Até outubro deste ano, 123.153 famílias se encontravam sob ameaça de despejo, segundo dados levantados pela Campanha Despejo Zero. O número representa um aumento de 554% desde março de 2020, quando a campanha iniciou o levantamento.
No último dia 1° de dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF), Luís Roberto Barroso, em resposta a pedido do Psol, Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Campanha Despejo Zero, decidiu
estender a suspensão de despejos e remoções até 31 de março de 2022.
A medida cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental ( ADPF) 828, na qual Amigos da Terra está como Amicus
Curiae, havia sido concedida por Barroso em junho deste ano, com prazo
até o último dia 3 de dezembro.
A decisão é importante, mas a pressão precisa ser mantida, pois ela
irá para o plenário virtual do STF entre 6 e 8 de dezembro. Em sua
argumentação, o ministro Barroso afirmou que as autoridades públicas
devem ter “especial cautela” em uma conjuntura que as ameaças da
pandemia ainda não se dissiparam.
É fundamental que o plenário do STF mantenha a decisão de Barroso e
que, posteriormente, a medida cautelar seja respeitada em todo o
território nacional. Mesmo com a vigência da medida, o número de
famílias que perderam sua moradia via despejo ou desocupação no período
de pandemia, continua aumentando.
Às avessas: nem a crise sanitária fez com que União, estados e municípios garantissem minimamente o direito constitucional à moradia
Segundo a campanha,
de março de 2020 até outubro deste ano, 23.500 famílias já foram
despejadas, representando um aumento de 269% na cifra. Os estados onde a
situação é mais crítica são São Paulo, com 5.146 famílias despejadas
nesse período, Rio de Janeiro 4.862 famílias e Amazonas 3.231 famílias.
Ceará, Paraná e Pernambuco também registram números altos: com 1.195,
1.656 e 1.895 famílias despejadas respectivamente.
Em meio a uma crise sanitária em que a garantia do direito à moradia
deveria ter sido considerada pelos poderes públicos como prioridade,
parece que o contrário foi feito. Na capital do Rio de Janeiro, 31% das
pessoas que estavam em situação de rua a meados deste ano, ficaram nessa
condição durante a pandemia, segundo pesquisa feita pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Dessa porcentagem, 64% afirmaram ter ficado em situação de rua devido à perda de trabalho, moradia ou renda.
O movimento também considera que houve uma intensificação da crise de moradia na capital paulista durante a pandemia.
O presidente do MEPSR-SP alerta que o perfil das pessoas também mudou
no último período: “Há muitas famílias, famílias inteiras com crianças,
inclusive crianças recém-nascidas vivendo em situação de calçada,
procurando abrigos. Antes (da pandemia) havia uma procura (da população
de rua) por documentação, cursos profissionalizantes, agora não. Eles
procuram por barraca para ficar com as crianças e por alimentos”,
denunciou Mendonça em entrevista realizada em outubro na Rádio Brasil Atual.
A situação se repete em Porto Alegre. Uma pesquisa feita no final de 2020 pelo Centro Social da Rua
mostrou que 26,9% da população em situação de rua na capital gaúcha
tinha teto até um ano antes da pesquisa. Porto Alegre tem hoje cerca de
2,5 mil pessoas nessa condição, segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), da prefeitura.
Despejos em áreas rurais
No final de setembro, o Congresso Nacional rejeitou o veto de Jair Bolsonaro à Lei 14.216/2021, que suspendeu atos de remoção e despejo até 31 de dezembro deste ano, mas exclusivamente para imóveis urbanos.
Em sua decisão,
o ministro Barroso criticou o foco da medida aprovada pelo Legislativo,
afirmando que “cria uma distinção desproporcional e protege de forma
insuficiente pessoas que habitam áreas rurais, distorção que deve ser
corrigida na via judicial”.
A profunda crise econômica gerada pela administração Guedes-Bolsonaro
com recordes nos níveis de desemprego (atualmente atingindo quase 14
milhões de pessoas), e a fome voltando a atingir 19 milhões de pessoas
em todo o país, segundo o último levantamento
feito sobre o tema há um ano, deveria ser motivo suficiente para tirar
da completa paralisia as políticas de reforma agrária. Novamente, em
lugar disso, além da ausência total de apoio aos pequenos produtores de
alimento, os ataques às famílias sem terra ainda aumentaram. Em 2020,
foram 1.906 famílias que sofreram despejo, e 15.718 ameaçadas de despejo
em todo o país, segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, da Comissão Pastoral da Terra.
Um dos casos graves mais recentes de ameaça de despejo é o das
famílias do Acampamento Marielle Vive, do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) em Valinhos (SP). Contrariando a medida cautelar
do STF, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu manter a
reintegração contra 450 famílias que tornaram a área improdutiva de 130
hectares, em território de produção agroecológica.
A decisão é insólita, além de não garantir os direitos básicos à
população brasileira, o Estado utiliza seus recursos para combater a
organização popular que visa enfrentar as graves crises pelas que
atravessa o povo brasileiro.
Os poderes precisam parar de combater os direitos à terra e à
moradia, e passar a defendê-los como determina a Constituição. O
primeiro passo é a suspensão de despejos em áreas rurais e urbanas,
inclusive além do período de pandemia, porque sabemos que os efeitos da
crise econômica e dos desmontes promovidos pelos governos Temer e
Bolsonaro não desaparecerão tão cedo.
Nos solidarizamos com todas as famílias em luta contra as ameaças de despejo em todo o país. Fora Bolsonaro, nenhum despejo a mais!
O “1,5°C” tornou-se um slogan na última 26ª Conferência das Nações
Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26). O número se refere ao
limite de aumento de temperatura média global (em graus Celsius), que os
países acordaram se esforçar para não superar. Esse acordo foi feito na
COP21 em Paris, na França, e estabelecia especificamente como meta que o
limite do aquecimento global fosse mantido “bem abaixo de 2°C”, e “de
preferência em 1,5 graus Celsius”.
Como as corporações contaminantes e responsáveis por violações de
direitos humanos no Sul Global, que usam slogans como “construindo um
futuro melhor”, a presidência da COP26, nas mãos do Reino Unido,
comemorou que o Pacto Climático de Glasgow “manteve o 1,5°C vivo”. Uma afirmação que, no máximo, pode ser considerada uma mera expressão de desejo.
Em 2015, a Amigos da Terra Internacional (ATI) denunciou, no final da COP21, que o Acordo de Paris não estipulou cifras nem metas ambiciosas que pudessem garantir o cumprimento do objetivo de limitar o nível de aquecimento global.
Apenas incluiu as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas
(NDC), que são planos de ações de combate às mudanças climáticas de cada
país, não vinculantes. Em um relatório divulgado em 17 de setembro
deste ano, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas revelou que, com essas “contribuições”, a temperatura média
global, até o final do século, aumentará 2,7°C.
Em linhas gerais, o mercado de créditos de carbono permite que países
coloquem em sua conta de “redução” de gases de efeito estufa (ou melhor
dizendo, de uma suposta neutralização, sem reduzir de fato suas
emissões), créditos de carbono que compram de países que não contribuem
para piorar a crise climática, por exemplo, mantendo florestas em pé.
Trata-se quase explicitamente da compra do “direito” de contaminar.
Esse tipo de mecanismo é muito defendido por aqueles países e
corporações que mais têm contribuído historicamente com as emissões, e
que deveriam, portanto, concentrar esforços em cortá-las. Além de não
representar uma ferramenta de combate às mudanças climáticas, essas
propostas que operam com os mesmos critérios da compensação criam outros
problemas, como mostramos na publicação REDD+, O Mercado de Carbono e a Cooperação Califórnia-Acre-Chiapas: legalizando os mecanismos de despossessão.
Sob a mesma lógica, o Pacto Climático de Glasgow “reconhece” que para atingir a meta do 1,5°C, é necessária “a redução das emissões globais de dióxido de carbono em 45% até 2030 em relação ao nível de 2010 e até zero líquido em meados do século”.
Mais uma vez, trata-se de ajustar as contas das emissões de gases de
efeito estufa incluindo ações que “compensariam” essas emissões, como o
plantio de árvores ou a captura do carbono com diferentes novas
tecnologias (sendo que muitas delas estão em fase de desenvolvimento).
A proposta apaga ainda mais o critério de “responsabilidades comuns,
mas diferenciadas”, já debilitado pelo Acordo de Paris. Segundo o
relatório “Mudanças Climáticas 2021: a Base das Ciências Físicas,
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, de 1850 até
2019 foram emitidos 2,390 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Os
grandes responsáveis durante todo esse tempo foram os países do Norte
Global, como explica Doreen Stabinsky em nota da Amigos da Terra Internacional.
Agora, o limite para não fazer com que a temperatura aumente mais de um 1,5°C, seria não emitir mais de 300 bilhões de toneladas de CO2. Por que países do Sul Global, que tiveram uma participação mínima, devem fazer o mesmo esforço que países que emitiram muito mais CO2 historicamente, e inclusive continuarão emitindo, graças à lógica de compensação?
O “zero líquido” no Pacto de Glasgow não é só desigual por equiparar
as responsabilidades, é também por jogar as metas quase três décadas
para frente. Quem mais está sofrendo com os impactos das mudanças
climáticas são os povos que menos contribuíram com o problema. As
responsabilidades do Norte Global e das corporações precisam ser
assumidas de forma urgente!
Sara Shaw, co-coordenadora para Justiça Climática e Energia da Amigos
da Terra Internacional afirmou que “o fardo da redução das emissões foi
colocado sobre os ombros dos países em desenvolvimento”, com o Acordo
de Glasgow.
