Vitória da retomada: É suspensa ordem de reintegração de posse contra comunidade Mbyá Guarani

Nos territórios do Rio Grande do Sul, a força dos Mbyá Guarani faz caminho de raízes cada vez mais fortes. Nessa semana, a luta garantiu uma vitória na cidade de Canela. O resultado foi a suspensão com imediata cessação da ordem de reintegração de posse da Companhia Estadual de Geração Elétrica (CEEE-G), que ameaçava a retomada, iniciada em 2021.

Somada à luta daqueles que já passaram, a retomada territorial é uma atualização política, uma continuidade de ocupação ancestral, que garante terra, vida e a preservação da natureza e da identidade dos povos originários. Frente a violência de um Estado colonial, ainda mais intensa sob a atual conjuntura política, são os sopros de vitória que trazem esperança e anunciam possibilidades de outros mundos, mundos coexistindo. Com reflexos no agora, a história do local evoca tempos antigos da luta em comunidade, assim como expõe as fraturas de um processo colonizatório que precisa ter fim. Com este triunfo, que garante a permanência dos Mbyá Guarani em suas terras, os mais de 700 hectares cruzados por solos, rios e florestas que pulsam vida, seguem trilhando ao lado dos sonhos de quem já estava aqui antes.

A Companhia, recentemente privatizada e comprada pelo Grupo Equatorial , atuou contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e contra os Mbyá Guarani. Mas a vitória dos territórios veio. No processo, ocorrido no dia 13 deste mês, a Defensoria Pública da União entrou com agravo de instrumento para barrar a ordem a favor da CEEE. A decisão do Tribunal Regional Federal (TRF4) foi positiva aos povos originários e acatou o agravo. Assim, foi suspenso o pedido de liminar da companhia, que havia sido deferido no dia 5 deste mês. Pedido este que daria reintegração de posse à empresa, definindo ainda que a Funai procurasse em trinta dias outro local para o assentamento da comunidade, sendo que as terras originalmente pertencem aos indígenas. No caso, a empresa alegou que detém a propriedade da área Horto Florestal Bugres-Canastra, junto à Usina Hidrelétrica de Bugres (UHE Bugres), bem como do reservatório de Canastra. Este não é o primeiro caso de ataque aos Mbyá Guarani desta retomada, mas a luta segue florescendo.  

Comunidade em audiência com o Judiciário, em que houve decisão a favor da CEEE | Foto: Roberto Liebgott

O desembargador Rogério Favreto acolheu o pedido de suspensão, com imediata cessação da ordem de reintegração contra a comunidade de Canela. Seu argumento central foi a decisão do atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, que define a suspensão nacional dos processos que versem sobre a matéria territorial indígena, ao menos até a conclusão do julgamento da tese do marco temporal

Comunidade em audiência com Judiciário, em que houve decisão a favor da CEEE | Foto: Roberto Liebgott

As famílias Mbya Guaraní estão com uma campanha para aquisição de um gerador de energia para possibilitar a comunicação e iluminação na retomada, o que pode garantir mais segurança às famílias.

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Maria Duarte – liderança Mbya Guaraní

NOTA DE SOLIDARIEDADE AO POVO GUARANI E KAIOWÁ

Em denúcia do Massacre de Guapoy no Mato Grosso do Sul

Na madrugada do dia 24 de junho o território tekoha Guapoy Mirin Tujury,  área reivindicada como terra indígena originária e tradicionalmente ocupada por cerca de 150 pessoas, na região próxima  aos limites da Reserva Indígena de Amambai [Guapoy], é novamente retomada pelos Guarani e Kaiowá, após a primeira tentativa ocorrida um mês antes. A área reivindicada fica no sul do estado do Mato Grosso do Sul, quase na fronteira com o Paraguai, região centro-oeste do Brasil.

Na ocasião, a Polícia Militar do estado, com ordens da Secretaria de Segurança Pública, promoveu um despejo ilegal, isso porque não contou com autorização do Poder Judiciário para promover a desocupação da área. No Brasil as questões que envolvem direitos indígenas são de competência exclusiva da justiça federal, e portanto, a operação deveria ser realizada pela Polícia Federal, como envolve conflito territorial deveriam ser efetuada apenas mediante autorização judicial, o que não ocorreu. Embora a Polícia alegue ser uma operação de combate ao narcotráfico, por situar-se em zona de fronteira, ainda assim seria necessário intervenção federal. Assim, tanto a Polícia Militar não estava apta a realizar a operação, como era necessário o aval do Poder Judiciário. 

A operação foi realizada com autorização do governo do Estado, quem chefia a Polícia Militar, tendo a duração de 12h, com apoio de diversas viaturas, centenas de policiais, e inclusive o uso de helicóptero. O resultado foi uma chacina com uma morte e pelo menos 10 feridos, dos quais duas pessoas em estado grave. Destaca-se entre os feridos uma criança atingida no abdômen por disparos de fuzil 5.56, que no Brasil apenas o Exército tem a autorização de uso.  Durante a operação estiveram envolvidos diversas viaturas, helicópteros, centenas de policiais, que abriram fogo com armas pesadas contra a comunidade. A Aty Guasu, grande assembleia do povo Guarani e Kaiowá, em carta pública, do dia 25 de junho se refere ao ocorrido como “ Massacre de Guapoy”, trazendo a memoria de outro Massacre contra o povo Guarani e Kaiowá, o de Caarapó ocorrido em 14 de junho de 2016. 

Os Guarani e Kaiowá são uma das maiores etnias do Brasil fora da Amazônia, enfrentam há décadas o desafio da demarcação de seus territórios. Durante a ditadura militar foram confinados em Reservas Indígenas que se encontram super lotadas, nos últimos anos as comunidades têm se organizado e realizado um processo de “retomada” de seus territórios ancestrais. Contudo, todo território tradicional reivindicado é cercado pelo agronegócio, tendo a explosão de inúmeros conflitos violentos. 

Há cerca de 1 mês as famílias ocuparam a área da Fazenda Borda da Mata, que fica nas margens da Reserva Indígena de Amambai, fronteira com o Paraguai. O dono da fazenda é acusado de desmatamento e extração ilegal de madeira. A comunidade vem sofrendo diversos ataques desde a ocupação, tendo denúncias de um ataque de pistoleiros há algumas semanas, nos quais duas jovens foram desaparecidas, ainda sem  investigação e esclarecimento dos fatos. 

