Retomada Mbya Guarani Nhe’engatu (Viamão/RS) comemora 1 ano de resistência e de existência


A Retomada Mbya Guarani
Nhe’engatu, na cidade de Viamão, no Rio Grande do Sul, comemorou seu 1 ano de resistência e de existência em 14 de fevereiro. Parentes, amigos e apoiadores, entre eles nós da Amigas da Terra Brasil, estivemos presente nos festejos para compartilhar mais essa realização do povo Guarani e fortalecer a retomada, exigindo junto a demarcação de mais esta terra indígena. 

Cerca de 25 famílias vivem na área da extinta Fepagro (Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária), utilizada para pesquisas agrícolas pelo governo gaúcho e, depois, por estudantes da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A prefeitura de Viamão tem interesse na área pública, mas visando a construção de condomínios para moradia.

“Os anciãos iniciaram a caminhada há 102, 103 anos, buscando um território onde possamos, realmente, viver em paz. Que é o que mais o povo Guarani precisa, viver em paz, viver tranquilo no seu tempo, viver o dia e a noite no seu tempo. Sem pressa. Sem ter que cumprir regras dos juruá (não indígenas), viver o modo de vida Mbya. Acordar a hora que acordar, tomar o seu chimarrão, contar os seus sonhos para seus filhos, seus irmãos. No entardecer, sentar ao redor do fogo; contar piada, pro branco é pra rir, mas para nós é muita história. Há muita sabedoria numa piada. Meu finado avô Turíbio Gomes, a Tekoha é uma homenagem a ele, dar seguimento à caminhada que ele vinha dando, é dar continuidade aos sonhos dele. Ele está conosco espiritualmente nos protegendo, nos mostrando os melhores caminhos, as melhores palavras para se usar quando falar com o governo, a melhor tranquilidade para responder a esse sistema dos juruá, Queira ou não queira, fazemos parte desse sistema. E quando a gente reocupa território, tem todo um sistema jurídico que tenta impedir esse viver guarani, que se opõe à cultura guarani. Que diz que não podemos ficar nesse espaço porque é do Estado. Não tem humanismo nenhum no governo. Só o capitalismo. Que por mais que você tenha, quando partir desse mundo não leva nada. O juruá leva a vida toda trabalhando, defendendo aquilo que acha que é bom, mas não é. Nem tendo todo o dinheiro do mundo, você adoecendo, esse dinheiro não irá te salvar. E o Mbya não é assim. O Mbya quer viver a vida, quer viver o corpo, o corpo em pé, caminhando, vivendo, correndo, falando, transmitindo conhecimento. É isso o que o Mbya quer viver e fazer aqui, mas aí tem esse sistema que diz que não, que não pode fazer isso aqui. Onde está o humanismo dessa sociedade que fala tanto de direitos iguais? Só discurso!”, contestou o cacique Eloir Werá Xondaro durante as comemorações.

Territórios de vida fortalecidos, territórios indígenas mantendo as matas e humanidades vivas. “Um ano de resistência, mas de alegria também, de realizações. Crianças correndo felizes vivendo na cultura Mbya Guarani. Esse território não é apenas das famílias que estão aqui, é de todo o povo Mbya Guarani. Esse território é para as próximas gerações”, disse Eloir.


Demarcação já! Terra indígena é vida! 

 

Acesse a galeria de fotos completa no Flickr da Amigas da Terra Brasil:

* Crédito das fotos: Carmen Guardiola/ ATBR

 

Amigas da Terra Brasil

 

A COP16 alcança avanços históricos para os povos indígenas mas a crise da biodiversidade se agrava meio a lavagem verde das empresas

Sábado, 2 de novembro de 2024, Cali, Colômbia – A COP 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) terminou esta madrugada sem soluções reais para deter a perda de biodiversidade, e  sem que as causas profundas desta crise tenham sido abordadas, é uma nova oportunidade desperdiçada para regular os impactos das grandes empresas sobre a natureza.

Após uma sessão que durou toda a noite, em que a COP adotou decisões importantes, a reunião foi suspensa por falta de quórum. Ficaram sem resolução decisões como a relativa a mobilização de recursos e um mecanismo financeiro, fundamentais para os países em desenvolvimento que necessitam de segurança em termos de financiamento para a implementação, assim como o Marco de Planejamento, Monitoramento, Relatórios e Revisão, essencial para garantir uma aplicação correta do Marco Global para a Biodiversidade.

A Amigos da Terra Internacional celebra que houve uma grande vitória para os povos Indígenas e para as comunidades locais, que agora terão um grupo de trabalho específico no âmbito da Conferência . A federação ecologista também parabeniza a aprovação de um novo plano de trabalho por parte da CDB que reforçará ainda mais o papel dos Povos Indígenas, comunidades locais e povos afrodescendentes na conservação e uso sustentável da biodiversidade. 

Contudo, ao mesmo tempo, as corporações encontraram formas de não serem reguladas e pressionaram fortemente a favor de falsas soluções, especialmente de compensação da biodiversidade. 

