold Brecht

Ercole participa há muitos anos da ATBr e a CaSaNaT é um dos seus legados de espaço educador sustentável no meio urbano, nas palavras dele o sistema de saneamento e o projeto de fluxos das águas implementado na sede há 10 anos “foi um marco pra cidade e um marco pra minha vida”. A parceria com o Engenheiro Sanitarista e técnico apoiador dos movimentos sociais resultou na reivindicação da política pública e na incidência para construção de leis visando o aproveitamento das águas da chuva a fim de diminuir o risco de enchentes na cidade.

Letícia seguiu a lista dos nomes que compõem o novo Conselho refletindo sobre o quanto conseguimos avançar numa composição diversa e potente para seguir construindo um movimento com um projeto político comum que coloque a vida no centro, diferente do que faz o capitalismo neoliberal, patriarcal, colonial e racista. Seguimos firmes e fortes na luta com esses companheiros e companheiras:

CONSELHO CONSULTIVO 2020/2023

Luiz Ercole – Engenheiro Sanitarista

Douglas Freitas – Comunicador

Kátia Marko – Jornalista

Lisiane Brolese – Engenheira Agronôma

Danilo Siqueira – Comunicador

Bruno Mello – Projeto Práticas Urbanas Emergentes FAU/UFRGS

Cristina Nascimento – Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo

Leandro Anton – Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo

Felipe Martins – Sítio Ibiekos / Assentamento Tamoios/Herval

Onir Araújo – Frente Nacional em Defesa dos Terrtórios Quilombolas RS

Sergio Fidelix – Frente Nacional em Defesa dos Terrtórios Quilombolas RS

Geneci Flores – Frente Nacional em Defesa dos Terrtórios Quilombolas RS

Roberto Liebgott – Conselho Indigenista Missionário RS

Milena Quadros – IFRS Restinga

Jefferson Pinheiro – Coletivo Catarse

Eduardo Raguse – Amigos do Meio Ambiente – Guaíba

Michele Martins – Movimento pela Soberania Popular na Mineração – RS

Clarissa Silveira – Sítio Libélula

Fernando Fernandes Damasceno Júnior – Movimento de Atingidos por Barragens

Baogan Bàbá Kínní – Comunidade Kilombola Morada da Paz

Ryan Dallenogare – Assentamento Sepé Tiaraju

Maria do Carmo Bittencourt – Marcha Mundial das Mulheres-RS

Cíntia Barenho – Marcha Mundial das Mulheres-RS

Carolina Silveira Costa – Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários

Gustavo Martins – Ação Nascente Maquiné

Daniela Dias Kuhn – GEPIES/UFRGS

Júlia Rovena Witt – Fundação Luterana de Diaconia

Eduardo Osório – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

Gabrielle Ücker Thum – Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa

Fernando encerrou o encontro agradecendo a presença de todas as pessoas que participaram da assembleia e reiterou que a ATBr está à disposição para que possamos utilizar os recursos e capacidades de que dispomos nessa luta e caminhada de enfrentamento que é sempre coletiva, reafirmando o compromisso da organização com processos e ações que lutam por justiça ambiental, social, econômica e de gênero.

A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil

Uma rede de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais lança a carta “A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil”, em que denuncia a falsa solidariedade das empresas no contexto de crise sanitária em que o país está imerso.

A carta expõe ações das empresas que aproveitam o momento de crise com a pandemia de Coronavírus para fortalecer a imagem de suas marcas com doações a populações em situação de vulnerabilidade, ao passo que seguem operando em meio a pandemia expondo os próprios trabalhadores ao risco de contaminação, como ocorre em vários municípios ladeados pelas empresas onde se verificou explosão de casos.

A análise feita pelo grupo denuncia que o contexto de crise sanitária e, principalmente, as ações do Governo Federal levam a um fortalecimento das grandes empresas sobre os territórios. As organizações e os movimentos sociais questionam a campanha de marketing empresarial beneficente veiculada pela rede Globo no jornal Nacional, a chamada “Solidariedade S.A.”, em que cita o caso da CMPC, empresa de produção de celulose no estado do Rio Grande do Sul, que doou 70 milhões de reais, o que representa meros 7% do faturamento de 2019. Denuncia, ainda, ação do Governo Federal que permitiu que as empresas de celulose renegociassem suas dívidas e lhes fosse concedido novos empréstimos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que representa um ganho financeiro para as empresas que não aparece para a opinião pública. Verbas que, por outro lado, não foram empregadas para auxílio da população em um momento crucial.

A carta ressalta, ainda, o papel desempenhado pelos movimentos sociais e ONGs que – sem receber o mesmo papel de destaque na imprensa – prestam solidariedade a populações carentes das zonas urbana e rural doando alimentos, produtos de consumo não duráveis e material de limpeza com diversos casos em uma rede de apoio construída de Norte a Sul no país.

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CHAMADO PARA ASSINATURAS
Além disso, conclamamos todas as organizações e movimentos sociais a assinarem esta carta até 21 de setembro, Dia Internacional da Luta Contra a Monocultura de Árvores, para fortalecer nossa luta e resistência aos impactos das corporações nos territórios.