A Polícia Militar do Mato Grosso do Sul vem tendo um histórico de atuação truculenta na região, agindo sem autorização judicial, e sem o cumprimento das determinações legais cabíveis, realizando um papel de milícia privada dos fazendeiros na região. Em sua declaração, o Secretário de Segurança Pública, Antônio Carlos Videira, alega que tratou-se de uma operação contra o narcotráfico na região. No entanto, em declaração em coletiva de imprensa, assume manifestações contraditórias, chegando a assumir que tratava-se de uma operação policial para apoiar a desocupação da área em favor do fazendeiro. Ao longo do dia 25 de junho, as habitações indígenas da  retomada tekoha Guapoy Mirin Tujury foram todas destruídas pela polícia, alguns indígenas que permaneciam no local foram removidos.  

Além da brutalidade policial, se encontra na raiz do massacre o mesmo problema do caso dos defensores Dom Philip e Bruno Pereira assassinados no Vale do Javari: a precarização e o desvio de função da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no governo Bolsonaro. No contexto da completa paralisação da demarcação de territórios indígenas no Brasil e do avanço do agronegócio sobre os territórios na região, a FUNAI deixou de atender às demandas dos indígenas que vivem em retomadas, havendo denúncias da atuação de servidores em cargos de chefia em favor do agronegócio

Nesse sentido se conclama a comunidade internacional para a solidariedade com os povos indígenas do Brasil, em especial os Guarani e Kaiowá através:

  • Da difusão de denúncias através das redes sociais sobre  a gravidade das ações realizadas pela Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul, exigindo que sejam tomadas medidas para a proteção dos povos indígenas no Mato Grosso por parte do Estado brasileiro, em especial a realização de investigação e responsabilização dos agentes que agiram ilegalmente;
  • Do envio de pedidos à Relatoria Especial para os Povos Indígenas, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e o Mecanismo de Peritos da ONU sobre os Direitos dos povos indígenas, para que exijam do Estado brasileiro a observância do respeito aos direitos humanos dos povos indígenas, em especial o direito à vida, à integridade física e proteção do território, bem como a tomada de medidas para investigação por órgãos independentes sobre a atuação da polícia militar no estado;
  • Enviar cartas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) direcionados ao Ministro Luiz Fux (Presidente) através do email: presidencia@cnj.jus.br , solicitando intermediação do Poder Judiciário junto ao Governo do Estado para assegurar a não realização de despejos durante a pandemia (conforme modelo anexo);
  • Enviar cartas ao Ministério Público Federal solicitando intervenção junto ao Governo do Estado para assegurar os direitos dos povos indígenas, bem como a realização de investigações para a responsabilização dos agentes envolvidos, através do email: 6ccr@mpf.mp.br ;
  • Promovam atos nas embaixadas do Brasil em manifestação do luto dos mortos pela causa indígena, e exigindo a proteção do Estado Brasileiro dos mesmos; 

“Essa é terra é nossa”: indígenas se manifestam contra o Marco Temporal em atos pelo país

Em Porto Alegre (RS), mesmo sob chuva, povos Kaingang, Mbya Guarani, Charrua e Xokleng estiveram reunidos, junto a apoiadores dos movimentos sociais e organizações de base

Entre os sons dos maracás e os gritos por “demarcação já, demarcação já!”, indígenas dos povos Kaingang, Mbya Guarani, Charrua e Xokleng estiveram reunidos, junto a apoiadores dos movimentos sociais e organizações de base, sob a chuva fina que caia em Porto Alegre (RS), para manifestar o pedido de que o Supremo Tribunal Federal (STF) vote e rejeite a tese do Marco Temporal. O julgamento, que estava previsto para essa quinta-feira (23/06), foi novamente adiado, a partir de decisão do presidente do Supremo, Luiz Fux, no início do mês.  A manifestação também soma voz ao pedido de justiça pelas mortes do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, assassinados no Vale do Javari (Amazonas), neste mês, por defenderem os direitos indígenas e da natureza. Uma dor partilhada pelos povos indígenas de todo o país.

Com suas danças e cantos, os povos percorreram as ruas do centro de Porto Alegre, atraindo olhares e palmas da população que circulava pelo local. Reunidos em roda na Esquina Democrática, foi momento de cada um dos povos ali presentes se apresentarem e manifestar seu posicionamento. “Queremos de volta o que foi tirado de nós. Nossa vida, nosso território. Demarcação já!”, reforçou Kulung, liderança do povo Xokleng. Ela também lembrou, durante sua fala no ato, que a retomada Xokleng, localizada em frente à Floresta Nacional de São Francisco de Paula (Flona), no Rio Grande do Sul, vem se manifestando e atuando para impedir o processo de avanço da privatização do parque:  “Nós, Xokleng, na retomada em São Francisco de Paula, seguramos a boiada para não passar”, finalizou Kulung.

“O Marco Temporal viola nossos territórios indígenas. Queremos que nos vejam com outros olhos e queremos participar das políticas públicas”, explicou o cacique Kaingang Moisés Kacupri. “A nossa luta nunca vai parar, sem luta não conseguimos nada”, reforçou ao lembrar que a luta é presente há 522 anos nessas terras e segue de forma intergeracional, e dessa forma as raízes, os filhos e netos ficam na terra para brotarem.

O dia foi nomeado pelo movimento indígena como “Dia de luta pela vida”, com ações em aldeias, nas redes e atos em cidades como Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Campo Grande (MS), Dourados (MS), Cuiabá (MT), além de mobilização em frente às sedes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do STF em Brasília. Desde segunda-feira (20), cerca de 150 indígenas representantes dos povos Terena, Kaingang, Tuxá, Xokleng, Tupinambá, Karapó, Guarani Nhandeva, Guarani Kaiowá, Takaywrá, Cinta Larga, Karipuna, Tukano, Macuxi, Wapichana, Taurepang, Mura e Marubo, ao longo desta semana, realizaram uma série de reuniões e audiências: com parlamentares no Congresso Nacional; na Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH); no Conselho Nacional de Justiça (CNJ); no Supremo Tribunal Federal e na Funai, além de participarem do “Seminário sobre o Regime Constitucional das Terras Indígenas no Brasil”, na Universidade de Brasília (UnB), que  reuniu indígenas, parceiros, acadêmicos e juristas.

O que é a tese do Marco Temporal?

De acordo com a tese do Marco Temporal, a demarcação de uma terra indígena só poderia acontecer se fosse comprovado que os povos originários ocupavam a área em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. Sem levar em consideração, por exemplo, povos que tenham sido retirados forçadamente de seus territórios e não o tivessem reocupado até essa data, assim perderiam o direito à sua terra tradicional.

