Musk e X não estão acima de todos: a impunidade das big techs

Nos últimos meses, acompanhamos o duelo de poder entre Elon Musk e o STF (Supremo Tribunal Federal). O empresário, dono de uma das maiores plataformas de big tech do mundo, a X, decidiu ter uma queda de braço com o Ministro Alexandre de Moraes, chegando inclusive a suspender o serviços da plataforma no Brasil. Longe de ser apenas uma batalha de egos, o caso expõe os riscos democráticos da concentração de poder nas mãos das empresas transnacionais.

Articulação internacional de organizações e movimentos sociais tenta, há 10 anos, criar um Tratado Vinculante junto à ONU para responsabilizar as empresas transnacionais. Crédito: Reprodução/Dismantle Corp Power

De acordo com pesquisas desenvolvidas pelo Center for Countering Digital Hate, a plataforma X tem sido o epicentro da desinformação. Recentemente, durante as eleições nos EUA (Estados Unidos), as postagens de Elon Musk têm atingido milhões de seguidores, influenciando nos resultados eleitorais. Da mesma forma, pesquisas apontam a relação entre o comportamento extremista de Musk e as manifestações fascistas na Inglaterra.

As empresas transnacionais vêm concentrando poder político, econômico, social e cultural desde os anos 70. Possuem uma capacidade de adaptação às críticas sociais e ambientais, transformando-se cada vez mais em entes para além do Estado. Um marco regulatório internacional para essas pessoas jurídicas internacionais, que produzem em cadeias globais de valor, que especulam em mercados financeiros internacionalmente, não avança, de modo que se propaga a arquitetura da impunidade.

As big techs, como são conhecidas as empresas transnacionais da tecnologia, entre elas o X, Google, Meta e Amazon, movem um capital financeiro maior que o PIB (Produto Interno Bruto) de toda a América Latina; em número, são cerca de R$ 10 trilhões. O Google vem conseguindo implementar o monopólio da pesquisa online, sendo uma das plataformas de busca mais utilizadas em todo o mundo. A Meta, que além do controle de grandes redes sociais como Facebook, agora domina o WhatsApp, acumula uma base de dados e de informações de seus usuários maior que os mecanismos de vigilância estatais.

Com esse capital econômico, político e cultural, as big techs estão determinando que tipo de pensamento hegemônico reproduzir sobre a consciência das massas. Na América Latina, os efeitos eleitorais do uso dessas máquinas são desastrosos. Na Argentina, o papel que a plataforma X teve em influenciar a juventude com ideologias extremistas rendeu a vitória eleitoral a Javier Milei. Ou mesmo o papel que a Meta vem tendo para uso do Messenger do Facebook no atendimento de políticas de saúde e proteção para mulheres grávidas.

Estamos sendo vítimas de um novo tipo de colonialismo modernizante. As iniciativas de regulação, sobretudo da inteligência artificial, ainda patinam, e nem enfrentam o tema sobre a perspectiva da ameaça à soberania. No Brasil, projetos de lei como o PL das Fake News (n.º 2630/2020) estão completamente paralisados no Senado. Recentemente, o Ministério da Fazenda anunciou que apresentou um plano para regulação, visando um equilíbrio de mercado junto ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). De uma forma geral, projetos regulatórios, como as diretrizes da União Europeia, seguem apostando na boa vontade empresarial em autorregular-se.


Iniciativas que se contrapõe à impunidade

Desde 2014, tramita no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), a formulação de um Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos, no qual se possa corrigir a assimetria de poderes entre empresas transnacionais e atingidos, possibilitando pôr fim a uma arquitetura da impunidade corporativa internacional. Ocorre que, ano após ano, o projeto vai sendo desidratado pela correlação de forças conservadoras no Conselho. Recentemente, o governo do Equador, país que está na Presidência do Grupo responsável pela elaboração do instrumento, sem qualquer diálogo, cancelou a sessão prevista para meados de outubro, apresentando final de dezembro como nova data para a agenda.

A manobra causou insatisfação popular. Mais de 300 milhões de pessoas da sociedade civil, movimentos sociais e centros de investigação reunidos na Campanha Internacional pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e pela Soberania dos Povos lançaram um manifesto. No documento, apontam que o reagendamento favorece a participação de países do Norte Global em detrimento de países do Sul global, prejudicando, ainda, a participação de organizações e movimentos que já tinham comprometido seus orçamentos com passagens e hospedagens caras em Genebra, na Suíça, para as datas de outubro.

No Brasil, o projeto de lei n.º 572/2022, que propõe uma lei marco sobre direitos humanos e empresas, encontra-se parado na Câmara dos Deputados desde outubro de 2023.


Democratização dos meios de comunicação

Não existe democracia na comunicação realizada pelas big techs nas redes sociais. Os usuários dessas redes estão expostos a todo tipo de conteúdo misógino, racista, homofóbico, elitista, diariamente. Essas empresas não têm nenhum compromisso ético com as informações compartilhadas, ou mesmo mecanismos eficazes de remoção de conteúdos que remetem à violência, violação de direitos humanos e desinformação. Sequer, os consumidores desses veículos têm proteção contra o uso de seus dados pessoais.

Talvez, de todos os medos que possamos ter sobre um futuro do planeta dominado pelas empresas transnacionais, o controle das formas de pensar e a produção de hegemonia por estas big techs seja uma das maiores ameaças a qualquer projeto de futuro alternativo que possamos construir. Precisamos urgentemente nos libertar desse controle.

Supõe-se que o que diferencia nós, humanos, de outras espécies, seja a nossa capacidade de raciocinar. Certamente, uma habilitante em xeque diante do cenário de desinformação. Assim, para além da urgência de regulação das empresas transnacionais, sobretudo as big techs, em prol da defesa dos valores democráticos, talvez o mundo requeira um pouco mais de inteligência, racionalidade e humanidade às pessoas. Fica o convite para pensar para além dos 280 caracteres.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Nathallia Fonseca

* Artigo da ATBR publicado originalmente no site do jornal Brasil de Fato em 22/11/2024. Acesse neste link: https://www.brasildefato.com.br/2024/11/22/musk-e-x-nao-estao-acima-de-todos-a-impunidade-das-big-techs

Reconstrucción en Rio Grande do Sul: las maniobras de Fraport provocan continuas violaciones de los derechos humanos

La tragedia climática que asola Rio Grande do Sul desde mayo tiene un capítulo dramático: la reestructuración del aeropuerto Salgado Filho. Privatizado en 2017, el aeropuerto fue concedido a la empresa alemana Fraport hasta 2042. Con las fuertes lluvias, la pista y el edificio del aeropuerto quedaron completamente inundados, causando daños a la infraestructura. Sin previsión de que vuelva a funcionar*, hay un juego de tira y afloja entre la empresa y el Estado por la responsabilidad de las obras.

Fraport es bien conocida por la población de Rio Grande do Sul por sus violaciones de los derechos de la comunidad de Vila Nazaré, al norte de Porto Alegre. Esta comunidad estaba situada en las afueras del aeropuerto, donde vivían familias desde hacía décadas, cuando las obras de ampliación de la pista e instalación de un sistema de drenaje provocaron una acción agresiva de la empresa contra la comunidad. Tras recurrir a una empresa subcontratada para desalojar a las familias, en un proceso marcado por la violencia y la arbitrariedad, las 2.000 familias fueron realojadas en urbanizaciones de la periferia de la ciudad y siguen esperando que se instalen infraestructuras, seguridad y servicios públicos de vivienda adecuados.

Un nuevo capítulo en las infracciones de Fraport surgió con las inundaciones que dejaron bajo el agua la pista y el edificio, así como gran parte de la capital del estado. Desde que dejó de llover, la empresa ha intentado eximirse de la responsabilidad de reconstruir el aeropuerto, alegando que las obras corresponderían al Estado, ya que gestiona una concesión y no es la propietaria. Más tarde, representantes de la empresa alemana afirmaron que tal declaración era desafortunada por parte de la administración brasileña, y que estarían abiertos al diálogo.

El gobierno federal está llevando a cabo negociaciones con Fraport para reabrir el aeropuerto. La Agencia Nacional de Aviación Civil (ANAC) está analizando los costes presentados por Fraport para la reestructuración, así como la solicitud de revisión contractual presentada alegando un caso ocasional. Curiosamente, la misma empresa que anuncia su sostenibilidad y su compromiso de compensar las emisiones de combustible de aviación con créditos procedentes de la supuesta preservación y reducción de emisiones forestales (REDD), que gestiona su aeropuerto central en Fráncfort (Alemania), no dudó en tomar medidas para drenar la pista del aeropuerto alemán en 2023 cuando se inundó. ¿Qué cambia? ¿Es la legislación alemana sobre concesiones más estricta con las empresas transnacionales? ¿Por qué la misma empresa actúa de forma tan diferente en casos similares en distintos países?