Nas palavras de Nele Marien, co-coordenadora de Florestas e Biodiversidade da Amigos da Terra Internacional: 

“As empresas têm pressionado muito para que se adotem todos os tipos de soluções, especialmente de compensação por biodiversidade, que tem muito apoio. Elas acreditam que podem seguir entrando em novos ecossistemas, novos territórios, e os destruindo, e simplesmente prometem que vão compensar. Isso é simplesmente impossível, porque não temos espaço no mundo para isto. A compensação da biodiversidade é um mecanismo que perpetua ainda mais a destruição, mina os direitos humanos e prejudica a justiça ambiental”.

O financiamento da biodiversidade e os mecanismos para o alcançar também tiveram lugar destacado na agenda. Argumenta-se que o financiamento ao Sul Global, manifestamente insuficiente, se completará com fundos privados procedentes de interesses empresariais e com a compensação da biodiversidade, como expresso em muitos eventos paralelos.  No entanto, o verdadeiro desastre financeiro – os 7 bilhões de “inversão” em atividades destrutivas ao ano – esteve ausente nos debates. 

A Amigos da Terra Internacional também está muito preocupada com o “ciclo negativo” entre as crises do clima e da biodiversidade. A biodiversidade está sofrendo imensamente os impactos do clima e, no entanto, os responsáveis por políticas climáticas seguem projetando a biodiversidade como fonte de compensação de carbono. Além do mais, a CDB não avalia  todos os impactos negativos de muitas políticas climáticas que prejudicam a biodiversidade. 

Em relação ao Órgão Subsidiário aprovado e ao grupo de trabalho para os Povos Indígenas, as comunidades locais e os povos afrodescendentes, Isaac Rojas, co-coordenador de Florestas e Biodiversidade da Amigos da Terra Internacional, enfatizou:  

Graças a este novo órgão e à aprovação do plano de trabalho, as futuras COPs trabalharão, entre muitas outras questões importantes, sobre posse da terra, os conhecimentos tradicionais e a governança dos Povos Indígenas. É um marco na luta dos Povos Indígenas por seus direitos. Os parabenizamos e compartilhamos o sentimento de alegria.  Mas temos que permanecer vigilantes, porque essas conquistas podem resultar em palavras vazias tendo em vista o impulso dado a várias falsas soluções”. 

Justamente sobre o  impulso dado às falsas soluções na COP 16, Mariann Bassey, de ERA – Amigos da Terra Nigéria e Food Affairs, lamentou: 

“Sempre esperamos ver ações reais, mas o que estamos vendo são falsas soluções. 

Estamos cansadas que as pessoas venham aqui, COP atrás de COP, e as coisas sigam iguais. Estamos cansadas de que as corporações se apoderem dos espaços onde deveriam falar os povos”. . 

Por último, Linda González, de CENSAT Água Viva – Amigos da Terra Colômbia, disse:

“As soluções para a crise da biodiversidade não são os créditos de biodiversidade. As soluções estão no reconhecimento da dívida histórica e ecológica que há com o Sul Global, e nas ações urgentes de reparação. Isso não foi abordado na COP 16”. 

A Amigos da Terra Internacional seguirá mobilizando-se com seus aliados em todo o mundo para assegurar que a vitória dos Povos Indígenas, comunidades locais e dos povos afrodescendentes nesta  COP seja totalmente respeitada. E para que assim seja, as corporações não podem seguir destruindo o planeta e oferecendo compensações em troca. 

Conteúdo originalmente publicado na Amigas da Terra Internacional

Quem vê árvore não vê floresta – Manifesto Rede Alerta Contra Desertos Verdes


Dia Internacional de Lutas contra Desertos Verdes

21 de Setembro 2024
Rede Alerta contra Desertos Verdes/Brasil

Enquanto as florestas queimam e os rios secam, por todo país, as corporações criminosas da celulose, da siderurgia e dos biocombustíveis fazem propaganda.Para enganar a sociedade civil, suas famílias e crianças , as empresas investem maciçamente em jornais, tvs, rádios, cartilhas, outdoors, panfletos, mídia digital. Diante do cenário apocalíptico de céus cinzentos de fuligem, no “Dia da Árvore”, o agro é verde. Atenção, é golpe!

No “Dia da Árvore”, com apoio do governo Lula-Alckmin (BNDES, MMA, MAPA, Lei 14.876/24), dos governos estaduais e municipais, as corporações criminosas manejam a mesma mentira: “plantam árvores”, “ reflorestam”, “cuidam da água e da biodiversidade”, “protegem o clima”. Nos pampas do Rio Grande do Sul e no oeste de Santa Catarina. No pantanal do Mato Grosso do Sul. No Cerrado do Norte de Minas Gerais. Na Amazônia, no Pará e no Maranhão. Na Mata Atlântica do norte do Espírito Santo, extremo sul da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Cuidado, é golpe! Na verdade, não plantam florestas, mas sim monoculturas químicas, de árvores transgênicas, de rápido crescimento. Alerta aqui. Quem vê árvore, não vê floresta. Corporações Criminosas como a Suzano, a Veracel, a CMPC, a BBF Agro e a Abrapalma, a Plantar, a Mannesmann, a Norflor e a Usiminas plantam desertos verdes!