A tese que se contrapõe ao Marco Temporal se chama Tese do Indigenato, que entende os direitos indígenas como originários, ou seja, anteriores ao próprio Estado. Como dizemos, antes mesmo de existir o Brasil, já haviam povos indígenas nessas terras. Hoje, no Brasil, há mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto. A decisão pode definir o rumo desses processos.

A tese defendida por ruralistas e setores econômicos interessados em explorar as terras indígenas não tem data prevista para voltar à pauta do Supremo. O tema começou a ser votado em agosto de 2021, com dois votos publicados, do ministro Edson Fachin, que  votou contra o marco temporal, e do ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro (PL), de forma favorável.  De lá pra cá, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista ao processo e suspendeu o julgamento, que seria retomado nesta quinta-feira (23) e foi novamente adiado.

A tensão entre os poderes pode ter resultado no adiamento da votação da pauta. Vale lembrar que no fim de maio, durante um culto evangélico em Goiânia (GO), Bolsonaro afirmou: “não é ameaça, é realidade”, ao se referir que não irá cumprir a decisão do STF caso seja favorável aos indígenas. 

Seguimos apoiando a luta dos povos indígenas. É preciso lutar contra esses retrocessos históricos e fazer com que o STF elimine, de uma vez por todas, a aberração jurídica que significa o “marco temporal”, assim como toda a “boiada” que vem sendo promovida contra os direitos dos povos tradicionais e originários, maiores defensores dos bens comuns, da biodiversidade, das florestas e das águas.

Veja também:

Marco temporal não é tese, é embromação jurídica de ruralista. O STF tem o dever de enterrá-la!

Pelo fim da farsa do Marco Temporal. Demarcação já!

Confira mais fotos do ato em Porto Alegre (RS):

Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

Representantes de 20 povos indígenas, agricultores, extrativistas e organizações socias lançam carta contra projetos da economia verde no Acre

A articulação é resultado do encontro “Golpe Verde na Amazônia”, em Cruzeiro do Sul, Acre, e denuncia ações contra a autonomia, os territórios e a vida dos povos da floresta

Foram dois dias de trocas intensas no encontro Golpe Verde na Amazônia, que ocorreu nesse  final de semana (11 e 12 de junho), na cidade de  Cruzeiro do Sul, no Acre. Estiveram reunidos 20 povos indígenas das etnias  Manchineri, Apurinã, Katukina Noke Kuí, Jamamadí, Jaminawa, Sharanawa, Huni Kuim, Shanenawa, Ashaninka, Madiha, Kuntanawa, Jaminawa-Arara, Jaminawa do Igarapé Preto, Marubo, Arara, Apolima-Arara, Kanoé Rondonia, Oro Wari Rondonia, Bororo, Nukini, Nawa, além de pequenos/as agricultores/as, trabalhadores/as rurais extrativistas, representantes das organizações Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), Amigos da Terra Brasil, Sempre Viva organização Feminista (SoF), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Trabalhadores/as Sem Terra (MST-RO), Movimento dos Pequenos Agricultores/as (MPA – RO). O encontro tratou dos impactos do avanço das políticas de compensação de carbono, como o REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal). Desde 2010, com a Lei Sisa (Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais) aprovada no Acre, esta política vem sendo promovida como caminho de sucesso para barrar o desastre climático. Contudo, as dezenas de milhões de euros que o governo do Acre recebeu do governo alemão não conseguiram conter o desmatamento. Ao contrário, os relatos dos indígenas demonstram a destruição da vida dos defensores das florestas que o avanço do processo de financeirização da natureza gera.

“Nós temos uma arma, que é a união dos povos”, reforça Derci Telles, seringueira e expoente da luta, sendo a 1ª presidenta do Sindicato dos Trabalhadores de Xapuri (AC). Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Exemplo disso foi a triste partilha de como estão vivendo o povo Madijá, que vem sofrendo com depressão e casos de suicídio, reflexo do álcool introduzido nas comunidadespelos não-indígenas. Os invasores dos territórios trazem um mundo de problemas que afetam a realidade dos povos. Seja pela invasão direta dos territórios, seja com a pesca e caça predatória, que avança sem fiscalização pelo enfraquecimento dos órgãos de proteção, passando pelo desmatamento e roubo de madeira, até chegar na guerra promovida pelo garimpo e o narcotráfico. O cerco se fecha com o avanço do agronegócio e de projetos ditos desenvolvimentistas, como é o caso da estrada que liga o município de Cruzeiro do Sul, no Acre, a Pucallpa, no Peru, continuidade da BR 364. Os conflitos ambientais têm crescido muito nesta década e, de forma exponencial, nesses 4 anos de Governo Bolsonaro. O enfraquecimento dos órgãos de defesa dos direitos dos povos indígenas, como a Funai (Fundação Nacional do índio) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), são outro grave problema presente na fala de muitos povos da região, dando uma sensação de isolamento. Mas não estão sozinhos.

“A ideia do que é coletivo, se torna em posse de um indivíduo, e aí começa a mercantilizar a natureza”, afirma Lindomar Dias Padilha. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

“Nós temos uma arma, que é a união dos povos”, afirmou Derci Telles, seringueira e expoente da luta, sendo a 1ª presidenta do Sindicato dos Trabalhadores de Xapuri (AC). Após dois anos de isolamento devido à  pandemia de Covid-19, o encontro Golpe Verde que ocorreu nesse final de semana na Amazônia tem o papel de construir pontes e fortalecer a luta dos povos da floresta, para além de discutir as ameaças da economia verde, pois o objetivo da luta segue o mesmo: “Em primeiro lugar, é terra demarcada. Sem a terra demarcada, nós não temos saúde, não temos casa, não temos nada”, lembra a liderança do povo Huni Kui do município de Feijó, Mário Huni Kui. Entre as principais ameaças identificadas pelos indígenas a seus territórios e sobrevivência cultural, social e física, a questão de proteção territorial parece, de longe, a mais gritante. Desde a mobilização contra o Marco Temporal até o descaso com os espaços já demarcados e a exploração extrema de recursos naturais, as questões de integridade e proteção física se manifestam de forma grave. Isso porque as invasões territoriais têm provocado mais e mais perseguições e assassinatos cometidos por garimpeiros, pescadores e caçadores ilegais, madeireiros e traficantes. Um exemplo claro é o recente desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que, por conduzirem uma investigação em terras indígenas amazônicas, após partirem em uma viagem de barco saindo  da comunidade do Amazonas de São Rafael, não foram mais vistos.