Otras quejas contra la empresa se refieren al sistema de protección contra inundaciones. El diputado estatal Matheus Gomes denunció ante el Ministerio Público Federal que Fraport había reducido la inversión necesaria para el sistema de drenaje del aeropuerto. Según el diputado, la empresa no siguió las instrucciones del proyecto dadas por el departamento municipal responsable, el DEP (Departamento de Drenaje Pluvial), que fue suprimido en 2017. El Ministerio Público Federal está investigando el caso.

El aeropuerto Salgado Filho es el noveno mayor del país, responsable de un intenso flujo de pasajeros, que las operaciones, trasladadas a la base aérea de Canoas desde mayo, no han podido atender. Este caso constituye una violación de los derechos de los habitantes de Rio Grande do Sul y de la libre circulación de personas, ya que su movilidad no está garantizada debido a un obstáculo contractual, del mismo modo que la rápida recepción de donaciones y solidaridad por vía aérea en el estado se vio obstaculizada en el momento más crítico de las inundaciones. Está claro que la prestación de servicios públicos por parte de las empresas se centra únicamente en la obtención de beneficios.

El caso es también un paradigma de la reproducción de las injusticias ambientales y de las falsas soluciones del capital a la emergencia climática. La concesión, dada poco después del golpe contra la presidenta Dilma Rousseff por el entonces presidente Michel Temer, forma parte de un proceso de profundización del neoliberalismo en el país. La conquista de cada vez más espacios y servicios públicos por empresas transnacionales dilucida el choque entre los derechos de los pueblos y los derechos de las empresas, en el que las transnacionales siempre se benefician y gozan de impunidad en materia de derechos humanos y crímenes u omisiones ambientales. Un caso más que refuerza la urgencia de un Tratado Vinculante sobre empresas transnacionales y derechos humanos, y a nivel nacional el PL 572/2022, un marco nacional para responsabilizar a las empresas por violar derechos que eluden su responsabilidad histórica por el cambio climático, ya sea en la mitigación, adaptación o respuesta a las pérdidas y daños causados por eventos climáticos cada vez más intensos y frecuentes. Recuperar la democracia, los servicios y la gestión pública y regular las empresas transnacionales forma parte del cambio de sistema necesario para alcanzar la justicia climática en un clima que ya ha cambiado.

*Tras la publicación de este artículo, se anunció que el aeropuerto reanudaría sus operaciones en octubre.

Artículo publicado originalmente en portugués en el diario Brasil de Fato el https://www.brasildefato.com.br/2024/08/12/reconstrucao-no-rio-grande-do-sul-manobras-da-fraport-resultam-na-continuidade-de-violacoes-dos-direitos-humanos

Reconstruction in Rio Grande do Sul: Fraport’s manoeuvres result in continued human rights violations

The climate tragedy that has ravaged Rio Grande do Sul since May has a dramatic chapter: the restructuring of Salgado Filho Airport. Privatised in 2017, the airport was granted to the German company Fraport until 2042. Due to intense rains, the runway and airport building were completely flooded, causing infrastructure damages. With no expected return to operation*, a blame game has ensued between the company and the state over the responsibility for the repairs.

Fraport is well-known to the people of Rio Grande do Sul due to violations against the community of Vila Nazaré in the northern area of Porto Alegre. This community was located near the airport, where families had lived for decades, when the runway extension and drainage system installation works led to aggressive actions by the company against the community. After a third-party company was hired to remove the families in a process marked by violence and arbitrariness, the 2,000 families were relocated to peripheral housing complexes and are still waiting for adequate infrastructure, safety conditions, and public services for housing.

A new chapter of Fraport’s violations has emerged with the floods that left the runway, the building, as well as much of the capital of Rio Grande do Sul underwater. Since the rains ceased, the company has tried to distance itself from responsibility for the airport’s reconstruction, claiming that the work should be the state’s responsibility since they manage a concession and are not the owner. Later, the German company representatives claimed that such statement was unfortunate on the part of the Brazilian administration and that they were open to dialogue.

The federal government is now conducting negotiations with Fraport for the reopening of the airport. The National Civil Aviation Agency (ANAC) is analysing the costs presented by Fraport for restructuring, as well as the company’s request for contractual revision, based on the argument of an extraordinary event. Curiously, the same company, which promotes its sustainable efforts and commitment to offsetting aviation fuel emissions through forest preservation and emission reduction credits (REDD), did not hesitate to drain the runway at its headquarters in Frankfurt, Germany, during a 2023 flood. What’s different? Is the German concession legislation more stringent with multinational companies? Why does the same company act so differently in similar cases in different countries?

Other allegations against the company involve the flood protection system. State Representative Matheus Gomes reported to the Federal Public Prosecutor’s Office that Fraport had reduced the necessary investments for the airport’s drainage system works. According to the representative, the company did not follow the project guidelines given by the responsible municipal department, the DEP (Department of Storm Sewers), which was dissolved in 2017. The Federal Public Prosecutor’s Office is investigating the case.

Salgado Filho Airport is the ninth largest in the country, responsible for a significant passenger flow, which the operations relocated to the airbase in Canoas since May cannot accommodate. This case constitutes a violation of the rights of the people of Rio Grande do Sul and people’s freedom of movement, as their mobility is not ensured due to a contractual impasse. It also made it difficult to quickly receive donations and solidarity through air in that state in the most critical moment of the floods. It is evident that the provision of public services by companies is solely focused on profit.

This case is also a paradigm of the reproduction of environmental injustices and the false solutions of capital in the face of climate emergency. The concession, granted shortly after the coup against President Dilma Rousseff by then-president Michel Temer, is part of a process of deepening neoliberalism in the country. The increasing takeover of public spaces and services by multinational companies highlights the clash between the rights of people versus the rights of companies, where multinationals always come out on top, enjoying impunity in matters of human rights and environmental crimes or omissions. This is yet another case that underscores the urgency of a Binding Treaty on multinational companies and human rights. Nationally, it highlights the need for the bill PL 572/2022, a national framework for holding accountable the companies that violate rights, evade their historical responsibility regarding climate change, whether in mitigation actions, adaptation, or response to the increasingly intense and frequent climate-related losses and damages. Restoring democracy, public services and management, and regulating multinational companies are part of the necessary systemic change to achieve climate justice in an already changed climate.

* After the publication of this article, it was announced that the airport should resume operations in October

Article originally published in Portuguese in the newspaper Brasil de Fato on https://www.brasildefato.com.br/2024/08/12/reconstrucao-no-rio-grande-do-sul-manobras-da-fraport-resultam-na-continuidade-de-violacoes-dos-direitos-humano 

Reconstrução no Rio Grande do Sul: manobras da Fraport resultam na continuidade das violações dos direitos humanos

A tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul desde maio tem um capítulo dramático: a reestruturação do Aeroporto Salgado Filho. Privatizado em 2017, o aeroporto foi concedido à empresa alemã Fraport até 2042. Com chuvas intensas, a pista e o prédio do aeroporto ficaram completamente alagados, causando danos na infraestrutura. Em meio ao retorno do funcionamento anunciado para outubro, segue-se um jogo de empurra-empurra da responsabilidade pelas obras entre empresa e Estado.

A Fraport é uma velha conhecida dos gaúchos devido às violações aos direitos da comunidade da Vila Nazaré, na zona norte de Porto Alegre. Essa comunidade situava-se nos arredores do aeroporto, onde famílias residiam há décadas, quando as obras de ampliação da pista de pouso e de instalação de sistema de drenagem foram responsáveis por uma ação agressiva da companhia contra a comunidade. Após se utilizar de uma empresa terceirizada para remoção das famílias, em um processo marcado pela violência e arbitrariedade, as 2 mil famílias foram deslocadas para conjuntos habitacionais periféricos e aguardam, até hoje, a instalação de infraestrutura adequada e condições de segurança e serviços públicos para moradia.

Um novo capítulo das violações da Fraport surge com as enchentes que deixaram a pista e o prédio, assim como boa parte da capital gaúcha, debaixo d’água. Desde a trégua das chuvas, a empresa tentou se desvincular da responsabilidade da reconstrução do aeroporto, alegando que as obras caberiam ao Estado, já que administra uma concessão e não é proprietária. Mais tarde, representantes da empresa da Alemanha alegaram que tal declaração foi infeliz por parte da administração brasileira, e que estariam abertos ao diálogo.