Se apropriam dos Territórios Indígenas, Quilombolas e da Pesca Artesanal. Devastam suas matas e mangues. Inviabilizam a Agricultura Camponesa e Familiar. Impedem a Reforma Agrária e a produção de Alimentos. Secam e contaminam as águas, a terra e o ar com agrotóxicos. Violam direitos humanos e direitos da natureza. Violentam e criminalizam a população resistente em seu entorno, com pesado investimento em polícia privada e com subordinação da própria PM para proteção de seu patrimônio. Contratam pesquisas, cientistas,start-ups, artistas, consultores, para afirmarem a falsa sustentabilidade empresarial. Embora a massiva exposição de certificados e selos verdes como o FSC, preservam a violência patriarcal e escravocrata do latifúndio agrário colonial exportador.

Diante da crise climática, em coro com o Estado gestor de salvaguardas, as Corporações Criminosas propagam mais mentiras, com o rótulo de “REDD+”, “carbono neutro” ou “zero carbono”. Em nome do clima, mas no interesse apenas do lucro, oferecem “créditos de carbono” para outras empresas e setores da economia fóssil. Com suas monoculturas de árvores, e privatização das florestas, as CorCrim fingem limpar o carbono da atmosfera, permitindo mais emissões petroleiras, em uma lógica suicida de falso mercado verde. Cuidado aqui. Não caia nessa. Devido aos seus diversos impactos socioambientais os créditos de carbono dos Desertos Verdes são sujos!

Para desfazer a farsa “florestal”, basta visitar seus vastos latifúndios, aprender com as comunidades que habitam em seus entornos, assistir os filmes, pesquisar as denúncias, ler a farta literatura crítica, consultar técnicos, cientistas e organizações independentes. Contra os Desertos Verdes, no “Dia da Árvore”, defendemos as matas, as águas, o clima.. Reivindicamos a urgente titulação dos territórios indígenas, quilombolas, geraiszeiros, de pesca artesanal, de quebradeiras de coco do babaçu. Reivindicamos a Reforma Agrária e a Agricultura Camponesa para a produção de alimentos. Reivindicamos a reparação dos direitos humanos e da natureza.No “Dia da Árvore”, 21 de Setembro, esteja em Alerta contra os Desertos Verdes!

Rede Alerta contra Desertos Verdes/Brasil

 

 

Rede Alerta contra Desertos Verdes: Liberdade para o Cacique Bacurau Já!

Viva o Povo Pataxó!

Liberdade para o Cacique Bacurau Já!

É inadmissível o que vem ocorrendo com o povo indígena Pataxó, no extremo sul da Bahia.  Com suas aldeias cercadas pelas monoculturas de eucalipto da Suzano e da Veracel Celulose, vigiadas por guarda privada, perseguidas pela PM do Estado da BA e por milícias regionais de latifundiários, o povo Pataxó resiste.

Luta pela demarcação de seus territórios, por seus direitos de povos originários, pela preservação de suas águas e matas atlânticas, pela transmissão de seus modos de vida, memória e sabedoria ancestral.

Na sociedade civil brasileira não podemos tolerar que o Estado e as Corporações da Celulose e suas milícias ameacem, criminalizem e matem as guerreiras e guerreiros pataxós que lutam por seus direitos.

Cacique Bacurau foi preso injustamente, acusado de um crime que não cometeu, uma armadilha de fazendeiros e ruralistas da região, com apoio do próprio Estado e de seu sistema jurídico. Cacique Bacurau é um preso político, por sua luta histórica e por sua liderança em defesa da regularização do território indígena Pataxó.

No país da impunidade dos mais ricos, da anistia a militares golpistas e torturadores, da normalização dos crimes do latifúndio; é uma vergonha nacional que o Estado tenha encarcerado o Cacique Bacurau, representante da luta pataxó por seu território, conforme anunciado pela Tv Pataxó em seu canal no Instagram.

O que ocorre no extremo sul da Bahia, com os Pataxós, se repete em muitas regiões do Brasil, o que evidencia um método, um manual de ação, um modo de operar das “CORCRIM”, as corporações criminosas da celulose, como a Cia. Suzano, que opera em muitos estados do país. No Espírito Santo e no Maranhão, no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e São Paulo, por onde operam, as empresas de celulose montam uma “máquina de guerra”.

Uma guerra química com a vizinhança, pois suas monoculturas de árvores transgênicas não sobrevivem sem toneladas de agrotóxicos. Uma guerra pela água, demandando os rios e córregos de toda a região, para seus plantios e plantas industriais. Uma guerra jurídica, com batalhão de advogados processando e criminalizando as lideranças das comunidades mais resistentes. Uma guerra de vigilância e ocupação armada, contratando empresas privadas e subordinando a própria PM para sua segurança patrimonial. No campo, em seus monocultivos, uma empresa como a Suzano Celulose quase não gera emprego, a não ser no setor formal e informal de sua vigilância. Sua celulose é produzida na base da violência.

Viva o povo Pataxó! Demarcação Já! Titulação Já! De seu território ancestral.

Liberdade para o Cacique Bacurau!

Criminosa é a Suzano. Criminosa é a Veracel. Criminoso é o Estado Brasileiro e da Bahia.