Portanto, os povos da floresta denunciam que, além de se comportarem como falsas soluções, os projetos de economia verde pioram a situação social, climática e territorial hoje por eles vivida, além de, na verdade, serem apenas pretextos para que a engrenagem capitalista siga girando. Isso, é claro, independente dos danos climáticos causados e do agravamento da questão social indígena.

Confira abaixo a íntegra da Carta de Cruzeiro do Sul:

Carta de Cruzeiro do Sul, Acre 

                                              Encontro Golpe Verde na Amazônia 

Nós, integrantes dos povos Manchineri, Apurinã, Katukina Noke Kuí, Jamamadí, Jaminawa, Sharanawa, Huni Kuim, Shanenawa, Ashaninka, Madiha, Kuntanawa, Jaminawa-Arara, Jaminawa do Igarapé Preto, Marubo, Arara, Apolima-Arara, Kanoé Rondonia, Oro Wari Rondonia, Bororo, Nukini, Nawa, agricultores/as, trabalhadores/as rurais extrativistas, representantes das organizações Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), Amigos da Terra Brasil, Sempre Viva organização Feminista (SoF), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Trabalhadores/as Sem Terra (MST-RO), Movimento dos Pequenos Agricultores/as (MPA – RO), reunidos nos dias 11 e 12 de junho no Centro de Treinamento Diocesano, na cidade de Cruzeiro do Sul no Acre, no evento Golpe Verde na Amazônia, identificamos as diversas ameaças que afetam nossos territórios e nossa sobrevivência cultural, social e física: 

  • 1. A não demarcação de muitos de nossos territórios, incluindo aqueles dos povos em situação de isolamento voluntário, assim como a ameaça dos já demarcados pelo marco temporal e outras proposituras legislativas; 
  • 2. Os projetos de construção de estradas e hidroelétricas, exploração de petróleo e gás, minérios e de madeira e a expansão do agronegócio, sem que haja sequer processos de Consulta Livre Prévia Informada e de Boa Fé, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); 
  • 3. O aumento das invasões, inclusive armadas, nos territórios, das perseguições e assassinatos durante o Governo Bolsonaro, por garimpeiros, pescadores e caçadores ilegais, madeireiros e traficantes, a exemplo do ocorrido com o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips; 
  • 4. O desequilíbrio social, a violência interna, os suicídios e o êxodo rural que estes projetos e invasões provocam em nossas comunidades ao, entre outros, introduzir uso de álcool, drogas e abusos sexuais, incluindo desaparecimentos e a violência contra crianças;
  • 5. O acelerado avanço dos projetos do tipo REDD, REDD+, PSA ou, como chamam ultimamente, Soluções baseadas na Natureza (SbN), que vem sendo apresentados como soluções para o desastre climático e ambiental em curso, assediando nossas lideranças e organizações, cooptando algumas delas e causando graves conflitos internos. 

Chegamos à conclusão que estes projetos da economia verde, ao invés de solucionar, agravam as ameaças sobre nossos territórios e a própria crise climática e ambiental. Trata-se na verdade de esquemas de pagar para poluir, de gerar pretextos para viabilizar a continuada queima de combustíveis fósseis e o continuado crescimento econômico capitalista. Os esquemas de compensação climática e ambiental, de fato, andam de mãos dadas com a destruição exercida pelos megaprojetos e invasões diretas em nossos territórios. As falsas soluções, assim como os mercados de carbono, prosperam na medida em que ameaças e violência aumentam.

Diante destas constatações, seguiremos denunciando todos os projetos que atentam contra a autonomia dos povos da floresta, seus territórios e a própria vida.

Nós nos reconhecemos como parte do grande organismo vivo que é a terra. Os diversos ataques que o capitalismo lança em ritmo acelerado sobre as florestas e seus povos agem como um vírus que ataca este organismo. Na medida em que este vírus se espalha, se transforma, assume novas formas e se camufla. Porém, a nossa luta, nossas rezas, rituais e cantos de cura, também se tornam cada vez mais fortes à medida em que nos unimos para enfrentar esses projetos de morte. 

Como povos da floresta, somos a voz que cura e se levanta para defender a Mãe Terra. 

Cruzeiro do Sul, Acre , 12 de Junho de 2022.

Veja mais fotos do encontro:

Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

Retomada Guarani da Ponta do Arado em Porto Alegre (RS) constrói sua casa de reza e fortalece sua cultura e tradição

Apesar dos constantes reveses, a construção de um espaço de conexão com a espiritualidade traz os Mbyá Guarani para dentro de sua cultura e tradição. Pelo fim da injustiça contra aqueles que chegaram primeiro na Ponta do Arado Velho!

Entre idas e vindas, a área da fazenda do Arado Velho é território Mbyá Guarani. Apesar do modelo econômico neoliberal que prioriza as privatizações estar tomando o espaço, a resistência se mantém forte.  No mês de junho de 2022, fecham quatro anos de Retomada Guarani em meio às terras ocupadas. Em 2018, o local contava com três famílias e hoje existe uma parentela, composta por sete famílias. A situação judicial que se coloca atualmente é a mesma de antes do início da pandemia da COVID-19. Os juízes desembargadores da Justiça Federal são os responsáveis por tomar a decisão final sobre a situação dos Mbyá Guaraní. O questionamento que fica é: até quando os Mbyá ficarão nas areias da Ponta do Arado Velho esperando o processo de demarcação territorial?

Crianças guaranis brincam na orla do Guaíba, nas areias da retomada. Foto: Carmem Guardiola

Hoje, as famílias que residem no território vivem um cotidiano colorido pela ancestralidade, por um presente vivido em sua potência máxima da manutenção de um modo de viver que lhes confere autonomia cultural. Por estes e outros motivos, o apoio de aliados à causa do povo Guarani no decorrer dos últimos anos tem possibilitado uma maior sensação de segurança e apoio por parte do povo atingido. Após momentos de risco de morte e recorrentes ameaças voltadas para a desestabilização emocional dos indígenas, se tornou essencial o trabalho em prol de sua segurança. Para tanto, a comunidade amiga e a organização Amigos da Terra Brasil vêm atuando continuamente na instalação e manutenção de sistemas fotovoltaicos com painéis solares, voltados para a geração e distribuição de energia. O que proporciona aos Guarani uma maior segurança, lâmpadas quando estas se fazem necessárias e comunicação com aliados. Entre outros projetos, foi instalado um sistema de captação e tratamento de água do Guaíba. Esta infraestrutura de raízes fortes que auxilia os indígenas diante das tentativas permanentes de desterritorialização e o convívio com familiares, vai trazendo aos poucos o sentimento de aldeia, o tekoá, espaço para ser um Mbyá. Neste “território” não podem faltar os encontros com Nhanderu Mirim, os deuses menores, na Opy’i, a casa de ligação com os deuses, casa de concentração, casa de “reza”, espaço de contato com a espiritualidade. Na Opy’i, além dos encontros com Nhanderu Mirim, o conhecimento dos ancestrais se faz na celebração de eventos que fortalecem o modo de ser Mbyá.