“As metas são extremamente fracas e cheias de lacunas que permitem
aos países ricos evitar sua responsabilidade na redução das emissões e
no financiamento a países em desenvolvimento. Países ricos e empresas
estão recebendo permissão para continuar poluindo por décadas, com base
na fantasia de equilibrar suas emissões com compensações e soluções
tecnológicas”.
As soluções tecnológicas a que se refere Shaw têm a ver com mais um
dos problemas: além do reflorestamento, a proposta do “zero líquido” se
apoia em uma série de tecnologias que nem sequer passaram da fase de
projetos. Trata-se de projetos de geoengenharia que entram na categoria
de tecnologias de Remoção de Dióxido de Carbono (CDR).
O Grupo ETC e a Fundação Heinrich Böll criaram uma ferramenta de monitoramento
desse tipo de projeto, e encontraram que as corporações de combustíveis
fósseis possuem uma alta participação em seu financiamento.
Mais uma COP do Lobby
O avanço desses negócios disfarçados de soluções climáticas não
surpreende ao constatar a influência das corporações no âmbito da COP de
Mudanças Climáticas. Não contentes com ser a conferência mais
excludente da história, por conta das restrições de vistos, altos custos das passagens e o apartheid das vacinas, a COP26 escancarou as portas e jogou o tapete vermelho para todas as corporações que fazem parte do problema.
Segundo a organização Global Witness, a COP26 foi inundada por, pelo
menos, 503 lobistas representando 100 empresas de combustíveis fósseis. O
lobby dos combustíveis fósseis na COP “foi maior do que o total
combinado das oito delegações dos países mais afetados pelas mudanças
climáticas nas últimas duas décadas – Porto Rico, Mianmar, Haiti,
Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh, Paquistão”, afirma a
organização no levantamento.
O Brasil de Bolsonaro tenta subir no trem dos negócios climáticos
Se por um lado é certo que os países do Norte Global devem enfrentar
sua dívida climática com os países do Sul Global para realizar a
transição energética e proteger a biodiversidade e florestas, por outro,
no caso do Brasil, a falta de recursos não passa de uma mera desculpa
do governo Bolsonaro para não proteger os biomas brasileiros.
Depois de ter rejeitado sediar a COP25 no Brasil e um evento preparatório em Salvador (BA) para a mesma, o governo Bolsonaro parece ter entendido o espírito de negócios das COPs em Glasgow.
“Temos uma preocupação sobre o financiamento climático […] o volume
ainda não chegou ao que era prometido”, disse o ministro do Meio
Ambiente, Joaquim Leite, referindo-se ao compromisso que os países
assumiram no Acordo de Paris de USD 100 bilhões anuais por ano para
países em desenvolvimento.
A demanda poderia ser até justa, se não fosse pelo fato de que o governo Bolsonaro não só paralisou o uso de financiamentos externos para a defesa dos biomas do país, como é o principal promotor dos desmatamentos, queimadas e ataques aos povos que defendem os campos, águas e florestas.
Pois se não foram esses povos, que lutam por Justiça Climática e
detém soluções reais e emancipatórias para o cuidado dos territórios, da
biodiversidade, da água e do clima, que celebraram ao final da COP26,
mas o anfitrião, Reino Unido, e seus aliados do Norte Global e das
corporações, que levantaram antecipadamente um troféu vazio de “1,5°C”,
ainda não é hora de comemorar.
É preciso ação imediata com caráter estrutural para garantirmos a
sobrevivência a longo prazo da nossa própria espécie e do planeta.
Diferente dos caminhos adotados nessa COP26, é preciso discutir
amplamente o caminho para uma Transição Justa e Popular, que dê conta
das soluções já apontadas pelos povos que mantêm as florestas em pé.
Povos indígenas, quilombolas, camponeses precisam ser sujeitos ativos
desse processo, afinal não há saída para o clima sem incluir os povos
que colocam em prática, hoje, as soluções para coexistir com a
biodiversidade. Ao invés de ver na natureza um mero produto para chegar
matematicamente aos resultados necessários.
Em fevereiro de 2018, após dois dias de chuvas intensas, moradores
das cidades de Barcarena e Abaetetuba no Pará viram seus rios e igarapés
tomarem uma cor avermelhada. As águas haviam sido contaminadas
com rejeitos de bauxita e efluentes industriais da refinaria de alumina
Hydro Alunorte, pertencente à mineradora norueguesa Norsk Hydro.
A análise realizada pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) na região, após a contaminação, encontrou no meio ambiente da região níveis consideráveis de metais tóxicos como arsênio, chumbo e cádmio, entre outros. De lá pra cá, dezenas de milhares de pessoas de comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas têm sofrido as consequências da contaminação, direta ou indiretamente. Logo no começo, pessoas começaram a apresentar dores abdominais, cefaléia, alterações na pele, diarreia, náuseas e vômitos.
Mais recentemente, moradores de Barcarena vêm denunciando malformação
em recém-nascidos. Além disso, as comunidades perderam suas fontes de
água e de alimentação, pois a quantidade de peixes e camarões ou
diminuiu ou ficou contaminada.
Ao Ministério Público Federal, a empresa admitiu que houve vazamento da sua planta de água não tratada, inclusive através de uma tubulação que não contava com autorização.
A justiça e a reparação não chegaram para os atingidos pelo crime socioambiental, e não foi por falta de denúncias e luta. A história dessa grave contaminação na região do nordeste paraense segue o mesmo roteiro de crimes como o da Samarco, Vale e BHP Billiton na bacia do Rio Doce (e que acaba de completar 6 anos impune): descaso do governo estadual, intervenção da empresa na definição de quem é atingido e quem não é, reparações insuficientes, entre outros elementos acabam negando às comunidades o acesso à justiça e reparações mínimas.
Diante do cenário de impunidade, mais de 40 mil pessoas representadas
na Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia
(Cainquiama), resolveram levar o caso à Justiça holandesa (onde estão sediadas as subsidiárias que controlam as entidades que operam no Pará), em fevereiro deste ano.
Cícero Pedrosa Neto, mestrando em Sociologia e Antropologia pela UFPA, que vem acompanhando o caso desde o início, destaca que há muito mais pessoas atingidas do que as que entraram com a ação na justiça holandesa, em parte também pela presença de outros empreendimentos industriais contaminantes. Em 2018, uma Comissão Parlamentar de Inquérito identificou 26 crimes ambientais em Barcarena, desde o ano de 2000.
“A contaminação atingiu os rios, os igarapés, e portanto todo o modo
de vida tradicional daquela população que sempre viveu em relação com os
rios, sempre viveu do extrativismo e hoje tem os seus modos de vida
impactados por conta justamente desse tipo de contaminação. Então, 40
mil pessoas é um recorte daquela realidade, porque na verdade toda a
população de Barcarena sofre com os impactos do polo industrial da
cidade; assim como sofre com contaminações no próprio corpo por conta da
emissão de poluentes atmosféricos e da contaminação dos aquíferos, do
lençol freático e de tantas outras formas possíveis de contaminação de
corpos humanos e não humanos ali naquela realidade”, explica Pedrosa
Neto, que também é repórter multimídia da Agência Amazônia Real.
Em 2012, a Amigos da Terra Brasil realizou o documentário Indústria do alumínio: A floresta virada em pó,
em que mostra casos de destruição social e ambiental provocados por
transnacionais no Pará e Maranhão, onde está concentrada mais de 80% da
bauxita explorada no Brasil.
Responsabilidade às avessas
Enquanto transnacionais responsáveis pelos piores crimes
socioambientais no mundo usam espaços como a atual COP26, como palanque
para se venderem como “sustentáveis”, nos países do Sul Global continuam
impondo seu poder para se beneficiar de legislações e órgãos de
controles frágeis e governos locais que priorizem os interesses dessas
empresas em detrimento da vida das populações e de seus direitos.
Essas práticas, protegidas também por uma arquitetura jurídica de
impunidade, são as que dão lugar a crimes socioambientais de proporções
catastróficas. E como cúmulo desse processo enormemente assimétrico, as
corporações transnacionais continuam fazendo uso do seu poder de lobby
para impedir que sejam devidamente responsabilizadas, forçando as
comunidades que, em muitos casos, tiveram sua saúde e meios de vidas
destruídos, a se organizarem em busca de reparação e justiça.
A luta por um tratado internacional para pôr fim aos atropelos das corporações
Em 2014, após décadas de lutas de movimentos sociais, organizações ambientalistas, sindicatos em nível nacional, regional e internacional, o Conselho de Direitos Humanos da ONU criou, por meio da Resolução 26/9, o Grupo de Trabalho Intergovernamental das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais e Outros Empreendimentos de caráter transnacional com Relação aos Direitos Humanos.
Segundo a própria resolução, o espaço tem o objetivo de criar um
“instrumento juridicamente vinculante para regulamentar as atividades de
empresas transnacionais e outras empresas no direito internacional dos
direitos humanos”.
Desde o começo das negociações, o acompanhamento popular tem sido
fundamental para garantir que os rascunhos que vêm sendo feitos sobre o
tratado reflitam as necessidades que foram colocadas nessa resolução
inicial.
De 25 a 29 de outubro foi realizada uma nova rodada de negociações do
grupo de trabalho, para revisar o terceiro rascunho do tratado
vinculante, publicado
em 17 de agosto deste ano. Tanto o rascunho como o processo de
negociações vinham recebendo críticas por não incorporarem os
posicionamentos apresentados pelas organizações da sociedade civil.