Rede Alerta contra Desertos Verdes
4 Setembro 2024

Nota publicada originalmente no blog da Rede Alerta contra Desertos Verdes, articulação integrada pela Amigas da Terra Brasil (ATBR), neste link: https://alertacontradesertosverdes.org/cartas-notas-manifestos/liberdade-para-o-cacique-bacurau-ja/

Crédito da foto: TV Pataxó

Amigas da Terra na Cúpula dos Povos Rumo à COP30: a solução são os povos nos territórios

Pautando soluções reais para atravessar a emergência climática, a Cúpula dos Povos vem se organizando desde as bases da luta para marcar presença, construir espaços e incidir na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP30.  O evento está previsto para ocorrer em novembro de 2025, na cidade de Belém, no Pará (Brasil). A Amigas da Terra Brasil participa das reuniões de organização e articulação da Cúpula dos Povos, que traz respostas que propõe uma mudança radical de paradigma para frear a emergência climática e garantir direitos. Como organização, pauta ir à raiz dos problemas que vêm sendo enfrentados pelos povos desde a colonização do Brasil, e que se aprofundam e assumem outras facetas com a emergência climática. A ATBr assina a Carta da Cúpula dos Povos e convida demais organizações, coletivos, construções de base, territórios, movimentos sociais e iniciativas a assinarem e somarem nessa construção.

Leia a carta na íntegra e faça parte desta construção

 “Esse momento é um momento histórico, também, porque a gente começa a sentir em alguns territórios, há alguns anos, os efeitos das mudanças climáticas. E eles vem antes, maiores e mais fortes, atingindo primeiro, quem já sofre violações de direitos nesse sistema que a gente vive – o sistema capitalista neoliberal, que coloca alguns com direitos e outros sem direitos”, ressalta Fernando Campos, da ATBr. Fernando expõe que a principal perspectiva nesse momento é trazer a questão do direito à terra e ao território. Assim como a importância desse processo de reparação histórica e de dívida histórica, o que envolve a garantia dos direitos e da constituição com a titulação de quilombos, demarcação de territórios indígenas, reforma agrária, reforma urbana, produção de moradia, regularização fundiária no meio urbano e rural. “ É fundamental a garantia de que os povos tenham o direito aos seus territórios, o direito de dizer não a remoções, tenham direito de escolher o projeto que garanta o seu modo de vida. O direito de que ele não seja permanentemente colocado em risco em função do mercado, em função das corporações, dos projetos de infraestrutura, da mineração, do agronegócio, da especulação imobiliária e da produção de energia. São temas que hoje fazem com que a disputa da terra gere violações de direitos humanos, violência e mortes”, afirma. 

A Cúpula dos Povos surge como espaço alternativo às COPS da ONU, que são um importante espaço de disputa política mas marcado a cada ano por maior participação do setor privado, corporações e grandes empresas causadoras da emergência climática. Embora tenha relevância na tomada de decisões sobre o clima a nível global, o espaço institucional das COPs acaba limitando o acesso dos povos em luta, de movimentos sociais, sindicatos, organizações por justiça socioambiental e territórios organizados. Situação que leva a confluência destas lutas a construírem um espaço alternativo, onde as suas vozes, demandas, articulações políticas e soluções possam fazer coro por outros projetos de sociedade. Projetos que, ao encarar a tarefa de frear o aquecimento do planeta e o colapso socioambiental,  propõem soluções reais, que passam longe das falácias do mercado. 

“A gente continua desde a invasão do Brasil violando direitos em função do lucro, da ganância do poder corporativo. Então é um pouco desse desafio que a gente coloca pra COP 30 e para o governo brasileiro: do que veremos de soluções. Serão soluções corporativas, mais do mesmo, mais das mesmas empresas que nos trouxeram até aqui, com o aquecimento global, revolução industrial e processos que geraram responsabilidade sobre isso? Com os países e setores que geraram isso e continuam gerando fazendo um negacionismo em cima de todos os acúmulos científicos e os próprios relatos históricos dos territórios e comunidades da forma e o cuidado com o ambiente?”, questiona Fernando. Em nome da ATBR, ele também pauta a necessidade de o debate considerar o ser humano como parte da natureza e de pautar meio ambiente como um ambiente inteiro, que dialoga com todas as necessidades humanas e ao mesmo tempo com a perspectiva de que a preservação da natureza é fundamental para que todas vidas sejam possíveis. 

A garantia de direitos e dos povos nos territórios é o plano de fundo para um debate justo quanto ao clima. E para que este debate não se transforme em práticas que reincidem em desigualdades sociais e ambientais, nos levando ao aprofundamento dos mesmos problemas de sempre e ao colapso. “Não dá para gente pensar em soluções que vêm sendo impostas, como o mercado de carbono, pagamento por serviços ambientais, REED, redução de emissão e desmatamento, soluções baseadas na natureza… Uma infinidade de processos e nomes para coisas que muitas vezes a gente já faz, já trabalha de alguma forma nos territórios, mas que está sendo capturada pela ganância corporativa. E que, dessa forma, vai gerar disputa fundiária, mais gente perdendo os seus territórios em função de projetos de carbono, de redução de emissão, de pagamento por serviços ambientais, projetos por serviços ecossistêmicos. A única solução que nós temos hoje, comprovada historicamente, é essa: São os povos nos territórios. São os territórios coletivos. As comunidades que historicamente estão nesses territórios, ou que foram trazidas de forma violenta, que foram historicamente apropriadas, são as que melhor cuidam e melhor garantem o ambiente equilibrado. A solução dos povos são os povos nos territórios. Essa é a garantia de que teremos soluções reais na nossa discussão de aquecimento global”, explica Fernando.