Desde o início das invasões neste território orquestradas  pelos colonizadores, o local se tornou palco de histórias de tristeza, perdas de parentes, doenças, perda de autonomia, escravidão, perda de territórios, desestruturação emocional e sobretudo, de tentativas de apagamento da herança cultural dos Guarani. As lutas desiguais os levaram à busca por terras e por autonomia por meio das leis dos não indígenas. Na Constituição de 1988, esses povos conseguiram garantir, por meio de instrumentos jurídicos ocidentais, alguns direitos básicos. Entre eles, o direito a viverem conforme seus costumes e tradições, mas também direito à saúde e educação diferenciados.

Guarani reunidos em frente à construção da Opy’i. Foto: Carmem Guardiola

Apesar dos recentes avanços, a situação dos Guarani na Ponta do Arado já vem complicada desde que a ideia de construção de um bairro planejado na Fazenda do Arado Velho começou. Mesmo os órgãos tendo identificado inconsistências técnicas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) apresentado pela Arado Empreendimentos Imobiliários Ltda, proprietária da fazenda e responsável pelo empreendimento, o prefeito Sebastião Melo moveu montanhas para tirar o bairro do papel. Essa construção acarretaria a entrada de condomínios de luxo na área. Isso mobilizou a implantação de um sistema de captação e tratamento de água, o Sistema de Abastecimento de Água (SAA) Ponta do Arado, uma adutora subaquática de captação de água bruta supostamente pensado para melhorar o abastecimento para Belém Novo e arredores. O conjunto de sete obras, sendo de grande relevância também a Estação de Tratamento de Água (ETA) Ponta do Arado, tem previsão de serem concluídas em 2024. No pouco tempo de atuação dessas obras, o desgaste e os estragos feitos no cotidiano dos Guarani  já são visíveis. Em 2021, três anos após o início da retomada das terras ancestrais pelos Mbyá Guarani da Ponta do Arado, ocorrida em 15 de junho de 2018, os indígenas tiveram finalmente acesso à água potável e adquiriram autonomia energética

Bóias colocadas pela prefeitura no trecho de travessia Guarani sem nenhuma explicação. Foto:  Carmem Guardiola

Hoje em dia, os Mbyá continuam desassistidos pela prefeitura. Segundo a cientista social Carmem Guardiola, pesquisadora do LAE/UFRGS (Laboratório de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que acompanha a situação dos Guarani desde a retomada em 2018, “O que acontece ali na área é uma arrogância racista por parte da administração do município de Porto Alegre. Ela não se comunica com os Guarani da Retomada que navegam pelas águas, e este fato é conhecido por todos na região. A administração não entrou em contato com as comunidades, tanto com os Mbya quanto com os pescadores que ali mantinham uma rotina de navegação. O processo de trabalho para a construção da obra do DMAE, nas águas, não foi esclarecido. Bóias são colocadas em diversos lugares, variando de localização e os Mbya não sabem o que elas sinalizam.. Foram colocadas pequenas placas na praia dizendo que é proibido o acesso devido ao perigo”. Ela explica que aquelas boias vão trocando de lugar e a terra também. Assim, não se tem conhecimento do que acontece ali, e Guardiola observa que “não tem ninguém da prefeitura disposto a explicar o processo”. 

Draga trabalhando na beira  da prainha de Copacabana. Foto: Carmem Guardiola

Em conversas realizadas na Ponta do Arado (investigações entre os moradores), a cientista social descobriu que “a draga faz um buraco enorme para colocação de canos que vão levar a água até a estação de tratamento. Essa areia que eles deslocam é jogada para um lugar, depois colocam o cano e cobrem de areia. Mas ela fica muito na superfície, fiquei sabendo que deu prejuízo para alguns pescadores ali, porque bateram seus motores nessa areia.” Em meio ao caos, os Guarani arranjaram um jeito. Eles não estão deixando de fazer a travessia, fazem a passagem indo por onde eles acham que podem ir, ou seja, onde não tem boias. Eles atracam em um outro lugar ao lado da prainha de Copacabana onde podem atracar. Fica a reflexão, pois o descaso é ainda mais visível dado que hoje, é de conhecimento geral que os Guarani “moram ali na Ponta do Arado e transitam bastante, inclusive agora tem adolescentes Mbyá indo e voltando da escola todos os dias.”

Hoje, a retomada dos Guarani se dá pelas mãos do cacique Mbyá Guarani Timóteo Karai Mirim, personagem central na atual retomada. Esta semana, Timóteo ergue sua Opy’i, casa de reza, que deve chamar o kokué, a roça, plantação de sementes e alimentos sagrados. Na Retomada do Arado Velho a comunidade ergue a Opy’i, com ela deve vir o kokué, mas também educação e saúde diferenciadas.

Confira a entrevista com o cacique Timóteo Karaí Mirim:

Acampamento Terra Livre: retomando o Brasil!

Inicia, hoje (4), o 18 ° Acampamento Terra Livre em Brasília (DF). O acampamento se estenderá até o dia 14 de abril, contando com duas semanas intensas de programação, e  tem como objetivo articular e mobilizar a luta em defesa dos povos indígenas e marcar o Abril Indígena pela ocupação da capital federal pelos povos originários.

Com a temática “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, o evento evidencia a emergência da defesa de políticas que prezam a vida dos povos originários, em especial em ano eleitoral. O avanço da grilagem em terras indígenas, desmatamento exacerbado e atentados contra as populações tradicionais escanra a necessidade de somar na luta e mobilização dos povos originários pela demarcação de seus territórios e em defesa da vida contra a agenda de destruições promovidas nos últimos anos.

Para registrar as experiências, trocas e práticas vivenciadas no evento contaremos com a narrativa de Rodrigo Fernandes, Mbyá-guarani, que nos trará relato de suas vivências no Acampamento Terra Livre.