Entre os principais riscos do processo, estão as tentativas de
retirar o caráter vinculante do tratado e de tirar o foco das
corporações transnacionais. Em relação a esta, que foi a sétima rodada
de negociações, Raffaele Morgantini da organização CETIM
(Centro Europa – Terceiro Mundo, no acrônimo em francês), denunciou que
“alguns Estados ocidentais e representantes de empresas defenderam
repetidamente a relevância dos atuais marcos voluntários, e até fizeram
tentativas frustradas de sugerir alternativas ao Tratado Vinculante,
como parte de uma estratégia liderada pelos EUA para enfraquecer o
processo e promover caminhos alternativos e fúteis”.
“Os marcos voluntários são justamente o oposto do que queremos. A
gente luta por um tratado juridicamente vinculante, por um mecanismo que
garanta a responsabilização das corporações pelos crimes cometidos. E
tanto os EUA como a União Europeia, que tem estados com o maior número
de sedes de transnacionais, defendem a ideia de que deveriam prevalecer
os princípios orientadores, os marcos voluntários”, denuncia a
coordenadora internacional do programa JERN (Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo)
da Amigos da Terra Internacional, Letícia Paranhos, que também
participou da sétima sessão do grupo de trabalho intergovernamental.
Outra das preocupações que surgiram na recente sessão foi a
possibilidade de garantir transparência e participação da sociedade
civil com a criação de um “Grupo de Amigos da Presidência”, exercida
pelo Equador no grupo de trabalho, para trabalhar no texto do tratado
até a próxima sessão.
“Ficou uma incerteza muito grande com o formato proposto pela
presidência do grupo de trabalho dos chamados ‘amigos da presidência’,
que serão os responsáveis pela construção de consenso e de formulação do
próximo texto; não sabemos como a sociedade civil vai ser consultada”,
conta Letícia Paranhos.
Houve ainda um golpe promovido pela União Europeia (UE), como narra
Letícia, que foi a permissão da ingerência das corporações nesse grupo
de amigos: “A UE fez uma sugestão para que as empresas sejam consultadas
por esse grupo, uma proposta que nós não aceitamos, mas acabou
passando, e que significa que agora vamos ter que lidar com esses atores
que são os principais interessados em que não existam regras para
empresas”.
O papel do Estado brasileiro durante as negociações
A União Europeia também propôs a retirada da palavra “obrigações” do artigo 2 do rascunho do tratado,
em que se afirmava que o objetivo do instrumento é “esclarecer e
assegurar o respeito e o cumprimento das obrigações de direitos humanos
das empresas”.
O Brasil acompanhou a UE nessa proposta, sugerindo trocar
“obrigações” por “responsabilidades”. O único Estado que se posicionou
para manter o conceito foi a Palestina. O governo Bolsonaro também se
opôs à inclusão da Convenção 190 da OIT
no preâmbulo do texto, em um fragmento que enfatiza a “necessidade de
os Estados e empresas comerciais integrarem a perspectiva de gênero em
todas as suas medidas”. A mencionada convenção determina aos Estados
“erradicar a violência e o assédio em todas as suas formas do mundo do
trabalho”.
O Brasil também defendeu que o termo “violação” fosse substituído em
todo o documento por “abuso”. No geral, as intervenções do Brasil foram
no sentido de esvaziar e tornar mais débil o documento, substituindo
palavras e conceitos jurídicos e fazendo o jogo das transnacionais.
Entre os aspectos positivos da última sessão do grupo de trabalho, as
entidades que integram a Campanha Global destacaram o reconhecimento de
vários Estados do papel que entidades da sociedade civil vêm cumprindo
no processo de negociações. Além disso, “em nossa avaliação, vários
elementos que precisam estar presentes nesse documento voltaram para
serem debatidos não só pela sociedade civil mas também pelos Estados”,
explica Letícia Paranhos.
Entre esses elementos estão “a primazia dos direitos humanos sobre os acordos de comércio e investimentos, a necessidade de obrigações para as empresas transnacionais, e que o alcance do tratado esteja centrado nas empresas transnacionais e de caráter transnacional”. São pontos que a Campanha Global considera chave, mas que haviam sumido dos rascunhos de projeto do Tratado desde 2017.
Única deputada brasileira a participar da sessão, Fernanda Melchionna
(PSOL/RS) integra a Rede Interparlamentar Global que pressiona pelo
estabelecimento do tratado vinculante. “Nós, da rede interparlamentar,
junto aos movimentos sociais, a campanha global, queremos que a vida
esteja acima do lucro das grandes corporações. Nós queremos um tratado
que acabe com a impunidade dessas grandes empresas. Nós queremos
garantia pras populações dos nossos países. Por isso eu estou aqui em
Genebra, de novo, lutando pra que tenha uma resolução que diga isso”,
disse a deputada.
Outro dos parlamentares brasileiros que defende a criação de um
tratado internacional vinculante de regras para transnacionais é o
deputado federal Helder Salomão (PT-ES), que presidiu a Comissão de
Direitos Humanos e Minorias da Câmara em 2019 e 2020. Salomão lembrou
que o Brasil está em dívida nos seus compromissos internacionais com
respeito aos direitos humanos, desde antes de Bolsonaro tomar posse.
“Em 2017, o Brasil assumiu diversas responsabilidades e recomendações sobre direitos humanos no âmbito da Revisão Periódica Universal.
dentre elas o compromisso de elaborar um plano de ação sobre empresas e
direitos humanos. De lá pra cá, poucos passos foram dados. O Brasil
precisa avançar muito nesse debate em sintonia com a comunidade
internacional”, disse o deputado federal.
A importância de pôr fim a marcos voluntários
“A Hydro é uma empresa industrial líder que constrói negócios e
parcerias para um futuro mais sustentável. Desenvolvemos indústrias que
são importantes para as pessoas e para a sociedade”. Essa é a definição
que consta no site da mineradora norueguesa. É assim como ela se apresenta ao mundo.
A falta de contato dessa frase com a realidade é conhecida por quem
sofre e acompanha a realidade no nordeste paraense, especialmente em
Barcarena, como Pedrosa Neto. “A Noruega tem toda uma suposta
preocupação com o meio ambiente, toda uma ideia e uma imagem que eles
precisam vender internacionalmente, mas que na verdade aqui quando a
gente vai olhar pra presença de seus empreendimentos no Sul Global, a
gente vai ver que essa política está muito restrita aos muros de Oslo”,
critica o jornalista.
Ele tem poucas expectativas em relação à obtenção de justiça no caso
Hydro. “Da justiça eu acho que dá pra esperar muito pouco, porque sempre
há uma grande desproporção porque você tem um escritório de advocacia
com dois advogados que defendem uma comunidade (que não tem dinheiro pra
pagar as as custas processuais), com ações muito bem fundamentadas,
muito bem argumentadas, mas em compensação a Hydro contrata os melhores
juristas ambientais do país e até de fora do país. Então é uma luta que,
de fora a fora como a gente diz aqui, é desigual né? É completamente
desigual”, lamenta Pedrosa Neto.
A garantia do acesso à justiça por parte de atingidos é um dos focos
dos debates sobre o tratado. “O acesso à justiça, recursos e reparação
tornou-se uma luta geracional repleta de obstáculos”, diz Joseph
Purugganan, da Focus on the Global South.
“Diante das assimetrias de poder que prevalecem na maioria dos países, a
proteção dos indivíduos e comunidades afetadas, através do
estabelecimento de mecanismos robustos de acesso à justiça e reparação
deve ser uma prioridade deste processo”, argumenta Purugganan.
E é evidente que para aprimorar os mecanismos e instituições de
justiça, ou fazer com que eles sejam devidamente implementados e
respeitados, são necessários sistemas políticos voltados
prioritariamente para os interesses de seus povos, e não das corporações
com grande poder econômico.
A própria situação de contaminações sistemáticas em Barcarena
responde a essa lógica, como afirma Pedrosa Neto: “Bacarena é um exemplo
singular dessa herança desenvolvimentista da ditadura militar aqui na
Amazônia, que também é repercutida em Tucuruí com a hidrelétrica e em
Carajás, porque todos foram grandes projetos paridos nesse momento”.
O futuro das comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas nessa
região do Pará está completamente comprometido. A saúde e os meios de
vida da população foram fortemente impactados, assim como ocorreu com as
centenas de milhares de pessoas que vivem na bacia do Rio Doce.
Os Estados que lutam por manter tudo como está, no Grupo de Trabalho
Intergovernamental sobre Transnacionais e Direitos Humanos, precisam
parar de ignorar e menosprezar as vidas de tantas populações atingidas.
Isso vale especialmente para o Brasil, cujo governo, em função dos
crimes que impactaram nos últimos anos o país, deveria estar à frente
dessa luta, em vez de cumprir um vergonhoso papel de defesa dos
interesses dos mais poderosos contra os da sua própria população.
Para continuar somando esforços e ferramentas para esta luta, a Amigos da Terra Brasil lançou recentemente a cartilha popular “Chega de Impunidade Corporativa no Brasil!”, com textos que resumem de forma didática a importância da luta por um tratado vinculante sobre transnacionais e direitos humanos, assim como por um marco normativo nacional de combate à impunidade corporativa.
Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas (COP 26) em Glasgow (Escócia), a posição do governo
brasileiro tem sido favorável em colocar as florestas no jogo de compensações de emissões de gases de efeito estufa e passar o chapéu para obter créditos florestais.
A exemplo da chamada “chantagem florestal” feita pelo então Ministro
do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante a COP 25, em 2019, o governo
chega a Glasgow para barganhar os termos da privatização do território
nacional.