O governo federal conduz então as negociações com a Fraport para reabertura do aeroporto. A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) analisa os custos apresentados pela Fraport para reestruturação, bem como o pedido de revisão contratual apresentado com base no argumento de caso ocasional. Curioso é que a mesma empresa, que faz propaganda sobre sustentabilidade e compromisso com compensação de emissões dos combustíveis  da aviação com créditos da suposta preservação e redução de emissões  de florestas (REDD), que administra seu aeroporto sede em Frankfurt, na Alemanha, não hesitou em atuar na drenagem da pista do referido aeroporto alemão em 2023, quando da inundação do mesmo. O que muda? A legislação alemã de concessões é mais rigorosa com as empresas transnacionais? Por que há uma atuação tão díspar da mesma companhia em casos semelhantes em diferentes países? 

Outras denúncias da empresa envolvem o sistema de proteção contra as cheias. O deputado estadual Matheus Gomes denunciou ao Ministério Público Federal que houve uma redução dos investimentos necessários para as obras do sistema de drenagem do aeroporto por parte da Fraport. Segundo o parlamentar, a empresa não teria seguido as determinações do projeto dadas pelo departamento municipal responsável, o DEP (Departamento de Esgotos Pluviais), que foi extinto em  2017. O Ministério Público Federal investiga o caso. 

O Aeroporto Salgado Filho é o nono maior do país, responsável por um intenso fluxo de passageiros, o qual as operações, deslocadas para a base aérea em Canoas desde maio, não conseguem ser atendidas. Este caso configura uma violação aos direitos do povo gaúcho e da livre circulação das pessoas, à medida que não estão asseguradas sua mobilidade em razão de um entrave contratual, assim como foi dificultado o rápido recebimento de doações e solidariedade por via aérea no estado no momento mais crítico das inundações. Evidente é que a prestação de serviços públicos por empresas é apenas focada no interesse da obtenção de lucros. 

O caso é paradigma ainda da reprodução das injustiças ambientais e das falsas soluções do capital diante da emergência climática. A concessão, dada logo após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, pelo então presidente Michel Temer, é parte de um processo de aprofundamento do neoliberalismo no país. A conquista de cada vez mais espaços e serviço públicos pelas empresas transnacionais elucida o embate entre direitos dos povos X direitos das empresas, no qual sempre as transnacionais saem beneficiadas e gozando de impunidade em matéria de direitos humanos e crimes, ou omissões, ambientais. Mais um caso que reforça a urgência de um Tratado Vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos, e no âmbito nacional o PL 572/2022, marco nacional de responsabilização às empresas violadoras de direitos que se esquivam de sua responsabilidade histórica com as mudanças climáticas, seja nas ações de mitigação, adaptação ou resposta a perdas e danos causados pelos eventos climáticos cada vez mais intensos e frequentes. Recuperar a democracia, os serviços e a gestão pública e regular as empresas transnacionais faz parte da necessária mudança de sistema para alcançar justiça climática num clima que já mudou.

Coluna publicada originalmente no site do jornal Brasil de Fato, em 12 de agosto de 2024
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Confira também a fala de Letícia Paranhos, presidenta da ATBr, no Seminário PL 527/2022 | Um debate sobre o avanço em Direitos Humanos e Empresas:

Article: Disaster capitalism and climate chaos in Rio Grande do Sul

 

The waters are finally receding in Rio Grande do Sul and the commercialisation of forms of reparation is deepening. Since the first days of the tragedy, the neoliberal governments of Rio Grande do Sul, including city halls – especially Porto Alegre – have sought to capitalise on innovative corporate solutions through city reconstruction projects. This is what researchers have called “disaster capitalism”.

In 2005, Hurricane Katrina left the city of New Orleans, in the United States, 80% submerged. The local government at the time decided to privatise the management of the tragedy by hiring Alvarez & Marsal to rebuild the city. The results were completely unsatisfactory. The communities point to a lack of dialogue with the company, no defence of housing rights, delays, overbilling and a lack of transparency, in addition to other strategies that involved mass layoffs, the privatisation of public services, and the overlapping of private and commercial interests over the public interest. Despite the fact that this information is easily found on internet searches, the mayor of Porto Alegre, Sebastião Melo, hired the same company to lead a plan to rebuild the city.

The state governor is following suit. On 10 June, Eduardo Leite announced a “New Gaucho Development Agenda”, coordinated with the support of international consultancy firm McKinsey. The company is also involved in structuring the new Development Agency that is part of the project. The consultancy has already worked in several countries, mirroring the promotion of the neoliberal ideology of economic growth permeated by corporate social responsibility.

What these consultancy firms do in practice is operate as think tanks, i.e. they are hired with public money to influence public policy-making and state planning. There has been a tendency for governments to disinvest from public universities and research institutes, which contributes to research monitoring and planning, and to outsourcing such policy-making activities to private consultancies. In this way, part of what constitutes the foundations of political projects of democratic governability, such as urban planning and the development of action plans for fair recovery with social participation and control, are completely handed over to companies and controlled by private sectors with their own interests, including in the political results of this year’s upcoming municipal elections.

 

Nothing new in history

These private consultancies shape public responses according to their strategies for occupying territories. Because they are mostly focused on macroeconomic responses, they propose projects that turn city halls, state governments and disaster management into real businesses, distorting the social logic of the role of the state. In other words, the crisis generated by extreme weather events, such as those experienced in Rio Grande do Sul, becomes a window of opportunity for capitalism to deepen its neoliberal logic, transforming the state’s obligation to ensure human, environmental, social and even civil and political rights, and eventually turning the state into an appendage of corporate power, no longer a regulator.

Recently, in the tragedy announced in the Rio Doce basin in Minas Gerais in 2015, the Renova Foundation, formed with the capital of the companies responsible for the destruction, Vale S.A and BHP Billiton, fulfilled the role of intermediary consultancy. In almost eight years since the Renova Foundation started operating, the homes of the affected populations have still not been satisfactorily rebuilt, and the reparations debate continues without any resolution. In addition to the Renova Foundation, many other private consultancies have been used by the Judiciary to elaborate reports and opinions that have no understanding of the social reality of the affected communities. In fact, many of the costs of these consultancies, when added together, are greater than the money actually spent by the companies on reparations for the victims.

Both in the case of Renova, in the management of the mining disaster, and Alvarez & Marsal in New Orleans, there is an abundance of literature, articles and news about the inefficiency of the approach, which leads us to ask: why do the governments of RS insist on making such a political choice? The answer is their option to deepen the neoliberal capitalist system and create profit-making mechanisms in the midst of the pain and suffering of the people. It is an innovation of capital to take advantage of the crisis generated by its own consequences, such as climate chaos and environmental destruction, and to have the capacity to build new profit-making mechanisms. In this way, what the bourgeoisie in charge of RS wants is to maintain and increase its profits, which is why it invests in itself and bails out the business community.

 

Popular movements build solidarity solutions

In the midst of the denialism of the problem and the lack of accountability, the social movements of the countryside and the city have once again demonstrated their unity and ability to propose effectively popular solutions to get out of the crisis with a focus on class solidarity: the working people, who are the hardest hit, are also the least responsible for the problem, but suffer even more from environmental racism in the face of the corporate and hygienist policies underway in Rio Grande do Sul. In the first half of June, the MTST (Movement of Homeless Workers) organised the occupation called Maria da Conceição Tavares (an economist, professor and intellectual with a vast critical contribution to capitalist economic development, who died recently), in an unoccupied public building in the centre of Porto Alegre. The proposal is to build a decent housing option for around 300 homeless families.

For Fernando Campos, from the MTST, the occupation of the building represents an opportunity to debate two important issues for cities: the social function of the city and recycling. According to him, “the occupation provides an immediate solution for decent housing for homeless families, and is characterised by a real and permanent transformation of a building that has been unused for years in the city centre. This is because the building will be able to serve, after undergoing the necessary adaptations, taking advantage of the physical structure that has already demanded human and natural resources (recycling dimension), giving life to the materials used, and maintaining the landscape and history of the city centre.”

While Porto Alegre city hall is proposing to build tarpaulin towns as temporary shelters for the affected families, with the support of the industrial sector, the MTST is building a counterpoint of decent housing for the families by occupying the city centre. In the same vein, the MLB (Movement for Struggle in Neighbourhoods, Slums and Favelas) occupied an old FEPAM (State Foundation for Environmental Protection) building and was violently removed by the Rio Grande do Sul military police at the request of Governor Eduardo Leite. In short, these are completely different political projects in dispute over the exercise of the right to the city in the reconstruction of Porto Alegre.