Desde 2004, o movimento indígena brasileiro articula a maior mobilização dos povos originários do Brasil, o Acampamento Terra Livre. O Acampamento Terra Livre é uma manifestação de cerca de 8 mil indígenas de mais de 100 povos de todas as regiões do país, somando esta diversidade cultural às demandas políticas, a primeira semana do acampamento será marcada pelo debate “Aldear a Política: Nós pelas que nos antecederam, nós por nós e nós pelas que virão”.

A luta é pela terra, pela vida, pelos bens naturais, pela soberania do povo brasileiro. Para ajudar na mobilização, doações podem ser encaminhadas via este site: https://doa.re/terralivre.

Para saber a programação do Acampamento Terra Livre 2022, acesse o site da APIB Oficial.

Assista aqui os Diários já lançados:

DESTA VEZ, A VITÓRIA FOI DA NATUREZA

Fepam arquiva o projeto de licenciamento ambiental da Mina Guaíba, uma das maiores potenciais geradoras de energia a carvão mineral brasileiras, localizada no Rio Grande do Sul 

Na segunda-feira, dia 14 de março, aqueles que defendem a preservação do meio ambiente e a justiça para os povos nativos puderam respirar aliviados. A FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) arquivou oficialmente o processo 6354-05.67/18-1 de licenciamento ambiental do projeto Mina Guaíba, mineradora de lavra de carvão mineral a céu aberto, localizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS). A decisão foi motivada pelo descumprimento do prazo de atendimento das complementações exigidas pelo órgão ambiental, anteriormente concedido. Isso porque, já em 16 de fevereiro de 2022, foi declarado pelo Grupo de Trabalho de Análise do EIA/RIMA e pelo DMIN (Divisão de Mineração) que não só os estudos apresentados para a efetivação do licenciamento ambiental do empreendimento não foram satisfatórios,  como também os dados complementares apresentados na versão atualizada do EIA/RIMA. “Dentre outros pontos de enfraquecimento do projeto, houve a perda de interesse por parte de possíveis investidores e a decisão da Justiça que declarava nulo o EIA-RIMA por falta da realização da consulta livre, prévia e informada às comunidades Mbya Guarani impactadas. Estes resultados foram sendo construídos por meio  de um processo coletivo que envolveu muitas entidades e pessoas, articuladas pelo CCM/RS (Comitê de Combate à Megamineração no RS). Além disso, foram utilizadas diferentes estratégias e ferramentas para incidir no debate público, e também nas esferas jurídicas e técnicas”, explica o engenheiro ambiental e coordenador da AMA (Associação Amigos do Meio Ambiente) Guaíba e do Comitê de Combate à Megamineração no RS, Eduardo Raguse.

Desde 2014, a Copelmi buscava a LP (Licença Prévia) para o projeto da Mina Guaíba, mas é importante ressaltar que, se não fosse o forte processo de resistência, incluindo a anulação do EIA-RIMA por via judicial, por iniciativa dos povos atingidos organizados nos seus territórios, a empresa teria, como constava em seu objetivo, avançado em instalar a maior lavra de carvão a céu aberto brasileira, ocupando uma área total de 5 mil hectares. Este empreendimento minerário, que visava a exploração de carvão, seria responsável por atingir diretamente as populações  dos municípios de Charqueadas, Eldorado  do Sul e Guaíba, com impactos regionais para a saúde e o meio ambiente para além da região metropolitana de Porto Alegre. “A mineração de carvão é o combustível fóssil mais atrasado e obsoleto para a geração de energia, por seus impactos territoriais e pela contribuição da sua queima para as mudanças climáticas. Mas até hoje, na ALRS (Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul), o setor conservador e pró-carvão, não desiste de tentar implantar tal modalidade energética, e segue articulado para defender a mineração no Estado. Dessa forma, a luta continua!”, diz Lúcia Ortiz, presidenta da Amigos da Terra Brasil. “Ainda em 2019, o CCM/RS lançou o Painel de Especialistas, compilando muitos dos pareceres de técnicas e técnicos de diferentes áreas que analisaram criticamente o EIA-RIMA que a empresa COPELMI havia apresentado à FEPAM – órgão ambiental estadual, desde então tivemos clareza que o projeto não era ambiental, social e economicamente viável”, sublinha Raguse.

Ortiz explica que existe uma busca articulada entre movimentos sociais pela construção de caminhos justos e populares, por direitos sociais e ambientais, num processo de transição que resulte na necessária e urgente redução progressiva das emissões de gás de efeito estufa. A seleção de uma fonte de energia conhecida como a maior emissora de gases de efeito estufa por unidade de energia gerada, “além de emitir uma série de compostos desde cinzas, partículas, compostos orgânicos, metais pesados tóxicos na queima de combustíveis e que afetam a saúde da população local, depender da mineração do carvão, por si, só gera diversos conflitos e impactos territoriais”, ressalta a presidenta da ATBR. O polo carboquímico no RS foi uma manobra do Governo Sartori no apagar do ano de 2017, quando a assembleia legislativa aprovou o projeto de lei de incentivo a essa proposta. A partir disso, o projeto da Mina Guaíba, a qual seria uma das maiores minas a céu aberto de carvão mineral na América Latina, a poucos quilômetros  do Centro de Porto Alegre, foi também incentivado, mesmo localizado em uma região de reconhecidos territórios indígenas e de produção agroecológica. Isso gerou uma grande mobilização já na audiência pública contra o projeto da Copelmi. “Cabe dizer ainda que mesmo somente em fase de projeto, a Mina Guaíba já deixou um rastro de impactos psicossociais nas comunidades locais, especialmente no Assentamento da Reforma Agrária Apolônio de Carvalho, no Loteamento Rural Guaíba City e nas Aldeias Guarani Guajayvi e Pekuruty”, declara Raguse.

 “O nosso carvão não seria para exportação, porque ele é um carvão de péssima qualidade. Quase 90% das reservas de carvão mineral no Brasil estão em solo gaúcho, porém esse carvão tem um teor de 50% de cinzas, ou seja, a metade de tudo aquilo que é minerado num mega buraco de mineração, volta como resíduo depois da queima”, relata Ortiz. Este resíduo tem também de ser destinado, seja em barragens ou em pilhas de rejeitos que, da mesma forma, são contaminantes, inviabilizando qualquer outra produção e atividade econômica mais sustentável na região. Além disso, o acréscimo da poluição do ar por esse polo, já em um território metropolitano saturado pela queima de combustíveis fósseis no transporte e em outras indústrias, se torna uma ameaça constante. Graças a uma mobilização, que foi intersetorial e interseccional, “a mobilização do povo indígena, dos camponeses e camponesas que produzem agroecologia, das organizações por justiça ambiental nas cidades, tanto de Porto Alegre  como do entorno, populações tradicionais, quilombolas, enfim, população em geral mobilizada e em particular articulada e organizada no CCM/RS”, o projeto da Mina Guaíba foi derrubado. Essa articulação resultou vitoriosa desde o início, tendo já em 2019 dado um recado muito forte  contra a COPELMI, em Audiência Pública sobre a mina de Guaíba, e essa mobilização crescente levou então à necessidade do arquivamento deste processo de licenciamento na Fepam. “A proposta da maior mina de carvão à céu aberto do Brasil já vinha perdendo força ao longo do tempo, por meio  da forte resposta da sociedade gaúcha nas audiências públicas, o desembarque simbólico e um tanto quanto hipócrita do Governador Eduardo Leite”, declara Eduardo Raguse.