A participação da Amigas da Terra Brasil na Cúpula dos Povos se dá através do Grupo Carta de Belém, que desde 2009 trabalha de uma perspectiva crítica a partir dos movimentos sociais e organizações. Este realiza debates e atividades abordando as falsas soluções do capital quanto a economia verde e o mercado de carbono, assim como construindo formas de resistência e fortalecendo as bases dos movimentos. Durante a Cúpula dos Povos rumo à COP30, assim como fez na Rio+20, o Grupo Carta de Belém estará atuando com força, articulando e organizando a incidência nestes espaços. Soma nesta construção a Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo, ecoando a perspectiva latino-americana e caribenha de resistência e as lutas por terra e território, contra o poder corporativo.

A Amigas da Terra Brasil integra estas articulações. Em 2023, participou do Diálogos Amazônicos, atividade que antecedeu o encontro de chefes de Estado na Cúpula da Amazônia. Como expôs Lúcia Ortiz (ATBr), este grande encontro dos povos amazônicos reverberou “vozes de povos que de fato preservam o bioma e constroem, todo dia, economias que sustentam a vida”. Em fevereiro de 2024, a Amigas da Terra participou da Jornada Latino Americana e Caribenha de Integração dos Povos, em Foz do Iguaçu (tríplice aliança Brasil, Paraguai e Argentina), outro momento importante no caminhar da luta por justiça climática a partir do Sul Global. Nos próximos passos, a organização estará presente na Conferência da Biodiversidade, na Colômbia. Em todos estes espaços, a ATBR se articula e segue construindo o poder popular, para dar forças às pautas e reivindicações dos povos. Com a memória no peito e os pés no agora, a organização e suas alianças miram o futuro, com o objetivo de fazer valer decisões reais durante a COP30.   

Fernando Campos (ATBr) fala sobre soluções dos povos durante a #JornadaFoz:

 A Cúpula incide na COP30, com a força das bases, e resgata um histórico de luta por justiça socioambiental que remonta desde a Eco92 até a Rio+20, onde a articulação já se fazia presente. Naqueles momentos o Brasil foi palco para o debate global frente ao tema das mudanças climáticas. Em plena Amazônia, a COP30 traz outra vez relevância para o país na caminhada deste processo histórico. Evidenciando que a construção do poder popular, da soberania energética, alimentar, territorial e dos povos, é imprescindível, a Cúpula dos Povos segue em articulação e lança carta com suas demandas e chamamento às construções de base para sulear a COP30. 

Leia também a coluna “O Brasil e a agenda de negociações da COP28“, publicada pela Amigas da Terra Brasil no Jornal Brasil de Fato 

 

Amigas da Terra Brasil participa do 12º FIMA abordando Transição Energética Justa

 

Evento ocorre no auditório da FAMECOS, na PUCRS, em Porto Alegre (RS). Inscrições gratuitas neste link

Nos dias 12 e 13 de março, acontece, em Porto Alegre (RS), o 12º FIMA (Fórum Internacional do Meio Ambiente), com o tema Água e Energias Renováveis, busca possibilitar reflexões sobre as formas de produção de energia e o uso da água. O evento é promovido pela ARI (Associação Riograndense de Imprensa), em conjunto com o Ministério Público do Rio Grande do Sul, PPGCom da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e FAMECOS (Faculdade de Comunicação da PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do RS).

O 12ª FIMA será realizado de forma presencial no auditório da FAMECOS, na PUCRS (Avenida Ipiranga, 6681). No dia 12/03 (3ª feira que vem), no final da tarde, ocorre a abertura do evento e a conferência inicial com a participação de Junior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami no estado de Roraima. É a 1ª vez que Junior vem à capital gaúcha. Ele irá falar sobre os problemas enfrentados pelo Povo Yanomami em suas terras, entre eles o garimpo, e o papel do jornalismo nessas situações de confronto e de crise humanitária.

A 4ª feira (13/03) concentra os painéis de exposição e de debate, iniciando às 8h30min e encerrando às 18h30min, com a leitura da carta produzida pelo 12º FIMA. A Amigas da Terra Brasil participa do 3º painel, às 16h15min, na presença da conselheira e integrante do Comitê Executivo da Federação Internacional Friends of the Earth, Lúcia Ortiz, que irá abordar o tema da Transição Energética Justa.

A programação completa do 12º FIMA pode ser acessada AQUI. Para assistir a conferência de abertura e participar dos debates, basta se inscrever neste link. A inscrição é gratuita. Não haverá transmissão online do evento.

Ajude a divulgar! E participe!

Amigas da Terra Brasil

Vitória! STF invalidou a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas

Vitória! Este 21 de setembro é um dia histórico aos indígenas e não indígenas do Brasil. O STF (Supremo Tribunal Federal) invalidou a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas.

A Corte do STF começou a analisar o tema em 2021, tendo sido suspenso naquele ano e retomado agora em 2023. Esta decisão é muito importante, pois repercutirá para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estão sendo discutidos ou que poderiam ser questionados na Justiça.