Formulários para assinatura:
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Revisitando o passado: após a ditadura, segunda onda de militarização da Amazônia se intensifica

Os estados que compõem a Amazônia, em especial o Amazonas, estão em situação de colapso com o sistema de saúde pela pandemia de Covid-19. Em meio a isso, há um projeto de avanço exploratório sobre essa região declarado pelo próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que quer aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, o que significa desregular a legislação ambiental brasileira. 

O momento é visto como oportunidade para colocar em prática ações que já estavam na perspectiva do governo. Em 2019, quando as queimadas e o desmatamento tomaram projeção nos jornais ao redor do mundo, a resposta de Bolsonaro foi a execução de decreto para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que colocou militares para conter as queimadas.  Governando sob decretos, Bolsonaro transferiu, em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) do Ministério do Meio Ambiente, ao qual pertencia desde 1995, para a Vice-Presidência da República a cargo do General Mourão.  O CNAL agora é composto por 19 militares, excluindo Ibama e Funai da participação e sem qualquer presença ou diálogo com a sociedade civil, ou mesmo com os governadores dos estados que abrigam a Amazônia Legal.

CNAL nas mãos da Vice-Presidência e 19 militares, mas sem a participação de representantes do Ibama e da Funai. | Imagem: Reprodução/TVBrasil

A posição de afastamento de representações dos povos indígenas, quilombolas, pescadores e comunidades locais emite um alerta para ações autoritárias de um governo que pouco preza pelo diálogo e pela transparência. Se afastando de instituições que conhecem a fundo a realidade do bioma amazônico, o governo sinaliza que deve seguir com seu projeto desenvolvimentista para a região. Ações que caminham para remontar projetos de exploração realizados durante a ditadura, que apresentou como resultados a expansão do modelo colonizador para a região com violência contra as populações locais, além de uma ampliação da fronteira agrícola e de extração mineral. 

Em janeiro deste ano, Bolsonaro decretou a criação da Força Nacional Ambiental, que estará sob tutela do vice-presidente quando for implementada. A política verticalizada e que ignora as peculiaridades e os modos de vida da região indica uma possibilidade de aumento de conflitos e criminalização de movimentos sociais. O plano de Mourão ao estender a Operação Verde Brasil 2 pelos próximos meses tem a intenção de minimizar a crise de imagem que a gestão tem no exterior. A ação é uma tentativa de liberar as verbas do Fundo Amazônia, financiado por Noruega e Alemanha e suspenso desde 2019, para proteção do bioma. O caminho de militarização para a região não tem apresentado resultados positivos: os focos de queimada na Amazônia neste mês de junho foram os maiores desde 2007, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A ineficácia também se apresenta pelos altos gastos públicos. O valor orçamentário do Ibama é 10 vezes menor que o destinado para o Ministério da Defesa, segundo reportagem do InfoAmazônia, no fundo de R$ 1 bilhão criado para reduzir desmatamento na Amazônia, após acordo da Lava Jato.

Militarização não resolve o desmatamento que segue em crescimento | Foto: Exército Brasileiro

O olhar desenvolvimentista e de caráter colonizador para a Amazônia remonta as ações realizadas durante a ditadura militar brasileira. O que mostra que pouco mudou na mentalidade ideológica militar dos anos 1960 para os anos 2020. A perspectiva militar empregada tem raízes no colonialismo europeu e  nas relações com os Estados Unidos. Ela está aliada a um modelo de desenvolvimento que elimina os modos de Bem Viver tradicionais e impõe uma integração pelo modo de vida de produção capitalista. Um projeto  que considera a Amazônia fonte de lucro e não a reconhece como fonte de vida secular para os povos que aí vivem, nem mesmo como berço de toda biodiversidade que engloba.

Entendemos que o único papel das forças armadas seria no apoio às instituições de proteção da Amazônia. Fornecer apoio tático, operacional e logístico aos agentes de fiscalização, de forma subordinada aos técnicos. Quando Bolsonaro transfere para os militares a decisão sobre fiscalizações ambientais na Amazônia, ele subverte a lógica de proteção e impõe tutela. Atualmente, os Comandos Militares do Norte e da Amazônia se negam a fornecer esse apoio e relutam em cumprir a lei, segundo o artigo 111 do decreto 6.514, de 2008, que ordena a inutilização e/ou destruição de equipamentos em situação irregular utilizados para práticas criminosas quando não se pode removê-los, pois são propriedade de garimpeiros e madeireiros ilegais. Ou mesmo a proteção dos próprios agentes contra ataques em casos de flagrante criminosos

A militarização da Amazônia não se relaciona apenas com a entrega da coordenação das operações para autoridades militares, mas também com a militarização dos cargos de chefia das instituições, sobretudo o Ibama. Logo após uma operação do IBAMA para combater garimpos ilegais e impedir a disseminação do coronavírus, assistimos [mais uma vez] a exoneração de funcionários de carreira pelo Ministro do Meio Ambiente e pelo presidente do IBAMA. Os nomeados no lugar dos técnicos que há anos exerciam as funções de coordenar a fiscalização ambiental foram policiais militares da ROTA, conhecida por ser uma das tropas de elite mais violentas do estado de São Paulo. E quais eram as experiências dos militares que agora estarão liderando as operações que deveriam assegurar a repressão a crimes ambientais nas regiões com os mais altos índices de desmatamento? No caso do coordenador-geral, sua única experiência na área ambiental inicia em outubro de 2019 já como superintendente do IBAMA. Ele foi flagrado emitindo licenças de exportação de forma retroativa, o que é ilegal. Fazendo isso, “legalizou” o envio de madeiras da Amazônia de forma irregular. A maior beneficiada nesse processo foi a empresa transnacional de origem britânica Tradelink. Naquela ocasião, o superintendente ainda fez a ressalva de que a ação não contribuiria somente com a Tradelink e que poderia repetir a agilidade na emissão de licenças de exportação para outras empresas quando necessário.