Occupying what is public in order to give dignity to the people is what the Brazilian Constitution is really all about. Looking after the well-being of its people is the main task of a ruler. Many current governments have no political project to transform the country and improve the quality of life of its people. They insist on betting on old ways in new guises to continue the domination and exploitation of the working class, but it is the unitary actions and solidarity of the organised social movements that point to paths and proposals that, in the action and struggle of every day, are building popular power to rebuild a new society.

Article originally published in Portuguese at this link: https://www.brasildefato.com.br/2024/06/24/o-capitalismo-de-desastre-e-o-caos-climatico-no-rio-grande-do-sul

Artículo: Capitalismo del desastre y caos climático en Rio Grande do Sul

 

Las aguas finalmente se retiran en Rio Grande do Sul y se profundiza la comercialización de las formas de reparación. Desde los primeros días de la tragedia, los gobiernos neoliberales de Rio Grande do Sul, incluidas las intendencias – especialmente la de Porto Alegre – han tratado de capitalizar soluciones empresariales innovadoras a través de proyectos de reconstrucción urbana. Es lo que los investigadores han denominado “capitalismo del desastre”.

En 2005, el huracán Katrina dejó la ciudad de Nueva Orleans, en Estados Unidos, sumergida en un 80%. El gobierno local de entonces decidió privatizar la gestión de la tragedia contratando a la empresa Alvarez & Marsal para reconstruir la ciudad. Los resultados fueron totalmente insatisfactorios; las comunidades señalan falta de diálogo con la empresa, nula defensa de los derechos de vivienda, retrasos, sobrefacturación y falta de transparencia, además de otras estrategias que implicaron despidos masivos, la privatización de servicios públicos y la superposición de intereses privados y comerciales sobre el interés público. A pesar de que esta información se encuentra fácilmente en las búsquedas de Internet, el intendente de Porto Alegre, Sebastião Melo, contrató la misma empresa para dirigir un plan de reconstrucción de la ciudad.

El gobernador del estado sigue su ejemplo. El 10 de junio, Eduardo Leite anunció una “Nueva Agenda Gaúcha de Desarrollo”, coordinada con el apoyo de la consultora internacional McKinsey. La empresa también participa en la estructuración de la nueva Agencia de Desarrollo que forma parte del proyecto. La consultora ya ha trabajado en varios países, reflejando la promoción de la ideología neoliberal de crecimiento económico, impregnada de responsabilidad social corporativa.

Lo que estas consultoras hacen en la práctica es operar como think tanks, es decir, son contratadas con dinero público para influir en la elaboración de las políticas públicas y la planificación estatal. Ha habido una tendencia de los gobiernos a desinvertir de las universidades públicas y de los institutos de investigación, que contribuyen al seguimiento y planificación de la investigación, y a subcontratar estas actividades de elaboración de políticas a consultorías privadas. De esta forma, parte de lo que constituye la base de los proyectos políticos de gobernabilidad democrática, como la planificación urbana y el desarrollo de planes de acción para una recuperación justa con participación y control social, son completamente entregados a empresas y controlados por sectores privados con intereses propios, incluso en los resultados políticos de las próximas elecciones municipales de este año.

 

Nada nuevo en la historia

Estas consultorías privadas moldean las respuestas públicas en función de sus estrategias de ocupación de territorios. Como se centran sobre todo en respuestas macroeconómicas, proponen proyectos que convierten las intendencias, los gobiernos estatales y la gestión de catástrofes en verdaderos negocios, distorsionando la lógica social del papel del Estado. En otras palabras, la crisis generada por fenómenos meteorológicos extremos, como los vividos en Rio Grande do Sul, se convierte en una ventana de oportunidad para que el capitalismo profundice su lógica neoliberal, transformando la obligación del Estado de garantizar los derechos humanos, ambientales, sociales e incluso civiles y políticos, y acabando por convertir al Estado en un apéndice del poder corporativo, dejando de ser un regulador.

Recientemente, en la tragedia anunciada en la cuenca del Río Doce, en Minas Gerais, en 2015, la Fundación Renova, constituida con el capital de las empresas responsables de la destrucción (las empresas Vale S.A y BHP Billiton) cumplió el papel de consultoría intermediaria. En los casi ocho años de funcionamiento de la Fundación Renova, las viviendas de las poblaciones afectadas aún no han sido reconstruidas satisfactoriamente, y el debate sobre las reparaciones continúa sin resolverse. Además de la Fundación Renova, muchas otras consultorías privadas han sido utilizadas por el Poder Judicial para elaborar informes y dictámenes que no comprenden la realidad social de las comunidades afectadas. De hecho, muchos de los costes de estas consultorías, sumados, son superiores al dinero realmente gastado por las empresas en reparar a las víctimas.

Tanto en el caso de Renova, en la gestión del desastre minero, como en el de Alvarez & Marsal en Nueva Orleans, abundan la literatura, los artículos y las noticias sobre la ineficacia del enfoque, lo que nos lleva a preguntarnos: ¿por qué los gobiernos de RS insisten en hacer semejante opción política? La respuesta es la elección de profundizar el sistema capitalista neoliberal y crear mecanismos de lucro en medio del dolor y el sufrimiento de la gente. Se trata de una innovación del capital para aprovechar la crisis generada por sus propias consecuencias, como el caos climático y la destrucción del medio ambiente, y tener la capacidad de construir nuevos mecanismos de obtención de beneficios. De esta forma, lo que quiere la burguesía que comanda el estado de RS es mantener y aumentar sus ganancias, por eso invierte en sí misma y rescata al empresariado.

Los movimientos populares construyen soluciones solidarias

En medio del negacionismo del problema y de la falta de rendición de cuentas, los movimientos sociales del campo y de la ciudad han demostrado una vez más su unidad y su capacidad de proponer soluciones efectivamente populares para salir de la crisis con un enfoque de solidaridad de clase: los más afectados, los trabajadores, son los menos responsables del problema, pero sufren aún más el racismo ambiental frente a las políticas corporativas e higienistas en curso en Rio Grande do Sul. En la primera quincena de junio, el MTST (Movimiento de los Trabajadores y Trabajadoras Sin Techo) organizó la ocupación de Maria da Conceição Tavares (economista, profesora e intelectual con una vasta contribución crítica al desarrollo económico capitalista, fallecida recientemente), en un edificio público desocupado en el centro de Porto Alegre. La propuesta es construir una vivienda digna para unas 300 familias sin hogar.

Para Fernando Campos, del MTST, la ocupación del edificio representa una oportunidad para debatir dos cuestiones importantes para las ciudades: la función social de la ciudad y el reciclaje. Según él, “la ocupación aporta una solución inmediata de vivienda digna para las familias sin techo, caracterizada por una transformación real y permanente del edificio que lleva años sin uso en el centro de la ciudad. Esto se debe a que el edificio podrá servir, tras someterse a las adaptaciones necesarias, aprovechando la estructura física que ya ha demandado recursos humanos y naturales (dimensión de reciclaje), dando vida a los materiales utilizados y manteniendo el paisaje y la historia del centro de la ciudad.”

Mientras la intendencia de Porto Alegre propone construir ciudades de lona como refugios temporales para las familias afectadas, con el apoyo del sector industrial, el MTST construye un contrapunto de vivienda digna para las familias ocupando el centro de la ciudad. En la misma línea, el MLB (Movimiento de Lucha en Barrios, Villas y Favelas) ocupó un antiguo edificio de la FEPAM (Fundación Estatal de Protección del Medio Ambiente) y fue desalojado violentamente por la policía militar de Rio Grande do Sul a petición del gobernador Eduardo Leite. En resumen, se trata de proyectos políticos completamente diferentes en disputa por el ejercicio del derecho a la ciudad en la reconstrucción de Porto Alegre.

Ocupar lo público para dar dignidad al pueblo es lo que realmente pretende la constitución brasileña. Velar por el bienestar de su pueblo es la principal tarea de un gobernante. Muchos gobiernos actuales no tienen un proyecto político para transformar el país y mejorar la calidad de vida de su pueblo. Insisten en apostar a viejas formas con nuevos disfraces para continuar la dominación y explotación de la clase trabajadora; pero son las acciones unitarias y solidarias de los movimientos sociales organizados las que señalan caminos y propuestas que, en la acción y la lucha de cada día, van construyendo poder popular para reconstruir una nueva sociedad.

