Da desinformação à realidade: o desafio nas urnas

Caminhada de Lula e Alckmin reuniu milhares em Porto Alegre (RS), na última quarta-feira (19) – Foto: Alice Marko

A revelação divina que o movimento de extrema direita evangélica propagava no primeiro turno, na qual o “Messias” estaria eleito, não se concretizou. Nas primeiras semanas de campanha do segundo turno, Bolsonaro foi soterrado pela associação a imagens como maçonaria, a explosão das contradições entre o que anuncia em sua campanha e o que de fato concretizou em seu governo, até a conexão com a pedofilia. Trouxe o desafio à bancada conservadora eleita no 1º turno e aos seus seguidores de como defender o candidato mais frequentemente associado àquilo que criticam. Como apoiar a família Bolsonaro quando essa, cada vez mais na prática, difere dos valores morais que acredita?

Tais fatos levaram o bolsonarismo a afirmar, mais do que nunca, a imagem do “Messias”, aquele herói além do bem e do mal ou, como tanto defende a primeira-dama Michelle Bolsonaro, “que ele não é perfeito”, em síntese, a figura do salvador frente ao demônio Partido dos Trabalhadores (PT), ainda que tal salvador seja bastante contraditório. Isso porque se oportuniza do cenário de tensão social para propagar uma cultura do medo. Até entre a esquerda se compartilha o clima de fim dos tempos, na ideia de uma eleição “tudo ou nada”. Para angariar votos, Bolsonaro aposta na criação de fantasias contra Lula, como a do fechamento de igrejas, tomada da propriedade privada e instalação da ditadura comunista, mesmo que em oito anos de governo do ex- presidente Lula nada disso tenha acontecido. Ao invés de se associar a um grande gestor público com inúmeros feitos, até porque seu governo não os possui, ele se coloca como um enviado divino contra o comunismo.

Leia também: Bolsonaro já usou Roberto Jefferson em vídeo para dizer que seu governo “não roubava”

Nas últimas semanas, o foco tem sido retomar a força do antipetismo com o discurso de combate à corrupção, trazendo para perto velhas figuras como do ex-Juiz Lavajatista Sergio Moro. Em sua campanha, com destaque ao rádio, redes sociais e whatsapp, chovem fake news históricas sobre o candidato Lula. Há um jogo de manipulação na interpretação das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que inocentou Lula, ao constituírem uma narrativa de que foram enfrentados apenas os aspectos técnicos processuais, não as questões de mérito, portanto, não cabe se falar em inocência, entre outros arranjos narrativos.

As mentiras e falsidades programáticas de Bolsonaro

Ao longo dos debates, Bolsonaro buscou defender algumas bandeiras de sucesso da sua gestão. No entanto, com um cuidado de olhar para a realidade concreta e para a história, não encontramos essas informações. Uma delas é a criação do PIX (sistema de pagamento instantâneo); cabe recordar que tal modalidade foi criada durante o Governo Temer, desenvolvida por técnicos do Banco Central. Tampouco o anúncio feito por sua campanha de que os bancos perdem milhões com o PIX tem fundamento, uma vez que o próprio sistema foi desenvolvido para apoiar banqueiros que estavam perdendo espaço para aplicativos de pagamento financeiro.

Outro tema é a transposição do rio São Francisco, que é bastante caro ao povo nordestino. As obras de infraestrutura começaram em 2007, sofrendo uma redução de orçamento em 2013, o que implicou na entrega da primeira parte da obra em 2015, durante o Governo Dilma. Em 2017, ocorreu uma segunda entrega durante o Governo Temer, e por fim, uma terceira parte em 2020 pelo Governo Bolsonaro. Assim, seu governo assumiu uma obra com quase 84% de partes construídas.

Sobre a grande máquina eleitoral que se tornou o Auxílio Brasil, também é preciso investigar melhor como se chegou ao valor de R$ 600,00 por mês. Primeiro, que as políticas públicas de complementação de renda são bastante antigas no Brasil, e antes de sua gestão, vinha sendo conhecida mundialmente como Bolsa Família. É preciso recordar que uma das propostas lançadas pelo atual governo no início da pandemia, por meio de medida provisória (MP 927), foi a suspensão dos contratos de trabalho por 4 meses sem remuneração. Ainda que posteriormente revogada, a iniciativa do governo deixaria trabalhadores e trabalhadoras sem qualquer rendimento durante a pandemia. Depois disso, a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, era não haver qualquer subsídio às famílias na pandemia tendo, após pressão da oposição, fornecido o auxílio de R$ 200,00. A oposição seguiu atuante para aumentar tal auxílio para R$ 500,00. Somente em agosto deste ano, o governo anunciou o pagamento dos R$ 600,00, numa clara manobra eleitoral. Essa proposta mantém-se no programa de governo dele, mas sem qualquer informação de onde proverá tais fundos para sustentar a política pública.

Em sua campanha eleitoral, anunciou que foi o primeiro a aplicar a vacina contra covid-19, argumento claramente falacioso. A primeira vacina aplicada no país foi em São Paulo, pela compra direta do governador João Doria (PSDB). A situação ficou tão crítica na falta de planejamento do governo federal sobre a aquisição de vacinas, que os estados venderam vacinas ao governo federal para as primeiras aplicações. Além de todo o esquema de corrupção na compra de vacinas apresentado na CPI do Senado e a completa naturalização das mais de 700 mil mortes.

Um recurso utilizado pela campanha de Bolsonaro é afirmar o crescimento do país. Informação que contrasta com os dados, já que o Brasil apresentou 1,14% de crescimento nos últimos 4 anos, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estando entre os piores países em desenvolvimento. Outrossim, amargamos uma inflação galopante na marca de 19,25% acumulados neste ano, levando-nos à primeira posição juntamente com o Chile, conforme dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). As obras que são associadas a esse crescimento, como a BR-163, o corredor da soja, sequer foram construídas em seu governo; são infraestruturas finalizadas em sua gestão.

Em uma análise das propostas do Governo Bolsonaro quando encontramos pautas para os trabalhadores e trabalhadoras, como a regularização do contrato de trabalho para trabalhadores de aplicativos, ou mesmo o Auxílio Brasil, as iniciativas de conciliar preservação do meio ambiente e desenvolvimento, não estão detalhadas as formas de concretização da política. De outro lado, propostas como garantir maior acesso às armas estão bastante detalhadas, inclusive com proposições como projetos de lei para exclusão de ilicitudes para políticas em casos de assassinatos em ações, ou ainda para projetos como escola sem partido e ensino domiciliar. O que nos faz concluir o que é recurso retórico, promessa vazia, e o que é proposta concreta.

No programa de Bolsonaro, o agronegócio e a mineração estão no centro das propostas, com medidas que pretendem ampliar ainda mais o acesso às terras, inclusive as indígenas; a flexibilização ambiental; precarização da mão de obra, envolvendo casos de trabalho escravo. Em um país com 34 milhões de pessoas passando fome, 15,5% da população brasileira, claramente o agronegócio, que recebeu R$ 348 bilhões em investimentos públicos no Plano Safra em 2022, não alimenta o país. Dos 10 maiores financiadores da campanha de Bolsonaro, 9 são do agronegócio, setor que ele beneficiou com a redução das multas ambientais que, segundo ele, são abusivas.

Quando vasculhamos as propostas de Bolsonaro para encontrar os temas ambientais, encontramos a economia verde com propostas de ampliação do pagamento por serviços ambientais, incentivos ao hidrogênio verde e a expansão de eólicas modelos offshore. Propostas que mascaram o país de verde enquanto os danos socioambientais se propagam com as políticas de promoção do extrativismo, seja na mineração ou no agronegócio.

O programa de Jair Bolsonaro, à luz dos quatro anos de gestão, parece uma carta de intenções à medida que suas propostas se contradizem: como promover uma reforma tributária para simplificar o sistema e assegurar investimentos no Auxílio Brasil? Como irá promover investimentos públicos com a permanência do “teto dos gastos”? Tendo como proposição a continuidade do processo de privatização e o estímulo às parcerias público privadas, como tal Estado irá melhorar a vida dos trabalhadores? Assim, suas propostas são claramente panfletárias para o povo e sólidas para certos setores da economia. Não à toa se apela a elementos subjetivos imagéticos para fornecer pão às massas, já que em concreto suas medidas são extremamente antipopulares.

Que opostos se enfrentam

No próximo dia 30 de outubro, o povo brasileiro irá às urnas tendo que tomar a decisão entre um ex-presidente, que em seus dois mandatos construiu a maior quantidade de programas sociais da história desse país, saldou a dívida pública externa e transformou o Brasil na sexta maior economia do mundo, expandiu as universidades e reformulou a saúde públicas. Tais feitos não levaram o país à abolição da propriedade privada, à adesão ao comunismo e nem ao cerceamento da liberdade religiosa e sexual.

No outro extremo, encontramos a debilidade de uma gestão que não foi capaz de conter 700 mil mortes por covid, cortou recursos que estrangularam a universidade pública, reduziu gastos com saúde em plena pandemia; demitiu, exonerou e submeteu servidores públicos a processos administrativos por fazerem seu trabalho, propagou xenofobia contra o Nordeste, a comunidade LGBTQI+, ambientalistas, jornalistas, moradores de comunidades periféricas. Em sua administração, voltamos ao mapa da fome, aos piores índices de desmatamento, à chacota internacional nos espaços multilaterais, às piores taxas de inflação.

O que está em jogo no voto dos eleitores é a opção por um modelo civilizatório entre um futuro Brasil ainda mais racista, sexista, desigual, fascista, e um Brasil democrático, inclusivo. Mais uma vez na história, a corrupção é usada como véu que oculta realidades, e neste ano, associada a uma desinformação possibilitada, contraditoriamente por um maior acesso a meios de comunicação.

