Palestina livre: por que apoiar a luta

No dia 7 de outubro de 2023, após ataque do Hamas, o governo de Israel iniciou uma nova ofensiva militar contra o povo palestino. Um verdadeiro massacre foi desencadeado diante dos olhos da comunidade internacional, que já atingiu mais de 20 mil mortos, dentre eles mulheres, crianças e idosos. Em um único dia, 300 pessoas morreram. Hoje, há muitos palestinos presos, por volta de 3 mil, incluindo 200 crianças, do que havia antes de 7 de outubro. Mais de 120 jornalistas já foram assassinados, a grande maioria em decorrência dos ataques militares de Israel, durante pouco mais de 100 dias de cobertura.

Em dezembro, em resposta à pressão internacional, Israel decretou uma “pausa humanitária” dos bombardeios, que durou poucos dias. As pessoas mal tiveram tempo de reiniciar as buscas de parentes, procurar seus pertences. Acumulando junto aos escombros, uma infinidade de vidas perdidas, sem direito a contar sua história. No mesmo mês, o Brasil defendeu, no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), o cessar-fogo na Faixa de Gaza; apenas os EUA (Estados Unidos) foram contra, motivo pelo qual a guerra continua.

Infelizmente, o povo palestino é vítima cotidianamente das “armas do genocídio”. Entre 2008-2009, durante 2014, vários ataques foram deflagrados na região. Muitos palestinos e palestinas sofrem detenções arbitrárias, acusados de planejarem infringir a lei no futuro, sendo submetidos ao cárcere sem direito a advogado, habeas corpus, acesso às provas. De acordo com a Defence for Children International, por volta de 500-700 crianças foram detidas arbitrariamente, das quais 97% foram interrogadas sem familiares presentes; 80% foram revisitadas e 75% sofreram violência física, práticas que já haviam sido questionadas pela Unicef (Fundo das Nações Unidas/ONU para a Infância) em 2015.

Em verdade, o território palestino é ocupado desde 1948, quando as tropas israelenses retiraram ilegalmente os palestinos e palestinas de suas casas, tentando apagar a existência do povo palestino, no conflito conhecido como Nakba. De lá para cá, o território de Israel se expande sobre a Faixa de Gaza e Jordânia numa série de assentamentos ilegais. Além disso, Israel controla todo o comércio dos palestinos, vigiando as fronteiras, e determinando todas as possibilidades de comércio internacional dos palestinos. Em 2011, apresentou-se uma Resolução ao Conselho de Segurança da ONU para vetar os assentamentos ilegais, sob a alegação que isso só intensificava a tensão nos e entre os países; novamente, os EUA protegeram Israel, sendo o único país a votar contra a desocupação.

O confronto que eclodiu em outubro passado ocorreu em resposta a uma série de assassinatos da Operação Break the Wave (quebrando a onda), realizado pelo exército de Israel contra o povo palestino. Em 26 de janeiro de 2023, a operação matou 10 palestinos, incluindo uma idosa, e depois atirou em uma ambulância para evitar o socorro, no denominado Massacre de Jenin. Em reação, a resistência Palestina disparou foguetes, respondidos com ataques israelenses ao campo de refugiados Al-Maghazi. Com os ataques, Israel abriu um ciclo de violência coletiva para “quebrar a onda” de conquistas no cenário internacional do povo palestino.

Na guerra de Israel contra o povo palestino, que já dura 3 meses, os israelenses estão destruindo casas e conquistando mais terras, fortalecendo assim sua ocupação sobre o país. A advogada Andressa Soares, integrante do Movimento BDS – Boicote, Desinvestimento e Sanções, relata que os avanços e genocídio contra o povo palestino estão piores do que nunca. “Desde o dia 15 de janeiro, Gaza está completamente sem luz; já saíram vários novos alertas de agências das Nações Unidas sobre o crescimento da fome na região, sobre a ajuda humanitária que não consegue entrar para atender as vítimas”.

Nesse momento, é preciso um cessar-fogo efetivo para que as pessoas deixem de morrer. Andressa explica que este é um dos principais objetivos da demanda apresentada pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça. Ela avalia que “o julgamento na Corte Internacional de Justiça é vista com muita esperança, o povo palestino está colocando muita esperança neste julgamento, pelas medidas provisórias como o cessar-fogo, que é urgente, para depois vir o segundo ponto que é responsabilizar todas as entidades, organizações e pessoas responsáveis por todo o sistema”.

Andressa pontua que para o Movimento BDS, mesmo com a paralisação dos atuais atos de genocídio, o apartheid contra o povo palestino continua porque não irá se desconfigurar de uma ora para outra e nem mesmo a ocupação territorial. Por isso, é importante que a sociedade civil mantenha as campanhas de solidariedade à Palestina, continue com as iniciativas de boicote às empresas transnacionais israelenses e aos seus produtos e siga na pressão aos governos para apoiarem iniciativas como a da África do Sul.

Boicote, Desinvestimento e Sanção (BDS) é um movimento que atua, desde 2004, pela promoção da igualdade para com o povo palestino. Entre sua agenda, está a derrubada dos muros e a devolução das terras ocupadas; a determinação de acabar com o regime jurídico diferenciado de exclusão do povo palestino, com mais de 30 leis discriminatórias; construir as condições para o retorno dos mais de 1milhão e 800 mil palestinos exilados em outros países.

Para o BDS, é importante perceber que muitas empresas israelenses que sustentam todo o sistema de violência prisional e de vigilância operam em várias partes do mundo da mesma forma. A violência que presenciamos nas periferias tem muito desta política de segurança pública, que garante que a população empobrecida siga segregada, que usa da violência para desencorajar o empoderamento e a busca de direitos, assim como pratica o genocídio da população negra e indígena pelas mãos de milicianos e da própria polícia que mais mata e que mais morre. Tudo isso segue cartilhas construídas por essas empresas armamentistas, que vêem os conflitos e as guerras como lucro e poder.

Reconhecer essas violações comuns de direitos e aproximar povos oprimidos por elas numa luta contra tais empresas transnacionais é também apoiar a causa palestina. É necessário identificar que fundos de investimento, até alguns fundos de pensão, estão apoiando e investindo nessas empresas, estimulando a retirada de investimentos. Além disso, evitar que parcerias com os opressores sejam estabelecidas, como o caso recente da UFC (Universidade Federal do Ceará), que cancelou seu convênio com uma universidade israelense.

A guerra de Israel contra o povo palestino não se trata de defesa: é a promoção de uma ofensiva colonista e genocida para exterminar um povo. É vergonhoso que a comunidade internacional assista a isso, conviva com a banalização do mal pelos EUA e seu apoio a Israel no Conselho de Segurança; que assista à violação reiterada de Israel aos tratados e convenções internacionais.

É urgente toda a nossa solidariedade ao povo palestino, que deve ser convertida em ações práticas de mobilização e pressão popular, para que o mundo se torne mais humano, e não assista atônito ao assassinato de mulheres, crianças e idosos. Importante dizer que as informações que trazemos são as que estão referenciadas por organizações que conseguem comprovar o que é dito, mas sabemos que a situação é bem pior e mais violentas com intenções nefastas de extermínio e expansão do poder neoliberal fascista e colonial que não tem limites.

O povo Palestino não tem para onde fugir e são reféns de um carcereiro sanguinário. A Amigas da Terra Brasil se junta ao movimento BDS exigindo um cessar fogo imediato e efetivo! Palestina livre!

O uso do carvão é um obstáculo para a transição energética brasileira

A transição energética é um dos temas que move as discussões climáticas no cenário internacional. Muitos países têm avançado na adoção de medidas para promover uma transição energética pautada na redução do uso de energias não renováveis, como o carvão e a queima de combustível fóssil. O Brasil sempre se posicionou à margem de tais discussões por sua matriz energética centrada na geração hidroelétrica. Contudo, o que pouco se menciona são os crescentes interesses na expansão de termelétricas no país.

Nos últimos anos, no Brasil, há um crescimento em 77% da produção de energia por meio de termelétricas, as quais são abastecidas por carvão. Isso fez com que a energia termelétrica passasse de 9% para 14% da representação no sistema nacional, segundo dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) de 2021. A ampliação do uso de energia proveniente da queima de combustíveis fósseis vai na contramão das metas de redução de gases do efeito estufa. Além disso, o uso de tal energia demanda grande quantidade de água, podendo intensificar o estresse hídrico.