Artículo publicado originalmente en portugués en este enlace:  https://www.brasildefato.com.br/2024/06/24/o-capitalismo-de-desastre-e-o-caos-climatico-no-rio-grande-do-sul

Artigo jornal Brasil de Fato: O capitalismo de desastre e o caos climático no Rio Grande do Sul

 

As águas finalmente vêm baixando no Rio Grande do Sul e se aprofunda a mercantilização das formas de reparação. Desde os primeiros dias da tragédia, os governos neoliberais do estado, incluindo prefeituras – sobretudo a de Porto Alegre – buscam capitalizar soluções inovadoras de corporações por meio de projetos de reconstrução das cidades. É o que pesquisadoras e pesquisadores apontam como “capitalismo dos desastres”.

Em 2005, o furacão Katrina deixou a cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos, 80% submersa. O governo local, à época, decidiu privatizar a gestão da tragédia contratando a empresa Alvarez & Marsal para a reconstrução da cidade. Os resultados foram completamente insatisfatórios; as comunidades apontam para uma falta de diálogo com a empresa, ausência da defesa dos direitos à moradia, atrasos, superfaturamento, ausência de transparência. Além de outras estratégias que envolveram a demissão em massa, a privatização de serviços públicos, a sobreposição do interesse privado e comercial sobre o interesse público.

Apesar de tais informações serem facilmente encontradas em buscas na internet, o prefeito de Porto AlegreSebastião Melo, contratou a mesma empresa para liderar um plano de reconstrução da cidade. Na mesma esteira, segue o governador do Estado. No dia de 10 de junho, Eduardo Leite anunciou uma “Nova Agenda de Desenvolvimento Gaúcho”, coordenada com apoio da consultoria internacional McKinsey. A empresa participa também da estruturação da nova Agência de Desenvolvimento que consta no projeto. A consultora já atuou em vários países, sendo um espelho da promoção da ideologia neoliberal do crescimento econômico, permeado pela responsabilidade social corporativa.

O que tais empresas de consultoria fazem, na prática, é operar como think tanks. Ou seja, são contratadas com dinheiro público para influenciar na elaboração de políticas públicas, no planejamento estatal. Tem sido uma tendência o desinvestimento de governos nas universidades públicas e institutos de pesquisa, que contribuem para o monitoramento e planejamento de pesquisa, e a terceirização de tais atividades de elaboração para consultorias privadas. Dessa forma, parte daquilo que constitui os alicerces dos projetos políticos de governabilidade democrática, como o planejamento urbano e o desenvolvimento de planos de ação de recuperação justa com participação e controle social, estão completamente entregues às empresas e controlados por setores privados com interesses próprios, inclusive nos resultados políticos das eleições municipais deste ano que se avizinham

Nenhuma novidade

Tais consultorias privadas modelam respostas públicas de acordo com suas estratégias de ocupação dos territórios. Por estarem focadas majoritariamente em respostas macroeconômicas, propõem projetos que transformam prefeituras, governos estaduais e a gestão de desastres em verdadeiras empresas, deturpando a lógica social do papel do Estado. Em outras palavras, a crise gerada por eventos climáticos extremos, como os vivenciados no RS, torna-se uma janela de oportunidade ao capitalismo para aprofundar a lógica neoliberal, transformando a obrigação do Estado de assegurar os direitos humanos, ambientais, sociais, e até civis e políticos, e eventualmente, convertendo o Estado num apêndice do poder corporativo, não mais um regulador.

Na tragédia anunciada na bacia do Rio Doce em Minas Gerais, em 2015, a Fundação Renova, formada com o capital das responsáveis pela destruição — as empresas Vale S.A e BHP Billiton — cumpriu o papel de consultoria intermediária. Em quase oito anos de atuação da Fundação Renova, as casas das populações atingidas, até hoje, não foram reconstruídas de maneira satisfatória, e os debates da reparação se estendem sem resolução. Além dela, outras tantas consultorias privadas foram usadas pelo Poder Judiciário para elaborar relatórios e pareceres que nada compreendem sobre a realidade social das comunidades atingidas. Muito do custo de tais consultorias, se somados, são maiores do que o dinheiro efetivamente gasto pelas empresas com a reparação às vítimas.

Tanto no caso da Renova, na gestão do desastre da mineração, como Alvarez & Marsal em Nova Orleans, abundam literatura, artigos e notícias sobre a ineficiência da abordagem, o que nos leva a perguntar:  por que os governos do RS insistem em fazer tal escolha política? A resposta é a opção por aprofundar o sistema capitalista neoliberal e criar mecanismos de produção de lucro em meio à dor e ao sofrimento do povo. É uma inovação do capital se aproveitar da crise gerada pelas suas próprias consequências, como o caos climático e a destruição ambiental, e ter a capacidade de construir novos mecanismos de produção de lucro. Desse modo, o que a burguesia na direção do RS quer é manter e aumentar seus lucros, por isso investe em si mesma, e socorre o empresariado.

Movimentos populares constroem soluções solidárias

Em meio ao negacionismo do problema e da ausência de responsabilização, os movimentos sociais do campo e da cidade, mais uma vez na história, demonstram unidade e capacidade de propor soluções efetivamente populares para sair da crise com foco na solidariedade de classe: aos mais atingidos, o povo trabalhador, que é o menos responsável pelo problema, mas sofre ainda mais com o racismo ambiental diante das políticas empresariais e higienistas em curso no RS. Na primeira quinzena de junho, o MTST (Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Sem Teto) organizou a ocupação Maria da Conceição Tavares (economista, professora e intelectual com vasta contribuição crítica ao desenvolvimento econômico capitalista, falecida recentemente), em um prédio público da União, desocupado, no centro de Porto Alegre. A proposta é construir uma opção de moradia digna para cerca de 300 famílias desabrigadas.

Para Fernando Campos, do MTST, a ocupação do prédio representa a oportunidade de debater dois temas importantes para as cidades: a função social na cidade e a reciclagem. Segundo ele, “a ocupação traz uma solução imediata de moradia digna às famílias desabrigadas, caracterizando-se por uma transformação real e permanente do prédio há anos sem uso no  centro da cidade. Isso porque o prédio poderá, depois de sofrer as adaptações necessárias, servir, aproveitando a estrutura física que já demandou recursos humanos e naturais (dimensão da reciclagem), dando sobrevida aos materiais utilizados, e mantém a paisagem e história do centro da cidade”.

Enquanto a prefeitura de Porto Alegre propõe construir cidades de lona, como abrigos temporários para as famílias atingidas, com apoio do setor industrial, o MTST constrói um contraponto de moradia digna às famílias, ocupando o centro da cidade. Na mesma esteira, o MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) ocupou um prédio antigo da FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) e foi violentamente retirado em ação da Brigada Militar (polícia militar gaúcha), a pedido do governador Eduardo Leite. Em resumo, tratam-se de projetos políticos completamente distintos em disputa pelo sentido do exercício do direito à cidade na reconstrução de uma Porto Alegre.

Ocupar aquilo que é público para dar dignidade ao povo é o que verdadeiramente trata a Constituição brasileira. Zelar pelo bem-estar de seu povo é a principal tarefa de um governante. Muitos governos atuais não têm projeto político de transformação do país, de melhoria da qualidade de vida de seu povo. Insistem em apostar em velhas formas sob novas roupagens para dar continuidade à dominação e exploração da classe trabalhadora. Mas são as ações unitárias e solidárias dos movimentos sociais organizados que apontam caminhos e propostas que, na ação e na luta de todo dia, vão construindo poder popular para reconstruir uma nova sociedade.

Coluna publicada originalmente no site do jornal Brasil de Fato neste link: https://www.brasildefato.com.br/2024/06/24/o-capitalismo-de-desastre-e-o-caos-climatico-no-rio-grande-do-sul

Artículo: El desastre climático de Rio Grande do Sul corre a cuenta del capital

Con un gobierno estatal que ha promovido una serie de ajustes fiscales, ha autorizado la deforestación de áreas de protección ambiental, ha desmantelado la ley estatal contra los pesticidas, privatizado los servicios públicos y adoptado políticas de austeridad para su población, Rio Grande do Sul se enfrenta a una crisis climática sin precedentes en su historia. Es necesario reflexionar sobre la totalidad del problema y recordar que las lluvias y las inundaciones de las ciudades son consecuencia de una serie de hechos que vienen siendo denunciados por los movimientos y organizaciones populares de Rio Grande do Sul desde hace medio siglo.

Esta vez, casi todos los 497 municipios de RS se han visto afectados por las inundaciones. Al menos un millón y medio de personas han sido afligidas, y el regreso de las lluvias torrenciales en el fin de semana ha reforzado aún más este panorama. Pero estas cifras no explican por qué los impactos medioambientales no se distribuyen por igual. Las mujeres, los cuerpos negros, las comunidades periféricas, las personas que viven en la calle, los trabajadores en paro y las personas en situación precaria de vivienda son quienes más sufren los impactos de las inundaciones. Siempre son los más vulnerables los que más sufren, y también los menos responsables del problema. Esta desigualdad estructural del capitalismo, construida sobre el patriarcado y el genocidio colonial, así como la lucha de clases, debe ser considerada desde la perspectiva de la Justicia Ambiental, así como en la lucha contra el Racismo Ambiental.