O Brasil se depara em seus 200 anos de “independência”, novamente, com um projeto civilizatório. Estiveram em disputa nessas eleições a construção da identidade do povo brasileiro, da nação. Os candidatos disputaram valores e princípios desse projeto, resta saber com os quais o povo estará identificado. A batalha não é justa, o debate é rebaixado, mas há, todavia, uma esperança numa estrela vermelha de outrora.

*Artigo divulgado originalmente em 25/10/2022 no jornal Brasil de Fato RS neste link: https://www.brasildefators.com.br/2022/10/25/da-desinformacao-a-realidade-o-desafio-nas-urnas  

Por um triz para o dia nascer feliz


Caminhada de Lula e Alckmin reuniu milhares em Porto Alegre (RS), na última quarta-feira (19) – Crédito: Alice Marko

A revelação divina que o movimento de extrema direita evangélica propagava no primeiro turno, na qual o “Messias” estaria eleito, não se concretizou. Nas primeiras semanas de campanha do segundo turno, Bolsonaro foi soterrado pela associação a imagens como maçonaria, a explosão das contradições entre o que anuncia em sua campanha e o que de fato concretizou em seu governo, até a conexão com a pedofilia. Trouxe o desafio à bancada conservadora eleita no 1º turno e aos seus seguidores de como defender o candidato mais frequentemente associado àquilo que criticam. Como apoiar a família Bolsonaro quando essa, cada vez mais na prática, difere dos valores morais que acredita?

Tais fatos levaram o bolsonarismo a afirmar, mais do que nunca, a imagem do “Messias”, aquele herói além do bem e do mal ou, como tanto defende a primeira-dama Michelle Bolsonaro, “que ele não é perfeito”, em síntese, a figura do salvador frente ao demônio Partido dos Trabalhadores (PT), ainda que tal salvador seja bastante contraditório. Isso porque se oportuniza do cenário de tensão social para propagar uma cultura do medo. Até entre a esquerda se compartilha o clima de fim dos tempos, na ideia de uma eleição “tudo ou nada”. Para angariar votos, Bolsonaro aposta na criação de fantasias contra Lula, como a do fechamento de igrejas, tomada da propriedade privada e instalação da ditadura comunista, mesmo que em oito anos de governo do ex- presidente Lula nada disso tenha acontecido. Ao invés de se associar a um grande gestor público com inúmeros feitos, até porque seu governo não os possui, ele se coloca como um enviado divino contra o comunismo.

Nas últimas semanas, o foco tem sido retomar a força do antipetismo com o discurso de combate à corrupção, trazendo para perto velhas figuras como do ex-Juiz Lavajatista Sergio Moro. Em sua campanha, com destaque ao rádio, redes sociais e whatsapp, chovem fake news históricas sobre o candidato Lula. Há um jogo de manipulação na interpretação das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que inocentou Lula, ao constituírem uma narrativa de que foram enfrentados apenas os aspectos técnicos processuais, não as questões de mérito, portanto, não cabe se falar em inocência, entre outros arranjos narrativos.

As mentiras e falsidades programáticas de Bolsonaro

Ao longo dos debates, Bolsonaro buscou defender algumas bandeiras de sucesso da sua gestão. No entanto, com um cuidado de olhar para a realidade concreta e para a história, não encontramos essas informações. Uma delas é a criação do PIX (sistema de pagamento instantâneo); cabe recordar que tal modalidade foi criada durante o Governo Temer, desenvolvida por técnicos do Banco Central. Tampouco o anúncio feito por sua campanha de que os bancos perdem milhões com o PIX tem fundamento, uma vez que o próprio sistema foi desenvolvido para apoiar banqueiros que estavam perdendo espaço para aplicativos de pagamento financeiro.

Outro tema é a transposição do rio São Francisco, que é bastante caro ao povo nordestino. As obras de infraestrutura começaram em 2007, sofrendo uma redução de orçamento em 2013, o que implicou na entrega da primeira parte da obra em 2015, durante o Governo Dilma. Em 2017, ocorreu uma segunda entrega durante o Governo Temer, e por fim, uma terceira parte em 2020 pelo Governo Bolsonaro. Assim, seu governo assumiu uma obra com quase 84% de partes construídas.

Sobre a grande máquina eleitoral que se tornou o Auxílio Brasil, também é preciso investigar melhor como se chegou ao valor de R$ 600,00 por mês. Primeiro, que as políticas públicas de complementação de renda são bastante antigas no Brasil, e antes de sua gestão, vinha sendo conhecida mundialmente como Bolsa Família. É preciso recordar que uma das propostas lançadas pelo atual governo no início da pandemia, por meio de medida provisória (MP 927), foi a suspensão dos contratos de trabalho por 4 meses sem remuneração. Ainda que posteriormente revogada, a iniciativa do governo deixaria trabalhadores e trabalhadoras sem qualquer rendimento durante a pandemia. Depois disso, a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, era não haver qualquer subsídio às famílias na pandemia tendo, após pressão da oposição, fornecido o auxílio de R$ 200,00. A oposição seguiu atuante para aumentar tal auxílio para R$ 500,00. Somente em agosto deste ano, o governo anunciou o pagamento dos R$ 600,00, numa clara manobra eleitoral. Essa proposta mantém-se no programa de governo dele, mas sem qualquer informação de onde proverá tais fundos para sustentar a política pública.

Em sua campanha eleitoral, anunciou que foi o primeiro a aplicar a vacina contra covid-19, argumento claramente falacioso. A primeira vacina aplicada no país foi em São Paulo, pela compra direta do governador João Doria (PSDB). A situação ficou tão crítica na falta de planejamento do governo federal sobre a aquisição de vacinas, que os estados venderam vacinas ao governo federal para as primeiras aplicações. Além de todo o esquema de corrupção na compra de vacinas apresentado na CPI do Senado e a completa naturalização das mais de 700 mil mortes.

Um recurso utilizado pela campanha de Bolsonaro é afirmar o crescimento do país. Informação que contrasta com os dados, já que o Brasil apresentou 1,14% de crescimento nos últimos 4 anos, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estando entre os piores países em desenvolvimento. Outrossim, amargamos uma inflação galopante na marca de 19,25% acumulados neste ano, levando-nos à primeira posição juntamente com o Chile, conforme dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). As obras que são associadas a esse crescimento, como a BR-163, o corredor da soja, sequer foram construídas em seu governo; são infraestruturas finalizadas em sua gestão.

Em uma análise das propostas do Governo Bolsonaro quando encontramos pautas para os trabalhadores e trabalhadoras, como a regularização do contrato de trabalho para trabalhadores de aplicativos, ou mesmo o Auxílio Brasil, as iniciativas de conciliar preservação do meio ambiente e desenvolvimento, não estão detalhadas as formas de concretização da política. De outro lado, propostas como garantir maior acesso às armas estão bastante detalhadas, inclusive com proposições como projetos de lei para exclusão de ilicitudes para políticas em casos de assassinatos em ações, ou ainda para projetos como escola sem partido e ensino domiciliar. O que nos faz concluir o que é recurso retórico, promessa vazia, e o que é proposta concreta.

No programa de Bolsonaro, o agronegócio e a mineração estão no centro das propostas, com medidas que pretendem ampliar ainda mais o acesso às terras, inclusive as indígenas; a flexibilização ambiental; precarização da mão de obra, envolvendo casos de trabalho escravo. Em um país com 34 milhões de pessoas passando fome, 15,5% da população brasileira, claramente o agronegócio, que recebeu R$ 348 bilhões em investimentos públicos no Plano Safra em 2022, não alimenta o país. Dos 10 maiores financiadores da campanha de Bolsonaro, 9 são do agronegócio, setor que ele beneficiou com a redução das multas ambientais que, segundo ele, são abusivas.

Quando vasculhamos as propostas de Bolsonaro para encontrar os temas ambientais, encontramos a economia verde com propostas de ampliação do pagamento por serviços ambientais, incentivos ao hidrogênio verde e a expansão de eólicas modelos offshore. Propostas que mascaram o país de verde enquanto os danos socioambientais se propagam com as políticas de promoção do extrativismo, seja na mineração ou no agronegócio.

O programa de Jair Bolsonaro, à luz dos quatro anos de gestão, parece uma carta de intenções à medida que suas propostas se contradizem: como promover uma reforma tributária para simplificar o sistema e assegurar investimentos no Auxílio Brasil? Como irá promover investimentos públicos com a permanência do “teto dos gastos”? Tendo como proposição a continuidade do processo de privatização e o estímulo às parcerias público privadas, como tal Estado irá melhorar a vida dos trabalhadores? Assim, suas propostas são claramente panfletárias para o povo e sólidas para certos setores da economia. Não à toa se apela a elementos subjetivos imagéticos para fornecer pão às massas, já que em concreto suas medidas são extremamente antipopulares.

Que opostos se enfrentam

No próximo dia 30 de outubro, o povo brasileiro irá às urnas tendo que tomar a decisão entre um ex-presidente, que em seus dois mandatos construiu a maior quantidade de programas sociais da história desse país, saldou a dívida pública externa e transformou o Brasil na sexta maior economia do mundo, expandiu as universidades e reformulou a saúde públicas. Tais feitos não levaram o país à abolição da propriedade privada, à adesão ao comunismo e nem ao cerceamento da liberdade religiosa e sexual.

No outro extremo, encontramos a debilidade de uma gestão que não foi capaz de conter 700 mil mortes por covid, cortou recursos que estrangularam a universidade pública, reduziu gastos com saúde em plena pandemia; demitiu, exonerou e submeteu servidores públicos a processos administrativos por fazerem seu trabalho, propagou xenofobia contra o Nordeste, a comunidade LGBTQI+, ambientalistas, jornalistas, moradores de comunidades periféricas. Em sua administração, voltamos ao mapa da fome, aos piores índices de desmatamento, à chacota internacional nos espaços multilaterais, às piores taxas de inflação.