Agora com Joaquim Leite como ministro, que segue a mesma cartilha de Salles, o Brasil busca traçar caminhos para concretizar essas posições, ainda que nesse momento, as negociações para a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris não deva avançar para questões setoriais, além do regramento inicial dos mecanismos de mercado de carbono, fruto de muitas críticas por serem considerados falsas soluções à crise climática.
Como, então, esse ator que vem perdendo espaço nas negociações
internacionais pela falta de credibilidade do governo Bolsonaro tem se
estruturado em âmbito doméstico? De 2019 pra cá, o governo brasileiro
tem avançado com o “desmonte” e o “remonte” das políticas ambientais
tendo como foco as florestas, o que resulta no aprofundamento acelerado
dos processos de privatização, e ainda revela a estruturação de
incentivos à entrega das florestas para o mercado.
O “desmonte” da política ambiental, no caso de Unidades de
Conservação ocorrido a partir de 2019, por exemplo, se deu
principalmente com a redução drástica dos recursos orçamentários ao
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
O “remonte” desta política se deu em alinhamento ao estabelecimento
de mercados e mecanismos de compensações com florestas (offsets
florestais), por meio da criação de vínculo de dependência entre a
política de proteção florestal e o financiamento internacional e
privado, como o Programa Adote um Parque e o Programa de Estruturação de
Concessões de Parques Naturais via BNDES – Banco Nacional de
Desenvolvimento, com a Política de Desestatização.
É importante destacar que quando falamos em compensações com florestas e mercado de carbono, estamos nos referindo a um mecanismo que permite a um país vender reduções de emissões de CO₂, além das necessárias para cumprir suas metas climáticas, para que outro país possa contabilizar essas reduções em suas ações para cumprir a meta dele.
Ou seja, na prática é um incentivo para que os Estados-nação
poluidores não alterem seu regime de consumo de recursos e produção,
assim as empresas que irão receber aqueles créditos vão poder seguir
poluindo, como fazem hoje.
O Programa Adote um Parque foi criado em 2021 como política de
incentivo a investimentos privados em Unidades de Conservação,
especialmente na Amazônia. Com doações de bens e serviços, empresas
poderiam beneficiar comunidades locais em troca da possibilidade de
visibilizar sua política de sustentabilidade e de obter o uso direto do
território com intervenção no manejo de recursos madeireiros e
não-madeireiros na Unidade.
A iniciativa de transferência de responsabilidade e captura de
territórios despertou interesse de empresas como Coca-Cola, MRV
Engenharia, Heineken e Carrefour, que assinaram protocolos de intenções
com o Ministério do Meio Ambiente para fazerem parte da gestão de
Unidades de Conservação no Brasil.
O Programa de Estruturação de Concessões de Parques Naturais do
BNDES, anterior ao Programa Adote um Parque, promove a privatização de
Parques por todo Brasil. O que seria apenas a concessão de serviços de
gestão de Unidades se revela um mecanismo de controle de territórios com
consequências territoriais e de controle da sociobiodiversidade.
Nestes programas, estão previstas mais de 200 Unidades de Conservação
em todo o território nacional. O governo federal, que tem adotado
práticas antidemocráticas, como a retirada da participação da sociedade
civil de conselhos de gestão de políticas públicas, demonstra que os
atores envolvidos na política de florestas serão apenas as corporações.
Enquanto isso, as populações locais, principais afetadas por estas
decisões, não foram sequer consultadas.
A privatização de florestas deixa reféns ou dependentes as
comunidades tradicionais em relação ao financiamento internacional e por
empresas. Na COP, em que a pauta é a meta da neutralidade de emissões
de gases de efeito estufa, a poluição é compensada com incentivos à
proteção ambiental, mesmo que esses mecanismos não alcancem justiça
climática para comunidades locais.
A lógica por trás desses mecanismos de compensações se repete nos programas Adote um Parque e concessões de Parques Naturais.
Estas falsas “políticas climáticas” que atendem apenas aos interesses
financeiros empresariais vêm causando impactos avassaladores na
expropriação de territórios, apropriação de recursos naturais, na
violência real e simbólica sobre populações e seus modos de vida.
Enquanto decisões são tomadas por decreto, estas definem os rumos das
políticas que afetam a vida das populações que vivem em uma relação
intrínseca com a floresta.
Ao mesmo tempo em que avança o remonte das políticas ambientais com
uma lógica neoliberal de que tudo é produto e, portanto, passível de
lucro, essa visão também atende aos interesses de exploração da natureza
pelo setor agropecuário, que vem avançando sobre territórios com as
práticas já costumeiras de queimar para grilar áreas públicas.
Até 23 de agosto deste ano, o monitoramento do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou mais focos de incêndio do que o
total registrado nos oito primeiros meses completos de 2020 na Amazônia,
Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pantanal, com um aumento de 8,5%
nos focos de queimadas em relação ao mesmo mês de agosto do ano passado.
A situação, que já era complexa, agora se torna dramática com ações
por todo o país de expansão do complexo agroindustrial brasileiro,
incluindo as infraestruturas logísticas de trens, linhões e mecanismos
de escoamento de produção que colocam na linha de frente os corpos e os
territórios de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas,
povos e comunidades tradicionais, camponeses e agricultores familiares,
de todos os biomas do Brasil.
No momento que atravessamos, a COP 26 representa uma mesa de
negociação para encaminhar ações paliativas, que mantêm a lógica
desenvolvimentista e de lucro a todo custo em jogo. Na prática, é a
consolidação do regime de governança climática internacional e, por
isso, é importante a defesa de um projeto político para os biomas
brasileiros, em especial a Amazônia, construído para e com os povos
locais, respeitando os seus modos de viver.
Ao invés de entregar a governança das florestas para a iniciativa
privada, soluções já existentes hoje são mais efetivas para redução das
emissões dos gases de efeito estufa sem desrespeitar os direitos de
centenas de povos e comunidades tradicionais espalhadas por todo o país;
essa solução reside na demarcação de terras indígenas e quilombolas e
na defesa das terras coletivas e dos direitos territoriais.
O protagonismo dos povos indígenas, comunidades tradicionais,
agricultores familiares e camponeses/as e suas práticas de
fortalecimento de iniciativas agroecológicas contribuem para a
conservação da sociobiodiversidade, encurtamento dos circuitos de
comercialização e a soberania alimentar.
*Texto elaborado por Pedro Martins, advogado, e Carol Ferraz, jornalista, integrantes do Grupo Carta de Belém, com contribuições de demais membros do Grupo Carta de Belém. A Amigos da Terra Brasil integra a articulação Grupo Carta de Belém.
Principais beneficiários do desmonte generalizado dos últimos anos no Brasil se mostram dispostos a retroceder a tempos de ditadura para manter privilégios
A bancada ruralista tem sido uma das protagonistas do processo de golpe iniciado em 2016 contra a democracia brasileira. À época, movimentos populares, como o MST, já denunciavam esse fato, prevendo a realidade que o país vive hoje sob o governo Bolsonaro: recordes de lucro e exportações para o agronegócio, enquanto o país volta a ser colocado no Mapa da Fome e não apenas os processos de reforma agrária e demarcação de terras indígenas e quilombolas são completamente paralisados, como os órgãos responsáveis por essas políticas sofrem desmontes e até inversão de suas funções.
Após ser o único setor a crescer e atingir recorde de participação no PIB brasileiro em 2020, o agronegócio se prepara para bater em 2021 os números de exportações do ano passado. Considerado atividade essencial, o setor se beneficiou da abismal desvalorização do Real e da demanda externa por agrocommodities durante a pandemia. Como fica evidente agora, o fato de ter sido considerado “essencial” não se traduziu no que o povo brasileiro mais precisa durante a pandemia: o acesso básico à alimentação. Em 2020, 9% da população brasileira esteve em situação de insegurança alimentar: 19 milhões de pessoas passaram fome, segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN). Em meio a uma das piores crises socioeconômicas dos últimos tempos no Brasil, o agronegócio, propagandeado como essencial para a segurança alimentar da população, começa a ter sua “era de ouro” junto à volta massiva da fome ao país.
Por isso choca, mas não surpreende, o envolvimento direto de ruralistas no financiamento de atos contra a democracia e em defesa do governo Bolsonaro, como revelado recentemente pelo The Intercept Brasil. Porque os atos não têm a ver com as pautas pelas quais estão sendo convocados: “em defesa do voto impresso” ou contra supostos atropelos do Supremo Tribunal Federal (STF), trata-se de movimentos políticos que tentam frear o derretimento da popularidade do governo Bolsonaro, e pior, deter a tímida justiça brasileira na investigação das ilegalidades cometidas pelo presidente e seus aliados, que possam acabar na sua destituição ou na eliminação definitiva de qualquer possibilidade de reeleição do eterno político do Centrão. Isso, quando não defendem diretamente um golpe militar mais explícito com o objetivo de eliminar toda possibilidade de vozes e votos populares.
A defesa que o agronegócio faz do governo Bolsonaro tem menos a ver com a capacidade do presidente da República de liderar a direita no país do que com sua política de “deixar fazer” (laissez-faire, um dos pilares do liberalismo econômico). Bolsonaro está entregando tudo o que prometeu ao setor ao simplesmente “desligar” ou desvirtuar completamente partes essenciais do Estado brasileiro encarregadas de defender e assegurar direitos garantidos pela Constituição e que chocam com os interesses de acumulação de capital do agronegócio, das indústrias extrativas e das transnacionais do setor de energia. Portanto, ao imitar o ex-presidente estadunidense Donald Trump na denúncia sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro, mais do que tentar evitar a derrota certa em 2022, fornece aos beneficiários de seu desgoverno uma espécie de “falsa bandeira”, uma demanda que na verdade não importa a ninguém, mas que serve para defender um governo que garante o cumprimento das bandeiras ocultas, que poderiam ser resumidas em “lucro acima de tudo e de todos”. Assim, Bolsonaro serve de boi de piranha da boiada que continua a passar.