Durante sua participação no Seminário Nacional Emergência Climática e Violações de Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em dezembro passado, em Brasília, o integrante do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul Eduardo Raguse, que compõe a equipe da Amigas da Terra Brasil, afirmou que o uso do carvão é uma das formas de geração de energia mais poluentes tanto pela produção de gases do efeito estufa como pelos impactos locais. Segundo ele: “comparando, por exemplo, com a energia fotovoltaica, apesar de todos os problemas da cadeia produtiva e dos resíduos, ainda assim a energia fotovoltaica vai liberar entre 30g e 80g de dióxido de carbono equivalente por quilowatt hora gerado. O carvão vai liberar entre 600g a 1600g. Só pra gente ter uma ideia da escala em que estamos falando”.

De acordo com Eduardo, existem mais de 4 mil usinas termelétricas movidas a carvão no mundo, e embora haja um aumento no uso de energia solar e eólica, renováveis, este movimento não é acompanhado de uma redução do uso de energia oriunda da queima de carvão. “A gente percebe essa situação de que sim, mundialmente há um aumento na oferta de energia gerada a partir das eólicas, das solares, mas, ao mesmo tempo, não há uma retração das fósseis. Então, na prática, essa transição energética não está acontecendo, o que está acontecendo é uma nova oferta a partir de novas fontes, mas a nossa demanda energética ao nível global só aumenta”, explica Eduardo.

Além dos efeitos no clima, a demanda por carvão faz eclodir conflitos socioambientais. A maioria do carvão disponível no país está concentrada no estado do Rio Grande do Sul, cerca de 90%, com algumas reservas em Santa Catarina e Paraná. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto atingia território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia. Fato que, juntamente às diversas falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, ensejou seu arquivamento. Além do território indígena, a mina Guaíba afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí, bem como os municípios do entorno, além de estar localizado no bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani.

A paralisação da abertura de mais uma mina de carvão no RS só foi possível pela organização popular. As mais de 100 entidades organizadas no Comitê de Combate à Megamineração no RS elaboraram estudos, levantaram dados, construíram vários materiais informativos, articularam e mobilizaram o debate público que puderam para pressionar o governo no estado e o judiciário pela não aprovação da obra. A demanda dos movimentos populares é pela paralisação da cadeia do carvão no país, tendo em vista os impactos ambientais e sociais e a baixa eficiência do carvão para geração de energia, e pela garantia de direitos dos trabalhadores do setor, com a construção de alternativas econômicas para as regiões carboníferas.

Outro aspecto chave levantado pelas organizações diz respeito aos impactos à saúde. Raguse aponta que estudos têm identificado aumento de danos às células linfócitas e bucais de trabalhadores da indústria do carvão, com alterações em exames de sangue que vêm sendo identificados também nas populações residentes no entorno das minas e das termelétricas. Além disso, destaca que já foram identificados impactos em ovos de galinha, rebanhos animais, na flora e fauna nativas, e na água.

Ademais, a incorporação de energia termelétrica no sistema nacional é um dos principais fatores para o aumento das contas de energia, por ser um setor altamente subsidiado. Se observarmos, como consumidores, os custos da bandeira vermelha que aparece em nossas contas de luz quando está acionado o sistema termelétrico, também entenderemos porque não é uma energia viável.

A realidade dos conflitos socioambientais ocasionados pelo carvão no RS desvela as contradições da promoção de uma transição energética. Isso porque, enquanto se promove a redução das emissões por um lado, estimula-se o uso de termelétricas por outro. Bastante revelador desse cenário é o PL n.º 11247/2018, que visa regular o uso das eólicas offshore (alto mar). Ele estabelece, dentre seus dispositivos, a obrigatoriedade da contratação de energia termelétrica até 2050. O projeto foi um dos exemplos apontados, pelo Congresso Nacional, de transição energética brasileira na COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), realizada em 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Tal como propõem as organizações do Comitê de Combate à Megamineração no RS, ao problematizar a continuidade da cadeia produtiva do carvão, caminhamos no sentido de repensar o uso de tal modelo de produção de grandes impactos social, ambiental e financeiro, em um cenário de crise climática que demanda ação urgente, ainda nos próximos 10 anos. Trazendo um chamado para pensarmos uma transição energética no Brasil que seja verdadeiramente justa e igualitária.

* Coluna publicada originalmente no site do Jornal Brasil de Fato em 10/01/2024. Pode ser acessada neste link https://www.brasildefato.com.br/2024/01/10/o-uso-do-carvao-e-um-obstaculo-para-a-transicao-energetica-brasileira

Chega de veneno: por um Brasil livre de agrotóxicos

 

Na última semana, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n.º 1459/2022, o Pacote do Veneno, que altera a regulamentação de agrotóxicos no país, anteriormente a Lei n.º 7802/89. O projeto, de iniciativa do senador Blairo Maggi, conhecido como “novo rei da soja”, tinha o amplo apoio da bancada ruralista, que encontrou um caminho de articulação com a base do governo no Congresso. Durante a votação, no dia 28 de novembro, apenas a senadora Zenaide (PSD-RN), médica, manifestou contrariedade; entre os demais, o clima era de celebração. Agora, o projeto segue à Presidência da República para sanção, por isso precisamos entender porque é importante uma manifestação popular pelo veto integral.

O Brasil consome em média 720 mil toneladas de agrotóxicos, sendo um dos países do mundo que mais consome. Entre os anos de Governo Bolsonaro, a liberação de agrotóxicos atingiu níveis recordes, foram 2.182 agrotóxicos liberados. De forma que, entre 2020 e 2021, dobramos o uso de agrotóxicos no país. Entre os 10 produtos mais vendidos no país, cinco são proibidos na União Europeia. A maioria dos produtos não encontra dificuldades para liberação; não à toa, apenas por volta de 30 substâncias são proibidas de comercialização no país, enquanto que na União Europeia chegam a 269 tipos.

No atual governo, as coisas não têm sido diferentes. Até julho, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) já havia autorizado a liberação de 231 novos tipos de agrotóxicos no país, entre eles, produtos classificados como “altamente tóxicos” pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e “altamente perigosos” pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Tais aprovações se devem à vigência do Decreto n.º 10.833/2021, editado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e não revogado pelo atual governo, que permitiu a liberação de produtos com risco de causarem doenças como câncer, desde que se estabeleça um “limite seguro de exposição”. Como podemos identificar, o agronegócio não estava encontrando qualquer barreira para liberação de agrotóxicos no país que justificasse o problema apresentado para aprovação do projeto de lei, a saber a “burocratização na liberação de agrotóxicos”. Contudo, a ganância das corporações transnacionais, aliadas ao agrofacismo brasileiro, é que estão por detrás do uso de agrotóxicos.

As alterações legislativas favorecem o poder econômico, fortalecendo as bases do agrofacismo brasileiro. Isso porque as alterações legislativas precarizam a proteção dos direitos à saúde da população e ao meio ambiente, e a coexistência de outros modos de produção e relação com a terra. Muitos dos produtos liberados causam doenças, sendo já identificados como “altamente tóxicos” para saúde humana – cerca de 20% dos agrotóxicos liberados são considerados tóxicos para a saúde humana. É o caso do glifosato, liberado no Brasil sob restrições da Anvisa. Inclusive, recentemente, a Bayer foi condenada, nos EUA, a pagar indenizações pela contaminação de pessoas com o uso de glifosato. Essa substância é apontada como uma das responsáveis pelo aumento dos casos de câncer entre crianças no Brasil.

Os impactos do uso de agrotóxicos na saúde do povo brasileiro está mais do que comprovado cientificamente. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, “investigações comprovam que o uso de agrotóxicos são responsáveis diretos por cerca de 200 mil mortes” no país. Os dados do Datasus revelam um crescimento do número de intoxicações por agrotóxicos no país, embora ainda seja uma realidade a subnotificação por parte dos médicos da atenção primária. Se analisarmos as regiões com maior consumo de agrotóxicos, o Centro-Oeste e o Sul, encontraremos uma correlação com os casos de câncer na zona rural, ainda mais grave em determinadas culturas de uso intensivo de venenos, como o fumo. Contudo, a bancada ruralista de senadores está despreocupada com as consequências do que aprova.