Marco Temporal é uma tese jurídica que restringia o direito dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. Atualmente, existem cerca de 300 processos de demarcação, os quais serão influenciados por essa decisão do STF.

A Amigas da Terra Brasil saúda a todos os povos indígenas do Brasil e às suas organizações que, após muita mobilização e pressão, vencem uma grande batalha nesta guerra que perdura desde 1.500. Afinal, o que está em jogo são os territórios de vida e não do capital.

É preciso seguir em alerta para as novas propostas trazidas durante o julgamento no STF e a outras tentativas judiciais, assim como no parlamento, que tentem flexibilizar o Marco Temporal e atacar os direitos dos povos originários e seus territórios. A luta segue pela demarcação das terras indígenas, por reparação histórica, pela manutenção da biodiversidade e em defesa da vida de todos e de todas nós.

Clique aqui e confira a Coletiva de Imprensa

Leia também nosso artigo contra o Marco Temporal

Vitória dos povos contra a tese do Marco Temporal | Crédito: Cimi

Vídeo: André Benites/ Guarani de Maquiné (RS)

Qual a origem da ‘Guerra do Dendê’ no Pará e por que os indígenas Tembé querem expulsar a Brasil BioFuels (BBF)

Site do jornal Brasil de Fato traz, neste 30 de agosto, duas matérias sobre o conflito entre o povo indígena Tembé, no Pará, e a empresa Brasil BioFuels (BBF),  proprietária de  monocultivos de dendê na região. Indígenas denunciam que os plantios da empresa  ocasionaram envenenamento de colheitas da comunidade e de nascentes de água, adoeceu animais e gerou pragas de insetos. Situação será agravada se a tese do Marco Temporal for aprovada, como denuncia o jornal.

No início do mês, a Amigas da Terra Brasil acompanhou a denúncia deste conflito feita pelo Povo Tembé durante o Diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia, no Pará. Apoiamos dando divulgação ao ataque sofrido por três liderenças do povo , que haviam sido baleadas em 7 de agosto, durante as atividades organizadas pelos movimentos e organizações sociais e o governo brasileiro.  Também entrevistamos Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), que falou sobre a situação de vulnerabilidade e as constantes ameaças que ocorrem ao Povo Tembé.

Divulgamos, abaixo, as matérias publicadas pelo jornal Brasil de Fato e o material produzido pela Amigas da Terra Brasil:

Qual a origem da ‘Guerra do Dendê’ no Pará e por que os indígenas Tembé querem expulsar a Brasil BioFuels (BBF)

Indígenas denunciam que monocultivo de dendê envenenou colheitas e nascentes, adoeceu animais e gerou pragas de insetos

Murilo Pajolla
Brasil de Fato | Tomé-Açu (PA) |

Pichação pede ‘Fora BBF’ em base da empresa próxima a terras indígenas e quilombolas – Murilo Pajolla/Brasil de Fato

Em uma área repleta de dendezais, o líder indígena Urutaw Tembé aponta para uma nascente de igarapé mal-cheirosa. Na superfície da água sem peixes, flutuam porções de matéria orgânica decomposta, entre largos tubos de concreto abandonados. “Aqui era um lugar onde meus pais, meus avós e meus tios caçavam e pescavam há uns anos atrás. Nunca imaginavam que ia chegar a uma contaminação tão grande. É horrível”, suspira a liderança indígena.

O igarapé, conhecido como Braço Grande, já não é mais sinônimo de água potável e alimento para os indígenas Tembé. Eles afirmam que o motivo da contaminação foi o descarte da tiborna, um resíduo químico da produção de óleo de palma, descrito como um caldo de cheiro insuportável. A responsável pelo descarte seria uma gigante do agronegócio “sustentável” que afirma ter nascido para “mudar a matriz energética na região Norte” em “100% de harmonia com a floresta amazônica”: a Brasil BioFuels (BBF).

O despejo da tiborna é apenas um dos graves impactos socioambientais documentados em agosto deste ano pelo Brasil de Fato no município de Tomé-Açu (PA) e que estão na origem da chamada “Guerra do Dendê”. Em três anos, o conflito resultou em pelo cinco mortes de indígenas e quilombolas, que tentam resistir à destruição das suas condições básicas de vida na floresta: água para beber e terra para plantar.

“Eles falam que a atividade deles é sustentável, mas é um sustentável manchado de sangue”, denuncia Urutaw Tembé.

Com um exército de seguranças privados e fortemente armados, a BBF é acusada de reagir com violência desproporcional a protestos de moradores, além de restringir a circulação de pessoas e de atirar, bater e até torturar lideranças. A truculência é vista como uma forma de garantir que a revolta que explode entre as populações tradicionais não afete o crescimento da operação. Desde 2021, a BBF afirma ter dobrado a capacidade de produção de biodiesel e aumentado em 10% a área plantada no Norte brasileiro, chegando a 75 mil hectares, mais do que o tamanho da cidade do Rio de Janeiro. O faturamento previsto é de R$1,5 bilhão para 2023.