Lo que vive la población de Rio Grande do Sul refleja la bancarrota de un sistema económico que centra sus intereses en la obtención de beneficios para una pequeña parte de la población. Toda la explotación de estas riquezas se sustenta en una extracción intensa y desorganizada de bienes y recursos naturales. En las últimas décadas, este sistema se ha destruido exponencialmente, sin poder seguir el ritmo de los ciclos de regeneración de la tierra y las aguas. Seguimos reproduciendo una mentalidad de dominación sobre la naturaleza, en lugar de armonía con ella, como nos enseñan los pueblos originarios. Las escenas que vemos en Porto Alegre, la capital de Rio Grande do Sul, demuestran que no hay fronteras para el agua y, al mismo tiempo, que ya hemos sobrepasado los límites de sostenibilidad del planeta Tierra para la sociedad capitalista.
Uno de los resultados de traspasar los límites de la relación entre el ser humano y la naturaleza es la producción de un nuevo tipo de refugiados: los refugiados climáticos.

Mientras que hoy en día muchas personas en el mundo se ven obligadas a abandonar su tierra natal a causa de las guerras, en busca de mejores condiciones de vida, y se ven forzadas a emigrar a otros países. El número de personas que emigran a causa de sequías, inundaciones y huracanes no deja de crecer. La Agencia de la ONU para los Refugiados (ACNUR) calcula que, en 2020, cerca de 30,7 millones de personas fueron desplazadas por catástrofes relacionadas con el clima. El Banco Mundial calcula que 17 millones de personas en América Latina tendrán que abandonar sus hogares por cuestiones medioambientales. El Observatorio de Desplazamiento Interno (IDMC) afirma que 708.000 brasileños emigraron como consecuencia de desastres naturales en 2012. La única causa de esta realidad es la explotación depredadora de la naturaleza, lo que es, por tanto, una decisión política.

Pero lo que hace que la tragedia climática de Rio Grande do Sul sea tan impactante y mediática no es la magnitud de los daños ni el número de personas afectadas. Lo chocante es ver la fuerza de las aguas retomando su curso e invadiendo también casas, barrios y municipios que, según la ley del capital financiero, deberían estar a salvo de las penurias reservadas sólo a las clases subalternas. La perplejidad de la catástrofe es la constatación por parte de la pequeña, media y gran burguesía de que, por mucho que se empeñen en ignorar la emergencia climática, ésta no desaparecerá.

Aunque hoy el sufrimiento afecta de forma desproporcionada a comunidades cruzadas por marcadores de clase, género y raza, la catástrofe de RS anuncia un futuro devastador para toda la sociedad, con ciudades enteras perdidas y más de 230.000 refugiados climáticos que ya no podrán regresar a sus hogares. Esto exige que identifiquemos quién tiene la culpa y por qué el statu quo de los negocios, el “business as usual”, no podrá dar las respuestas justas, democráticas y solidarias a gran escala que se necesitan. La lista es larga e histórica; tenemos que cobrar la deuda climática y cambiar el sistema. Pero tenemos que empezar por los más estrecha y directamente implicados.

Eduardo Leite (PSDB), actual gobernador del estado de Rio Grande do Sul, destruyó en 2019 la iniciativa del Código Ambiental del Estado, elaborado técnica y democráticamente hace nueve años a través de debates, audiencias públicas y diversas mejoras. El texto original del Código, del año 2000, contó con la contribución y movilización de organizaciones ecologistas pioneras en el estado y en Brasil, como Agapan (Asociación Gaucha de Protección al Ambiente Natural) y Amigas de la Tierra. Las propuestas más relevantes para enfrentar la crisis climática fueron completamente destruidas por la iniciativa de su gobierno, que alteró por lo menos 480 temas centrales. Fiel a la racionalidad corporativa y empresarial, Leite hizo todo lo posible para flexibilizar los requisitos vitales para facilitar la concesión de licencias ambientales a las megaempresas. Y cuando las aguas de la emergencia climática le “golpearon en el culo”, agradeció la solidaridad de Elon Musk y de la comunidad empresarial por su “ayuda humanitaria S.A.”.


En Porto Alegre, el intendente Sebastião Melo (MDB), sucesor del también derechista Nelson Marchezan Jr, que le dejó como legado la extinción del Departamento Municipal de Alcantarillados Pluviales (DEP), atravesó las inundaciones de 2023 y, ahora en 2024, con 19 de las 23 bombas de los sistemas de contención de inundaciones apagadas, con la falta de preparación, la precariedad y la falta de agua como sellos distintivos de su gestión. Lejos del caos, los fascistas piden que no se politice el debate climático y Melo dice a los ricos de la capital que se vayan a sus casas en la playa. Los municipios de la costa, no afectados por las inundaciones, se declaran en emergencia y piden ayuda al gobierno federal para acoger a los refugiados climáticos VIP, mientras el gobierno estadual les informa de su número PIX.

Es año de elecciones municipales en todo Brasil, y menos de 70 municipios de los 445 afectados por el desastre climático en Rio Grande do Sul habían solicitado, hasta el domingo (12 de mayo), ayuda de emergencia al gobierno federal, disponible para la compra de agua, combustible, artículos para cocinas comunitarias, equipamiento de refugios, entre otras cosas. Sólo puede ser por razones políticas, porque las razones humanitarias no los mueven. Aun así, los medios corporativos publican una encuesta sobre la percepción de responsabilidad y respuesta de los gobiernos federal, estatal y municipal ante la tragedia en Rio Grande do Sul, mostrando apoyo a los intendentes aliados a Bolsonaro que están vendiendo las ciudades al empresariado.


Desde la semana pasada, el gobierno federal ha proporcionado policías de la Fuerza Nacional y del Ejército para ayudar en los rescates y mantener la seguridad. También ha creado un grupo de trabajo, con la participación de varios ministerios y organismos públicos, para restablecer las rutas de acceso a las ciudades abandonadas y reconstruir las carreteras, reanudar los vuelos comerciales que utilizan la Base Aérea de Canoas y otros aeropuertos del interior de Rio Grande do Sul, ayudar a limpiar y reconstruir las ciudades, así como abordar otros aspectos de la crisis, como la educación y, especialmente, la sanidad. El pasado jueves (9/05), promulgó una medida provisional (MP 1216/24) que prevé 12 iniciativas, entre ellas la anticipación de prestaciones sociales y de los trabajadores, un descuento en los intereses de los programas de apoyo y financiación a los microempresarios individuales (MEI), las pequeñas y medianas empresas, la agricultura familiar y la agroindustria, 200 millones de reales para financiar proyectos de reconstrucción de infraestructuras en los bancos públicos y para reequilibrar las empresas.

El lunes (13/05), el gobierno de Lula anunció la suspensión del pago de la deuda de Rio Grande do Sul con el Gobierno Federal durante tres años. La medida se incluirá en un proyecto de ley complementario, que aún debe ser aprobado por el Congreso antes de ser sancionado por el presidente. Se espera que se tomen más medidas. El gobernador Eduardo Leite calcula que costará 19.000 millones de reales reconstruir el estado, pero algunos estiman que será mucho más.

Muchos de los que hoy lloran ante el desastre de Rio Grande do Sul son los mismos que alimentan la racionalidad depredadora que está en la raíz de lo que está ocurriendo en ese estado. El agronegocio y sus banqueros, las empresas transnacionales que invaden y saquean países, la especulación inmobiliaria, la desregulación ambiental y el negacionismo científico son ingredientes de lo que está ocurriendo. Y no son las lágrimas de cocodrilo las que podrán revertir este escenario. No son las falsas soluciones vendidas por el capital las que podrán resolver la crisis que estos mismos agentes están provocando.

A pesar de todo, cuanto mayor es la magnitud de la catástrofe, mayores son las manifestaciones de solidaridad desde abajo. Ellas preparan el camino para soluciones reales. En situaciones extremas, se hace visible la impotencia del Estado, capturado por las corporaciones, y el poder de las comunidades, grupos y colectivos organizados en movimientos sociales populares. Esta fuerza de solidaridad de clase es vital y necesita ser reconocida, potenciada y alentada para perpetuarse más allá de situaciones concretas de crisis y construir un poder popular capaz de cambiar el sistema. La gestación de un nuevo mundo empieza por superar los determinantes de la emergencia climática y reconocer que la solución no vendrá de arriba.