Outro problema grave é a pulverização aérea por aeronaves e drones e até mesmo a pulverização terrestre. Os latifundiários, na aplicação dos agrotóxicos, não respeitam as barreiras fitossanitárias estabelecidas pelas normativas do MAPA e nem mesmo das secretarias dos estados. São frequentes os casos de pulverização sobre escolas, perímetro urbano, aldeias indígenas, assentamentos de reforma agrária, tratadas com descaso pelos órgãos fiscalizadores. Poucos estados e municípios têm legislações que proíbem a prática de pulverização aérea, e regulamentam adequadamente as barreiras para não contaminação. As distâncias hoje previstas não são suficientes, fazendo com que a agricultura familiar, orgânica, agroecológica seja constantemente contaminada. Assim, as pulverizações são altamente perigosas para a saúde humana e para a sociobiodiversidade.

Ainda mais absurdo é a proposta do Projeto de Lei n.º 442/2023 na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (RS), que quer declarar a aviação agrícola como de relevante interesse social, público e econômico. Nos últimos anos, a luta popular no estado fez avançar para que alguns municípios tivessem a proibição de deriva aérea e o estabelecimento de polígonos de exclusão de agrotóxicos. É o caso do município de Nova Santa Rita, um dos maiores produtores de arroz orgânico do país, em assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O projeto de lei do RS é uma reação conservadora do agronegócio frente à luta pela produção de alimentos saudáveis e viola os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das famílias agricultoras agroecológicas, dos povos indígenas e kilombolas e da população em geral, no campo e na cidade.

Nas questões ambientais, igualmente o alerta tem vindo de dados. Os apicultores denunciam a mortandade de abelhas em consequência do uso do Fipronil (agrotóxico que está em reavaliação). O próprio Ministério do Meio Ambiente admite que, nos últimos quatro ou cinco anos, morreram por volta de 500 milhões de abelhas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. As abelhas desempenham um importante papel na biodiversidade como polinizadoras, de modo que seu desaparecimento compromete nossa variabilidade genética. Além disso, o uso de agrotóxicos tem inviabilizado outros usos do solo via contaminação da terra e dos cursos de água.

Como se não bastasse todo o estrago, os agrotóxicos gozam de isenções fiscais. Sob o argumento de que contribuem para a produção de alimentos da cesta básica, são beneficiados com reduções e isenções fiscais. Hoje, os agrotóxicos têm 60% de redução do ICMS e isenção total do IPI, fazendo com que a conta não feche entre os custos do uso de agrotóxicos para o  Sistema Único de Saúde (SUS) e para a reparação ambiental, e a arrecadação inexistente. Os alimentos que vão para a nossa mesa vêm da agricultura familiar; o povo brasileiro não come soja e nem acessa os produtos exportados pelo agronegócio. Pelo contrário, é o uso de agrotóxicos que compromete a produção da agricultura familiar.

O cenário tende a se agravar ainda mais se o Brasil firmar o Acordo UE-Mercosul, que contribui para reforçar nosso papel na economia mundial como exportador de commodities, fortalecendo o agronegócio. Por meio do acordo, iremos nos aprofundar como uma lixeira química, recebendo produtos banidos em outros países e, até mesmo, como prevê o Pacote do Veneno, exportando produtos sem registro.

Não é possível coexistir com o agrofacismo

Na cerimônia dos 20 anos do Programa Bolsa Família, o presidente Lula disse: “É preciso combater o uso de pesticidas porque os que plantam com veneno não comem o que plantaram”. É exatamente por isso, senhor presidente, que questionamos: por que flexibilizar a já bastante flexível liberação de agrotóxicos, quando os dados dos impactos à saúde, ao meio ambiente e à produção de alimentos evidenciam como ele é um veneno? Com as mudanças legislativas propostas no Pacote do Veneno, caminhamos para um retrocesso de 20 anos na construção de um país com soberania alimentar. Não há política de combate à fome quando se planta veneno.

Precisamos avançar no discurso e nas ações práticas para reconhecer que os danos socioambientais e as políticas de isenção fiscal estão contribuindo para a morte. Do outro lado da propaganda do agronegócio, estão famílias com pessoas doentes; camponeses sem condições de produzir alimento saudável, com prejuízos financeiros aos seus cultivos agroecológicos e orgânicos; o sistema público sobrecarregado pelos impactos de agrotóxicos; a morte de espécies essenciais à sociobiodiversidade; a contaminação da água e do ar. Assim, não existe possibilidade de coexistência com os agrotóxicos, posto que, como o nome diz, eles são contra a vida.

A decisão sobre as formas de relação com a terra não pode ser só da bancada do agrofacismo; ela precisa ser de toda a sociedade, incluindo todos e todas que sofrem as consequências do uso de agrotóxicos. Está mais do que evidente que o agro não é capaz de gerir as consequências do uso desses produtos tóxicos.

Se todos os argumentos acima não foram suficientes, vale recordar que quem planta com agrotóxico é quem financia os golpes à democracia. Dos 16 financiadores dos atos terroristas de 8 de janeiro de 2023, 13 eram fazendeiros, como apontou a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Câmara Federal. Se o Congresso Nacional quiser seguir esse pacto de mediocridade, oxalá haja mais nobreza no Executivo. Se analisarmos com cuidado os senadores que atuaram em prol do Pacote do Veneno, veremos que a bancada do latifúndio está no controle.

Recordamos o dia 3 de dezembro na luta contra o uso de agrotóxicos e pela vida! Que avancemos na coerência de um país que se compromete em acabar com a fome, produzindo alimentos saudáveis, protegendo a nossa casa comum, cuidando da saúde e da natureza. Por isso, sejamos contra o avanço do uso de agrotóxicos e pelo apoio a políticas de redução até sua extinção, para que outros mundos, e inclusive nós como planeta, possamos continuar existindo.

Where do we go with climate negotiations?

In the next weeks, another UN Climate Conference of the Parties (COP 28) will take place in Dubai. The conference will have four main axes: accelerating energetic transition for reduction of carbon emissions until 2030; strengthening the fights against climate alterations, which fulfills old promises, among which turning the climate fund into a concrete reality; placing nature, people, lives and the means of survival in the centre of climate action; establishing itself as a space of inclusion. As we can observe, the challenges are not small, especially if we think about the disputes around it.

About energetic transition, the war in Ukraine increased the pressure for reducing the usage of fossil fuels, as it exposed European countries to a risky situation regarding gas supply. Due to that, developed countries started to increase investments for energy transition, with stimulation to wind and solar power, and to the use of electric vehicles, among other measures. It happens that such technologies, which are considered renewable, are responsible for the increase in the demand for metals like lithium, copper and nickel, which lead to the destruction caused by mineral extractivism in the Global South, continuing the colonialist practices which damage environmental justice.

Furthermore, energetic transition, as it is being thought, grants protagonism to corporations, specially transnational ones, keeping the concentration of the means of production and not sharing the control nor the technologies. Many corporations in the petrol and mineral sectors have adhered to the discourse on climate change, adopting “greenwashing” policies. An example of that is the adhesion to Net Zero mechanisms ,in which instead of reducing the production and emission of polluting gases, corporations compensate their polluting chain with carbon credits which are dirty, violent and polluting, and which make people lose rights. Not by chance, companies Vale S.A and Braskem will unfortunately be in Space Brazil at COP 28 talking about that issue.

Likewise, defending the organisation of the carbon market, governors in Brazilian states founded “Green Brazil Consortium” at COP 26, which must have a more prominent participation in the next conference. That consortium, which will also have panels in Space Brazil, points to the need to build a Brazilian Market for Reduction of Emissions (BMRE) and a national standard of payment for environmental services (PES). The governors are also interested in the Climate Action Plan (CAP 2050) released by the federal government with the goal of reaching net zero emissions until 2050. The plan describes several mitigating policies for economic sectors like transportation, energy and agriculture, creating business opportunities for the state governments with the promotion of climate actions.