O que está em jogo no voto dos eleitores é a opção por um modelo civilizatório entre um futuro Brasil ainda mais racista, sexista, desigual, fascista, e um Brasil democrático, inclusivo. Mais uma vez na história, a corrupção é usada como véu que oculta realidades, e neste ano, associada a uma desinformação possibilitada, contraditoriamente por um maior acesso a meios de comunicação.

O Brasil se depara em seus 200 anos de “independência”, novamente, com um projeto civilizatório. Estiveram em disputa nessas eleições a construção da identidade do povo brasileiro, da nação. Os candidatos disputaram valores e princípios desse projeto, resta saber com os quais o povo estará identificado. A batalha não é justa, o debate é rebaixado, mas há, todavia, uma esperança numa estrela vermelha de outrora.

*Artigo divulgado originalmente em 24/10/2022 no jornal Brasil de Fato neste link: https://www.brasildefato.com.br/2022/10/24/por-um-triz-para-o-dia-nascer-feliz

A flor vermelha resiste: Brasil ainda há esperança

A esquerda ainda está digerindo os resultados eleitorais do último dia 2 de outubro, em meio à corrida para a vitória no segundo turno. Por mais que as chances de uma vitória do campo democrático no primeiro turno fossem apertadas, ver o Bolsonarismo com força, especialmente no Senado, causou um amargor. A eleição de figuras como o vice de Bolsonaro, general Mourão, e de seus ex ministros – o ex juiz Sérgio Moro, a conservadora Damares Alves, o doutor antivacina Eduardo Pazuello, a defensora do agronegócio Tereza Cristina e o astronauta Marcos Pontes, todos para o Senado, e do antiambiental Ricardo Salles para a Câmara Federal – depois do fracasso da administração pública, de inúmeros escândalos envolvendo sua gestão, mostrou o efeito perverso da desinformação.

Dentre os 51 milhões de eleitores que apertaram 22, encontramos um grande segmento fascista. Reconhecer que muitos brasileiros e brasileiras têm uma identidade com essas ideias é assustador. Ainda cabe destacar que uma parcela expressiva desses eleitores, ao que indica a diferença dos resultados das pesquisas e das urnas, migraram seus votos da direita de Ciro Gomes e Simone Tebet para a extrema direita de Bolsonaro. Isso representa uma perda de espaço da direita tradicional no Congresso nos estados, expressa no fracasso histórico do PSDB nas eleições, notadamente nos resultados eleitorais de São Paulo. 

Nessas eleições, a máquina pública foi fortemente operada para apoiar Bolsonaro e seus aliados. Ao longo da campanha choveram denúncias sobre seu uso indevido, inclusive no aumento do Auxílio Brasil e nos subsídios aos combustíveis, justamente nas vésperas da eleição. De igual modo, o orçamento secreto se tornou uma arma para a reeleição de parlamentares. A retomada de obras públicas, o fornecimento de atendimento de saúde, churrascos, doação de gasolina, inúmeras práticas de assistencialismo e de compra de votos foram o destino das emendas parlamentares secretas que, na prática, reforçaram políticas coronelistas e intimidadoras do eleitorado nas votações.

O campo da justiça ambiental saiu perdendo com a eleição de Ricardo Salles e de Tereza Cristina, e com o PL e sua agenda antidireitos humanos e em defesa do boi, da bala e da bíblia, tornando-se a maior bancada do Congresso Nacional. Muitas das agendas de desregulamentação ambiental que avançaram na Câmara dos Deputados, sob a direção de Arthur Lira, vinham sendo paralisadas no Senado. Resta saber o quanto Salles e Cristina saberão operar na articulação de ambas as casas sem os poderes da caneta de ministros, sobretudo diante dos resultados presidenciais do segundo turno.

O certo é que há uma estratégia eleitoral de ganho de força no Senado pelo Bolsonarismo. A casa é estratégica para os embates futuros com o Supremo Tribunal Federal (STF), seja para manter uma improvável continuidade do autoritarismo de Bolsonaro, ou mesmo em sua esperada derrota, para pressionar a Corte diante dos escândalos de corrupção que estão por vir. Figuras como a do general Mourão, atual vice-presidente, eleito Senador pelo Rio Grande do Sul ao derrotar Olívio Dutra (PT/RS), serão atores decisivos nessa estratégia.  

O desafio da frente de resistência ambiental parece que será deslocado para a Câmara Federal, com a eleição de figuras históricas na agenda, como Marina Silva, que protagonizou, enquanto ministra de Lula, uma forte campanha contra o desmatamento da Amazônia e, sobretudo, com a ampliação da “bancada do cocar” com a eleição de Sonia Guajajara e Célia Xakriabá, já que no último mandato Joênia Wapichana era a única liderança indígena na casa. Elas, juntamente com outros parlamentares eleitos do campo progressista, apresentaram em suas campanhas uma agenda ambiental de frear possíveis retrocessos que venham pelo Senado. 

Embora o cenário seja complexo e com desalentos, ainda houveram vitórias históricas que devem ser celebradas na composição das casas. O PT ampliou suas cadeiras para 68 eleitos e eleitas, tornando-se a segunda maior bancada; o PSOL assumirá 14 cadeiras (maior bancada de sua história), compondo 138 cadeiras do campo da esquerda. Além das lideranças indígenas que se destacam, será a primeira vez que a comunidade trans terá representantes na Casa, com a eleição de Erika Hilton (SP) e Duda Salabert (MG). 

Também é preciso comemorar a vitória do poder popular com a votação histórica de Guilherme Boulos: com 1 milhão de votos em São Paulo, assume o posto de deputado mais votado em um dos maiores colégios eleitorais do país, estado no qual o bolsonarismo teve vitória. Essa votação foi fundamental para derrotar outras figuras da extrema direita que não se elegeram, como Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Segundo turno acirrado

 Doze estados brasileiros ainda viverão os desafios do segundo turno para  governador, ao menos em 4 deles ainda há boas chances para governos progressistas. Dos 15 já eleitos, 6 governadores declaram apoio a Lula e 8 a Bolsonaro. Algumas surpresas também marcaram a eleição de governadores, como a votação abaixo do esperado de Marcelo Freixo (PSB/RJ) e Fernando Haddad (PT/SP), a quase ida ao segundo turno de Edegar Preto (PT/RS) e a chegada de Décio Lima (PT/SC) ao segundo turno. 

Em uma análise mais detalhada dos votos, tendo em vista as posições nos municípios, é possível perceber uma maior capilaridade da esquerda em relação às eleições de 2018, o que justificaria os 6 milhões de votos de diferença entre Lula e Bolsonaro, ainda que o montante de alguns estados tenha prevalecido o candidato do PL (RS, SP, RJ, ES, DF, GO, MS, PR, SC, MT, AC, RO e RR). Se compararmos esse mapa ao da fome, encontramos uma grande similaridade, evidenciando como as questões de classe, ou melhor, de identidade de classe, estão escancaradas nessas eleições.

As alianças firmadas ao longo da semana passada apontam o apoio de todos os demais candidatos à presidência à Lula, inclusive de vários setores tradicionais da economia neoliberal. Está concluída uma ampla aliança em defesa da democracia contra o fascismo, resta saber se ela sairá vitoriosa no próximo dia 30 de outubro. 

Imediatamente no dia seguinte às eleições, uma batalha cultural-ideológica está sendo travada nas redes sociais, a velocidade da propagação de fake news é recorde, incitando ao racismo e à violência política, ao medo e à discórdia nas comunidades, sobretudo no meio rural. Com seus parlamentares e governadores eleitos, a máquina bolsonarista entra em campo com toda a força, alimentando o antipetismo e o velho “voto de cabresto”. De outro lado, a esquerda engrossa a organização nos comitês populares e marcha pelas ruas das cidades, disputando diálogo com as massas, exigindo também o passe livre, para que a mobilidade e a segurança sejam garantidas como  direitos de cada eleitor e de cada eleitora, e trabalhando para que o 30 de outubro seja de paz e de celebração da democracia. 

Nossa luta é contra o ódio e a intolerância, nossa caminhada é para poder voltar a sonhar. Que nossa força social, nossa organização, a legitimidade de nossas bandeiras, possam construir um Brasil que volte a sorrir. Se com todas as nossas inúmeras e infinitas diferenças podemos construir um frente tática ampla pela democracia, nunca antes vista na história eleitoral desse país, temos condições estruturais para ampliar essa diferença de 6 milhões e iniciar o processo de derrota do bolsonarismo e seu legado nefasto no Brasil. Uma flor vermelha nasce das sombras com raízes fortes e profundas, enunciando que ainda há esperança.

The red flower resists: There is still hope for Brazil

The left wing is still processing the electoral outcome of last October 2 in the middle of the race for victory in the second round. Although the chances of a victory of the democratic field in the first round were slim, watching Bolsonarism come strong, especially in the Senate, has left a bitter taste in our mouths. The election of figures like the vice-president general Mourão, and his former ministers – former judge Sérgio Moro, conservative Damares Alves, anti-vaccine doctor Eduardo Pazuello, agribusiness defender Tereza Cristina and astronaut Marcos Pontes, all for the Senate, as well as anti-environmentalist Ricardo Salles for the Chamber of Deputies – after the failure of the public administration and countless scandals involving his term – showed the evil effects of misinformation.

Among the 51 million voters who pressed 22, we can find an expressive fascist segment. Acknowledging that many Brazilians somehow relate to those ideas is scary. It is worth highlighting that an expressive number of those voters, according to what the difference between the election outcomes and the polls indicates, have migrated their votes from the right wing of Ciro Gomes and Simone Tebet to the extreme right of Bolsonaro. That represents a loss of space of the traditional right wing in the congress and in the states, expressed in the historic failure of PSDB in these elections, markedly in the electoral outcomes of São Paulo.