O discurso de Bolsonaro, em julho de 2019, comparando a Amazônia a uma virgem “que todo o tarado de fora quer” deflagra a objetificação tanto do território como das mulheres, e nos traz elementos para pensarmos o projeto de governo que vem sendo implementado em relação à floresta. Por trás de um discurso ufanista de proteção da “soberania nacional” existe uma lógica mercantilista e violadora que vem sendo estabelecida na relação militares-amazônia desde a extração do pau-brasil, durante o período colonial. 

Mourão, o vice e responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia, já na campanha eleitoral, proferia discursos racistas atrelando aos povos indígenas a “indolência” e, ao povo negro, a “malandragem”. Mas antes de Mourão, o que não nos faltam são maus exemplos de ações tomadas pela militarização da proteção à Amazônia. Quando olhamos para o passado, a perspectiva positivista empregada pelos militares com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) é a mesma política higienista e racista apresentada hoje por Bolsonaro quando se refere aos povos originários como quem precisa ser integrado a um modelo de “civilidade”. O que está por trás é um debate sobre como a Amazônia é vista: fonte de sociobiodiversidade incalculável vs fonte de lucro infindável. Além, é lógico, do racismo do presidente, que não está por trás, está escancarado. 

Em meio a pandemia, os riscos são de repetir a história e realizar o genocídio de populações indígenas, em especial aquelas em isolamento voluntário que não tem janela imunológica para sequer outros vírus. Em fevereiro deste ano, o governo assinou projeto que autoriza garimpo em terras indígenas, além de regularizar a exploração para turismo, agricultura, pecuária e extrativismo florestal. Em meio a pandemia, ações de garimpeiros se intensificam na Amazônia e ameaçam as populações originárias, em especial no território Yanomami, maior terra indígena do país, onde vivem cerca de 26 mil membros dos povos yanomami e ye’kwana, distribuídos em 321 aldeias. Neste contexto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) recorre ao STF contra genocídio institucionalizado pelo governo. Bolsonaro foi, também, denunciado no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crime contra a humanidade por sua postura ineficaz no combate ao avanço da Covid-19 no país. 

Nesta quarta-feira (8), o presidente sancionou, com vetos, o PL 1142 que prevê medidas para tentar proteger as populações indígenas e quilombolas. Com os vetos o governo se exime da obrigatoriedade de fornecer acesso a água potável, de distribuir gratuitamente materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias, de instalar internet nas aldeias e distribuir cestas básicas, ainda veta a obrigatoriedade de liberação pela União de verba emergencial para a saúde dos povos tradicionais. Em mais uma ação da necropolítica na gestão Bolsonaro, o Executivo demonstra não se preocupar com a contaminação destas populações e gesta pelo isolamento no acesso a informação destas comunidades. Depois de destinar Cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra o Coronavírus, para os povos Yanomami de Roraima.

Militares distribuíram 13,5 mil comprimidos de cloroquina, medicamento que não tem eficácia comprovada contra a Covid-19 às comunidades indígenas Yanomami, em Roraima. | Foto: Divulgação /Ministério da Saúde

Em 2019, os portais Intercept e openDemocracy reportaram falas do ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo, General Santa Rosa, que se demitiu em dezembro, sobre o projeto Rio Branco, tratando, inclusive de um receio de invasão chinesa pela fronteira com Venezuela e Suriname. O projeto segue em fase de discussão e trata de “integrar a Calha Norte do rio Amazonas”, o que consistiria na expansão da BR-163 até a fronteira com o Suriname, a construção de uma ponte sobre o rio Amazonas no município de Óbidos (AM) e a construção de uma hidrelétrica no rio Trombetas. Os documentos ainda tratam da execução do Plano Nacional de Mineração para os “minerais que impactam o mercado nuclear e a indústria aeroespacial”. O projeto já indicava ideologicamente as ações atuais do Executivo que governa sob decretos e deve, assim, dar continuidade ao plano. A série de reportagens da Amigos da Terra Brasil “A história do cerco à Amazônia” lançada em junho retrata a aplicação de políticas públicas que já vem sendo realizadas no sentido de aplicar um projeto desenvolvimentista para a região do eixo do Tapajós, no Pará, baseada na expansão do agronegócio. 

Pelas ações deste governo, o modelo de desenvolvimento para a Amazônia está posto: desenvolver infraestrutura, aumentar a exploração dos minérios da região, converter a floresta em pasto e monoculturas, densificar a população e a inserir em uma sociedade de consumo mesmo que para isso os modos de vida tradicionais precisem ser exterminados. O lucro? Assim como os impactos da destruição da Amazônia, será em escala global, mas ficarão nas mãos de poucos, aquele 1% da sociedade, representado por instituições financeiras e empresas transnacionais. As perspectivas se cruzam entre passado e presente. Novamente militares em diferentes áreas do poder. Novamente uma perspectiva positivista sobre a Amazônia e seus povos.