For COP 28, it is expected that Brazil will be involved in the discussions about the creation of a Loss and Damage Fund, following Sharm El-Sheikh’s Implementation Plan of the Paris Agreements. In 2022, at COP 27, before his inauguration, president Lula highlighted his commitment to fighting deforestation – main cause of emissions in this country – connected to the development of policies against inequality. In his speech, the president mentioned the role indigenous people have in preservation. It remains to be known if that same line of discussion will be kept when decisions about who will have access to the funds need to be made. It is also worth mentioning that the Ministry for the Environment and Climate Change has been making efforts to create the Climate Fund.

The droughts in the Amazon and the floods in Southern Brazil are socioenvironmental disasters exemplary of the immediate consequences of climate change. Analysing their consequences, we may observe that the damages are distributed unevenly among poor people, women, black people and rural and peripheral communities. In general, the most serious climate damages are felt in communities which are already weakened by contexts of social inequality and lack of rights and of investments in infrastructure.

Considering those inequalities, when announcing a COP which aims to be really inclusive, there must be a paradigm shift so that the central position of nature, people, human life, historic debts and reparations may be in the centre of economy, not a simple ornament for the market. We know that the spaces of COP have been taken by the hegemony of the big transnational corporations’ views and their same old false market solutions which have brought us here with the green economy of the stock exchange’s dollar and focus on profit. Mitigation policies are not connecting the solutions of the peoples with the enforcement of human rights, access and permanence on land and territories of peoples and communities as an action to protect the woods, waters and forests, as can be seen in the best-preserved territories. Instead, they are reducing carbon metrics.

Popular movements and organisations of civil society defend a deep rethinking of multilateral climate spaces. We cannot go on building answers for climate alterations which do not confront the root of the problem, i.e. the extremely unequal way we produce, generate, circulate and commercialise in the capitalist society. Likewise, we need to acknowledge that the climate crisis does not reflect only the physical aspects of the planet. That approach is limited and limiting. Actually, climate crisis is intertwined with historical forms of gender, race and class violence, and with colonialism. There is a historical debt of environmental degradation in many countries which cannot be reduced to mitigating policies nor to financial indemnisation by a Fund.

The change starts by looking at the big picture of causes and consequences of climate alterations. Rethinking the role that determined actors will have in the negotiations of humanity’s future. In that sense, transnational corporation have a role more as defendant than protagonist in the solutions. Popular movements, women and representatives of civil society have been increasingly absent from the centres which decide about climate governance. The negotiations keep being sieved by the Global North towards the Global South. We recognise that in the last years, climate COPs have become unproductive spaces in which there are no concrete advances in the reduction of Earth’s destruction, precisely due to the way they are being organised.

What about Brazil? So far, the federal government follows the book of green economy. Many ministries have been working to regulate the carbon market, especially REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation), without carrying out studies on the impacts on the lifestyle of communities. Other initiatives like bioeconomy advance quickly towards building public policies. On the other hand, efforts to legalise the titles of quilombola territories, demarcate indigenous lands and against the thesis of “marco temporal”, to promote agroecology move slowly.

While climate justice, as an action to face climate alterations centering on the promotion of effective, fair, inclusive public policies which respect human and socioenvironmental rights, is not the main focus in the climate negotiations, there will be no repair to the planet. While those who destroy the climate are the owners of its governance, we will keep on making deals which will lead to failure.

Edition: Thalita Pires

Text originally published in Portuguese in the newspaper Brasil de Fato, in:  https://www.brasildefato.com.br/2023/11/07/para-onde-vamos-com-as-negociacoes-do-clima

¿Adónde vamos con las negociaciones del clima?

En las próximas semanas, será iniciada más una Conferencia de las Partes del Clima de la ONU (COP 28), en Dubái. La conferencia tendrá como enfoque cuatro ejes: la aceleración de la transición energética para reducción de las emisiones de carbono hasta 2030; avanzar en el fortalecimiento de la lucha contra las alteraciones climáticas, cumpliendo promesas antiguas, entre ellas la concretización del fondo climático; colocar la naturaleza, la gente, las vidas y los medios de subsistencia en el centro de la acción climática; marcarse como un espacio de inclusión. Como podemos observar, los desafíos lanzados no fueran pequeños; y más aún si pensamos en las disputas a su alrededor.

Cuanto a la transición energética, la guerra de Ucrania ha acelerado la presión para reducción del uso de combustibles fósiles, a medida que expuso países europeos a un riesgo en el fornecimiento de gas. Frente a eso, países desarrollados empezaron a acelerar inversiones para transición de energía, con estímulos para producción de energía eólica y solar, y el uso de vehículos eléctricos, entre otras medidas. Ocurre que tales tecnologías, consideradas renovables, son responsables por el alza en la demanda de metales como litio, cobre y níquel, los cuales presionan por la profundización de la destrucción del extractivismo mineral en el Sur Global, dando continuidad al colonialismo que ataca la justicia ambiental.

Además, la transición energética, como está siendo pensada, confiere protagonismo a las empresas, especialmente transnacionales, manteniendo la concentración de los medios de producción y no repartiendo el control ni las tecnologías. Muchas empresas del sector petrolífero y mineral han adherido al discurso del cambio climático, adoptando políticas de “pintar la cara de verde” (greenwashing). Un ejemplo es la adhesión a los mecanismos de emisión cero (Net Zero), en los cuales en vez de reducir la producción y emisión de contaminantes, las empresas compensan su cadena productiva contaminadora con créditos de carbono sucios, violentos, contaminantes y que retiran derechos. No por acaso, las empresas Vale S.A y Braskem, infelizmente, estarán en el Espacio Brasil de la COP 28 hablando sobre el tema.

De la misma manera, en la defensa de la organización del mercado de carbono, los gobernadores de los estados brasileños han fundado el Consorcio Brasil Verde en la COP 26, que deberá tener una participación más destacada en la próxima conferencia.  Ese Consorcio, que tendrá también paneles en el Espacio Brasil, apunta la necesidad de construir un Mercado Brasileño de Reducción de Emisiones (MBRE) y un estándar nacional de pago por servicios ambientales (PSA). Los gobernadores están también interesados en el Plan de Acción Climática (PAC 2050) lanzado por el gobierno federal, con metas para alcanzar la neutralidad de las emisiones hasta 2050. El Plan describe diversas políticas mitigadoras para sectores de la economía como transporte, energía, agricultura y ganadería, creando oportunidades de negocios para los gobiernos estaduales con la promoción de acciones sobre el clima.

Para la COP 28, se espera también que Brasil se involucre en las discusiones sobre la creación de un Fondo de Pérdidas y Daños, siguiendo el Plan de Implementación de Sharm El-Sheikh de los Acuerdos de París. En 2022, ya elegido, pero todavía no investido, el presidente Lula destacó, en la COP 27, su compromiso con el combate a la deforestación – principal causa de emisiones en el país – vinculado al avance de las políticas de combate a la desigualdad. En el discurso, el presidente evocó el rol de los pueblos indígenas para la preservación en el país. Resta saber si será mantenida esa misma línea de discusión cuando involucre quién accederá a los recursos de tales fondos en Brasil. Se puede destacar que el Ministerio del Medio Ambiente y Cambio Climático ha hecho esfuerzos para la creación del Fondo Clima.

Las sequías en la Amazonia y las inundaciones en el Sur de Brasil son desastres socioambientales ejemplificadores de las consecuencias inmediatas de los cambios climáticos. Al analizar sus consecuencias, observamos que los daños se distribuyen de manera desigual entre personas más empobrecidas, mujeres, negras y comunidades rurales y periféricas. En general, los daños climáticos son más graves en comunidades ya vulnerables por contextos de desigualdades sociales y la no garantía de los derechos e inversiones en infraestructura.

Frente a esas desigualdades, al anunciar una COP que pretende ser realmente inclusiva, debe haber un cambio de paradigma para que la centralidad de la Naturaleza, de la gente, de la vida humana, de las deudas históricas y reparaciones estén en el centro de la economía, no como un simple aderezo del mercado. Sabemos que los espacios de la COP han sido cada vez más hegemonizados por la visión de las grandes corporaciones transnacionales y sus falsas viejas soluciones de mercado que son más do lo mismo, y que nos han traído hasta aquí con la economía verde del dólar de la Bolsa de Valores e del rentismo. En vez de conectar las soluciones de los pueblos con la efectuación de los derechos humanos, el acceso y permanencia en la tierra y territorio de pueblos y comunidades; como acción para la protección de los bosques, de las aguas y de las junglas, con su comprobación, ayer y hoy, con los territorios más preservados, las políticas de mitigación están reduciendo las métricas de carbono.