¡Sólo nos tenemos a nosotros!

* Artículo publicado originalmente en portugués en la web del diario Brasil de Fato en este enlace https://www.brasildefato.com.br/2024/05/14/desastre-climatico-no-rio-grande-do-sul-esta-na-conta-do-capital

Foto: Deriva Jornalismo e Fotografia

Article: The climate disaster in Rio Grande do Sul is on capital’s account


The climate disaster in Rio Grande do Sul is on capital’s account

With a state government that has promoted a series of fiscal adjustments, authorised the deforestation of environmental protected areas, dismantled the state law against pesticides, privatised public services and adopted austerity policies for its people, Rio Grande do Sul is facing a climate crisis that is unprecedented in its history. We need to reflect on the totality of the problem and remember that the rains and the flooding of the cities are the consequences of a series of factors that have been denounced by popular movements and organisations in Rio Grande do Sul for half a century.

This time, almost all of the state’s 497 municipalities were affected by the floods. At least one and a half million people have been affected, and the return of torrential rain over the weekend has further reinforced this picture. However, these figures do not explain why the environmental impacts are not distributed equally. Women, black bodies, peripheral communities, people living in the streets, unemployed workers and people in precarious housing situations suffer the most from the impacts of the floods. It is always the most vulnerable who suffer the most, despite being the least responsible for the problem. This structural inequality of capitalism, built on patriarchy and colonial genocide, as well as class struggle, must be considered from the perspective of Environmental Justice, as well as in the fight against Environmental Racism.

What the population of Rio Grande do Sul is experiencing reflects the bankruptcy of an economic system that centres its interests on making a profit for a small portion of the population. And all the exploitation of the riches is sustained by an intense and disorganised extraction of goods and natural resources. In recent decades, this system has destroyed exponentially, failing to keep up with the regeneration cycles of the land and waters. We continue to reproduce a mentality of domination over nature, rather than harmony with it, as the native peoples teach us. The scenes we see in Porto Alegre, the capital of Rio Grande do Sul, show that there are no boundaries for the waters and, at the same time, that we have already exceeded the planet’s limits for sustaining in capitalist society.

One of the results of pushing the boundaries of the human-nature relationship is the production of a new kind of people: climate refugees. While many people in the world today are obligated to leave their homeland because of wars, in search of better living conditions and forced to migrate to other countries, the number of people migrating because of droughts, floods and hurricanes is no less growing. The UN Refugee Agency (UNHCR) estimates that 30.7 million people were displaced by climate-related disasters by 2020. The World Bank estimates that 17 million people in Latin America will have to leave their homes because of environmental issues. The Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC) states that 708,000 Brazilians migrated as a result of natural disasters in 2012. The sole cause of this reality is the predatory exploitation of nature, which is therefore product of political decisions.

But what makes the climate tragedy in Rio Grande do Sul so shocking and media-friendly is not the extent of the damage or the number of people affected. What is shocking is to see the force of the water resuming its course and invading homes, neighbourhoods and municipalities that, according to the law of financial capital, should be safe from the hardships reserved only for the subaltern classes. The perplexity of the disaster is the realisation on the part of the petty, middle and big bourgeoisie that, no matter how hard they try to ignore the climate emergency, it won’t go away.

Although today the suffering is disproportionately affecting communities crossed by class, gender and race markers, the disaster in RS heralds a devastating future for society as a whole, with entire cities lost and more than 230,000 climate refugees who will no longer be able to return to their homes. This demands that we identify who is to blame and why the so-called “business as usual” will not be able to provide the fair, democratic and supportive responses that are required on a large scale. The list is long and historical; we need to collect the climate debt and change the system. But we have to start with those most closely and directly involved.

In 2019, Eduardo Leite (PSDB), the current governor of the state of Rio Grande do Sul, destroyed the State Environmental Code initiative, which was technically and democratically developed nine years ago through debates, public hearings and various improvements. The original text of the Code, from 2000, had the contribution and mobilisation of pioneering ecological organisations in the state and Brazil, such as Agapan (Local Agency for Environmental Protection) and Amigas da Terra (Friends of the Earth). The most relevant proposals for tackling the climate crisis were completely destroyed by his government’s initiative, which altered at least 480 central themes. Loyal to corporate and business rationality, Leite did everything he could to make vital requirements more flexible in order to make environmental licensing easier for mega-businesses. And when the waters of the climate emergency “hit him in the arse”, he thanked Elon Musk and the business community for their “humanitarian aid S.A.”.

In Porto Alegre, Mayor Sebastião Melo (MDB), successor to the also right-winger Nelson Marchezan Jr., who left him the legacy of the extinction of the Municipal Department of Wastewater Sewers (DEP), went through the floods of 2023 and, now in 2024, with 19 of the 23 pumps of the flood containment systems turned off, with unpreparedness, precariousness and lack of water as the hallmarks of his administration. Far from the chaos, the fascists are calling for the climate debate not to be politicised, and Melo is telling the capital’s rich to go to their beach houses. The municipalities on the coast, not affected by the floods, declare an emergency and ask the federal government for help in receiving VIP climate refugees, while the state government informs them of their PIX number. It’s a municipal election year all over Brazil, and less than 70 municipalities out of the 445 affected by the climate disaster in Rio Grande do Sul had, by Sunday (12 May), requested emergency aid from the federal government, available for the purchase of water, fuel, items for community kitchens, equipping shelters, among other things. It can only be for political reasons, because humanitarian reasons don’t move them. Even so, the corporate media publishes a survey of the perception of responsibility and response of the federal, state and municipal governments to the tragedy in Rio Grande do Sul, showing support for the Bolsonaro-allied mayors who are selling out the cities to the business community.

Since last week, the federal government has provided police from the National Force and the Army to help with rescues and maintaining security. It has also created a task force, with the participation of various ministries and public bodies, to re-establish access routes to marooned towns and rebuild roads, resume commercial flights using the Canoas Air Base and other airports in the interior of Rio Grande do Sul, help clean up and rebuild towns, and address other aspects of the crisis, such as education and, especially, health. Last Thursday (9/05), it issued a provisional measure (MP 1216/24) that provides for 12 initiatives, including the anticipation of social and workers’ benefits, a discount on interest on support and financing programmes for individual micro-entrepreneurs (MEIs), small and medium-sized businesses, family farming and agribusiness, R$ 200 million to finance infrastructure reconstruction projects at public banks and to rebalance companies. On Monday (13 May), the Lula government announced the suspension of the payment of Rio Grande do Sul’s debt to the Federal Government for three years. This measure will be included in a supplementary bill, which still has to be approved by the Congress before being sanctioned by the president. More measures are expected to be taken. Governor Eduardo Leite estimates that it will cost R$19 billion to rebuild the state, but some estimate it will be much more.

Many of those who are crying today in the face of the disaster in Rio Grande do Sul are the same people who are fuelling the predatory rationality that is at the root of what is happening in that state. Agribusiness and its bankers, the transnational corporations that invade and plunder countries, real estate speculation, environmental deregulation and scientific denialism all serve as ingredients for what is happening. And it’s not crocodile tears that will be able to reverse this scenario. It’s not the false solutions sold by the capital that will be able to solve the crisis that these same agents are causing.

Despite all this, the greater the scale of the disaster, the greater the demonstrations of solidarity from below. They pave the way for real solutions. In extreme situations, the impotence of the state, captured by corporations, and the power of communities, groups and collectives organised in popular social movements become visible. This strength of class solidarity is vital, and needs to be recognised, empowered and encouraged to perpetuate itself beyond specific crisis situations and build popular power capable of changing the system. The gestation of a new world begins with overcoming the determinants of the climate emergency and recognising that the solution will not come from above.

All we have is us!

* Article originally published in Portuguese on the Brasil de Fato newspaper website at this link https://www.brasildefato.com.br/2024/05/14/desastre-climatico-no-rio-grande-do-sul-esta-na-conta-do-capital

Photo: Deriva Jornalismo e Fotografia

Artigo no Jornal Brasil de Fato

Desastre climático no Rio Grande do Sul está na conta do capital

Com um governo estadual que promoveu uma série de ajustes fiscais, autorizou o desmatamento de áreas de proteção ambiental, desmantelou a lei estadual contra os agrotóxicos, privatizou serviços públicos e adotou políticas de austeridade para sua gente, o Rio Grande do Sul está enfrentando uma crise climática sem precedentes em sua história. Precisamos refletir sobre a totalidade do problema, e alimentar a memória de que as chuvas e o alagamento das cidades são consequências de uma série de causas que vêm sendo denunciadas por movimentos populares e organizações ambientais gaúchas há meio século.