In these elections, the public machine was intensely operated to favour Bolsonaro and his allies. Along the campaign, there were several denounces of undue use, even increasing the programme AuxílioBrasil (Brazil Aid) and subsidies to fuels right before the elections. Likewise, the secret budget has become a weapon for re-election of MPs. Reactivation of public works, strengthening of health attention, barbecues, donation of petrol, countless secret practices which in practice reinforce coronelistic and intimidating policies during voting.

The field of environmental justice has also lost with the election of Ricardo Salles and Tereza Cristina, and with PL and their anti-human rights agenda in defence of bulls, bullets and the bible becoming the most numerous bench in the National Congress.  Many agendas of environmental dysregulation which advance in the Chamber of Deputies, under the direction of Arthur Lira, were being stopped at the Senate. It remains to be known how much Salles and Cristina will be able to articulate both houses without the power of the ministers, especially after the electoral outcome of the second round.

It is certain that there is an electoral strategy of Bolsonarismto gain strength in the Senate. That house is strategic for future clashes against the Federal Supreme Court (STF), whether for keeping an unlikely continuity of Bolsonaro’s authoritarianism or even in his expected loss, to press the Court about the corruption scandals which are bound to come. Figures like general Mourão, present vice-president, elected Senator by the state of Rio Grande do Sul defeating Olívio Dutra (PT/RS) will be decisive actors in that strategy.

The challenge of the environmental resistance front seems to be directed to the Federal Chamber, with the election of some historical figures in that agenda like Marina Silva, who as a minister in the Lula administration led a strong campaign against the deforestation of the Amazon, and above all, with the growth of the “war bonnet” bench after the election of Sonia Guajajara and CéliaXakriabá, as in the last term the only indigenous leader in the house was JoêniaWapichana. Along with other MPs in the progressive field, they presented an environmental agenda in their campaigns aiming to stop possible throwbacks which might come from the Senate.

Although the scenario is complex and full of sorrows, there were some historic victories in the composition of the houses which must be celebrated. PT has increased to 68 members, becoming the second largest bench; PSOL will take 14 chairs (greatest number in their history), composing 138 chairs for the left wing. Besides the indigenous leaders who call the attention, it will be the first time that the trans community will have representatives in the house, with the election of Erika Hilton (SP) and DudaSalabert (MG).

We can also celebrate the victory of popular power with the historical voting of Guilherme Boulos: 1 million votes in São Paulo, taking the post of the most voted deputy in one of the biggest electoral areas in the country, state in which Bolsonarism was victorious. That voting was fundamental to defeat other extreme right wing figures who did not get elected like JanaínaPaschoal, one of the authors of former president Dilma Rousseff’s impeachment request.

Tough second round

Twelve Brazilian states will still face the challenges of second round for governor. In at least 4 of them there are some good chances for progressist governments. Out of the 15 already elected, 6 governors have declared support for Lula, and 8 for Bolsonaro. Some surprises have also appeared in the election of governors like the voting of Marcelo Freixo (PSB/RJ) and Fernando Haddad (PT/SP), which was below the expectations, Edegar Preto (PT/RS) almost making it to the second round, and Décio Lima (PT/SC) making it.

In a more detailed analysis of the votes, considering the positions in the towns, it is possible to notice the left wing’s higher capacity of penetration in relation to the 2018 elections. That might justify the 6 million votes Lula had over Bolsonaro, although the final result in some states has given victory to the PL candidate (RS, SP, RJ, ES, DF, GO, MS, PR, SC, MT, AC, RO and RR). If we compare this to the map of hunger, we will find a great similarity, which makes it evident that class issues or class identity issues are laid bare in these elections.

The alliances formed along last week point to the support of all other presidential candidates to Lula, including some sectors which are traditional in the neoliberal economy. A wide alliance in defence of democracy and against fascism has been built. It remains to be known if it will succeed next October 30.

The day after the elections, a cultural-ideological battle started being fought on social networks. The speed at which fake news are spread is record high, inciting racism, political violence, fear and discord in the communities, especially in rural areas. Having elected their MPs, the Bolsonarist machine enters the pitch at full strength, feeding anti-PT feelings and the old system of votes controlled by the rich farmers. On the other hand, the left wing gets organised in popular committees and marches in the city streets, talking to the masses, demanding free fare in public transport so that mobility and security be guaranteed as rights of each voter, and working so that October 30 may be a day of peace and celebration of democracy.

Our struggle is against hate and intolerance. Our march is to be able to dream again. May our social strength and the legitimacy of our flags build a wide tactic front for democracy never seen in the electoral history of this country. We have structural conditions to increase that difference of 6 million votes and start defeating Bolsonarism and its nefarious legacy in Brazil. A red flower blossoms in the shadows with strong and deep roots, announcing that there is still hope.

* Article published in the newspaper Brasil de Fato originally in https://www.brasildefato.com.br/2022/10/11/a-flor-vermelha-resiste-brasil-ainda-ha-esperanca

La flor roja resiste: Todavía hay esperanza para Brasil

La izquierda aún está digiriendolos resultados electorales del último 2 de octubre, en medio de la carrera para la victoria en la segundavuelta. Por más que las chances de una victoria del campo democrático en la primeravuelta fuesen apretadas, ver el Bolsonarismo con fuerza, especialmente en el Senado, ha causado amargor. La elección de figuras como el vice de Bolsonaro, general Mourão, y de sus ex ministros – el ex juez Sérgio Moro, la conservadora Damares Alves, el doctor antivacunas Eduardo Pazuello, la defensora del agronegocio Tereza Cristina yel astronauta Marcos Pontes, todos para el Senado, y del antiambientalista Ricardo Salles para la Cámara Federal – después del fracaso de la administración pública, de inúmeros escándalos involucrando su gestión, mostróel efecto perverso de la desinformación.

Entre los 51 millones de electores que apretaron 22, encontramos un gran segmento fascista. Reconocer que muchos brasileñosy brasileñas tienen una identidad con esas ideas es aterrador. Aúntoca destacar que una parcela expresiva deesos electores, por lo que indica la diferencia entre los resultados de las encuestas y de las urnas, migraron sus votos de la derecha de Ciro Gomes y Simone Tebet para la extrema derecha de Bolsonaro. Eso representa una pérdida de espacio de la derecha tradicional en el Congreso y en los estados, expresa en el fracaso histórico de PSDB en las elecciones, especialmente en los resultados electorales de São Paulo.

En estas elecciones, la máquina pública fue fuertemente operada para apoyar a Bolsonaro y sus aliados. Durante la campaña llovieron denuncias sobre su uso indebido, inclusoen el aumento del Auxilio Brasil yen los subsidios a los combustibles, justamente enla víspera de las elecciones. De igual manera, elpresupuesto secreto se ha vuelto unarma para la reelección de parlamentarios. La retomada de obras públicas, el fornecimiento de atención de salud, parrilladas, donación de gasolina, inúmeras prácticas de asistencialismo y de compra de votos han sidoel destino de las enmiendas parlamentarias secretas que, en la práctica, han reforzado políticas coronelistas e intimidadoras del electorado en las votaciones.

El campo de la justicia ambiental salió perdiendo con la elección de Ricardo Salles y de Tereza Cristina, y conel PL y su agenda antiderechos humanos y en defesa del buey, de la bala y de la biblia, volviéndose la mayor bancada del Congreso Nacional. Muchas de las agendas de desreglamentación ambiental que han avanzadoen la Cámara de los Diputados, bajola dirección de Arthur Lira, estaban siendo paralizadas en el Senado. Resta saber lo cuanto Salles y Cristina sabrán operar en la articulación de ambas las casas sinlos poderes delbolígrafo de ministros, sobretodo delante de los resultados presidenciales de la segunda vuelta.

Lo cierto es que hay una estrategia electoral del Bolsonarismo para ganar fuerza en el Senado. La casa es estratégica para los embates futuros contrael Supremo Tribunal Federal (STF), ya para mantener una improbable continuidad del autoritarismo de Bolsonaro, ya en su esperada derrota, para presionar la Corte delante de los escándalos de corrupción que están por venir. Figuras como la del general Mourão, actual vicepresidente, elegido Senador por Rio Grande do Sul derrotando Olívio Dutra (PT/RS), serán actores decisivos en esa estrategia.

El desafío del frente de resistencia ambiental parece que será desplazado para la Cámara Federal, conla elección de figuras históricas en esa agenda, como Marina Silva, que protagonizó, cuando fue ministra de Lula, una fuerte campaña contra la deforestación da la Amazonia y, sobretodo, conla ampliación de la “bancada deltocado” conla elección de Sonia Guajajara y Célia Xakriabá, ya que en el último mandato Joênia Wapichana era el único liderazgo indígena en la casa. Ellas, juntamente con otros parlamentarios elegidos del campo progresista, presentaron en sus campañas una agenda ambiental para frenar posibles retrocesos que vengandesde el Senado.

Aunque el escenario sea complejo y con desalientos, aúnhubo victorias históricas que deben ser celebradas en la composición de las casas. PT amplió sus asientos para 68 elegidosy elegidas, volviéndosela segunda bancada más numerosa; PSOL asumirá 14 asientos (más grande bancada de su historia), componiendo 138 del campo de laizquierda. Además de los liderazgos indígenas que se destacan, será la primera vez que la comunidad trans tendrá representantes en la Casa, conla elección de Erika Hilton (SP) y Duda Salabert (MG).

También es necesario conmemorar la victoria del poder popular conla votación histórica de Guilherme Boulos: con 1 millón de votos en São Paulo, asume el puesto de diputado más votado en uno de los mayores colegios electorales del país, estado en elcual el bolsonarismo tuvo victoria. Esa votación fue fundamental para derrotar otras figuras de la extrema derecha que no se eligieron, como Janaína Paschoal, una de las autoras del pedido de impeachment de la expresidenta Dilma Rousseff.