Los movimientos populares y organizaciones de la sociedad civil defienden este profundo repensar de los espacios multilaterales del clima. No podemos seguir construyendo respuestas para las alteraciones climáticas que no enfrentan la raíz del problema, o sea, la manera profundamente desigual como producimos, generamos, circulamos y comercializamos en la sociedad capitalista. Igualmente, es necesario reconocer que la crisis climática no refleja solamente los aspectos físicos del planeta; éste es un abordaje limitado y limitador. En la realidad, la crisis climática se entrelaza a formas históricas de violencia de género, raza, clase y el colonialismo. Hay una deuda histórica de la degradación ambiental en diversos países que no puede ser reducida a políticas mitigadoras ni siquiera a la indemnización financiera por medio de un fondo.

El cambio empieza con una mirada hacia la totalidad de las causas y consecuencias de las alteraciones climáticas. Repensar el rol que determinados actores tendrán en las negociaciones sobre el futuro de la humanidad. En ese sentido, las empresas transnacionales ocupan mucho más el lugar de reo que de protagonista de las soluciones. Movimientos populares, mujeres y representantes de la sociedad civil están cada vez más ausentes de los centros decisorios sobre la gobernanza climática. Las negociaciones siguen regidas por el colador del Norte Global para el Sur Global. Reconocimos que, en los últimos años, las COPs del Clima se están convirtiendo en espacios improductivos, en los que no hay avances concretos en la reducción de la destrucción de la Tierra, justamente por la manera como son organizadas.

¿Y Brasil? Hasta ahora, el gobierno federal sigue la cartilla de la economía verde. Muchos ministerios han trabajado para la regulación del mercado de carbono, especialmente de REDD (Reducción de Emisiones causadas por la Deforestación y la Degradación forestal), sin realizar estudios sobre los impactos en los estilos de vida de las comunidades. Otras iniciativas, como la bioeconomía, caminan rápidamente en la construcción de políticas públicas. Por otro lado, esfuerzos para titulación de territorios quilombolas, demarcación de tierras indígenas y contra la efectuación de la tesis del marco temporal, avance de las políticas de promoción de la agroecología, andan lentamente.

Mientras la justicia climática, como acción para enfrentamiento de las alteraciones climáticas con centralidad en la promoción de políticas públicas efectivas, justas, inclusivas, con respeto a los derechos humanos y socioambientales, no sea el enfoque de las negociaciones sobre el clima, no habrá reparo para el planeta. Mientras aquellos que destruyen el clima sean los dueños de su gobernanza, seguiremos construyendo acuerdos que nos llevarán al fracaso.

Edição: Thalita Pires

Texto publicado originalmente en portugués en el diario Brasil de Fato, en: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/07/para-onde-vamos-com-as-negociacoes-do-clima 

Para onde vamos com as negociações do clima?

Nas próximas semanas, será iniciada mais uma Conferência das Partes do Clima da ONU (COP 28), em Dubai. A conferência terá como foco quatro eixos: a aceleração da transição energética para redução das emissões de carbono até 2030; avançar no fortalecimento da luta contra as alterações climáticas, cumprindo promessas antigas, dentre elas a concretização do fundo climático; colocar a natureza, as pessoas, as vidas e os meios de subsistência no centro da ação climática; marcar-se como um espaço de inclusão. Como podemos observar, os desafios lançados não foram pequenos; e mais ainda, se pensarmos nas disputas ao redor dela.

Quanto à transição energética, a guerra da Ucrânia acelerou a pressão para redução do uso de combustíveis fósseis, à medida que expôs países europeus a um risco de fornecimento de gás. Frente a isso, países desenvolvidos começaram a acelerar investimentos para transição de energia, com estímulos para produção de eólicas e solares e o uso de veículos elétricos, dentre outras medidas. Ocorre que tais tecnologias, consideradas renováveis, são responsáveis pelo aumento da demanda de metais como lítio, cobre e níquel, os quais pressionam pelo aprofundamento da destruição do extrativismo mineral no Sul Global, dando continuidade ao colonialismo que ataca a justiça ambiental.

Além disso, a transição energética, como vem sendo pensada, confere protagonismo às empresas, especialmente transnacionais, mantendo a concentração dos meios de produção e não repartindo o controle e nem as tecnologias. Muitas empresas do setor petrolífero e mineral têm aderido ao discurso das mudanças climáticas, adotando políticas de “pintando a cara de verde” (greenwashing). Um exemplo são a adesão aos mecanismos de emissão zero (Net Zero), nos quais ao invés de reduzir a produção e emissão de poluentes, as empresas compensam sua cadeia produtiva poluidora com créditos de carbono sujos, violentos, contaminantes e que retiram direitos. Não por acaso, as empresas Vale S.A e Braskem, infelizmente, estarão no Espaço Brasil da COP 28 falando sobre o tema.

Na mesma esteira, na defesa da organização do mercado de carbono, os governadores dos estados brasileiros fundaram o Consórcio Brasil Verde na COP 26, o qual deverá ter uma participação mais destacada na próxima conferência.  Esse Consórcio, que terá também painéis no Espaço Brasil, aponta a necessidade de construir um Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e um padrão nacional de pagamento por serviços ambientais (PSA). Os governadores estão interessados, ainda, no Plano de Ação Climática (PAC 2050) lançado pelo governo federal, com metas para alcançar a neutralidade das emissões até 2050. O Plano descreve várias políticas mitigatórias para setores da economia como transporte, energia e agropecuária, criando oportunidades de negócios aos governos estaduais com a promoção de ações sobre o clima.

Para a COP 28, espera-se ainda que o Brasil se envolva nas discussões sobre a criação de um Fundo de Perdas e Danos, no seguimento ao Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh dos Acordos de Paris. Em 2022, já eleito, porém sem tomar posse ainda, o presidente Lula destacou, na COP 27, seu compromisso com o combate ao desmatamento – principal causa de emissões no país – atrelado ao avanço das políticas de combate à desigualdade. No discurso, o presidente evocou o papel dos povos indígenas para a preservação no país. Resta saber se será mantida essa mesma linha de discussão, quando envolver quem irá acessar os recursos de tais fundos no Brasil. Vale destacar que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima tem empenhado esforços para criação do Fundo Clima.

As secas na Amazônia e as enchentes no Sul do Brasil são desastres socioambientais exemplificadores das consequências imediatas das mudanças climáticas. Ao analisarmos suas consequências, observamos que os danos se distribuem de maneira desigual entre pessoas mais empobrecidas, mulheres, negras e comunidades rurais e periféricas. Em geral, os danos climáticos são mais graves em comunidades já vulnerabilizadas por contextos de desigualdades sociais e a não garantia dos direitos e investimentos de infraestrutura.

As secas na Amazônia e as enchentes no Sul do Brasil são desastres socioambientais que mostram as consequências imediatas das mudanças climáticas – Alberto César Araújo/Amazônia Real

Frente a essas desigualdades, ao anunciar uma COP que pretende ser realmente inclusiva, precisa haver uma mudança de paradigma para que a centralidade da Natureza, das pessoas, da vida humana, das dívidas históricas e reparações estejam no centro da economia, e não como um adereço de mercado. Sabemos que os espaços da COP têm sido cada vez mais hegemonizados pela visão das grandes corporações transnacionais e suas falsas soluções de mercado mais do mesmo e das mesmas que nos trouxeram até aqui com a economia verde do dólar da Bolsa de Valores e do rentismo. Ao invés de conectarem a soluções dos povos com a efetivação dos direitos humanos, o acesso e permanência à terra e território de povos e comunidades; como ação para a proteção dos bosques, das águas e das florestas, com sua comprovação, ontem e hoje, com os territórios mais preservados, as políticas de mitigação estão reduzindo as métricas de carbono.

Os movimentos populares e organizações da sociedade civil defendem este profundo repensar dos espaços multilaterais do clima. Não podemos seguir construindo respostas para as alterações climáticas que não enfrentam a raiz do problema, ou seja, a forma, profundamente desigual, de como produzimos, geramos, circulamos e comercializamos na sociedade capitalista. Igualmente, é preciso reconhecer que a crise climática não reflete apenas os aspectos físicos do planeta; esta é uma abordagem limitada e limitadora. Na verdade, a crise climática se entrelaça a formas históricas de violência de gênero, raça, classe e à colonialidade. Há uma dívida histórica da degradação ambiental em diversos países que não pode ser reduzida a políticas mitigadoras e, nem mesmo, à indenização financeira por meio de Fundo.