Como ATBR temos muito a comemorar, reconhecendo que essa não é uma luta individual, bem pelo contrário, é uma luta que levou à organização, articulação, mobilização de diversos setores da sociedade e de movimentos sociais. Ficamos muito felizes de fazermos parte dela!

Sentindo sua falta, seguiremos na luta: Carlos Vicente, presente!

A Amigos da Terra Brasil lamenta, com profundo pesar, o falecimento de Carlos Vicente, fundador da Ação pela Biodiversidade e integrante da Aliança Biodiversidade e da organização internacional Grain. Carlos nos deixou nessa 2ª feira (14/03) na Argentina.

Foi um lutador incansável por uma sociedade mais justa, sem pobreza e sem fome. Árduo defensor do direito das populações terem acesso à alimentação necessária e de boa qualidade, do respeito à diversidade cultural e da autodeterminação dos povos. Grande companheiro de tantas lutas travadas junto às comunidades e pela biodiversidade da América Latina!

Sentiremos sua falta. Fica nosso comprometimento em seguir em frente nas lutas!

Amigos da Terra Brasil
15 de Março de 2022

Casa de Reza de comunidade indígena Tekoá Pindó Mirim em Itapuã, Viamão (RS), é reconstruída após atentado que ocorreu em final de 2021

Reconstrução da Casa de Reza para a comunidade Tekoá Pindó Mirim são possibilitadas por meio de rede de solidariedade popular 

Uma rede de solidariedade popular, da qual a Amigos da Terra Brasil (ATBr) faz parte, estendeu apoio para a reconstrução da Casa de Reza e uma casa de convivência. A inauguração ocorreu no início de fevereiro com uma celebração que contou com a presença de pajés, porém em formato fechado para a comunidade, para minimizar o risco de contaminação por Covid-19. Roberto Liebgott, do Conselho Indigenista Missionário da Região Sul (CIMI-Sul) que realizam um trabalho articulado em apoio às populações indígenas, indica para que foram usadas as doações: “Para a comunidade adquiriu-se telhas e madeiras que auxiliaram na construção de uma casa de madeira em anexo à ‘Casa de Reza’, que vem sendo reconstruída depois de um incêndio criminoso. Também compramos alimentos para as famílias que lá estão”. Os recursos também foram usados para prestar apoio às retomadas Mbya Guarani dos municípios de Canela e Cachoeirinha.

Relembre o contexto 

Na madrugada do dia 14 de novembro de 2021, lideranças Mbyá Guarani foram surpreendidas  por um atentado criminoso de invasores, que incendiaram a Casa de Reza da comunidade. De acordo com relatos dos indígenas, o fogo se alastrou rapidamente por conta do vento, deixando ínfima possibilidade de apagamento do fogo. Também foram incendiados dois carros. O território é considerado ocupação tradicional e originária do Povo Guarani e está na mira de grileiros, por ser bem localizado na região metropolitana. Essa disputa acirra as tensões em uma área que é dos povos Guaranis por direito.

 A forma de prestar apoio reforça o compromisso de entidades e de movimentos com os povos originários!

Reconstrução da Casa de Reza e compra de alimentos para a comunidade são possíveis por causa de redes de solidariedade popular. Fotos: CIMI-Sul/Divulgação
Reconstrução da Casa de Reza e compra de alimentos para a comunidade são possíveis por causa de redes de solidariedade popular. Fotos: CIMI-Sul/Divulgação
Reconstrução da Casa de Reza e compra de alimentos para a comunidade são possíveis por causa de redes de solidariedade popular. Fotos: CIMI-Sul/Divulgação

VITÓRIA CONTRA A MEGAMINERAÇÃO: projeto de construção da Mina Guaíba (RS) está suspenso

Projeto de construção da Mina Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), tem processo de licenciamento ambiental anulado pela Justiça.

 Protestos contra a instalação da Mina Guaíba ocorreram em Porto Alegre em 2019 | Foto: Heitor Jardim/Amigos da Terra Brasil

O projeto da Mina Guaíba, de responsabilidade da empresa Copelmi, previa a instalação de uma mina de carvão a céu aberto. A obra tinha previsão de ser implementada entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas, na região metropolitana de Porto Alegre. Hoje, dia 9 de fevereiro de 2022, após um longo período de tensão, é proferida a sentença julgando procedente a Ação Civil Pública – movida por indígenas Mbya Guarani, assessorados por advogados defensores das causas indígenas, quilombolas, da reforma agrária e ambiental – contra a Mina Guaíba. “Essa decisão é fundamental, porque  expressa, em definitivo, a necessidade de serem respeitados os direitos originários dos povos e comunidades, dado  que são amparados pela Constituição Federal de 1988 e pelos tratos e convenções internacionais”, sublinha Roberto Antônio Liebgott, do CIMI (Conselho Indigenista Missionário). A decisão declara a nulidade do processo de licenciamento da Mina Guaíba. “Pelo menos, agora nós vamos poder respirar um pouco aliviados sem a poeira do carvão e vamos ter as nossas águas limpas para podermos tomar, sem poeira, sem ruídos. Eu não tenho nem palavras pra descrever a desgraça que seria acometida para nós aqui e mais para o pessoal ao redor”, declara a moradora de Guaíba City, Sirlei De Souza. Este empreendimento minerário não apenas visava a exploração de carvão, como também seria o responsável por afetar diretamente as populações  dos municípios de Charqueadas, Eldorado  do Sul e Guaíba. Assim, o dia de hoje é uma vitória ambiental e social para o Rio Grande do Sul.