É imprescindível a defesa dos povos responsáveis por esta floresta ainda estar em pé, aqueles que sempre estiveram no território cuidando e defendendo, aqueles que possuem relações de interdependência históricas com a natureza e que muito aportam para caminhar na necessária mudança de sistema por uma sociedade justa. É claro que precisamos defender os povos da Amazônia e os movimentos que articulam e organizam a resistência pelos modos de vida tradicionais, mas de que maneira garantir esses modos de vida em um contexto de genocídio declarado, seja pela bala, seja pelo vírus? 

Agronegócio e empreendimentos para escoar a produção avançam sobre comunidades tradicionais e ameaçam as relações de interdependência com a natureza. | Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

O caminho para a resposta é árduo e complexo, mas há alguns pontos cruciais para nós da Amigos da Terra Brasil. É necessária uma mudança radical de sistema que coloque a vida no centro da economia e da política. Para isso, seguiremos fortalecendo nossa articulação enquanto membro da Federação Internacional Amigos da Terra e nossas ações locais construindo alianças com movimentos campesinos, indígenas, feministas, sociais, sindicais que possuam um projeto político que nos permita avançar na convergência de pautas e agendas. A mudança de sistema se dará na luta de classes e na construção do poder popular para alcançar a soberania e a autodeterminação dos povos.Com a solidariedade internacionalista, rompendo fronteiras, enfrentamos o ufanismo da soberania nacional que sustenta regimes ditatoriais. 

Em outro momento, quase um ano atrás, quando incidimos contra os incêndios na Amazônia, elaboramos 9 ações para defender a floresta que seguem sendo essenciais. Mas hoje, diante do cenário atual de militarização e sucessivos golpes ou tentativas de golpes na região da América Latina, queremos reafirmar que para defender a Amazônia é preciso lutar pela democracia. É preciso enfrentar Bolsonaro, enfrentar Mourão e a militarização genocida da política que implementam.

O contexto de militarização na Amazônia brasileira repercute, também, junto a Federação Internacional Amigos da Terra, confira a nota divulgada entre os grupos membro em espanhol e inglês.

Algum dia celebraremos o Dia do Meio Ambiente?

Instituído há quase cinquenta anos pela Conferência de Estocolmo, o Dia do Meio Ambiente foi proposto para que se reflita sobre os problemas ambientais gerados pelo homem. O que se nota, contudo, é um nível cada vez maior de exploração e degradação do meio ambiente, resultando em extinções em massa, mudanças climáticas, aumento da desigualdade social, desabastecimento hídrico, fome, desastres naturais, crimes ambientais e, somado a tudo isso, mesmo epidemias e pandemias. Nesse sentido, impõe-se uma questão: estamos nos perguntando sobre os verdadeiros problemas que geram a injustiça ambiental?

Há tempos dizemos que a estrutura central da degradação e da injustiça ambiental é o sistema capitalista. Sua dinâmica de crescimento infinito, associada aos princípios da acumulação e da concentração de mercados, bem como seu total descaso com a vida e sua diversidade, gera pressões que são absolutamente insustentáveis sobre os ecossistemas e os povos que nele habitam em relativo equilíbrio. E aqui não se fala apenas do processo de saqueamento dos bens comuns, convenientemente nomeados de recursos naturais, que extrapola em muito a capacidade destes de se renovarem, regenerarem ou recuperarem, mas também, e especialmente, do ataque incessante a toda forma de organização social, cultural e territorial que escapa à economia de mercado globalizada e prescinde do agenciamento do capital para se reproduzir de forma digna, justa e próspera.

A crise ambiental se faz presente em todo o planeta Terra, assim como o sistema capitalista. Nunca foram tão frequentes os eventos climáticos extremos: tufões e furacões incrivelmente violentos, ondas de calor extremo, secas prolongadas e chuvas torrenciais tornaram-se notícias corriqueiras. A desertificação dos continentes e a acidificação dos oceanos – estes últimos acossados pela sobrepesca e pelo hiperacúmulo de lixo de todo tipo – avançam no mesmo ritmo da expansão das monoculturas e da poluição industrial, esterilizando vastas áreas do globo terrestre e capitaneando – ou capitalizando! – a sexta extinção em massa da Terra, que já afeta mais de 30% de todas as espécies das Américas. Além disso, enfrentamos a pandemia de COVID-19, que está intimamente associada à degradação ambiental promovida pela expansão do agronegócio, das indústrias extrativistas e da carne e à globalização da economia (não por acaso, os primeiros países a sofrerem as consequências da pandemia foram aqueles que tem a maior movimentação aérea, interna e externa).

Não podemos, contudo, ser ingênuos e acreditar que o planeta inteiro sofre igualmente as mazelas dos produtos e subprodutos do capitalismo. É nítido que os países do sul global, que sofreram e ainda sofrem as mazelas do (neo)colonialismo, são muito mais afetados pelas crises climática e socioambiental e, dentro destes, as comunidades periféricas são ainda mais. O racismo ambiental é a marca perversa desse sistema expropriador, que cria paraísos naturais para os ricos e dispensa os resíduos sobre os pobres, os negros, as mulheres.