A mudança começa com o olhar da totalidade das causas e consequências das alterações climáticas. Repensar o papel que determinados atores irão ter nas negociações do futuro da humanidade. E nesse sentido, as empresas transnacionais ocupam muito mais o lugar de réu do que de protagonista das soluções. Movimentos populares, mulheres e representantes da sociedade civil estão cada vez mais ausentes dos centros decisórios sobre a governança climática. As negociações seguem regidas pelo crivo do Norte Global para o Sul Global. Reconhecemos que, nos últimos anos, as COPs do Clima estão se tornando espaços improdutivos, nos quais não há avanços concretos na redução da destruição da Terra, justamente pela forma como são organizadas.

E o Brasil? Até agora, o governo federal segue a cartilha da economia verde. Vários ministérios têm trabalhado para a regulação do mercado de carbono, especialmente de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), sem realizar estudos dos impactos aos modos de vida de comunidades. Outras iniciativas, como a bioeconomia, caminham a galope na construção de políticas públicas. Em contrapartida, esforços para titulação de territórios quilombolas, demarcação de terras indígenas e contra a efetivação da tese do marco temporal, avanço das políticas de promoção da agroecologia, andam lentamente.

Enquanto a justiça climática, como ação para enfrentamento das alterações climáticas com centralidade na promoção de políticas públicas efetivas, justa, inclusiva, com respeito aos direitos humanos e socioambientais, não for o foco das negociações do clima, não haverá reparo para o planeta. Enquanto aqueles que destroem o clima forem os donos de sua governança, seguiremos construindo acordos que nos levarão ao fracasso.

Texto originalmente publicado no Jornal Brasil de Fato, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/07/para-onde-vamos-com-as-negociacoes-do-clima 

As negociações de um Tratado sobre empresas transnacionais e direitos humanos na ONU

 

Em 1972, Salvador Allende faz um discurso histórico na Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o acúmulo de poder nas mãos de empresas transnacionais. Naquele momento, países reunidos no projeto político do Terceiro Mundo disputavam os sentidos políticos das Nações Unidas e contestavam a presença das desigualdades sociais e do colonialismo, permitindo o avanço de iniciativas para regulação das empresas transnacionais.

Assim como Allende caiu no golpe de 1973, os demais governos progressistas foram sufocados pelo avanço da onda neoliberal no mundo. Na América Latina, a crise da dívida externa foi asfixiando as economias nacionais e estrangulando governos. Com isso, os espaços do multilateralismo foram cada vez mais ocupados pelo imperialismo norte-americano.

Já em 1999, havia um consenso do papel que as corporações tinham no rumo do desenvolvimento, firmado no Pacto Global. Esse foi apenas o primeiro passo na colonização do imaginário das empresas como atores-chave do desenvolvimento. Dessa forma, expandiu-se a crença de que as empresas transnacionais já não seriam parte do problema das violações aos direitos humanos, mas que teriam as soluções a elas. Por isso, a aposta por mecanismos de voluntariedade ao invés de marcos normativos que responsabilizem as empresas.

Em 2011, esse ideal se consolidou com a edição dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, o chamado Marco Ruggie. Somente em 2014, com a presença de governos progressistas na América Latina no Equador, Bolívia, Venezuela, e na África, especialmente na África do Sul, retoma-se as críticas à atuação das empresas transnacionais. O resultado foi a aprovação da Resolução 26/9 que cria o Grupo Intergovernamental para a construção de um Tratado Juridicamente Vinculante sobre Empresas Transnacionais.

Entre as várias sessões, incluindo ofensivas de boicote, chegamos na 9ª reunião do Grupo de Trabalho, que acontece nesta semana. Dessa vez, é a presidência do grupo, o Equador, que conduz, de maneira arbitrária e sem transparência, para o esvaziamento do conteúdo do texto. Nos últimos anos, o Equador tem cumprindo o papel de retirar conteúdos considerados pelos movimentos sociais e comunidades atingidas como fundamentais para a proposta, tais como a previsão de obrigações diretas às empresas transnacionais pelas violações aos direitos humanos; o foco nas empresas transnacionais; a previsão de uma Corte Internacional. Em sua última movimentação, apresentou um novo borrador para a negociação no qual, de forma antidemocrática, aceita sugestões de determinados países e exclui de outros, sem qualquer justificativa.

Segundo a Campanha Global pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e pela Soberania dos Povos, é preciso focar na atuação das empresas transnacionais, as quais são responsáveis por gerir uma escala global de impunidade, não havendo normas internacionais que as responsabilize. Essas empresas se beneficiam da falta de normativas para promover uma violação estrutural aos direitos humanos. Para a Campanha, é importante inverter a lógica atual do lucro sobre a vida, afirmando a primazia dos direitos humanos frente aos acordos comerciais e de investimento e ao direito econômico. Os anos de voluntariedade não produziram modificações na efetivação dos direitos humanos. Empresas seguem violando, mesmo com suas certificações, relatórios de sustentabilidade, diretrizes e mecanismos de devida diligência. Assim, é preciso equiparar as forças, por isso, avançar para regras para empresas transnacionais.

Movimentos populares e a sociedade civil brasileira estão interessados em visualizar as posições do governo brasileiro. Até agora, o Brasil compôs o Grupo sem apresentar contribuições relevantes às negociações. Inclusive, nos anos pós-golpe e de governo Bolsonaro, a postura foi de cerceamento da presença e atuação da sociedade civil durante as negociações. Além de comentários vexatórios sobre aspectos de gênero no texto. Existem altas expectativas, que durante o Governo Lula, o país possa ter uma postura mais atuante, tanto na abertura para construção com a sociedade civil como num texto que supere a arquitetura da impunidade corporativa efetivamente.

Recentemente, o Ministério das Relações Exteriores recebeu lideranças da Campanha Global e suas propostas para o Tratado. Continua, em aberto, quais delas serão incorporadas nas negociações, e como o ministério dará continuidade aos diálogos com as comunidades, a sociedade civil e os movimentos populares.

No cenário nacional, o Ministério dos Direitos Humanos tem realizado debates sobre o PL nº.572/2022, que versa sobre direitos humanos e empresas, sinalizando a importância de avançar em marcos normativos. Muito embora sua gestão ainda seja marcada por um intenso diálogo com mecanismos como o Pacto Global e empresas. Resta saber qual será a postura do ministério e como influenciará nas negociações do Tratado.

As atuações do governo em espaços internacionais repercute com falas históricas sobre o combate às desigualdades, a preservação do meio ambiente, a proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como a aproximação Sul-Sul. Vale ressaltar, nas últimas semanas, o papel desempenhado pelo Brasil na busca por um cessar-fogo na faixa de Gaza, dentro do Conselho de Segurança da ONU.

E sobre esse tema, não podemos deixar de mencionar que dentre as principais empresas transnacionais está a indústria armamentista, uma das maiores consumidoras de minerais, por exemplo. Há tempos, campanhas como a do Movimento BDS denunciam a atuação dessas corporações nos territórios ocupados. No caso da Palestina, empresas como G4S, de Israel, utilizam o conflito como laboratório de práticas, que depois serão vendidas para gestão de presídios, construção de muros e empresas de segurança privada. Dificilmente, essas empresas são responsabilizadas pelo seu papel nos conflitos.

Inclusive, a Palestina é uma das nações mais aguerridas na defesa dos direitos dos povos nas negociações do Tratado. Em 2022, a representação Palestina defendeu firmemente a participação da sociedade civil e a continuidade das negociações sobre o texto acumulado ao longo dos anos. Em meio à grave situação de violência humanitária de Israel contra a Palestina, certamente este será um tema que virá à mesa na 9ª Sessão; esperam-se manifestações de solidariedade internacionalista das organizações presentes, assim como as discussões das transnacionais de segurança na Palestina.

Recordamos a Resolução 31/36 do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que determinou um estudo sobre a atuação de empresas na faixa de Gaza, e os resultados corroboram com sua cumplicidade com esse crime contra o povo palestino. No entanto, o sistema internacional de proteção aos direitos humanos segue fazendo vista grossa à Israel, por pressão dos EUA (Estados Unidos).