 

Segunda vuelta pareja

Doce estados brasileños aún viviránlos desafíos de la segundavuelta para gobernador, y por lo menos en 4 deellostodavía hay buenas chances para gobiernos progresistas. De los 15 ya elegidos, 6 gobernadores declaran apoyo a Lula y 8 a Bolsonaro. Algunas sorpresas también marcaronla elección de gobernadores, como la votación abajo del esperado de Marcelo Freixo (PSB/RJ) y Fernando Haddad (PT/SP), lacase ida a la segundavuelta de Edegar Preto (PT/RS) yla llegada de Décio Lima (PT/SC) a la segundavuelta.

En un análisis más detallado de los votos, teniendo en vista las posicionesen los municipios, es posible percibir una mayor capilaridad de la izquierda en relacióna las elecciones del 2018, lo que justificaría los 6 millones de votos de diferencia entre Lula y Bolsonaro, aunque en el montante de algunos estados haya prevalecido el candidato dePL (RS, SP, RJ, ES, DF, GO, MS, PR, SC, MT, AC, RO y RR). Si comparamos ese mapa almapa delhambre, encontramos una gran similitud, evidenciando como las cuestiones de clase, o mejor, de identidad de clase, están expuestasen estas elecciones.

Las alianzas firmadas a lo largo de la semana pasada apuntanel apoyo de todos los demás candidatos a presidencia a Lula, incluso de varios sectores tradicionales de la economía neoliberal. Está concluida una amplia alianza en defensa de la democracia contra el fascismo, resta saber si saldrá victoriosa el próximo día 30 de octubre.

Inmediatamente en el día siguiente a las elecciones, una batalla cultural-ideológica estaba siendo trabada en las redes sociales.La velocidad da propagación de fake news es récord, incitando al racismo ya la violencia política, al miedo y a la discordia en las comunidades, sobretodo en el medio rural. Con sus parlamentarios y gobernadores elegidos, la máquina bolsonarista entra enla cancha con toda su fuerza, alimentando el antipetismo yel viejo “voto cantado”. Por otro lado, laizquierda refuerzala organizaciónen los comités populares y marcha por lascalles de las ciudades, manteniendo diálogo conlas masas, exigiendo tambiéntransporte púbico sin tarifa, para que la movilidad yla seguridad sean garantizadas como derechos de cada elector y de cada electora, y trabajando para que el 30 de octubre sea de paz y de celebración de la democracia.

Nuestra lucha es contra elodio yla intolerancia.Nuestra caminada es para poder volver a soñar. Que nuestra fuerza social, nuestra organización, la legitimidad de nuestras banderas puedan construir un Brasil que vuelva a sonreír. Si con todas nuestras inúmeras e infinitas diferencias podemos construir un frente táctico amplio por la democracia, nunca antes vista en la historia electoral de este país, tenemos condiciones estructurales para ampliar esa diferencia de 6 millones e iniciar el proceso de derrota del bolsonarismo y su legado nefasto en Brasil. Una flor roja nace de las sombras con raíces fuertes y profundas, enunciando que todavía hay esperanza.

* Artículo publicado en el periódico Brasil de Fato originalmente en https://www.brasildefato.com.br/2022/10/11/a-flor-vermelha-resiste-brasil-ainda-ha-esperanca

De punho esquerdo alto, rumo ao dia 2 de outubro

 


O dia 2 de outubro apenas irá inaugurar um árduo trabalho do povo brasileiro para reconstruir sua soberania – Carol Ferraz/ ATBr

 

O filósofo e crítico literário Walter Benjamin, ao se referir à revolução, não a definiu como a “locomotiva da história”, mas como um “freio de emergência”. É precisamente esse o sentimento de milhares de brasileiros e brasileiras, que se sentem dentro de um trem em alta velocidade para o colapso, com o Governo Bolsonaro.

Diante disso, precisamos ir com consciência para votar, com punhos cerrados, no próximo dia 2 de outubro, tal qual nossos braços estavam abertos à vacina, por um compromisso coletivo com a derrota do fascismo e com a clareza de não haver tempo para hesitação. Aqueles que resistem por devaneios individuais estão condenando, a si e ao povo brasileiro, a riscos de ameaças democráticas maiores.

Queremos substituir a integralidade do projeto de ódio e intolerância do governo por uma administração pública de transformações profundas, que seja capaz de superar a dependência histórica estrutural que conforma nosso lugar geopolítico, para que não haja espaço para ingerências internacionais sobre nosso destino como nação. Na verdade, o dia 2 de outubro apenas irá inaugurar um árduo trabalho do povo brasileiro para reconstruir sua soberania.

Juntamente com o nosso voto presidencial, precisamos garantir que haja condições de governabilidade e que nossa radicalidade também se faça presente no “puxar o freio”, sobretudo que as questões ambientais tomem centralidade na agenda pública. Para isso, precisamos estar atentos em nossos votos aos representantes parlamentares.

Muitas candidaturas estão assumindo o compromisso político com a construção da justiça ambiental. Inclusive, essas eleições estão com um número expressivo de candidatos e candidatas provenientes de coletividades marginalizadas. Temos por volta de 17 candidaturas quilombolas, 178 indígenas e 260 candidaturas LGBTQI+. Importantes movimentos populares, como MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), também lançaram candidaturas individuais e coletivas pelo país.

Uma vez mais, anunciar e construir nossas bandeiras

Nos últimos anos, tem-se utilizado o termo justiça ambiental para caracterizar a existência de uma desigualdade na distribuição dos danos e riscos ambientais, diretamente conectada a uma distribuição desigual da renda, moradia, etc. Ela é incorporada por várias organizações ao redor do mundo, dentre elas a Amigos da Terra Internacional, como uma bandeira de construção de uma sociedade mais justa, igualitária e harmonizada com a produção da totalidade da vida.

Vivemos uma interação de várias crises sistêmicas: climática, alimentar, de biodiversidade, hídrica, energética. Em muitas partes do mundo, estamos chegando a um ponto de não retorno, que ameaça a continuidade dos modos de produção e reprodução da vida. Tais crises são atravessadas pelas desigualdades estruturantes da sociedade, como classe, raça e gênero, e em nossa região, na América Latina, estão interligadas à presença da colonialidade do poder.

A luta por justiça ambiental envolve os debates das mudanças climáticas, sobretudo em uma vertente crítica à economia verde, mas não apenas. Pensar em justiça ambiental está conectado a construir direitos para os povos, soberania popular e, dentro dela, a soberania alimentar, hídrica, energética; construir uma economia popular para a vida, recriar laços sociais de proteção e cuidado popular e comunitário nos territórios, avançar numa transição energética justa e feminista. Não existe ambiente sem ser humano.

Desse modo, entre as bandeiras que dialogam com o tema está a retomada da Reforma Agrária, a construção da Reforma Urbana, a retirada das políticas de austeridade que cortaram gastos públicos com saúde, educação, programas sociais; a proteção dos direitos territoriais de povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, os quais têm assegurado a proteção de várias áreas verdes. Não podemos seguir privatizando nossas Unidades de Conservação, cedendo à iniciativa privada o controle de bens naturais comuns.

Ano que vem, sob um novo governo e um novo Congresso Nacional, teremos que enfrentar os estragos do Governo Bolsonaro e, portanto, revisar os investimentos na proteção e conservação ambiental, as liberações de agrotóxicos, as concessões minerárias; a ofensiva no Pampa, na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal e o histórico desmatamento da Mata Atlântica. Novamente, a política de desenvolvimento de grandes projetos como hidrelétricas, termelétricas, expansão minerária, portos e ferrovias para o agronegócio, terão que ser repensados à luz dos danos socioambientais que provocam.

Entendemos que a justiça ambiental se constrói nos direitos dos povos e na soberania popular por meio da organização social e política da sociedade, tão vasta em suas formas e expressões. Esse projeto não começa nessas eleições, nem tampouco terminará, mas se não pudermos construir uma melhor correlação de forças agora estaremos nos distanciando desse horizonte não apenas por 4 anos, mas talvez muitos séculos diante do imaginário que o bolsonarismo tenta nos impor.

Assim, construiremos nosso voto no próximo domingo com punhos altos para triunfar ainda na primeira volta, e faremos disso a continuidade de várias caminhadas da esquerda que nos trouxeram até aqui, para seguir construindo as possibilidades do futuro que queremos.

Afirmamos que a justiça ambiental está no centro da agenda ecológica para o Brasil. Somos um país com um acúmulo de lutas, resistências, saberes e fazeres populares que nos permitem parar a locomotiva do capital e trilhar um caminho outro que não o do perverso desenvolvimentismo, recolocando a produção da vida como o bem mais importante que devemos cultivar.

Vote com consciência. Vote para mudar o rumo para onde vamos. Vote em quem se compromete com justiça ambiental. Vote e siga se organizando e construindo o real poder transformador, o popular!

* Coluna publicada originalmente em 26 de Setembro em https://www.brasildefato.com.br/2022/09/26/de-punho-esquerdo-alto-rumo-ao-dia-2-de-outubro

A violência política como uma estratégia eleitoral



Descaso do governo federal e violência estimulada pelos discursos de seus integrantes são denúncias constantes em protestos pelo país. – Carol Ferraz/ ATBr

O avanço de governos fascistas, atrelados à nova ofensiva neoliberal na América Latina, tem se alicerçado na produção e aprofundamento da violência política. Este rincão geopolítico tem visto o uso da mesma como uma estratégia de controle da consciência das massas. Desde o golpe de 2016 no Brasil, a escalada de ódio tem servido para que governos autoritários possam implementar políticas antidemocráticas, fundadas em narrativas de ataque às instituições políticas do país. Enquanto o povo se perde no ópio do suposto combate à corrupção, o neoliberalismo avança brutalmente sobre seus direitos.