Na semana do dia 3 de outubro de 2021, às vésperas da Conferência do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas) na Escócia, o projeto perdeu o apoio do governador do RS, Eduardo Leite (PSDB). O político chegou a afirmar na época, em entrevista ao Flow Podcast em São Paulo, que a mina não sairia, contudo até hoje, os integrantes do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul esperavam que o governo de fato arquivasse e colocasse um fim ao projeto. O Governador chegou a admitir, durante a apresentação do Projeto Avançar na Sustentabilidade, transmitido ao vivo no Youtube em 26 de janeiro deste ano, que a energia a carvão mineral está com os dias contados. Desde 2014 a Copelmi buscava a LP (Licença Prévia) para o projeto da Mina Guaíba, mas é importante ressaltar que, se não fosse o arquivamento por via judicial do licenciamento, por iniciativa dos povos atingidos organizados em resistência nos seus territórios, a empresa teria, como constava em seu objetivo, avançado em instalar a maior lavra de carvão a céu aberto brasileira, ocupando uma área total de 5 mil hectares. “Onde já se viu nós perdermos, aqui em Eldorado do Sul, mais de 5 mil hectares de terra produtiva para a mineração, para um projeto de destruição? Então o que é mais importante hoje? Usar as terras para a produção de comida, que falta para muitos brasileiros, pois a fome voltou com tudo no Brasil todo, então temos que produzir comida, e não carvão poluente para a sociedade gaúcha”, opina o agricultor e morador do Assentamento Apolônio, Marcelo Paiakan. Felizmente, o resultado foi outro.

Movimentos sociais de todo o estado do Rio Grande do Sul mobilizados contra a mineração desenfreada. |  Foto: Heitor Jardim/Amigos da Terra Brasil

Em nota, o CCM-RS (Comitê de Combate à Megamineração no RS), explica que hoje, dia 9 de fevereiro de 2022, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre aprovou a ação que tinha como objetivo a anulação do processo de licenciamento ambiental 6354-05.67/18-1. Ele foi aberto na Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental), a pedido da empresa Copelmi Mineração (ré), para a obtenção de uma Licença Prévia para o projeto da Mina Guaíba. “O grupo técnico transdisciplinar demonstrou as falácias técnicas do EIA-RIMA de que a mineração de carvão pode ser ‘limpa’ e socialmente justa. Pela primeira vez na história da exploração de carvão no RS, formou-se uma comunidade técnica transdisciplinar crítica à essa atividade de modo completo! O resultado é esse: tornar a mineração e uso do carvão obsoletos. O EIA-RIMA da Mina Guaíba é um documento incongruente e tecnicamente inepto”, explica a membro do Coletivo em Movimento de Viamão, Ilieti Citadin. O engenheiro ambiental e coordenador da AMA (Associação Amigos do Meio Ambiente) Guaíba e do Comitê de Combate à Megamineração no RS, Eduardo Raguse, explica que o EIA é o Estudo de Impacto Ambiental que as empresas que querem implantar alguma atividade potencialmente poluidora têm que elaborar para possibilitar o licenciamento ambiental desta atividade. Ele é analisado pelas equipes dos órgãos ambientais para emitir a licença. Já o RIMA é o Relatório de Impacto Ambiental,  algo como um resumo do EIA, em linguagem mais acessível à sociedade em geral para que as pessoas possam ler e entender o que acontecerá quanto o empreendimento for instalado.

A Ação Civil Pública contou com a participação de diversas entidades gaúchas e de fora do RS, por meio de uma coalizão formada pelo CCM-RS. A iniciativa foi de autoria da Associação Indígena Poty Guarani, da Associação Arayara de Educação e Cultura, com sede no Paraná, do Conselho de Articulação do Povo Guarani – RS e da Comunidade da Aldeia Guarani Guajayvi. “Deve se dar um destaque para este trabalho coletivo, não fosse isso, certamente as cavas das minas já estariam abertas. Esta decisão da Justiça é mais uma vitória que só foi possível com a resistência das comunidades locais, dos assentados da reforma agrária, dos Guaraní, dos movimentos socioambientais, que seguem atuando para  proteger nossos territórios, do trabalho das e dos técnicos e pesquisadores que compõem a Frente Técnica do Comitê, por todo compromisso e dedicação em demonstrar tecnicamente que este projeto não é um bom negócio para nossa gente e nossa qualidade ambiental”, sublinha Raguse. O objetivo foi impedir que sejam instaladas no Rio Grande do Sul minas de extração mineral que fossem possíveis agentes de uma crescente na poluição ambiental e nas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. No âmbito socioambiental, a efetivação dessas minas colocaria em risco importantes mananciais de água que garantem a sobrevivência de comunidades e a produção de alimentos. “Naquele local poderá continuar a produção de alimentos, sem expulsão de pessoas do local que pertencem e sem riscos de contaminação das nossas águas. O modelo exploratório representado pela megamineração e das megacorporações transnacionais, de lucro intenso e rápido para poucos, deve urgentemente ser desmantelado”, ratifica a engenheira ambiental e sanitarista e feminista na Marcha Mundial das Mulheres RS, Gabriela Cunha.

Cartazes de Comitê de Combate à Megamineração | Foto: Heitor Jardim/Amigos da Terra Brasil

A Copelmi ainda pode recorrer à decisão, contudo, “mesmo que eles recorram, a Copelmi sabe que esse EIA-RIMA foi mais furado do que uma peneira. Eles sabem que está tudo errado. Graças ao povo que travou essa batalha, podemos respirar aliviados”, diz Sirlei De Souza. Eduardo Raguse reitera que foi decisiva a construção da Frente Técnica, na qual profissionais de diferentes áreas analisaram o EIA/RIMA. Eles apontaram, por meio de pareceres técnicos, as omissões, falhas e lacunas dos estudos, culminando com a publicação do Painel de Especialistas, com a solicitação da FEPAM, ainda em 2019, de uma complementação de mais de 100 itens nos estudos (que a empresa COPELMI até hoje não respondeu). O agricultor Marcelo Paiakan declara que as populações do Assentamento Apolônio de Carvalho e de Eldorado e de Guaíba City consideram que qualquer decisão sobre a Mina Guaíba precisa ser coletiva: “a preservação ao meio ambiente, o compromisso com comida, o compromisso com o bem estar deve estar acima do projeto de destruição da Copelmi”. 

O ganho de causa conferido à anulação do processo é deveras importante e o primeiro passo em meio a uma vasta e coletiva caminhada. A Amigos da Terra Brasil celebra a conquista da anulação do processo de construção da Mina Guaíba e alerta para a importância da defesa do meio ambiente e da organização das comunidades locais na linha de frente demandando decisões, como esta, fundamentais para a justiça ambiental e climática.

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