Regular o poder corporativo é uma necessidade para continuidade das formas de vida na Terra, sejam humana, animal, vegetal. As corporações, em sua regulação privada, não conseguiram superar os problemas que elas mesmas causam. Esse caminho já foi experimentado e não deu resultados. É hora e momento de experimentarmos uma via de controle e de responsabilização, sob pena de nos aprofundarmos ainda mais nas mazelas do capitalismo.

Direitos para os povos, regras para as empresas!

Edição: Rodrigo Durão Coelho

* Artigo publicado originalmente em https://www.brasildefato.com.br/2023/10/25/as-negociacoes-de-um-tratado-sobre-empresas-transnacionais-e-direitos-humanos-na-onu

Maracá das mulheres indígenas abençoa a derrubada do marco temporal

De 11 a 13 setembro, por volta de 6 mil mulheres indígenas marcharam em Brasília pelo fim da violência contra elas e pela demarcação de seus territórios. Na 3ª edição da Marcha das Mulheres Indígenas, denominada “Mulheres biomas em defesa da biodiversidade e pelas raízes ancestrais”, elas marcaram presença com seus cocares, maracás, diversidades, cores, formas de ser, exigindo a justiça e igualdade.

Foram três dias intensos de atividades que mostraram como as mulheres indígenas vêm sendo silenciadas e marginalizadas ao longo da história. A violência contra as áreas de retomada, a falta de atenção à saúde e o avanço do garimpo ilegal foram temas levantados no Tribunal da Ancestralidade.

Em resposta ao diagnóstico, a deputada Célia Xakriabá apresentou o Projeto de Lei (PL) nº 4381/2023, que prevê procedimentos a serem adotados pelas delegacias e policiais no atendimento às mulheres indígenas vítimas de violência. O Ministério das Mulheres também se comprometeu com a acolhida na Casa da Mulher Brasileira nos estados com maiores índices de violência contra as mulheres indígenas, como na cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul. E, ainda, a criação das Casas das Mulheres Indígenas por cada bioma.

Como aponta a ministra Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, a violência contra as mulheres indígenas envolve a destruição ambiental. Em audiência no Congresso Nacional, na abertura das atividades da marcha, declarou: “Estamos num estado de emergência, e não tem mais como negar essa emergência climática. Não há mais espaço para negacionismo. E nós, povos indígenas, nós, mulheres indígenas, embora sejamos as maiores guardiãs da mãe terra, somos as primeiras e as mais impactadas. Nós somos as primeiras afetadas pelas mudanças climáticas”.

Por isso, na marcha, as mulheres indígenas foram tão enfáticas na necessidade de proteção dos biomas, destacando os problemas do avanço da fronteira agrícola sobre o Cerrado e o garimpo ilegal. Nesse sentido, o encontro retomou a mensagem política “a luta pela mãe terra é a mãe de todas as lutas”.

A participação das mulheres indígenas na política também foi um tema ressaltado no encontro. Na atividade da Bancada do Cocar, as mulheres discutiram sobre a construção de mais candidaturas indígenas, que pudessem construir políticas públicas que refletiam as necessidades das comunidades.

Nas últimas eleições, 17 candidaturas indígenas, e a eleição de Sônia Guajajara e de Célia Xakriabá, animaram os debates. Nos últimos anos, lideranças de mulheres indígenas reivindicam a mensagem política “nunca mais um Brasil sem nós”, demarcando sua luta por acesso ao poder e participação.

A demarcação das terras e a superação do marco temporal

O acesso e permanência das mulheres indígenas em seus territórios originários é o que confere proteção à vida e ao meio ambiente, que assegura suas formas de ser, saber e viver. Assim, a demarcação das Terras Indígenas, tal como promessa constitucional de 1988, precisa ser assegurada. De acordo com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), existem 736 terras indígenas nos registros, sendo que apenas 477 foram regularizadas, havendo ainda 490 reivindicações dos povos indígenas em análise pelo órgão.

Um dos empecilhos criados pelo agronegócio para impedir a demarcação das Terras Indígenas foi a tese do marco temporal. A tese defende que os indígenas têm direito de ocupar as terras onde estiveram em 5 de outubro de 1988 (marco temporal), data da promulgação.

Tal tese foi suscitada no caso do Povo Xokleng, no qual decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4ª) considerou pedido para retirada dos indígenas da terra, alegando não ocuparem na data da promulgação da Constituição. O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o julgamento do caso produziria o efeito de repercussão geral, e dessa forma, impactaria em muitos outros territórios que estão em conflito.

Na 5ª feira, 21 de setembro, o plenário do STF decidiu, por 9 x 2, pela improcedência da tese do marco temporal, representando uma vitória dos povos indígenas. Sabemos que os povos indígenas não saíram de seus territórios por vontade própria, mas vêm sendo alvo de uma violência expropriatória há mais de 523 anos.

O ministro Edson Fachin defendeu em seu voto que o direito dos povos indígenas ao seu território é um direito fundamental assegurado na Constituição, não cabendo a aplicação da tese. Outros oito ministros seguiram o voto de Fachin, o relator. Apenas André Mendonça e Nunes Marques, ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), votaram a favor do marco temporal, alegando a insegurança jurídica aos produtores rurais.

Em meio à vitória obtida com a derrota do marco temporal, resta saber sobre a modulação das indenizações aos produtores rurais. A maioria dos ministros defende a possibilidade de indenizações de boa-fé. Resta saber a conclusão dos votos. Um bom momento para recordar a memória e pensar em uma justiça para com os povos indígenas por anos de exploração, dominação e genocídio.

A força da ancestralidade das mulheres indígenas e a presença de diversas lideranças indígenas durante o julgamento no STF colocaram fim a esse processo que se iniciou em agosto de 2021. O marco temporal está definitivamente enterrado na Justiça. Ainda faltará sua derrota no Congresso, onde a bancada ruralista certamente moverá suas forças de discórdia racista.

* Artigo publicado originalmente no site do Jornal Brasil de Fato neste link: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/27/maraca-das-mulheres-indigenas-abencoa-a-derrubada-do-marco-temporal



ATUALIZAÇÃO feita em 28 de setembro de 2023, às 10h30min: os ataques da bancada ruralista e da mineração prosseguem. Nessa 4ª feira (27/09), o projeto 2903, PL do Genocídio, passou pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e seguiu, de forma relâmpago, para o plenário do Senado, onde foi aprovado. A pressão, agora, é para que o presidente Lula vete o PL 2903/23!

O STF também encerrou ontem o julgamento da tese, fixando critérios perigosos para os povos indígenas.

A luta continua! E precisa muito de apoio e mobilização de todas as pessoas e organizações comprometidas com os povos indígenas. A ATBrasil está junto!

O desafio da prisão de Bolsonaro e o bolsonarismo

As últimas semanas se agitam nas revelações dos escândalos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, sua família e aliados. Desde os depoimentos do hacker da Vaza Jato na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), com indícios de ligação de Bolsonaro aos atos de 8 de janeiro de 2023; a intervenção no processo eleitoral; e até na espionagem ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Ainda, o andamento das investigações sobre a apropriação indevida de bens públicos, como as joias, e a falsificação dos cartões de vacina. O cerco a Jair Bolsonaro motiva a pressão política pela sua prisão.|

Definitivamente, assistir à prisão de Bolsonaro será da máxima importância para a consolidação do retorno da democracia ao país. Para todos e todas que viveram os quatro anos de destruição das políticas públicas, a omissão do poder público diante da crise sanitária, a perseguição e violência, o fascismo de sua administração. Contudo, a prisão de Bolsonaro precisa ser resultado de um processo jurídico-político sólido que represente a derrota estrutural das práticas da Lava Jato e do Bolsonarismo. Assim, trazemos alguns elementos para esta reflexão.

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Primeiro, sobre as questões jurídicas que envolvem a prisão de Bolsonaro. Nos últimos seis anos, assistimos a todo o autoritarismo da Operação Lava Jato, marcado por diversas prisões que violam as garantias do devido processo legal e que intensificaram a cultura do espetáculo na atuação judicial. Não podemos recair no uso dos métodos que criticamos; precisamos assegurar que a prisão de Jair Bolsonaro siga o rito processual. Para isso, é preciso pressão da Procuradoria Geral da República. O procurador Augusto Aras, que termina seu mandato em breve, não fez nenhuma denúncia contra Bolsonaro, apesar dos mais de 100 pedidos.