Vivenciamos o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma nos afundando num mar de violência política. Como não recordar a brutalidade dos discursos no Congresso Nacional no momento da votação da cassação, dos quais entre eles estava o do atual presidente, saudando torturadores da Ditadura da própria presidenta? Ou ainda, o triste assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes, no dia 14 de março de 2018. A violência política como arma de candidatos foi amplamente usada nas eleições de 2018, recordemos toda a misoginia sofrida pela candidata à vice-presidência Manuela D’Ávila, e está presente também nessas eleições. O assassinato do mestre de capoeira Moa do Katende, também naquele ano na Bahia, e todas essas ações são movidas por um discurso elitista, misógino, racista e colonial contra lideranças políticas progressistas, defensoras/es de direitos humanos e dos povos. Realizam-se, por meio verbal ou simbólico, no ataque nas redes sociais, na difamação da imagem, na distorção dos fatos e até em ameaças e atentados contra a vida.

O poder da violência política como arma de (des)educação das massas é cruel. Estrutura-se como um discurso de ódio, ligado ao negacionismo (da história, da ciência, dos fatos, dos saberes…), que fortalece grupos extremistas e antidemocráticos, ignorando completamente pactos civilizatórios, como direitos civis e políticos. O uso dessa violência como tática política na região é bastante emblemático; reverbera ainda em nossa memória o golpe de 2019 na Bolívia, quando grupos extremistas não aceitaram o resultado eleitoral e, por meio da força bruta, tomaram o Estado. A imagem da intolerância se faz presente na imagem da prefeita de Vinto, Patrícia Arce Guzman, sendo arrastada por manifestantes, jogada na rua, cabelo cortado, pintada de rosa, obrigada a andar descalça por quarteirões.

Difícil é quando esses fatos se tornam tão cotidianos que já naturalizamos essa violência. Apenas nas últimas semanas tivemos o ataque sofrido pelo irmão do presidente do Chile, Gabriel Boric, num tenso contexto de votação pela aprovação da nova constituição. De igual forma, a arma apontada para a ex-presidenta Cristina Kirchner. No cotidiano da política no Brasil, em todos os discursos presidenciais de Jair Bolsonaro, destacadamente o do último 7 de Setembro, no qual palavras de ódio são proferidas a outros candidatos, às instituições democráticas e aos movimentos populares. Em julho deste ano, o dirigente petista Marcelo Aloizio Arruda foi morto a tiros em sua festa de aniversário pelo policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu o evento em Foz do Iguaçu, no Paraná, aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”. Tal fenômeno, com outros tanto exemplo trágicos, tem rebaixado o debate eleitoral, construindo uma apatia das massas aos temas centrais da política como o combate à fome e ao desemprego e a construção de programas de governo e de políticas sociais, trazendo para a arena pública valores conservadores como intolerância religiosa e sexual, difusão da dominação branca e masculina, cultura das armas e militarismo.

Dados da escalada da violência

Um estudo da organização Terra de Direitos, realizado entre 2016-2020, registra 327 casos de violência política, em sua maioria assassinatos e atentados, sendo RJ, MG, CE, MA e PA os estados com maior recorrência. Aponta a pesquisa que esses casos estão concentrados no interior do país, estando mais direcionados a vereadores. Isso porque nessas localidades se estabelecem relações de cumplicidade entre a violência, o controle das instituições políticas locais e a mídia, numa complexa rede organizada para assegurar os interesses das elites locais, como destaca o Guia Violência Política elaborado pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.

Diante desse cenário, dois importantes marcos normativos foram aprovados em 2021: a Lei nº. 14.197/2021, que promoveu mudanças no Código Penal determinando como crimes o ataque às instituições democráticas e à operacionalidade do processo eleitoral, com penas que podem variar de 3 a 12 anos de detenção. Outro marco foi a Lei 14.192, também de 2021, que prevê normas para o combate à violência política contra a mulher, promovendo mudanças no Código Eleitoral e nas leis dos partidos políticos e das eleições. Sabemos que sobre os corpos das mulheres pesam as marcas do patriarcado, assim esse tipo de violência se articula com a violência sexual e de gênero, impondo às mulheres que estão na liderança política e na defesa dos territórios, comunidades, bens comuns e da natureza outras formas de expressão da prática, como a incitação ao “estupro corretivo”, à violência doméstica, à agressão aos filhos.

Ainda que a legislação reconheça tais problemas, sua aplicação se encontra bastante débil; são poucos os casos de investigação e responsabilização por esses crimes. Basta observar que, ao longo de todo este ano, diversos manifestantes, parlamentares e o próprio presidente da República proferiram alegações infundadas sobre o sistema eleitoral, com ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), que já implicariam na inelegibilidade deles. No entanto, seguem impunes. A certeza da impunidade é tamanha que, no dia 7 de setembro, no Rio de Janeiro, a primeira-dama se sentiu confortável para dizer publicamente: “Bolsonaro foi claro no seu recado ao STF”.

Agentes do alto escalão público no Brasil usam suas redes sociais, as estruturas de comunicação do Estado e listas de WhatsApp para difundir desinformação e ódio. Os fatos distorcidos, uma vez disseminados, produzem seus estragos e convencem um grande contingente de seguidores. A coisa funciona quase como uma seita interligada pela manifestação de ódio a figuras políticas comuns, instituições e procedimentos democráticos. Tal sacralização da política é tão simbólica que se estabelece uma conexão entre violência e símbolos religiosos, tal como setores neopentecostais defenderem a associação de candidatos a demônios. A fragilidade de senso crítico das massas faz com que esses processos sejam enraizados, tornando ainda mais desafiador ampliar as consciências na reconstrução da democracia.

A construção política que queremos

Várias organizações de direitos humanos têm construído mecanismos para combater a violência política. Em dezembro de 2021, liderados pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), compõe-se o Memorando de Entendimento pela democracia, produzido pela Procuradora Federal dos Direitos Cidadãos (PFDC), Defensoria Pública da União (DPU) e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, visando estabelecer a cooperação entre as entidades para promover a defesa da democracia no Brasil por meio do fortalecimento de normas, instituições e procedimentos. De igual modo, o TSE tem lançado campanhas informativas sobre o processo eleitoral, a segurança do voto auditável e a criação de canais de denúncia de violência política.

Esse solo de violência é pouco fértil para brotar um projeto político capaz de dar conta das necessidades da vida concreta dos brasileiros e das brasileiras. A bandeira da violência é sempre levantada pelo capitalismo para superar as suas crises, sejam as guerras no Oriente Médio ou as ditaduras, o fascismo e os golpes de Estado em nossa região. Contra esse projeto, levantamos a bandeira da esperança, na construção coletiva rumo a uma sociedade mais justa e igualitária, em que nosso povo, com pão, terra, teto, trabalho e justiça ambiental, carregue em seu coração a paz e um livro na mão.

* Coluna publicada originalmente em 13 de Setembro em https://www.brasildefato.com.br/2022/09/13/a-violencia-politica-como-uma-estrategia-eleitoral

Political violence as an electoral strategy

 

Carelessness of the federal government and violence stimulated by its members’ speeches are constantly denounced in protests all over the country. Credit: Carol Ferraz/ ATBr

The advance of fascist governments, connected with the new neoliberal offensive in Latin America, has its roots in the growing political violence. This geopolitical corner has witnessed its use as a strategy to control the consciences of the masses. Since the 2016 coup in Brazil, the escalating hatred has been useful for authoritarian governments to implement antidemocratic policies founded on narratives of attack to the country’s political institutions. While the people get lost in the opium of the supposed fight against corruption, neoliberalism advances brutally over their rights.

We have seen the impeachment of former president Dilma drowning us into a sea of political violence. It is impossible not to remember the brutality of the speeches in the National Congress as of the voting of the forfeiture, among which that of the present president saluting the men who tortured Dilma during the dictatorship. Or even the sad murder of councillor Marielle Franco and of Anderson Gomes on 14 March 2018. Political violence as a weapon of candidates was widely used in the 2018 elections – it suffices to remember all the misogyny suffered by candidate to vice-presidency Manuela D’Ávila – and is present in this year’s elections as well. The murder of capoeira master Moa do Katende in that same year in Bahia, like others, was motivated by an elitist, misogynous, racist and colonial discourse against progressive political leaders, defenders of human rights and the rights of the peoples. Those violent actions take place through verbal and symbolic means, attacks on social networks, defamation of image, distortion of facts and even threats and attacks to people’s lives.

The power of political violence as a weapon of (mis)education of masses is cruel. It is structured as hate speech connected with negationism (of history, science, facts, knowledge, etc), which strengthens extremist and antidemocratic groups, while completely ignoring civilising pacts like civil and political rights. The use of that violence as a political tactic in the region is quite emblematic. The 2019 coup in Bolivia still echoes in our memories: extremist groups did not accept the outcome of the elections and, through brute force, took over the State. An iconic image of intolerance is when the mayor of Vinto, Patrícia Arce Guzman, was dragged along the streets by a mob, her hair cut, painted pink, forced to walk barefoot for many blocks.

It is hard when those facts become so common that we naturalise their violence. In the last weeks only, there was the attack suffered by the brother of the president of Chile, Gabriel Boric, in a tense context of voting for the approval of the new constitution. Also, the gun pointed at Argentina’s former president Cristina Kirchner. It happens on a daily basis in Brazilian politics, in all presidential speeches of Jair Bolsonaro, especially the one last 7 September, in which hate speech was delivered towards other candidates, the democratic institutions and popular movements. In July this year, Marcelo Aloizio Arruda, one of the leaders of PT, was killed by gunshot in his birthday party by federal policeman Jorge José da Rocha Guaranho, who invaded the event in Foz do Iguaçu, state of Paraná, shouting “Here we’re Bolsonaro!”. Such a phenomenon, along with so many other tragic examples, have lowered the level of the electoral debate, bringing about the apathy of the masses towards central issues in politics such as the fight against hunger and unemployment, and the elaboration of governmental programmes and social policies. That brings forward to the public arena conservative values like religious and sexual intolerance, spreading of white male dominance, gun culture and militarism.