Nascente do igarapé Braço Grande com indícios de contaminação pela tiborna, subproduto do beneficiamento do dendê / Murilo Pajolla/Brasil de Fato

Enquanto isso, indígenas Tembé relataram à reportagem uma vida devastada por uso abusivo de agrotóxicos, proliferação de insetos e desaparecimento da caça, pesca e água potável. E dizem que o cultivo de dendê está em áreas previamente griladas de onde seus antepassados foram expulsos por pistoleiros – e até mesmo dentro de terras indígenas demarcadas. Tudo, segundo os indígenas, sem qualquer procedimento de consulta prévia, na contramão de leis brasileiras e tratados internacionais.

Parte das alegações feitas pelos Tembé já foram reconhecidas no âmbito de processos judiciais pelo Ministério Público Federal (MPF), que já pediu a prisão do dono da BBF por tortura, acusação negada pela empresa.

A BBF afirma que sua segurança privada atua em defesa da integridade dos seus funcionários, maquinário e instalações, contra “invasores” “criminosos”. Sustenta ainda que faz o “cultivo sustentável da palma no estado, exercendo a posse pacífica, justa e ininterrupta das áreas privadas da companhia”. Confira o posicionamento da empresa na íntegra no final do texto.

Tiborna comprometeu igarapés e adoeceu caça 

Urutaw Tembé se lembra do terror que sentiu ao ver pela primeira vez o impacto do despejo da tiborna, o subproduto do beneficiamento do dendê.

“Todas as espécies de peixes e cobra de dentro do rio vinham boiando na água. Tinha muita mosca, muito urubu, e um fedor que não dava nem para chegar perto. Essas moscas ferravam a paca, a cotia… Os animais da floresta que a gente caça. Quando a gente olhava, os animais tavam com a pele, o couro caindo, se desprendendo do corpo”, relata.

Segundo Urutaw, a substância venenosa se espalhou aos poucos e comprometeu todos os igarapés ao redor do território.

“A gente não se arrisca a beber água, nem a tomar banho. Quem entrava na água saía com coceira. Por isso começamos a reivindicar para a empresa cavar poço artesiano”, diz.

A construção dos poços  foi feita “pela metade”, diz o líder Tembé. “Algumas partes a BBF atendeu, mas outras não. Ela cavava o poço, mas não colocava a estrutura ou não colocava a caixa d’água, não colocava bomba.. Algumas aldeias ela atendeu, mas o restante não”.

“Essa é a nossa revolta. De eles virem estragar nossa água e não dar estrutura para que nós pudéssemos viver”, explica Urutaw També.

Dendê avançou sobre terra demarcada, diz liderança Tembé

Na aldeia Yriwar, comandada por Urutaw Tembé, o líder indígena janta com a família. Na mesa que alimenta cerca de 10 pessoas estão açaí, farinha, e carne de tatu assada na brasa. “Confesso que não sou o melhor caçador, mas de vez em quando trago alguma coisa”, comenta Urutaw em tom de brincadeira.

Por estar dentro dos limites da Terra Indígena Turé-Mariquita, a menor do Brasil com 146 hectares, a aldeia Yriwar ainda abriga matas nativas que proporcionam a carne de caça.

Mas nem o território regularizado e protegido por lei escapou do dendê. Ao olhar para a placa do governo federal que sinaliza os limites da Turé-Mariquita, é possível ver os dendezais.


Nordeste tem grande fluxo de caminhões da BBF carregados de dendê / Murilo Pajolla/Brasil de Fato

“Aqui é a placa onde é o território já homologado, território indígena”, aponta Urutaw. “E ali o Dendê encostou [nos limites da demarcação], não respeitou limite de amortecimento. Hoje nós podemos dizer: o dendê está plantado dentro do território indígena”.

Pouco maior do que um campo de futebol, a Terra Indígena Turé-Mariquita abriga cerca de 50 pessoas. “Pouca terra para muito índio”, diz Urutaw, subvertendo o lema ruralista. Por isso, a luta dos Tembé é por espaço. Eles pedem à Funai a ampliação da terra indígena para as áreas ao redor, que estão em disputa com fazendeiros e com a própria BBF.

Agrotóxicos inviabilizaram produção

A aldeia Pitàwà está fora de terras indígenas demarcadas e é lar de 15 famílias Tembé. Na mesa do almoço, Deusalina Tembé senta com sua filha e seus netos ao redor de um pote de farinha e de uma panela com caldeirada de peixe tambaqui. “Toda a nossa comida é comprada na cidade, nada vem daqui”, lamenta a idosa.

“Hoje a gente já não come mais um peixe ou uma caça do mato, só se a gente comprar. Tudo isso foi a destruição dessa empresa, dessa maldita empresa ao nosso redor”, diz Deusalina aos prantos.

Os agrotóxicos jogados sobre os dendezais, que ficam a 30 metros das casas e da escola da aldeia, transformaram a comunidade em uma terra infértil e infestada de insetos.

“Meu pai me criou na roça, trabalhando. E hoje em dia nós não podemos mais trabalhar. Nós já ficamos até desanimados de plantar. Porque nós plantamos uma mandioca e ela apodrece. Tudo apodrece por causa desse veneno que jogam”, relata Deusalina Tembé.

“Eles estavam jogando o veneno por baixo, e a gente começou a reclamar, porque estava destruindo os nossos igarapés. Aí eles já começaram a vir de avião, por cima. Onde [o agrotóxico] pegava nas nossas plantas, todas morriam. A gente vivia só dentro de casa por causa daquele veneno com as crianças.