E os desmontes e retrocessos em termos de reforma agrária, dos povos originários e justiça ambiental são inúmeros, como temos abordado no espaço desta coluna.
Até a metade do governo, Bolsonaro conseguiu bater dois recordes seguidos de quantidade de agrotóxicos aprovados na história do país. Em 2019, foram 474 venenos agrícolas aprovados e no ano passado, 493. Até junho deste ano, já foram mais 230. Não satisfeito com os recordes, os ruralistas, por meio do presidente da Câmara, Arthur Lira, pretendem retomar o tratamento do PL do Veneno (PL 6299/02), que visa facilitar ainda mais o processo de aprovação de agrotóxicos.
Já em relação ao apagão dos órgãos ambientais,o antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, saiu, mas a agenda não mudou, apenas passa mais despercebida. Além dos cortes já realizados antes da mudança de ministro (como a redução de 35% do orçamento da pasta), propostas de desmontes como a fusão do ICMbio e o Ibama continuam em pauta. No final de julho deste ano, o Ministério Público Federal entrou com ação civil pública na Justiça Federal para que proíba a União de avançar na proposta sem a participação da sociedade civil.
Em ação histórica, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) denunciou Jair Bolsonaro pelos crimes de genocídio e ecocídio ao Tribunal de Haia no começo de agosto. “Os fatos que evidenciam o projeto anti-indígena do Governo Federal vão desde a explícita recusa em demarcar novas terras até projetos de lei, decretos e portarias que tentam legalizar as atividades invasoras, estimulando os conflitos”, afirma a Apib em nota.
Além das denúncias em âmbitos da justiça nacional e internacional, os povos indígenas mantêm a mobilização contra os ataques promovidos pelo governo Bolsonaro. Após a realização do Acampamento Levante pela Terra contra a aprovação de projetos anti-indígenas, voltaram à Brasília para lutar contra a aprovação da farsa do “marco temporal”, na maior mobilização indígena da história do país. Infelizmente, em desrespeito à manifestação indígena, o STF voltou a adiar o julgamento, e deve retomá-lo na próxima quarta-feira (1°).
O regresso dos povos originários ao DF para a realização do Acampamento Luta pela Vida é um exemplo da resistência que vem crescendo no país contra o projeto encabeçado por Jair Bolsonaro. São mais de 6 mil pessoas pertencentes a cerca de 170 povos indígenas mobilizados contra a farsa promovida pelos ruralistas, e também contra toda a política genocida em curso no Brasil.
Assim como no acampamento anterior, os indígenas se somam em Brasília ao 5° Ato Fora Bolsonaro, que desta vez se somará à convocatória do 27° Grito dos Excluídos, que acontece sob o lema “Na luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda, já!”.
Tirar Bolsonaro e seus aliados do poder é uma das prioridades dos movimentos populares e entidades da sociedade civil que lutam por justiça social e ambiental no país, mas, como mostra o lema do Grito dos Excluídos deste ano, as demandas são muito maiores. Até porque diante do derretimento da popularidade de Bolsonaro, há vários dispostos a assumir a agenda e os interesses dos projetos políticos neoliberal ao qual ele até agora serviu muito bem.
Isso é evidente na sua linha sucessória, com o militar Hamilton Mourão e o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (já que Arthur Lira não pode assumir, por ser investigado). Mourão finge moderação, mas seu projeto de militarização da Amazônia, no comando do Conselho da Amazônia, entre outras ações e falas, mostram que a diferença com Bolsonaro pode ser de estilo, não de essência. Já Pacheco, que foi o candidato bolsonarista à presidência do Senado, tem uma curta carreira na política, tendo chegado à Brasília em 2014, como deputado federal pelo PMDB, e apoiando rapidamente toda a agenda golpista dos anos seguintes, desde o impeachment contra Dilma Rousseff, até a PEC do Teto dos Gastos Públicos e a Reforma Trabalhista, passando pelas lavajatistas “Dez Medidas Contra a Corrupção”.
Por outro lado, aqueles que querem se apresentar como “a terceira via” de oposição a Bolsonaro, tampouco diferem substancialmente da boiada que vem avançando sob o atual governo. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), por exemplo, tem mostrado que a defesa da ciência que tem feito no contexto da pandemia é uma ferramenta política que utiliza mirando as eleições de 2022. Desde o começo do ano, Doria não ouviu as recomendações feitas pelo seu próprio Centro de Contingência, e para avançar nas medidas de flexibilização da quarentena, dissolveu o centro.
E na mesma linha de responder aos interesses ruralistas, um projeto do governo Doria que tramita em regime de urgência na Alesp, pretende tornar trabalhadores rurais de assentamentos da reforma agrária em proprietários das terras e não mais beneficiários da concessão de uso de terras públicas. A medida é feita sob a mesma lógica do programa federal Titula Brasil, e ambas vêm sendo denunciadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra como formas de permitir o avanço da especulação sobre terras de reforma agrária.
Em uma coluna anterior, também denunciamos a estratégia política idêntica utilizada pelo governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) de propagandear seu suposto distanciamento da figura de Jair Bolsonaro, mas mostrar um completo alinhamento em sua gestão, em especial no que diz respeito à entrega do patrimônio público e natural nas mãos do capital e dar as boas vindas à invasão de terras e territórios por megamineradoras e monoculturas envenenadas.
A campanha contra Bolsonaro é tão fundamental quanto a denúncia e resistência ao projeto neoliberal genocida em curso e aos demais pré-candidatos que fazem fila para pegar o bastão da representação dos interesses das corporações extrativas e do agronegócio no nosso país.
* Este artigo de opinião da Amigos da Terra Brasil foi veiculado no site do jornal Brasil em Fato em 30 de Agosto (acesse aqui).
Além dos empresários do agronegócio e da mineração, os do mercado imobiliário certamente têm interesse no avanço do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que inviabiliza e impõe retrocessos para a demarcação de terras indígenas.
Com o objetivo de gerar lucro para poucos, existem vários casos de
avanço sobre territórios indígenas com a anuência ou, diretamente, com o
compromisso do poder público em trabalhar em defesa de interesses
privados contra os direitos de povos indígenas, muitas vezes por meio
da própria tentativa de modificação da legislação local.
Com o requerimento de urgência recentemente aprovado, o PL da Grilagem (Projeto de Lei 2.633/2020) também promete beneficiar a especulação imobiliária com terras indígenas.
O PL, entre outras coisas, visa regularizar a invasão privada de terras públicas em geral, e inclusive facilitar a invasão em áreas de comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.
Nela, o CNDH afirma que o “Congresso não deve premiar quem viola
direitos de agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas e
comunidades tradicionais, aumentando a desigualdade, estimulando a
violência no campo, a especulação imobiliária e o trabalho em condições
análogas à escravidão”.
Mulheres indígenas contra a especulação em Alter do Chão (PA)
Elas denunciam que devido ao avanço de projetos turísticos e de
mineração vêm perdendo terras e que os habitantes tradicionais vêm sendo
empurrados para as regiões periféricas do território.
Em 2017, foi apresentado o Projeto de Lei 1621/2017
na Câmara de Santarém (PA) que pretendia modificar a Lei de Uso,
Ocupação e Parcelamento do Solo das Zonas Urbana e Rural, e autorizar,
por exemplo, a construção de prédios de até 19 metros de altura.
Devido à resistência das populações tradicionais, os Ministérios Públicos Estadual e Federal recomendaram a suspensão do PL,
tanto para que fossem realizados estudos técnicos, como para garantir a
realização de consulta prévia, livre e informada à população que seria
atingida.
Comunidade Mbya Guarani da Ponta do Arado em Porto Alegre (RS)
A Prefeitura de Porto Alegre também tenta alterar a legislação
municipal para permitir um projeto imobiliário, da empresa Arado
Empreendimentos Imobiliários Ltda., que possui potenciais impactos
ambientais e sobre indígenas que vivem na Ponta do Arado, no bairro
Belém Novo, no Extremo Sul da capital gaúcha.
A gestão de Sebastião Melo (MDB-RS) está formulando o terceiro PL dos
últimos 6 anos, que visa ajustar as leis para permitir a implementação
de um projeto que prevê a construção de mais de 2,3 mil lotes de média e
alta renda, e que coloca em risco a preservação de banhados e
ecossistemas importantes que ajudam a evitar alagamentos na região.
Desde 2018, a Ponta do Arado, que fica às margens do Rio Guaíba e
dentro de uma área de preservação ambiental, é ocupada por indígenas
Mbyá-Guarani.
Estudos antropológicos que ainda não foram finalizados indicam
resquícios históricos de habitação indígena no local. Além disso, a área
de mata e na beira do rio garante as condições necessárias para a
sobrevivência dos Guarani, que já estão presentes no Extremo Sul de
Porto Alegre, no bairro Lami, e na divisa da região com a cidade de
Viamão, nas localidades do Cantagalo e de Itapuã.
A empresa e a prefeitura omitem a presença dos Guarani na Ponta do
Arado. Eles não constam no projeto da empresa, sequer são citados nas
audiências públicas e demais debates sobre o destino da área.
Tampouco são levados em consideração em algum planejamento do poder
público que preveja alternativas, como a manutenção da comunidade
indígena junto à área de preservação.
A Arado Empreendimentos contratou uma empresa de segurança privada e
montou um posto próximo à aldeia. A comunidade foi alvo de um ataque a
tiros, comprovado em investigação policial posterior.