É nesse contexto de neocolonialismo racista e machista que se insere o projeto megaextrativista brasileiro, com a resistência que este gera, orquestrado pelas elites capitalistas nacionais e internacionais e executado pelo governo genocida de Jair Bolsonaro. A expansão do agronegócio sobre áreas de mata nativa – em todos os biomas brasileiros –, o incentivo à mineração (legal e ilegal) e à grilagem, a ameaça ao direito originário sobre a terra dos povos tradicionais, a promoção de projetos privatistas de infraestrutura, o desmantelamento da legislação ambiental, o sucateamento dos órgãos de fiscalização e conservação ambiental e a impunidade de megacorporações face seus crimes ambientais vêm gerando uma onda de conflitos e assassinatos nos campos, nas matas e nas cidades, destituindo o povo brasileiro de suas riquezas e as entregando servilmente ao capital transnacional. Enquanto escancara seu despreparo e seu fascismo, Bolsonaro adula o mercado e executa sua agenda genocida, para que este mesmo mercado possa manter as aparências de salvador da pátria.

E como redentores ressurgem os atores do capital, promovendo falsas soluções aos problemas que eles mesmos criam. O processo de financeirização da natureza corre acelerado em nosso país, com a conversão de ecossistemas riquíssimos como o pampa em monoculturas de árvores transgênicas a título de “sequestro de carbono” e o pagamento por serviços ambientais desterritorializando comunidades inteiras para o benefício de algumas poucas empresas gigantescas, que fazem a grilagem de terras com mata nativa em pé “compensando” suas atividades poluidoras em outra região do país. O mercado verde, que capitalizou a própria noção de sustentabilidade, vem se impondo como mais uma forma de agressão aos povos e às defensoras e defensores dos territórios, travestido de responsabilidade corporativa e sua consequente geração de valor.

Em terras gaúchas a situação não é melhor do que no resto do país. O tão festejado governador Eduardo Leite, em termos socioambientais, não é senão a expressão engomada e envernizada do mesmo projeto neoliberal autoritário e explorador de Bolsonaro. Convém lembrar que Eduardo Leite desmontou o Código Ambiental do Rio Grande do Sul no fim do ano passado, inicialmente sob regime de urgência e, posteriormente, via acordo de líderes na Assembleia Legislativa, sem qualquer debate com a sociedade gaúcha, trazendo consequências gravíssimas para o meio ambiente regional. Desde a imposição de barreiras à conservação ambiental até o autolicenciamento de inúmeras atividades econômicas, passando pela desproteção de ecossistemas e espécies, Eduardo Leite rende-se aos interesses do capital e faz retroceder o Rio Grande do Sul em pelo menos quatro décadas de muita luta pela qualificação do meio ambiente, sob a alegação recorrente de “modernizar” o estado. Não podemos esquecer, ainda, que nosso estado é explorado por centenas de projetos de mineração, alguns com potencial ofensivo tão grandes quanto os de Mariana e Brumadinho.

De uma forma mais cotidiana, também o capital se atravessa na construção de nossa percepção ambiental. As podas mal executadas que se repetem ano a ano nas cidades, a derrubada de mata ciliar e/ou nativa para civilizar orlas e parques, a expropriação de áreas naturais e alterações ilegais nos Planos Diretores para construção de empreendimentos imobiliários são parte da vivência na cidade. A artificialização de nossos ambientes, iluminados e ventilados por máquinas, bem como a captura de nossos desejos pela sociedade de consumo, reforça o imaginário de sermos seres apartados do ambiente natural, de forma que nos tornamos indiferentes à sua degradação e privatização, ao mesmo tempo em que nos enredamos no simulacro discursivo de sustentabilidade patrocinado pela publicidade corporativa. Assim, a cidade e o campo seguem à mercê dos interesses do capital.

O capital, contudo, não age sozinho no mundo. Para cada retrocesso imposto, uma ação de luta surge em seu caminho. Se a ofensiva do capital sobre os territórios cresce, é porque os territórios, seus defensores e, sobretudo, os povos que neles habitam estão cada vez mais organizados para exigir seus direitos e criar alternativas duradouras e compatíveis com um meio ambiente equilibrado e justo. Organizamo-nos desde baixo, seja com o pé na terra, bioconstruindo e fazendo agroecologia, seja dentro de laboratórios e gabinetes, pesquisando soluções, seja ainda em reuniões, assembleias populares e parlamentos, promovendo debates e defendendo os fundamentos da vida e da diversidade. Há e haverá muita luta ainda.

Se não podemos celebrar o Dia do Meio Ambiente, porque não há nada a se comemorar, celebramos a vida e a luta das defensoras e defensores dos povos e dos territórios, que enfrentam ameaças e riscos reais todos os dias. Contra a agenda do capital e a perversidade dos fascistas que já fazem hora extra nas estruturas do Estado, a sabedoria e a força dos povos e dos territórios. A VIDA NÃO SE VENDE, SE AMA E SE DEFENDE!