 

Data on the rise of violence

A study of the organisation Land of Rights, carried out between 2016-2020, registered 327 cases of political violence, most of which murders and attacks, with the states of RJ, MG, CE, MA and PA being the leaders in occurrences. Researches point out that those cases are concentrated in the countryside, and more directed towards councillors. That happens because in those places, relationships of complicity are developed between violence, the control of the local political institutions and the media, in a complex network organised to guarantee the interests of the local elites, as informed in the Political Violence Guide, elaborated by the Brazilian Committee of Human Rights Defenders.

In that scenario, two important normative marks were approved in 2021: law nº 14.197/2021, which promoted changes in the Criminal Code, considering as crimes the attack to democratic institutions and the operationality of the electoral process, with penalties which may vary from 3 to 12 years in prison. The other mark was Law 14.192, also from 2021, which establishes norms for combating political violence against women, promoting changes in the Electoral Code and the laws of political parties and elections. We know that over women’s bodies weighs the burden of patriarchy, so that type of violence is articulated with sex and gender violence, imposing other forms of expression and practice on the women who are leaders in politics and in the defence of the land, communities, common goods and nature, such as inciting “collective rape”, domestic violence and spanking the children.

Although the legislation recognises those problems, its applicability is very weak. There are few cases of investigation and accountability for those crimes. One should only observe that throughout this year, many protesters, MPs and the very president of the Republic have stated unfounded claims about the electoral system, with attacks to the Superior Electoral Court (TSE) and the Supreme Federal Court (STF), which would imply their ineligibility. However, they remain unpunished. Certainty of impunity is so high that on 7 September in Rio de Janeiro, the first lady felt comfortable enough to say out loud: “Bolsonaro was clear in his message to the STF”.

Agents from the high spheres of power in Brazil use their social networks, the State’s communication structures and WhatsApp lists to spread misinformation and hate. The distorted facts, once spread, cause damage and convince a great number of followers. It works like a cult interconnected by hate speech towards common political figures, institutions and democratic procedures. Such sacralisation of politics is so symbolic that it establishes a connection between violence and religious symbols. One example of that is neo-Pentecostal sectors associating candidates to demons. The fragility of the critical sense of the masses gives roots to those processes, making it even more challenging to raise awareness about the reconstruction of democracy.

The political construction we want

Several organisations of human rights have been building mechanisms to fight political violence. In December 2021, the National Human Rights Council (CNDH) led the composition of the Memorandum of Understanding for Democracy, produced by the Office of the National Ombudsman (PFDC), Public Defender Office (DPU) and the Commission of Human Rights and Minorities of the Chamber of Deputies, aiming to establish a cooperation between those entities to promote the defence of democracy in Brazil by strengthening the norms, institutions and procedures. Likewise, TSE has been releasing informative campaigns about the electoral process, the security of auditable vote and the creation of channels for denouncing political violence.

That soil of violence is not fertile enough to sprout a political project which can deal with the necessities of the Brazilian people’s concrete lives. The flag of violence is always waved by capitalism to overcome its crises, be them the wars in the Middle East or dictatorships, fascism and the coups d’état in our region.  Against that project we raise the flag of hope, in a collective construction towards a fairer and more egalitarian society, in which our people may have bread, land, roof, work and environmental justice; and we may have peace in our hearts and a book in our hands.

* This article was originally published in Portuguese on the website of the Brasil de Fato newspaper in https://www.brasildefato.com.br/2022/09/13/a-violencia-politica-como-uma-estrategia-eleitoral

La violencia política como una estrategia electoral

Desatención del gobierno federal y violencia estimulada por los discursos de sus integrantes son denuncias constantes en protestas por todo el país. Crédito: Carol Ferraz/ ATBr

El avance de gobiernos fascistas, unidos a la nueva ofensiva neoliberal en América Latina, se ha apoyado en la producción y profundización de la violencia política. Este rincón geopolítico ha visto el uso de la misma como una estrategia para controlar la conciencia de las masas. Desde el golpe de 2016 en Brasil, la escalada de odio ha servido para que gobiernos autoritarios puedan implementar políticas antidemocráticas, fundadas en narrativas de ataque a las instituciones políticas del país. Mientras el pueblo se pierde en el opio del supuesto combate a la corrupción, el neoliberalismo avanza brutalmente sobre sus derechos.

Vivimos el proceso de impeachment de la ex presidenta Dilma hundiéndonos en un mar de violencia política. ¿Cómo no recordar la brutalidad de los discursos en el Congreso Nacional en el momento de la votación de la casación? Entre ellos estaba el actual presidente, saludando a los que torturaron a la presidenta durante la dictadura. O aún, el triste asesinato de la concejala Marielle Franco y de Anderson Gomes el 14 de marzo de 2018. La violencia política como arma de candidatos fue ampliamente usada en las elecciones de 2018: recordemos toda la misoginia sufrida por la candidata a la vicepresidencia Manuela D’Ávila, y está presente también en estas elecciones. El asesinato del maestro de capoeira Moa do Katende, aquel mismo año en Bahia y todas esas acciones son movidas por un discurso elitista, misógino, racista y colonial contra liderazgos políticos progresistas, defensoras/es de derechos humanos y de los pueblos. Se realizan por medio verbal o simbólico en el ataque en redes sociales, en la difamación de la imagen, en la distorsión de los hechos e incluso en amenazas y atentados contra la vida.

El poder de la violencia política como arma de (des)educación de las masas es cruel. Se estructura como un discurso de odio, asociado al negacionismo (de la historia, de la ciencia, de los hechos, de los saberes…), que fortalece grupos extremistas y antidemocráticos, ignorando completamente pactos civilizatorios como derechos civiles y políticos. El uso de esa violencia como táctica política en la región es bastante emblemático. Todavía reverbera en nuestra memoria el golpe de 2019 en Bolivia, cuando grupos extremistas no aceptaron el resultado electoral y, por medio de fuerza bruta, tomaron el Estado. La imagen de la intolerancia se hizo presente en la imagen de la alcaldesa de Vinto, Patrícia Arce Guzmán, siendo arrastrada por manifestantes, tirada en la calle, pelo cortado, pintada de rosa, obligada a andar descalza por muchas cuadras.

Es difícil cuando esos hechos se vuelven tan cotidianos que ya naturalizamos esa violencia. Solo en las últimas semanas tuvimos el ataque sufrido por el hermano del presidente de Chile, Gabriel Boric, en un contexto tenso de votación por la aprobación de la nueva constitución. De igual manera, el arma apuntada para la ex presidenta Cristina Kirchner. En el cotidiano de la política en Brasil, en todos los discursos presidenciales de Jair Bolsonaro, destacadamente el del último 7 de Setiembre, en el cual palabras de odio fueron proferidas a otros candidatos, a las instituciones democráticas y a los movimientos populares. En julio de este año, el dirigente petista Marcelo Aloizio Arruda fue muerto por disparos en su fiesta de cumpleaños por el policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, quien invadió el evento en Foz do Iguaçu, estado de Paraná, a los gritos de “¡Acá es Bolsonaro!”. Tal fenómeno, como otros tantos ejemplos trágicos, ha rebajado el debate electoral, construyendo una apatía de las masas a los temas centrales de la política como el combate al hambre y al desempleo, y la construcción de programas de gobierno y de políticas sociales, trayendo para la arena pública valores conservadores como intolerancia religiosa y sexual, difusión de la dominación blanca y masculina, cultura de armas y militarismo.

Datos de la escalada de violencia

Un estudio de la organización Tierra de Derechos, realizado entre 2016-2020, registra 327 casos de violencia política, en su mayoría asesinatos y atentados, siendo RJ, MG, CE, MA y PA los estados con más ocurrencias. Apunta la investigación que eses casos están concentrados en el interior del país, estando más direccionados a concejales. Eso porque en esas localidades se establecen relaciones de complicidad entre la violencia, el control de las instituciones políticas locales y los medios de comunicación, en una compleja red organizada para asegurar los intereses de las élites locales, como destaca la Guía Violencia Política elaborada por el Comité Brasileño de Defensoras y Defensores de Derechos Humanos.

Frente a este escenario, dos importantes marcos normativos fueron aprobados en 2021: la Ley n.º 14.197/2021, que promovió cambios en el Código Penal, determinando como crímenes el ataque a las instituciones democráticas y a la operación del proceso electoral, con penas que pueden variar de 3 a 12 años de detención. Otro marco fue la Ley 14.192, también de 2021, que prevé normas para el combate a la violencia política contra la mujer, promoviendo cambios en el Código Electoral y en las leyes de los partidos políticos y de las elecciones. Sabemos que sobre los cuerpos de las mujeres pesan las marcas del patriarcado, entonces ese tipo de violencia se articula con la violencia sexual y de género, imponiendo a las mujeres que están en el liderazgo político y en la defensa de los territorios, comunidades, bienes comunes e de la naturaleza otras formas de expresión de la práctica, como la incitación a la “violación colectiva”, a la violencia doméstica, a la agresión a los hijos.

Aunque la legislación reconozca tales problemas, su aplicación se encuentra bastante débil; pocos son los casos de pesquisa y responsabilización por esos crímenes. Basta con observar que, durante todo este año, diversos manifestantes, parlamentares y el mismo presidente de la República han proferido alegaciones infundadas sobre el sistema electoral, con ataques al Tribunal Superior Electoral (TSE) y al Supremo Tribunal Federal (STF), que ya implicarían en su inelegibilidad. Sin embargo, siguen impunes. La certidumbre de la impunidad es tan grade que el 7 de septiembre, en Rio de Janeiro, la primera dama se sintió confortable como para decir públicamente: “Bolsonaro ha sido claro en su mensaje al STF”.