Outro fundamento para a prisão de Jair Bolsonaro seria a hipótese de as investigações estarem ameaçadas pela sua influência, o que ensejaria uma prisão preventiva. Foi esse expediente que Alexandre de Morais utilizou para determinar a prisão do tenente-coronel Mauro Cid na investigação sobre as fake news, que incluem os cartões de vacinação. O ministro ainda usou o instrumento para determinar a prisão de Silvinei Vasquez, ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal, que impediu eleitores do Nordeste de se dirigirem às urnas de votação. No pedido, Alexandre de Morais acatou a tese da Polícia Federal de que Vasquez teria um prestígio na categoria e que isso poderia comprometer as investigações.

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Se considerarmos o prestígio que Bolsonaro ainda tem diante de uma considerável massa de eleitores bolsonaristas, ou ainda sua influência dentro do PL, partido de maioria no Congresso Nacional, a mesma tese poderá ser suscitada. Inclusive, é justamente à sua liderança falaciosamente carismática que Bolsonaro tem recorrido. Quando as investigações da Polícia Federal chegaram a sua casa, todo o choro e comoção mobilizados pretendiam influenciar a parcela de opinião pública ligada a ele.

Com isso, adentramos em mais um elemento a ser considerado, os bolsonaristas. A prisão de Bolsonaro certamente ensejará algum nível de revolta popular entre seus seguidores. Um cenário perigoso para a consolidação democrática, em um país que ainda convive com a extrema direita e permeado por grandes pressões na frente ampla que se conformou no governo. É por isso que mobilizações populares e trabalho de base são fundamentais para desgastar a imagem de Bolsonaro e seus aliados frente à opinião pública.
As investigações precisam continuar coletando provas sólidas e comprovando as relações de Bolsonaro com os crimes. Quanto mais escandaloso for o envolvimento do ex-presidente, maior o custo político para seus apoiadores. Inclusive, em face das últimas revelações, as próprias Forças Armadas foram obrigadas a se posicionarem alegando não compactuar com desvio de conduta de seus integrantes.

Por isso, Bolsonaro precisa ser julgado e condenado pelos seus crimes contra a democracia e o povo brasileiro, em um processo exemplar de investigação. Nossa tarefa é ir às ruas, expor sua verdadeira imagem e daqueles que não levam adiante as investigações. Sem anistia a Bolsonaro! Pela construção de um processo profundo de reparação e memória que ponha fim às raízes da extrema-direita no país!

* Coluna publicada originalmente no site do jornal Brasil do Fato neste link: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/13/o-desafio-da-prisao-de-bolsonaro-e-o-bolsonarismo

Amigas Margaridas da Terra

Na Marcha das Margaridas, as mulheres estavam animadas, com seus chapéus coloridos, motivadas a reconstruir o país

Com diversas conquistas, as Margaridas levaram para suas casas a esperança de um país em reconstrução – Nane Camargos

“Olha Brasília está florida, estão chegando as decididas.
Olha Brasília está florida, é o querer,
o querer das Margaridas”
Canto das Margaridas – Loucas de Pedra Lilás

 

Em agosto de 2019, centenas de mulheres, entre as presentes na sexta edição da Marcha das Margaridas e I Marcha das Mulheres Indígenas, tiveram a ousadia de se contrapor ao ódio do Governo Bolsonaro. Seguindo o legado de Margarida Alves, que dizia “E vocês fiquem certos de que não fugimos da luta. É mais fácil saber que tombamos do que dizer que nós corremos”; “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”, as margaridas marcharam em protesto. Não houve um governo para recebê-las. Sem políticas públicas que anunciar para a categoria.

Mas neste ano, a história mudou. As cerca de 100 mil mulheres presentes na 7ª edição da Marcha das Margaridas contaram com a presença do presidente Lula na abertura. Vários ministros compuseram as mesas de debate. As ministras Cida Gonçalves e Anielle Franco, deputadas, a primeira-dama, todas marcharam com as margaridas.

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O clima era outro. As mulheres estavam animadas, com seus chapéus coloridos, motivadas a reconstruir o país. Dos seus roçados, cochichos, foram definindo suas prioridades, demandas. Algumas em Brasília há algum tempo, articulando as demandas. A marcha era uma festa, de um Brasil que voltou a enxergar e reconhecer as suas Margaridas. Até no Congresso Nacional, as Margaridas receberam uma homenagem pela sua história.

E que história! É importante lembrar que a luta das Margaridas assegura muitas conquistas à população do campo brasileiro. Em 2011, a 4ª Marcha das Margaridas reivindicou uma maior importância ao desenvolvimento de um plano nacional de ação no campo da agroecologia, inspiradas na construção de diversas organizações. No documento base da 4ª Marcha, apresentava-se: “Demanda/Proposta 1811: criar grupo permanente de estudos e pesquisas, com a participação de representantes da sociedade civil, para discutir o modelo agrícola na perspectiva de promover a mudança da matriz de alto insumo energético (fertilizantes, agrotóxicos) e de simplificação ecológica, para a matriz de baixo insumo energético e de diversidade ecológica, bem como apoiar fontes alternativas de energia, como energia solar e eólica”. E com essa luta, agregadas à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e às várias resistências da agroecologia, nasceu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

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Na edição deste ano, não foi diferente. O número de anúncio de conquistas das Margaridas ocupa mais de uma página: decreto Quintais Produtivos para as mulheres rurais, com a previsão de instalação de 90 mil quintais produtivos; decreto Seleção de Famílias para Reforma Agrária, estabelecendo pontuação diferenciada para famílias chefiadas por mulheres; decreto que institui a Comissão Nacional de Enfrentamento à violência no campo; Decreto que institui GT Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural; decreto que institui Programa Nacional de Cidadania e Bem Viver da Mulher Rural (Novo PNDTR); decreto institui Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio; decreto retoma Política Nacional ao Trabalhador Rural Empregado; decreto retoma Bolsa Verde; Programa Emergencial de Reforma Agrária, com previsão de atender: 5.700 famílias e 40 mil famílias regularizadas; R$ 300 milhões de crédito instalação; Assistência Técnica e Extensão Rural nos Assentamentos; R$ 100 milhões em leite a ser comprado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). As Margaridas levaram para suas casas a esperança de um país em reconstrução. Diferente de 2019, tiveram a atenção do Estado, que firmou com elas uma série de compromissos.

Não menos importante, as Margaridas agregaram a sua demanda o “bem-viver”. A história de resistência das mulheres camponesas lhes ensinou a importância do acesso e permanência na terra e no território. As mulheres afirmam sua relevância na preservação da biodiversidade e na conservação dos biomas, identificando-se como guardiãs dos saberes populares. Por um feminismo que valoriza a vida, a defesa da agroecologia, dos territórios e dos bens comuns.

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A Marcha das Margaridas inspirou e estimulou a organização popular para a reconstrução do país. Os anúncios de políticas públicas trazem esperança para aqueles que lutam em defesa de outro modelo de produção agrícola. O comprometimento do governo com as reformas e o reconhecimento das mulheres do campo sinalizam para avanços progressistas em meio a um governo de frente ampla.

Abrindo alas no primeiro ano de governo, as Margaridas semearam as políticas para o crescimento da agroecologia, do acesso e permanência nas terras e nos territórios. Trazendo condições concretas à vida das mulheres no campo, inspiram o semear de outros valores de um projeto político de nação.

Cabe mencionar ainda, neste artigo, a perda da Mãe Bernadete Pacífico, líder da Comunidade Remanescente de Quilombo Pitanga de Palmares, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). A defensora foi assassinada no dia 17 de agosto, um dia depois da Marcha das Margaridas. Mãe Bernadete é semente, e se somou à Margarida Alves, na memória das nossas heroínas.

Confira alguns dos registros da Amigas da Terra Brasil durante a Marcha das Margaridas 2023:

Marcha das Margaridas 2023

Esta coluna foi originalmente divulgada no Jornal Brasil de Fato, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/08/30/amigas-margaridas-da-terra 

 

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