A história do cerco à Amazônia

Visitamos a região do Tapajós, no Pará, junto à Terra de Direitos e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais dos municípios de Santarém e de Alenquer, para ouvir as histórias das resistências dos povos frente ao cerco imposto pelo capital à Amazônia. E o cenário, que já era assustador, piora no atual contexto de pandemia do Covid-19: desmatadores, grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais não estão preocupados em fazer quarentena; pelo contrário, querem aproveitar a paralisia do governo para avançar ainda mais sobre os territórios. Vale acrescentar que, ao que indicam estudos (aqui, aqui e aqui, este último em espanhol), a expansão do agronegócio e a consequente destruição ambiental está por trás do avanço de diversas pandemias ao redor do mundo, o coronavírus entre elas.

*Nota: este conteúdo foi produzido no final de 2019 e início de 2020,
antes da pandemia do coronavírus tomar a proporção que tomou.

// Vídeo 1 – Grilagem de terras: como territórios amazônicos vão sendo transformados em campos de cultivo

// Vídeo 2 – Soja: Amazônia como fronteira agrícola

// Vídeo 3 – Portos: grandes empreendimentos ameaçam os modos de vida tradicionais amazônicos

// Vídeo 4 (final) – Ameaças, resistência e esperança

A engrenagem do capital esmaga a Amazônia, seus povos, a floresta e seus rios: de um lado, a expansão da soja e da pecuária, unidas à derrubada e comercialização ilegal de madeiras e às queimadas criminosas que “limpam a terra” para o agronegócio; de outro, a mineração e os megaprojetos de infraestrutura necessários ao escoamento de commodities e entrega dos bens comuns brasileiros, como portos e ferrovias. Todos de alto impacto às comunidades locais. Em meio a isso, sob grande pressão e convivendo com ameaças constantes, povos em pé e em luta, ainda firmes. São essas histórias de resistências que contaremos a seguir.

Primeiro, porém, uma breve introdução se faz necessária, para que compreendamos o contexto e a complexidade dessas lutas. A introdução está dividida em quatro partes: a primeira delas segue este parágrafo; as outras podem ser acessas pelos links que aparecem abaixo do texto. E, depois dos links, aparecem pequenos resumos de cada história que contaremos – que podem ser acessadas com um clique em seu título.

Uma breve introdução, dividida em quatro partes, e depois as histórias

1. Contexto
Não à toa as queimadas na Amazônia em 2019 chamaram a atenção do mundo: de janeiro a agosto, na comparação com o mesmo período dos últimos três anos, a alta em focos de queimada foi de 34%; houve 55% mais desmatamento na região; e, ainda assim, 11% mais chuvas, o que demonstra que a causa do fogo não foi o período seco, mas sim a ação humana.

Infelizmente, nenhuma surpresa: em agosto do ano passado, em referência ao Dia do Fogo e ao aumento das queimadas, já dizíamos:

– A mão manchada de sangue que acende a chama é a mão do capital: é à política neoliberal colonialista, tão docilmente acatada pelo governo Bolsonaro, que creditamos o ataque aos povos das florestas e a seus territórios.

Antes ainda, à época da campanha eleitoral de 2018, a completa ausência de políticas voltadas ao meio ambiente já alertava para o que estava por vir (por exemplo, a expressão “meio ambiente” aparecia apenas uma vez no programa de governo do então candidato Jair Bolsonaro). Bom… que representa um imenso retrocesso para a pauta ambiental e agrária no Brasil ele próprio deixou bastante nítido mais tarde, quando disse [aos ruralistas, é claro] – Esse governo é de vocês.

O cerco capitalista se expressa em diferentes formas e estágios: desde o “ciclo da grilagem”, que consiste em invasão de território, extração ilegal de madeira, queimadas para “limpar a terra”, introdução de monoculturas e pecuária; até o consequente uso de agrotóxicos que contaminam áreas vizinhas e fontes de água; e o despejo e expulsão das famílias agricultoras, comunidades tradicionais, quilombolas e povos originários para as periferias das cidades, onde passarão a compor a classe empobrecida da sociedade. Quem decide ficar e lutar por seus territórios e pela natureza, enfrenta ameaças e atentados contra a vida.
Os desenhos são de Paulo H. Lange.

A espreita capitalista sobre a Amazônia, sabemos bem, remete a tempos pré-Bolsonaro. Contudo, é da mesma forma óbvio o agravamento da situação hoje: ela é considerada – ela, a floresta – um imenso estoque de terras, amplo espaço disponível para a expansão do agronegócio que já consumiu quase que a totalidade de outros biomas do país (o cerrado, o pantanal, o pampa). E os números comprovam o efeito nefasto gerado pelas políticas do atual governo brasileiro: pela primeira vez na contagem histórica, que começou em 2002, foi verificado aumento de queimadas em todos os biomas no país – ao todo, a área devastada em 2019 foi 86% maior que no ano anterior. No caso do Pantanal, bioma mais atingido, o número é alarmante: a alta nas queimadas é de 573%. Os dados são do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o qual Bolsonaro – não por acaso – tenta insistentemente deslegitimar e controlar.

Ora, também não é acaso o atual governo denominar a Floresta Amazônica uma “região improdutiva e deserta”. É esse o olhar e a compreensão neoliberal sobre a natureza: um negócio a ser explorado, custe o que custar – inclusive vidas.

Nos links abaixo, continua o texto introdutório. Clique em cada um para seguir lendo:

2. As respostas de Bolsonaro às queimadas são em nome do mercado e dos grileiros do agronegócio
3. O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
4. Mas afinal, quem realmente está por trás desses crimes?