A Arado ainda instalou uma cerca com sensor de movimento para
monitorar os indígenas, concretou poço artesiano e não permitiu outros
acessos para buscar água potável, proibiu que buscassem lenha e isolou a
aldeia a tal ponto que apenas podia ser acessada de barco pelo Guaíba.
A situação de cercamento gerou um “confinamento desumano” segundo o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, em janeiro de 2020, determinou a retirada da cerca e exigiu que a empresa respeitasse o direito de ir e vir dos indígenas, além do acesso à água.
A empresa ainda entrou com pedido de reintegração de posse na Justiça
Estadual, que foi atendido, mas posteriormente suspenso. Enquanto isso,
os Mbya Guarani aguardam a demarcação da terra, atualmente em fase de
estudo pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
Na luta por acesso à água potável, uma parceria do Instituto
Econsciência, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Laboratório de
Etnoarqueologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul LAE/UFRGS,
da Amigos da Terra Brasil e com os/as indígenas da Retomada construíram
um projeto para autonomia da comunidade da Ponta do Arado. O grupo implementou um sistema de tratamento da água do Guaíba para torná-la potável.
A defesa do Cinturão Verde Guarani em São Paulo (SP)
Os indígenas da Terra Indígena Jaraguá, na Zona Norte da capital paulista, têm motivos de sobra para não acreditar na ideia divulgada pela mídia de que o novo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, seria “mais aberto”.
De família ruralista, e integrante da Sociedade Rural Brasileira
(SRB) por mais de 20 anos, Leite e sua família têm uma disputa judicial
contra a comunidade por uma parte da Terra Indígena Jaraguá.
As comunidades indígenas que vivem ali já sofreram recentemente uma tentativa de avanço da especulação imobiliária sobre suas terras.
Em 2020, a Construtora Tenda S.A. derrubou mais 500 árvores da Mata
Atlântica, a escassos metros da aldeia Tekoa Ytu, a única das seis
aldeias da região que ainda não teve finalizado o processo de
demarcação.
A comunidade resistiu, ocupou o espaço e conseguiu fazer com que a Justiça suspendesse
as obras de construção das 11 torres. Os indígenas querem que na área
seja construído um parque ecológico e um Memorial da Cultura Guarani.
Além disso, os indígenas do Jaraguá vêm lutando junto às comunidades
Guarani Tenondé Porã, no extremo sul de São Paulo, para que seja
aprovado o projeto de Lei do Cinturão Verde Guarani, que visa manter as áreas de Mata Atlântica em pé, recuperar áreas degradadas e nascentes de água. O projeto já foi aprovado em primeiro turno, mas está parado na Câmara Municipal de São Paulo.
É preciso deter os processos de especulação imobiliária sobre terras
indígenas em todo o país, inclusive nas áreas urbanas. Eles são
rejeitados pelas comunidades e movimentos indígenas, e negativos também
do ponto de vista da justiça ambiental.
As mudanças em debate em Brasília que dizem respeito às terras
indígenas visam também promover fortemente o crescimento de projetos
desse tipo.
Por esses motivos, continuamos na luta contra o PL da Grilagem, a
farsa do Marco Temporal e em defesa da Demarcação Já das Terras
Indígenas!
* Este é um artigo de opinião publicado no site do jornal Brasil em Fato em 19 de Julho (link aqui) e no Brasil de Fato no RS em 20 de Julho (neste link) . A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Indigenous movements protest in front of the Chamber of Representatives against the approval of Law Project 490 in the Committee for Constitution, Justice and Citizenship (CCJ) – Tiago Rodrigues
The Supreme Federal Court (STF) postponed once again the judgment of the Extraordinary Appeal (RE) 1.017.365, a request for reintegration of possession from the Environment Institute of the state of Santa Catarina (IMA) against the National Indigenous Foundation (Funai) and indigenous people from the Xokleng population, from the Indigenous Land Ibirama-Laklanõ, recognised as belonging to that people by the Ministry of Justice in 2003. The judgment was scheduled for the coming August 25th. As the Supreme Court recognised the general repercussion of that case in 2019, the decision in the case will have juridical repercussion to all the indigenous peoples in the country.
IMA’s request is based on the idea of “marco temporal” (time frame) of occupation of indigenous lands, created by the former minister of the Supreme Federal Court (STF), Carlos Ayres Britto during the court’s trial on the demarcation of Indigenous Land Raposa-Serra do Sol (TIRSS), in the state of Roraima (RR) in 2009. In favour of the demarcation of TIRSS, the STF minister considered the 1988 constitution’s promulgation date (October 5th of that year) as “unsubstitutable referential to the recognition for the indigenous people of ‘the rights over the lands that they traditionally occupy’”.
Laklanõ-Xoklem indigenous people during demonstration in Brasília against Jair Bolsonaro on June 19th / Mauro Ramos
The interpretation created in that trial was manipulated and used in the following years by ruralists and other players interested in advancing over indigenous lands, with the goal not only of restricting future demarcation of indigenous lands, but also of nullifying the ongoing demarcation processes, as stated by the now senator from the state of Rio Grande do Sul, Luis Carlos Heinze (PP), presently known for being one of the main defenders of medicines proved inefficient against COVID-19, and a congressman at the time.
The deliberation 001/2017, dubbed Anti-demarcation Deliberation, was one of the many attempts to expand the interpretation as a general criterium for demarcation of indigenous lands. The first attempt was also created at AGU, with the Normative 303 from July 16th, 2012. The former minister of STF, Carlos Ayres Britto himself, is against the interpretation that the ruralists made of that decision.
In 2018, he reminded the ISA (Socio-environmental Institute) that when he voted, he made an exception to “those situations in which the indigenous people at the time of [the promulgation of] the Constitution were not in their lands [because] they were being chased, victims of physical violence. They did remain in the surrounding areas, around their lands. And they did not recover their lands because they found an environment of hostility, of aggression”, said the Supreme Court’s former minister.
In May last year, the STF minister Edson Fachin suspended the Anti-demarcation Deliberation. On the coming August 25th, a Court session will define whether they confirm Fachin’s decision or not.
Indigenous People in the fight
Around 850 indigenous people belonging to more than 50 different peoples made the Rise for Earth Camping in Brasília, from the 8th to the 30th of June, the day on which the STF once again postponed the trials regarding the time frame (marco temporal). The indigenous movement, which mobilised 1200 indigenous people in Brasília on the week of June 30th, and in hundreds of protests around the country, decided that the delegations from various states will return in August, when the STF resumes the trial. Besides the issues at the Supreme Court, the mobilisation was also against the Law Project (PL) 490/2007. According to a technical note of the Missionary Indigenist Council (Cimi), the Project intends to “make the demarcation of indigenous lands unviable”, as well as to open the demarcated lands to “diverse economic enterprises like agribusiness, mining and the construction of hydroelectric power plants, among other measures”.
The PL was approved by the commission of Constitution and Justice (CCJ) of the Chamber of Representatives last June 23rd in a session which was much questioned by the opposition and by the indigenous movements, which besides having their participation censored, were also strongly repressed by the military police of the Federal District during the protests in front of the Chamber. As in other occasions, the president of CCJ, bolsonarist congresswoman Bia Kicis (PSL-DF) was accused of censoring the debate, even interrupting the speech of the only Brazilian indigenous congresswoman, Joênia Wapichana (Rede-RR). Even if approved by the Chamber of Representatives, the Project will not be valid if the STF decides for the unconstitutionality of applying the idea of time frame defended by the ruralists.
The mobilization in Brasília is also against the PL 191/2020, with authorship of the Bolsonaro administration, which tries to legalise mining and other mega projects in Indigenous Lands, and the PL 2633/2020, criticised for legalising situations of illegal land appropriation.
The false argumentation of the Bolsonaro administration and its neoliberal base
Both the congressmen who approved the PL 490 in the CCJ and the president Jair Bolsonaro have been using the strategy of speaking in the name of the indigenous peoples when they defend those anti-indigenous projects. Blosonaro has even started to incentivise indigenous leaders to defend mining and agribusiness in their lands, as part of that strategy.
The Apib (Articulation of Indigenous Peoples from Brazil) and the Mining Observatory have shown the content of a meeting between Bolsonaro and a wood extracting businessman, the president of Funai and Kayapó indigenous leaders from the state of Pará, in which that strategy becomes evident. “The indigenous people who want to work with mining must press their politicians”, said the president of the Republic in the meeting outside the presidential schedule.
During the approval of the PL 490 in the CCJ, one of the vice-leaders of the government in the Chamber, congressman Giovani Cherini (PL-RS), stated that the indigenous peoples “do not need any more land”, that the project aims at ending “hunger and poverty” among the indigenous people, and also that “indigenous people need guidance in order to exploit their land in a rational way, in a sustainable way”, a total lack of knowledge and disrespect to their life style. In the same session, congressman Kim Kataguiri defended that the Project would end the limitations to the “right to economic development” of the indigenous peoples.
The argument of supposed defense of the indigenous peoples is evidently false. It is public and well known that agribusiness and mining are interested in advancing over indigenous territories, which is where one can find areas with proved more preservation of socio-biodiversity of the Brazilian biomes. As revealed by magazine Piauí recently, requests for mining in indigenous land, which this year have already reached a record high, were all made by non-indigenous.
Besides that, none of the people who defend those agendas come from indigenous movements or even have any kind of relationship with the indigenous movements and articulations in our country. Those are not demands of the indigenous peoples, and it is well demonstrated by the indigenous people in the Rise for Earth Camping in debates concerning those peoples! That makes it very clear that the discourse that exploitation from agribusiness and mining would be a “demand” of the indigenous peoples is false.