Agentes de alta esfera pública en Brasil usan sus redes sociales, las estructuras de comunicación del Estado y listas de WhatsApp para difundir desinformación y odio. Los hechos distorsionados, una vez diseminados, producen sus daños y convencen a una gran cuantidad de seguidores. La cosa funciona casi como una secta interconectada por la manifestación de odio contra figuras políticas comunes, instituciones y procedimientos democráticos. Tal sacralización de la política es tan simbólica que se establece una conexión entre violencia y símbolos religiosos, tal como sectores neopentecostales que defienden la asociación de candidatos a demonios. La fragilidad del sentido crítico de las masas hace que esos procesos sean enraizados, volviendo aún más desafiador ampliar las conciencias en la reconstrucción de la democracia.

La construcción política que queremos

Varias organizaciones de derechos humanos han construido mecanismos para combatir la violencia política. En diciembre de 2021, liderados por el Consejo Nacional de Derechos Humanos (CNDH), se compuso el Memorándum de Entendimiento por la democracia, producido por la Procuraduría Federal de los Derechos del Ciudadano (PFDC), Defensoría Pública de la Unión (DPU) y la Comisión de Derechos Humanos y Minorías de la Cámara de Diputados, visando establecer la cooperación entre las entidades para promover la defensa de la democracia en Brasil por medio del fortalecimiento de normas, instituciones y procedimientos. De igual manera, el TSE ha lanzado campañas informativas sobre el proceso electoral, la seguridad del voto auditable y la creación de canales para denuncia de violencia política.

Ese suelo de violencia es poco fértil para brotar un proyecto político capaz de manejar las necesidades de la vida concreta de los brasileños y de las brasileñas. La bandera de la violencia es siempre levantada por el capitalismo para superar sus crises, sean las guerras en Oriente Medio o las dictaduras, el fascismo y los golpes de Estado en nuestra región. Contra ese proyecto, levantamos la bandera de la esperanza, en la construcción colectiva rumbo a una sociedad más justa e igualitaria, en que nuestro pueblo, con pan, tierra, techo, trabajo y justicia ambiental, lleve en el corazón la paz y en las manos un libro.

* Este artículo fue publicado originalmente en portugués en el sitio web del periódico Brasil de Fato el https://www.brasildefato.com.br/2022/09/13/a-violencia-politica-como-uma-estrategia-eleitoral

Entra em cena o mercado da preservação ambiental: a privatização dos parques no Brasil

Há alguns anos, no Brasil, tem-se a intenção de transferir a proteção e gestão de unidades de conservação para a iniciativa privada. No final de 2020, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou uma linha de financiamento de crédito específico para isso. Em fevereiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro editou decreto autorizando a concessão de cinco parques nacionais, que vão a leilão ainda em 2022. Estes foram incluídos na lista de Bolsonaro e Guedes do Programa Nacional de Desestatização e no Programa de Parcerias de Investimento Público-Privada da Presidência da República.

No Brasil, existem 334 regiões de preservação sob responsabilidade do governo federal; um terço delas estão na Amazônia. Além dessas, ainda temos os parques estaduais e municipais. Essas áreas são de rica biodiversidade e recursos hídricos e, em geral, são habitadas por povos e comunidades tradicionais que, com seus modos de vida integrados à natureza, contribuem para a conservação.

Desde 2019, há um desmonte da política ambiental, do qual podemos destacar o corte orçamentário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ao lado da destruição, o governo vem propondo a criação do mercado da gestão dos parques, por meio da concessão à iniciativa privada. Desde a direção de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente se anuncia a abertura da concessão dos parques. Em fevereiro de 2021, o governo lançou o Programa Adote um Parque, com a proposta de transferir para a iniciativa privada a proteção das unidades de conservação.

Na lista, figuram 132 unidades de conservação, para as quais se apresentaram grandes corporações como Carrefour, Coca Cola, Heineken e MRV Engenharia. O grupo URBIA, por exemplo, já detém a concessão de 10 parques no país (6 municipais, 2 estaduais e 2 federais), dentre eles, ainda em processo, o Parque Nacional do Iguaçu (PR). Não podemos esquecer que essas áreas são de rica biodiversidade e disponibilidade de águas. Por isso são importantes para a preservação, bens comuns do povo brasileiro que estarão sob territórios controlados pelo capital privado, com as concessões.

Segundo Pedro Martins, da organização de direitos humanos Terra de Direitos e do grupo Carta de Belém, que acompanha o tema, “o programa de estruturação de concessões de parques via BNDES foi justificado no argumento de que o potencial de lucro com turismo ecológico é grande, tendo como exemplo o que ocorre com os parques naturais nos Estados Unidos. Esse modelo é danoso para o Brasil, pois reforça a ideia de natureza como santuário intocável, ideia essa que subsidia processos de expulsão de famílias que mantêm práticas sustentáveis nos locais e transforma a sociobiodiversidade em mercadoria sob controle de uma empresa concessionária”.

Quanto a isso cabe recordar que, conforme a Constituição Federal, toda a política ambiental é permeada por um amplo processo participativo, o que não vem ocorrendo com a concessão dos parques. Não há um amplo processo de consulta às comunidades, nem aos funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e do ICMBio. As audiências públicas realizadas não dimensionam adequadamente os impactos. Ao invés de o governo investir em estruturar órgãos fiscalizatórios como os citados, os desestrutura e transfere suas obrigações à iniciativa privada.

Tanto o Programa Adote um Parque como a concessão via Programa de Desestatização reforçam o paradigma da mercantilização e financeirização da Natureza. A crença política de que a iniciativa privada tem melhores condições de gerir a coisa pública parece desconsiderar os efeitos da prestação de serviços públicos hoje privatizados, como distribuição de energia, telefonia e aeroportos. Sem contar que favorece a retirada de poder decisório do povo brasileiro sobre os bens comuns, intensificando a concentração de poder corporativo e a dependência dessas companhias para a reprodução da vida.

A concessão do Parque Estadual do Turvo (RS)

Criada em 1947, pelo Decreto Estadual nº 2.312, a Reserva Florestal Estadual do Turvo, no Noroeste do Rio Grande do Sul, foi posteriormente convertida em Parque Estadual pela Lei nº. 2440/1954. O parque é composto por 17.491 ha de mata atlântica com florestas estacionais. Sua extensa área abriga dezenas de espécies ameaçadas de extinção, tanto vegetais como animais, muitas delas são exclusivas deste parque. É nele onde também fica o Salto do Yucumã, quedas d’água com até 12 metros de altura seguindo o curso do Rio Uruguai na divisa entre o Brasil e a Argentina. O salto é uma das maiores quedas longitudinais do mundo.

A concessão do parque foi anunciada pelo Estado do RS e encontra-se bastante avançada, com previsão de nas próximas semanas já estarem abertas as inscrições para as propostas do leilão. Segundo os pesquisadores e professores do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), a proposta de concessão foi elaborada pela Secretaria de Planejamento e Gestão, não tendo parecer técnico da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Para a entidade, a falta de embasamentos técnicos, como a ausência de parecer elaborado, estudos superficiais e a falta de um corpo técnico profissional levanta dúvidas sobre a avaliação de riscos do projeto.

Lucia Ortiz e Letícia Paranhos, da Amigos da Terra Brasil, e Soniamara Maranhão, do MAB, na campanha contra a privatização do Parque Estadual do Turvo (RS) / Divulgação/ATBr

De acordo com os pesquisadores, não há respostas à presença de sítios arqueológicos na região, nem tampouco estão claros como o incremento econômico do turismo poderá contribuir para a conservação da biodiversidade, à educação ambiental e a pesquisas. Algumas das atividades permitidas na concessão parecem ser incompatíveis com a proteção integral. Restando dúvidas ainda sobre o monitoramento e controle dos impactos, como serão geridos pelos técnicos da Secretaria de Meio Ambiente do Estado.

Um aspecto central da concessão envolve os interesses na exploração da água e da biodiversidade presente no parque. Seja para avançar em projetos hidrelétricos, como Garabi e Panambi, paralisados pela ação coordenada de atingidos e ambientalistas perante o Poder Judiciário, seja para os intentos de compensação de créditos de carbono que grandes corporações têm demandado. Não à toa a concessão interessa para o capital internacional, como bem destaca Fernando Campos, da Amigos da Terra Brasil, em entrevista concedida ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB/RS).

Outro problema é o aumento dos conflitos com os povos e comunidades tradicionais que habitam o entorno do parque, como as populações ribeirinhas, que muito embora não estejam dentro da área dele podem ser afetadas pela alteração de gestão, sofrendo com impactos no curso das águas. Uma das organizações que têm organizado as famílias, desde a resistência a Garabi e Panambi, é o MAB, que conjuntamente com outras entidades tem construído uma campanha contra a privatização do parque, cujo mote é: o parque não é mercadoria, o parque é bem comum de todos e todas! Muito embora não estejam dentro da área do mesmo, podem vir a ser afetados pelas alterações na gestão do território. Além disso, coloca-se a relação com os povos indígenas, presentes no território argentino que se situa do outro lado do parque.

A contradição fundamental capital x vida

Desde 2021, entidades da sociedade civil têm articulado a denúncia aos intentos de privatização como o Programa Adote um Parque, lançado pelo governo. Para elas, a privatização representa a transferência da responsabilidade pública para empresas privadas, que podem ser tanto nacionais como estrangeiras, e assim promovem a governança privada de territórios estratégicos para o futuro do país e que, portanto, são de interesse coletivo e social.

A privatização e suas novas roupagens só têm promovido o aprofundamento do distanciamento entre a humanidade e a natureza. Nos distanciamos porque seguimos tratando a Natureza como um recurso inesgotável, e não como um bem comum. Ainda que o ideal da concessão do parque seja a conservação, sabemos que há muitas vertentes de sentidos para se interpretar a mesma. Na construção de saídas sistêmicas à crise ecológica e social que vivemos, certamente investir em projetos que aprofundam a mercantilização e financeirização é seguir nos afastando da centralidade da vida.

Os parques são nossos! Não à privatização!

* Artigo publicado quinzenalmente no jornal Brasil de Fato em 30/08/2022 neste link.

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