E, abaixo, leia as histórias de resistência dos povos da Amazônia ao cerco capitalista contra seus territórios, seus corpos, a floresta e os rios:

// O CERCO, DESENHADO EM UM MAPA
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), Manoel Edivaldo Santos Matos, o Peixe, explica o cerco do capital à Amazônia a partir de um mapa da região do Tapajós. Não à toa o Plano Diretor de Santarém, cidade que fica à beira do encontro dos Rio Tapajós e Amazonas, dos mais importantes canais d’água da Amazônia, foi alterado sob medida para a expansão do capital na região – e a mudança se deu ao apagar das luzes de 2018, na última sessão legislativa do ano.

// UM PORTO ENTALADO NA BOCA DO RIO
Projetos de construção de portos no Rio Maicá colocam em risco o modo de vida de 12 comunidades quilombolas, além de povos originários e comunidades pesqueiras. Um dos projetos, que estava mais avançado, teve o processo de licenciamento suspenso na Justiça e a empresa deverá realizar uma consulta prévia, livre e informada junto às comunidades impactadas, em acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

// ANTES DO PORTO CHEGAR (SE CHEGAR), CHEGARAM JÁ OS IMPACTOS
É assim em todos megaempreendimentos e não está sendo diferente no Maicá: mesmo antes de um projeto se concretizar, seus danos às comunidades locais já podem ser sentidos – desde questões imateriais, como a insegurança por nada se saber do futuro (se as famílias serão removidas ou não, e para onde, ou a tristeza de ver ameaçados seus territórios e modos de vida); até questões bem concretas, como a ameaça de vizinhos e a grilagem de terras.

// POSTO DE SAÚDE E ESCOLA QUILOMBOLA: A LUTA MUDA A VIDA
O processo de titulação da comunidade do Tiningu, após longa demora, está quase pronto: em outubro de 2019, o Incra reconheceu a demarcação da área e, agora, falta apenas a assinatura presidencial – o que, em meio a discursos de ódio e corte de recurso para a pauta quilombola, não é “apenas”. Mas a comunidade do Tiningu tem quase 200 anos, e sabe ter calma.

// CURUAÚNA: DE UM LADO, A SOJA. DO OUTRO, A SOJA TAMBÉM
Nos arredores de Santarém, os campos de soja se estendem até o horizonte se perder de vista. Escolas são cercadas pelas plantações, nas quais há alto uso de agrotóxicos sem que se respeite o horário das aulas; a prática do “puxadinho” alonga os campos de soja pouco a pouco, todo ano, por meio de queimadas na beira dos terrenos; comunidades e culturas inteiras vão sumindo, pois as famílias, cansadas, abandonam suas casas e vidas, indo morar na periferia das cidades. Não há mesmo convivência possível com o avanço destrutivo do capitalismo.

// O ROSTO ESTAMPADO NA CAMISETA
Os assassinatos de Maria do Espírito Santo e Zé Cláudio, defensora e defensor dos direitos dos povos, e o caminho cruzado com Maria Ivete, ex-presidenta do STTR-STM. Ela conviveu por dez anos com escolta policial, parte do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do governo federal.

// A NOITE DAS MOTOS
Em Alenquer, município vizinho a Santarém, dois pistoleiros montaram uma emboscada para assassinar José Marques. Ele é um dos líderes de uma comunidade de pequenas e pequenos agricultores da região, e o local está em disputa após grilagem de terras com o uso de sobreposição de áreas no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Sem qualquer vistoria dos órgãos públicos, as 86 famílias que viviam e trabalhavam ali há cerca de 13 anos foram despejadas pela Justiça, em conluio com os interesses privados dos grileiros.

// SE ORGANIZAR, TODO MUNDO LUTA
O enfrentamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer contra o avanço do agronegócio: as lideranças sofrem constantes ameaças mas, ainda assim, com muita organização e luta – estradas fechadas, pressão a prefeitos, cerco a locais de votação -, direitos são garantidos.

O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza

Foi o Acre o primeiro estado brasileiro a implementar políticas de financeirização da natureza. O que significa isso? Significa que o estado foi uma espécie de laboratório para medidas que transformam a natureza – as árvores, os rios e a terra, tudo isso que não podemos (ou não deveríamos) valorar – em algo quantificável, transformado em produto e, para além disso, em ativos em bolsas de valores que servirão como moeda de troca e de valorização de alguma empresa depois. Daí decorre um mar de problemas:

Essa é a parte 3 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos voltando à página central ou pelos links abaixo:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: [você está aqui] O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Veja também: O cerco explicado em um mapa

Primeiro, a privatização das terras: as empresas precisam ter áreas para a “captura de carbono”; ou seja, áreas verdes para “compensar” a poluição que geram no mundo. Assim, grandes indústrias poluidoras, como as petroleiras, as mineradoras e as empresas da aviação poderiam seguir suas atividades normalmente, com o mesmo ou até com maiores níveis de poluição, contanto que tivessem, em alguma parte do mundo, sua “fazenda de captura de carbono”.

Leia aqui a publicação “10 alertas sobre REDD para as comunidades”, preparada pela WRM (Movimento Mundial Pelas Florestas Tropicais, na sigla em português).