Desta vez, quase a totalidade dos 497 municípios do RS foram afetados pelas inundações. Pelo menos um milhão e meio de pessoas foram atingidas e o retorno das chuvas torrenciais no final de semana reforçou ainda mais este quadro. Mas esses números não explicam porque os impactos ambientais não são distribuídos de forma igualitária. Mulheres, corpos negros, periféricos, populações em situações de rua, trabalhadores e trabalhadores desempregados, pessoas em situação de moradia precária sofrem mais com os impactos das enchentes. São sempre os mais vulneráveis que sofrem mais, e os que são também os menos responsáveis pelo problema. Essa desigualdade estrutural do capitalismo, construída sobre o patriarcado e o genocídio colonial, assim como a luta de classes, é considerada na perspectiva da Justiça Ambiental, assim como no combate ao Racismo Ambiental.

O que a população gaúcha vive reflete a falência de um sistema econômico  que centra seus interesses na obtenção de lucro por uma pequena parcela da população. E toda a exploração dessas riquezas é sustentada por uma intensa e desordenada extração de bens e recursos naturais. Nas últimas décadas, tal sistema destruiu exponencialmente, não acompanhando os ciclos de regeneração da terra e das águas. Seguimos reproduzindo uma mentalidade de dominação da natureza, sem limites e não de harmonia com ela, como nos ensinam os povos originários. As cenas que vemos na capital gaúcha, Porto Alegre, mostram que não há fronteiras para as águas e, ao mesmo tempo, que já ultrapassamos os limites de sustentação do planeta Terra para a sociedade capitalista.

Um dos resultados de transpor os limites da relação ser humano x natureza, é a produção de toda uma espécie diferente de refugiados, os climáticos. Se muitas pessoas hoje no mundo são obrigadas a deixarem sua terra natal, por guerras, em busca de melhores condições de vida e são forçados a migrar para outros países, não menos crescente é o número de pessoas que migram por secas, enchentes e furacões. A Agência de Refugiados da ONU (ACNUR) aponta que 30,7 milhões de pessoas foram deslocadas até 2020 por desastres relacionados ao clima. O Banco Mundial estima que 17 milhões de pessoas na América Latina terão que abandonar suas casas por questões ambientais. O Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos (IDMC) afirma que, em 2012, foram 708 mil brasileiros e brasileiras migrando em decorrência de desastres naturais. Essa realidade tem, como única causa, a exploração predatória da natureza, portanto, uma causa decorrente de decisão política.

Contudo, o que torna a tragédia climática do RS algo tão chocante e midiático não é a extensão dos estragos e número de atingidos. O chocante é ver a força das águas retomando seu curso e invadindo também residências, bairros e municípios que, pela lei do capital financeiro, deveriam estar a salvo dos dissabores reservados apenas às classes subalternas. A perplexidade do desastre é a constatação por parte da pequena, média e grande burguesia de que, por mais esforço que se faça para ignorar a emergência climática, ela não desaparecerá.

Embora hoje o sofrimento esteja atingindo desproporcionalmente comunidades atravessadas por marcadores de classe, gênero e raça, o desastre no RS anuncia um futuro devastador para a sociedade como um todo, com cidades inteiras perdidas e mais de 230 mil refugiados climáticos que já não poderão voltar para suas casas. Isso nos exige identificar quem são os responsáveis, por que os negócios de sempre (ou o cenário “business as usual”) não poderão dar respostas justas, democráticas e solidárias em grande escala como se requer. A lista é longa e histórica, é preciso cobrar a dívida climática e mudar o sistema capitalista. Devemos começar pelos mais próximos e diretamente envolvidos nestas crises, a urgência tem classe, a classe trabalhadora e os povos.

Eduardo Leite (PSDB), atual governador do estado do Rio Grande do Sul, ainda em 2019, destruiu a iniciativa do Código Ambiental Estadual, técnica e democraticamente gestada há nove anos por meio de debates, audiências públicas e aperfeiçoamentos diversos. O texto original do Código, de 2000, contou com a contribuição e mobilização de organizações ecológicas pioneiras do estado e do Brasil, como a Agapan e a Amigas da Terra. As propostas mais relevantes para o enfrentamento da crise climática foram completamente destruídas por iniciativa do governo dele, que alterou pelo menos 480 temas centrais.

Fiel à racionalidade corporativa e empresarial, Leite fez de tudo para que exigências vitais fossem flexibilizadas a fim de facilitar o licenciamento ambiental aos megaempresários. E quando a água da emergência climática “bateu na bunda”, agradeceu a solidariedade a Elon Musk e ao empresariado pela “ajuda humanitária S.A.”.

Já em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB), sucessor do também direitoso Nelson Marchezan Jr., que lhe deixou como legado a extinção do Departamento Municipal de Esgotos Pluviais (DEP), passou pelas enchentes de 2023 e, agora em 2024, com 19 das 23 bombas dos sistemas de contenção de cheias desligadas, com despreparo, precarização e falta d’água como marca da sua gestão.

Distante do caos, os fascistas pedem que não se politize o debate climático, e Melo manda os ricos da capital irem para suas casas na praia. Os municípios do litoral, não atingidos pelas cheias, decretam emergência e pedem auxílio ao governo federal para receber refugiados climáticos VIP, enquanto o governo estadual informa o número do seu PIX.

Estamos em ano de eleição municipal em todo o Brasil, menos de 70 municípios dos 445 atingidos pelo desastre climático que se abate sobre o RS havia, até domingo (12/05), solicitado auxílio emergencial do governo federal, disponível para compra de água, combustível, itens para cozinhas comunitárias, equipagem de abrigos, entre outros. Só podem ser por razões políticas, pois as razões humanitárias não os movem. Mesmo assim, a mídia corporativa divulga pesquisa de percepção de responsabilidade e resposta dos governos federal, estadual e municipais sobre a tragédia do RS, apontando apoio aos prefeitos bolsonaristas que vendem as cidades ao empresariado.

Desde a semana passada, o governo federal cedeu policiais da Força Nacional e o Exército para ajudar nos resgates e na manutenção da segurança. Também criou uma força tarefa, com a participação de vários ministérios e órgãos públicos, para restabelecer vias de acesso a cidades ilhadas e refazer estradas, retomar vôos comerciais utilizando a Base Aérea da cidade de Canoas e outros aeroportos do interior gaúcho, ajudar na limpeza e na reconstrução de municípios, bem como abordar outros aspectos da crise, como a educação, e, especialmente, a saúde.

Na quinta-feira passada (9/05), editou uma medida provisória (MP 1216/24) que prevê 12 iniciativas, entre elas a antecipação de benefícios sociais e para trabalhadores, desconto nos juros em programas de apoio e de financiamento a microempresários individuais (MEIs), pequenas e médias empresas, à agricultura familiar e ao agronegócio, R$ 200 milhões para financiamento nos bancos públicos de projetos de reconstrução da infraestrutura e para reequilíbrio das empresas. Nessa 2ª feira (13/05), o Governo Lula anunciou a suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União por 3 anos; a medida irá constar em projeto de lei complementar, que ainda terá de ser aprovado pelo Congresso Nacional antes de ser sancionado pelo presidente. Espera-se que mais medidas sejam tomadas. O governador Eduardo Leite estima que a reconstrução do estado custe R$ 19 bilhões, mas há quem calcule que seja bem mais.

Muitos daqueles que hoje choram diante do desastre gaúcho, são os mesmos que alimentam a racionalidade predatória que está na base do que está acontecendo no Rio Grande do Sul. O agronegócio e sua bancada, as corporações transnacionais que invadem e espoliam os países, a especulação imobiliária, a desregulamentação ambiental e o negacionismo científico, tudo isso serve de ingrediente para o que está acontecendo. E não são as lágrimas de crocodilo que poderão reverter esse cenário. Não são as falsas soluções vendidas pelo capital que poderão solucionar a crise que esses mesmos agentes estão causando.

Apesar disso tudo, quanto maior é a dimensão da catástrofe, maior são as demonstrações de solidariedade vindas desde baixo. Elas abrem caminho para as verdadeiras soluções. Em situações extremas fica visível a impotência do Estado, capturado pelas corporações, e a potência das comunidades, grupos e coletivos organizados em movimentos sociais populares. Essa força da solidariedade de classe é vital e precisa ser reconhecida, potencializada e estimulada a se perpetuar para além de situações pontuais de crise e construir poder popular capaz de mudar o sistema. A gestação de um novo mundo começa pela superação dos motivos determinantes da emergência climática e o reconhecimento de que a solução não virá dos de cima.

Tudo que nós tem é nós!

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