Register of ancestors of Vetchá Teiê and Voia Camlem, indigenous people born in the land where today is the Retaking Xokleng / Alass Derivas/Friends of the Earth Brazil.
We need to continue supporting the fight of the indigenous people against those historic regressions, and make the STF eliminate once and for all the juridical aberration which the “marco temporal” is, as well as all the “cattle passing” which has been promoted against the rights of the traditional and original peoples, and against nature’s common goods.
Friends of the Earth International, the biggest base Federation for environmental justice in the world, with groups in 73 countries, celebrating this month of June 50 years of existence, approved unanimously on the last day of its general assembly (July 2nd) a resolution committing to act in internationalist solidarity supporting the indigenous mobilisations articulated in Brazil, as well as the Rise for Earth camping and the March of Indigenous Women.
Demarcation now! No to the “marco temporal”!
This is an opinion article published by Friends of the Earth Brazil (ATBr) on the site of the newspaper Brasil de Fato (www.brasildefato.com.br) on July 5th, 2021. The author’s view does not necessarily express the editorial line of the newspaper Brasil de Fato.
Movimientos indígenas protestan enfrente de la Cámara de los Diputados contra la aprobación del PL 490 en la Comisión de Constitución, Justicia y Ciudadanía (CCJ) – Tiago Rodrigues
El Supremo Tribunal Federal (STF) volvió a posponer el juzgamiento del Recurso Extraordinario (RE) 1.017.365, un pedido de reintegración de posesión del Instituto del Medio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra la Fundación Nacional del Indio (Funai) e indígenas del pueblo Xokleng, de la Tierra Indígena Ibirama-Laklanõ, reconocida como perteneciente a ese pueblo, por el Ministerio de la Justicia en 2003. El juzgamiento quedó fechado para el próximo 25 de agosto. Como el Supremo reconoció la repercusión general de ese caso en 2019, la decisión del caso tendrá repercusión jurídica para todos los pueblos indígenas del país.
El pedido del IMA se basa en la idea de “marco temporal” de ocupación de tierras indígenas, inaugurada por el ex ministro del STF (Supremo Tribunal Federal), Carlos Ayres Britto, en el juzgamiento de la Corte sobre la demarcación de la Tierra Indígena Raposa-Serra do Sol (TIRSS), en Roraima (RR), en 2009. En favor de la demarcación de la TIRSS, el ministro del STF consideró la fecha de promulgación de la Constitución de 1988 (5 de octubre de ese mismo año) como “insubstituible referencial para el reconocimiento, a los indios, ‘de los derechos sobre las tierras que tradicionalmente ocupan’”.
Indígenas Laklanõ-Xoklem durante acto en Brasília contra Jair Bolsonaro el 19 de junio / Mauro Ramos
La interpretación creada en ese juzgamiento fue manipulada y aprovechada en los años siguientes por ruralistas y otros actores interesados en el avance sobre tierras indígenas, con el objetivo no solo de restringir las futuras demarcaciones de tierras indígenas, como de anular los procesos de demarcación en curso, tal como ha argumentado el ahora senador gaucho Luis Carlos Heinze (PP), conocido actualmente por ser uno de los principales defensores de remedios con ineficacia comprobada contra COVID-19 y, en la ocasión, diputado federal.
En 2017, Heinze, integrante de la Bancada Ruralista, explicitó esos objetivos, al afirmar que la bancada había combinado con el gobierno de Michel Temer la publicación del Parecer Normativo 001/2017, por la Abogacía-General de la Unión (AGU). Heinze es uno de los parlamentares que no esconde su carácter anti-indígena. En 2014, afirmó que los pueblos indígenas, quilombolas y población LGBT son “todo lo que apesta” y aún reafirmó el dicho al ser cuestionado por la prensa.
El dictamen 001/2017, bautizado de Dictamen Antidemarcación, fue uno entre varios intentos de extender la interpretación como criterio general para demarcaciones de tierras indígenas. El primero intento nació también en la AGU, con la Deliberación nº 303, de 16 de julio de 2012. El mismo exministro del STF, Carlos Ayres Britto, es contrario a la interpretación que los ruralistas hicieron de la decisión.
En 2018, al ISA (Instituto Socioambiental), él recordó que en su voto hizo una consideración “para aquellas situaciones en que los indios en la ocasión de la [promulgación de la] Constitución no estaban en sus tierras, [porque] estaban ahuyentados, víctimas de violencia física. No dejaron de permanecer en el área, alrededor de sus tierras. Y no han recuperado sus tierras porque encontraron un ambiente de hostilidad, de agresión”, argumentó el exministro del Supremo.
En mayo del año pasado, el ministro del STF, Edson Fachin, suspendió el Dictamen Antidemarcación. El próximo 25 de agosto, el plenario de la Corte debe definir si confirma o no la decisión de Fachin.
Pueblos Indígenas en la lucha
Cerca de 850 indígenas pertenecientes a más de 50 pueblos realizaron el Campamiento Sublevación por la Tierra en Brasilia, de 8 a 30 de junio, día en que el STF volvió a posponer los juzgamientos referentes al “marco temporal”. El movimiento indígena, que llegó a movilizar 1200 indígenas en Brasilia en la semana del 30 de junio y en cientos de protestas por todo el país, ha definido que las delegaciones de los diversos estados volverán en agosto, cuando el STF reinicie el juzgamiento.
Además de las agendas en el Supremo, la movilización fue contra el Proyecto de Ley (PL) 490/2007. Según una nota técnica del Consejo Indigenista Misionario (Cimi), el proyecto pretende “inviabilizar la demarcación de tierras indígenas”, y también abrir las tierras demarcadas “para los más diversos emprendimientos económicos como agronegocio, minería y construcción de hidroeléctricas, entre otras medidas”.
El PL fue aprobado por la Comisión de Constitución y Justicia (CCJ) de la Cámara de los Diputados, el último 23 de junio, en una sesión muy cuestionada por la oposición y por los movimientos indígenas, que además de tener su participación censurada, fueron fuertemente reprimidos por la Policía Militar del Distrito Federal durante protesta delante de la Cámara.
Como en otras ocasiones, la presidenta de CCJ, la diputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), fue acusada de censurar el debate, llegando a interrumpir el habla de la única parlamentar indígena brasileña, Joênia Wapichana (Rede-RR). Aunque sea aprobado por la Cámara de los Diputados, el proyecto no tendrá validad si el STF decide por la inconstitucionalidad de la aplicación de la idea de “marco temporal” defendida por los ruralistas.
La movilización en Brasilia también es contra el (PL) 191/2020, de autoría del propio gobierno Bolsonaro, que intenta legalizar la minería y otros megaproyectos en Tierras Indígenas, y el PL 2633/2020, criticado por legalizar situaciones de acaparamiento de tierras.
La falsedad de la argumentación del gobierno Bolsonaro y su base neoliberal
Tanto los diputados que aprobaron en la CCJ el PL 490, como el propio presidente Jair Bolsonaro, han utilizado la estrategia de hablar en nombre de los pueblos indígenas al defender esos proyectos anti-indígenas. Bolsonaro incluso pasó a incentivar liderazgos indígenas a defender la minería y el agronegocio en sus tierras, dentro de esa estrategia.
La Apib (Articulación de los Pueblos Indígenas de Brasil) y el Observatorio de Minería han divulgado el contenido de una reunión de Bolsonaro con un empresario maderero, el presidente de Funai y liderazgos indígenas Kayapó del estado de Pará, en que esa estrategia queda evidente. “Los indios que quieren trabajar con minería tienen que presionar a sus políticos”, dijo el presidente de la República en la reunión fuera del agenda presidencial.
Durante la aprobación del PL 490 en la CCJ, uno de los líderes adjuntos del gobierno en la Cámara, el diputado Giovani Cherini (PL-RS), afirmó que los pueblos indígenas “no necesitan más tierra”, que el proyecto visa acabar con el “hambre y la miseria” entre indígenas, y también que “el indio necesita orientación para que pueda explotar sus tierras de forma racional, de forma sostenible”, un total desconocimiento y falta de respeto a sus modos de vida. En la misma sesión, el diputado Kim Kataguiri defendió que el proyecto acabaría con la restricción al “derecho al desarrollo económico” de los pueblos indígenas.
La argumentación de supuesta defensa de los pueblos indígenas es evidentemente falsa. Es público y notorio el interés del agronegocio y de la minería en avanzar sobre territorios indígenas, que es donde están comprobadamente las áreas con mayor preservación de la sociobiodiversidad de los biomas brasileños. Como reveló la Revista Piauí recientemente, los pedidos de minería en tierras indígenas, que este año ya rompieron récords, fueron todos hechos por no-indígenas.
Además de eso, ninguno de los que defienden esas agendas vienen de movimientos indígenas o siquiera poseen relación con los movimientos y articulaciones indígenas de nuestro país. Ésas no son demandas de los pueblos indígenas, y eso queda demostrado también cuando las puertas de la Cámara de los Diputados son cerradas a los cientos de pueblos representados por los indígenas del Campamiento Sublevación por la Tierra, ¡en debates que dicen respeto a esos pueblos! Eso deja muy nítido que el discurso de que la explotación por el agronegocio y la minería sea una “demanda” de los pueblos indígenas es absolutamente falso.
Registro de los ancestrales de Vetchá Teiê y de Voia Camlem, indígenas nacidos en la tierra donde hoy está la Retomada Xokleng / Alass Derivas/Amigos de la Tierra Brasil
Necesitamos continuar apoyando la lucha de los pueblos indígenas contra esos retrocesos históricos y hacer que el STF elimine de una vez la aberración jurídica que significa el “marco temporal”, así como todas las “pasadas de bueyes” que han sido promovidos contra los derechos de los pueblos tradicionales y originarios, y también contra los bienes comunes de la naturaleza.