Aí outro problema: a própria “compensação” é, em si, uma violação de direitos. Para seguir poluindo, as empresas se adonam de um território que não é seu, em negociatas que ou não envolvem as comunidades ou são baseadas em mentiras, com promessas de compensações financeiras jamais concretizadas. Os povos originários, as comunidades tradicionais e as trabalhadoras e trabalhadores rurais, que historicamente viviam e se sustentavam da floresta, em equilíbrio, veem-se proibidos de manejar a mata a seu modo, com seus jeitos e culturas. Lhes é roubado o território e, com isso, suas existências são postas em risco: as famílias acabam sendo empurradas para as periferias das cidades, tornando-se parte da camada empobrecida da população. A riqueza fica atrás, na terra que não mais as pertence. Ora, resta-nos a dúvida: quem compensa a “compensação”?

Assim que a situação vai se complexificando: para “compensar” a poluição que emitem, as empresas violam direitos e proíbem os modos de vida tradicionais, em especial no Sul Global, e lucram também com isso ao transformar esses territórios em ativos financeiros; em resumo, quanto mais direitos violarem, mais poderão poluir e expandir seus ganhos: é lucro para poluir e para destruir e lucro pra “compensar” depois.

Veja abaixo, com mais detalhes, o “ganha-ganha” das empresas por trás das queimadas da Amazônia, em material produzido pela Amigos da Terra Brasil junto à regional do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) no Acre:

– Como o agronegócio e o mercado financeiro lucram com a devastação da maior floresta tropical do mundo

– Quanto valem a preservação e as falsas soluções do capitalismo “verde”, e quem compensa as compensações?

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Leia também a parte 2 da introdução:
Quem é favorecido pelas respostas de Bolsonaro às queimadas?

Ou avance para a parte final da introdução:
Parte 4: Afinal, quem está por trás desses crimes?

Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Ora, e muito falamos sobre o Mercado, as Empresas, a Indústria, Os Ruralistas. Porém, essas entidades transcendentais têm nomes, fazem parte do nosso mundo, podemos e devemos citá-las para que carreguem suas culpas: as gigantes da indústria da carne, do agronegócio e seus financiadores do mercado financeiro são as maiores incentivadoras dos ataques aos povos da Amazônia – e, óbvio, quem mais lucra com isso.

Publicação do Grupo Carta de Belém e do Grain, especial para a COP-25 que ocorreu em dezembro de 2019 no Chile e na Espanha, nomeia algumas das grandes corporações por trás das queimadas na Amazônia. Aqui o texto completo

Embora o atual governo tente culpabilizar as camadas empobrecidas da sociedade pela devastação da biodiversidade, na Amazônia e no Brasil, uma interessante reportagem do The Intercept Brasil mostrou que, por trás de queimadas e desmatamento, estão figuras poderosas: “Dados públicos do Ibama, o órgão do governo federal responsável pela preservação do meio ambiente, compilados e analisados pelo De Olho nos Ruralistas, mostram que os 25 maiores desmatadores da história recente do país são grandes empresas, estrangeiros, políticos, uma empresa ligada a um banqueiro, frequentadores de colunas sociais no Sudeste e três exploradores de trabalho escravo”.

Essa é a parte 4 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: [você está aqui] Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E também veja: O cerco explicado em um mapa

É em meio a isso tudo – à grilagem, às queimadas, à soja e seus agrotóxicos, aos portos que impedem a pesca, aos megaprojetos que destroem modos de vida – que resistem as comunidades, ainda que sofrendo pressões extremas e ameaças à vida. Também essas Comunidades e Povos são transformadas em entidades abstratas, contudo ali estão pessoas: gente simples, de hábitos comuns, gosto pelo futebol, almoço em família, banho no rio, descanso na rede. Pequenas e pequenos agricultores, pescadoras e pescadores, extrativistas das reservas legais, comunidades quilombolas e povos indígenas que queriam, caso fosse opção, apenas seguir suas vidas no local ao qual pertencem e manter a floresta com a qual convivem e da qual dependem em pé.

Outro mundo não é possível, só há esse. Por isso a luta
Não há convivência possível com a infinita gana destrutiva da expansão capitalista: seu veneno escorre pelos arredores, os lagos poluem e secam, a terra é contaminada, as pessoas são expulsas de seus territórios, atacadas, covardemente assassinadas. O discurso de ódio de Bolsonaro e as políticas de desmonte da área ambiental e agrária, em defesa dos interesses do agronegócio e das indústrias extrativistas estrangeiras, materializam-se em violência: por exemplo, os assassinatos de indígenas cresceram 22,7% em 2018.

Contra isso, resta a luta: cotidiana, trabalho de formiga, aos poucos – tão difícil e brutal quanto necessária e recompensadora. É o que mostram as histórias que ouvimos na recente visita à região do Tapajós, no Pará. Elas evidenciam o cerco do capital à Amazônia, com a grilagem de terras, o avanço dos megaprojetos sobre comunidades inteiras, o ataque à floresta e aos rios e as ameaças e ataques a quem se opõe a isso, erguendo-se em defesa dos modos de vida tradicionais e dos direitos dos povos. Não à toa essa gente recebe a alcunha de Guardiãs e Guardiões da Floresta: não teríamos pensado em nome mais justo.

Voltar para a página central “A história do cerco à Amazônia

Leia também as partes 2 e 3 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza

E também veja: O cerco explicado em um mapa

 

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