Amigos de la Tierra Internacional, la más grande federación de base por la justicia ambiental del mundo, con grupos en 73 países, al celebrar este mes de junio 50 años de existencia, aprobó por unanimidad, el último día de su asamblea general (2 de Julio), una resolución comprometiéndose a actuar en solidaridad internacionalista en apoyo a las movilizaciones indígenas articuladas en Brasil, como el campamiento Sublevación por la Tierra y la Marcha de las Mujeres Indígenas.
!Demarcación ya! !Marco Temporal No!
Éste es un artículo de opinión publicado por Amigos de la Tierra Brasil (ATBr) en el sitio del periódico Brasil de Fato (www.brasildefato.com.br) el 5 de Julio de 2021. La visión del autor no necesariamente expresa la línea editorial del periódico Brasil de Fato.
Movimentos indígenas protestam em frente à Câmara dos Deputados contra a aprovação do PL 490 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) – Tiago Rodrigues
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a adiar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, um pedido de reintegração de posse do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, reconhecida como pertencente a esse povo, pelo Ministério da Justiça em 2003. O julgamento ficou marcado para o próximo 25 de agosto. Como o Supremo reconheceu a repercussão geral desse caso em 2019, a decisão neste caso terá repercussão jurídica para todos os povos indígenas do país.
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a adiar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, um pedido de reintegração de posse do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, reconhecida como pertencente a esse povo, pelo Ministério da Justiça em 2003. O julgamento ficou marcado para o próximo 25 de agosto. Como o Supremo reconheceu a repercussão geral desse caso em 2019, a decisão neste caso terá repercussão jurídica para todos os povos indígenas do país.
O pedido do IMA se baseia na ideia de “marco temporal” da ocupação de terras indígenas, inaugurada pelo ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Carlos Ayres Britto, no julgamento da Corte da demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (TIRSS), em Roraima (RR), em 2009. Em favor da demarcação da TIRSS, o ministro do STF considerou a data de promulgação da Constituição de 1988 (5 de outubro desse mesmo ano) como “insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, ‘dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam’”.
Indígenas Laklanõ-Xoklem durante ato em Brasília contra Bolsonaro no último 19 de junho. Foto: Mauro Ramos
A interpretação criada nesse julgamento foi manipulada e aproveitada nos anos seguintes por ruralistas e outros atores interessados no avanço sobre terras indígenas, com o objetivo, não apenas de restringir as futuras demarcações de terras indígenas, como de anular os processos de demarcação em andamento, tal como argumentou o agora senador gaúcho Luis Carlos Heinze (PP), conhecido atualmente por ser um dos principais defensores de remédios com ineficácia comprovada contra a COVID-19 e, à época, deputado federal. Em 2017, Heinze, integrante da Bancada Ruralista, explicitou esses objetivos, ao afirmar que a bancada havia combinado com o governo de Michel Temer a publicação do Parecer Normativo 001/2017, pela Advocacia-Geral da União (AGU). Heinze é um dos parlamentares que não esconde seu caráter anti-indígena. Em 2014, afirmou que os povos indígenas, quilombolas e população LGBT são “tudo o que não presta” e ainda reafirmou o dito ao ser questionado pela imprensa.
O parecer 001/2017, batizado de Parecer Antidemarcação, foi uma de várias tentativas de estender a interpretação como critério geral para demarcações de terras indígenas. A primeira tentativa nasceu também na AGU, com a Portaria nº 303, de 16 de julho de 2012. O próprio ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto, é contrário à interpretação que ruralistas fizeram da decisão. Em 2018, ao ISA (Instituto Socioambiental), ele lembrou que em seu voto fez uma ressalva “para aquelas situações em que os índios à época da [promulgação da] Constituição não estavam em suas terras, [porque] estavam escorraçados, vítimas de violência física. Não deixaram de permanecer nas redondezas, no entorno de suas terras. E não recuperaram suas terras porque encontraram uma ambiência de hostilidade, de agressão”, argumentou o ex-ministro do Supremo.
Em maio do ano passado, o ministro do STF, Edson Fachin, suspendeu o Parecer Antidemarcação. No próximo dia 25 de agosto, o plenário da Corte deve definir se confirma ou não a decisão de Fachin.
Povos Indígenas em pé de luta
Cerca de 850 indígenas pertencentes a mais de 50 povos realizaram o Acampamento Levante pela Terra em Brasília, de 8 a 30 de junho, dia em que o STF voltou a adiar os julgamentos referentes ao “marco temporal”. O movimento indígena, que chegou a mobilizar 1200 indígenas em Brasília na semana do 30 de junho e em centenas de protestos por todo o país, definiu que as delegações dos diversos estados voltarão em agosto, quando o STF retomar o julgamento.
Além das pautas no Supremo, a mobilização foi contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007. Segundo uma nota técnica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o projeto pretende “inviabilizar a demarcação de terras indígenas”, assim como abrir as terras demarcadas “para os mais diversos empreendimentos econômicos, como agronegócio, mineração e construção de hidrelétricas, entre outras medidas”.
O PL foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) Câmara dos Deputados, no último dia 23 de junho, em uma sessão muito questionada pela oposição e pelos movimentos indígenas, que além de terem censurada sua participação, foram fortemente reprimidos pela Polícia Militar do Distrito Federal durante protesto em frente à Casa. Como em outras ocasiões, a presidenta da CCJ, a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), foi acusada de censurar o debate, chegando inclusive a interromper a fala da única parlamentar indígena brasileira, Joênia Wapichana (Rede-RR). Mesmo sendo aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto não terá validade se o STF decidir pela inconstitucionalidade da aplicação da ideia de “marco temporal” defendida por ruralistas.
A mobilização em Brasília também é contra o (PL) 191/2020, de autoria do próprio governo Bolsonaro, que tenta legalizar a mineração e outros megaprojetos em Terras Indígenas, e o PL 2633/2020, criticado por legalizar situações de grilagem de terras.
A falsidade da argumentação do governo Bolsonaro e sua base neoliberal
Tanto os deputados que aprovaram na CCJ o PL 490, quanto o próprio presidente Jair Bolsonaro, vêm lançando mão da estratégia de falar em nome dos povos indígenas ao defenderem esses projetos anti-indígenas. Bolsonaro passou inclusive a incentivar lideranças indígenas a defenderem a mineração e o agronegócio em suas terras, dentro dessa estratégia. A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e o Observatório da Mineração divulgaram o conteúdo de uma reunião de Bolsonaro com um empresário madeireiro, o presidente da Funai e lideranças indígenas Kayapó do Pará, em que essa estratégia fica evidente. “Os índios que querem trabalhar com mineração tem que pressionar seus políticos”, disse o presidente da República na reunião fora da agenda presidencial.
Durante a aprovação do PL 490 na CCJ, um dos vice-líderes do governo na Câmara, o deputado Giovani Cherini (PL-RS), afirmou que os povos indígenas “não precisam de mais terra”, que o projeto visa acabar com a “fome e a miséria” entre indígenas, e ainda que “índio precisa de orientação para que ele possa explorar suas terras de forma racional, de forma sustentável”, um total desconhecimento e desrespeito aos seus modos de vida. Na mesma sessão, o deputado Kim Kataguiri defendeu que o projeto acabaria com o cerceamento do “direito ao desenvolvimento econômico” dos povos indígenas.
A argumentação de suposta defesa dos povos indígenas é evidentemente falsa. É público e notório o interesse do agronegócio e da mineração em avançar sobre territórios indígenas, que é onde estão comprovadamente as áreas com maior preservação da sociobiodiversidade dos biomas brasileiros. Como revelou a Revista Piauí recentemente, os pedidos de mineração em terras indígenas, que somente neste ano já bateram recorde, foram todos feitos por não-indígenas.
Além disso, nenhum dos que defendem essas pautas vêm de movimentos indígenas ou sequer possuem relação com os movimentos e articulações indígenas do nosso país. Essas não são demandas dos povos indígenas, e isso fica demonstrado também quando as portas da Câmara dos Deputados são fechadas às centenas de povos representados pelos indígenas do Acampamento Levante pela Terra, em debates que dizem respeito a esses povos! Isso deixa muito nítido que o discurso de que a exploração pelo agronegócio e a mineração é uma “demanda” dos povos indígenas é absolutamente falso.
Registro dos ancestrais de Vetchá Teiê e de Voia Camlem, indígenas nascidos na terra onde hoje é a Retomada Xokleng | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Precisamos continuar apoiando a luta dos povos indígenas contra esses retrocessos históricos e fazer com que o STF elimine de uma vez por todas a aberração jurídica que significa o “marco temporal”, assim como toda a “boiada” que vem sendo promovida contra os direitos dos povos tradicionais e originários, assim como contra os bens comuns da natureza.
A Amigos da Terra Internacional, a maior federação de base pela justiça ambiental do mundo, com grupos em 73 países, ao celebrar neste mês de junho 50 anos de existência, aprovou por unanimidade, no último dia de sua assembleia geral (2 de Julho), uma resolução comprometendo-se a atuar em solidariedade internacionalista em apoio às mobilizações indígenas articuladas no Brasil, como o acampamento Levante pela Terra e a Marcha das Mulheres Indígenas.
Demarcação já! Marco Temporal Não!
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. Artigo publicado em 5 de Julho de 2021 na edição nacional e em 6 de Julho na edição do RS. Clique no link para conferir as versões em inglêse em espanhol deste texto