Infestação de insetos

A infestação de borboletas, baratas, cobras, aranhas e escorpiões está entre os impactos ambientais mais graves, porém silenciosos, relatados pelos Tembé que moram em áreas próximas de cultivos da BBF. Segundo os indígenas, as “nuvens” de insetos estão relacionadas à aplicação de agrotóxicos nos dendezais.

“Teve o tempo em que a gente já não podia comer mais caju, porque era muita borboleta em cima dele. E hoje a gente não consegue mais dormir sem mosquiteiro porque os embuás [também conhecido como piolho de cobra] caem em cima da gente e dá muita coceira”, conta Deusalina.


Caju encoberto por borboletas: “comer frutas ficou impossível”, diz Deusalina Tembé / Acervo pessoal

“Cobra, muita cobra. Já escapei de ser mordida por uma dentro da minha casa. “Esses insetos vêm todos do meio do dendê. Todo do meio do dendê esses insetos para perto da casa da gente. E aí traz mais revolta para a gente. Mais revolta, porque antigamente não era assim”, completa a matriarca Tembé.

O vislumbre de uma terra sem BBF

Com 30 moradores, a aldeia I’ixing é uma área de retomada do povo Tembé próxima ao distrito de Quatro Bocas, no município de Tomé-Açu. Localizada entre uma fazenda e um dendezal, a comunidade foi fundada em julho de 2012, mas o pedido de regularização do território vem desde 1996, como forma de compensação por um mineroduto da Pará Pigmentos que cruzou o território.

“No passado aqui morou o meu tio Lúcio”, conta Miriam Tembé, líder da comunidade. “Foi onde ele teve seus primeiros filhos. Ele teve que sair por conta da chegada de fazendeiros. Primeiro aqui foi ocupado por fazendeiros. E depois eles passaram a terra para a empresa Biopalma, depois Biovale [ex-subsidiária da Vale] e agora BBF”.

Há dois anos, em meio à pressão do movimento indígena, a BBF deixou de manejar as palmeiras de dendê na comunidade I’ixing, para alívio dos moradores. Um ano depois, a infestação de insetos que inviabilizava a coleta de frutas e o cultivo de alimentos começou a cessar.

“Por incrível que pareça a gente já consegue ver o mamão crescendo, madurando. Mas até o ano passado os insetos não deixavam. E a gente não conseguia ter uma manga, um mamão, uma banana sequer. Você falava e as moscas iam entrando na boca, caindo no alimento, na água”, relata Miriam.

Para os Tembé, a comunidade de Miriam é o vislumbre de como pode ser um futuro sem o monocultivo de dendê e com uma vida verdadeiramente sustentável.

“A BBF prega uma propaganda lá fora que produz de forma sustentável. Não é. Porque o sustentável não destrói a floresta, não polui os rios, não destrói a fauna e a flora. Da forma que ela faz, ela destrói tudo isso, impactando as nossas vidas. A vida da população que precisa da floresta para sobreviver”, diz Miriam Tembé.

Sociedade civil e Funai se solidarizam com os Tembé 

A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, ouviu as reivindicações das lideranças Tembé no início de agosto em Belém (PA). Em nota, o órgão indigenista manifestou apoio aos indígenas e disse que busca a regularização do componente indígena do processo de licenciamento ambiental.

“(…) Apesar de a empresa ter realizado diversas ações pontuais de apoio em prol da comunidade indígena, não houve avaliação adequada dos impactos sinérgicos e cumulativos, tampouco uma atuação eficaz para dirimir os problemas ambientais”, declarou a Funai por meio de nota.

Os Tembé receberam declarações de solidariedade da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab) e de inúmeras lideranças dos povos originários.

A situação de vulnerabilidade dos indígenas e quilombolas da região é acompanhada e vista com preocupação por diversas entidades de direitos humanos, como Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDH), Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Associação Brasileira de Juízes para a Democracia (ABJD).

BBF rebate impactos ambientais 

Brasil de Fato pediu respostas à BBF sobre cada uma das alegações feitas pelos indígenas na reportagem.

Sobre o despejo da tiborna na nascente do Igarapé Braço Grande, a empresa disse que “a acusação não procede”.

“O Grupo BBF enfatiza que suas operações não causam prejuízo ambiental, pelo contrário, recuperam áreas degradadas pelo desmatamento. Em suas áreas de cultivo de palma, a empresa utiliza o processo de fertirrigação, método 100% natural e orgânico. Por meio da água do cozimento dos frutos de dendê – conhecida como tiborna – que é rica em vitaminas e nutrientes, é realizada a fertirrigação somente das áreas privadas de plantio de palma, como uma alternativa sustentável para os tratos culturais necessários do palmar”, diz a nota.

A respeito da utilização de agrotóxicos, a BBF repetiu que “a acusação não procede”.

“O Grupo BBF esclarece que utiliza apenas produtos permitidos por lei em suas áreas de cultivo de palma e que realiza monitoramento contínuo, nunca foram detectados valores de substância química em concentrações que não sejam seguros à saúde pública, respeitando os indicadores definidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para o cultivo da palma de óleo. Para corroborar com a não procedência desta falsa acusação, em março deste ano, o inquérito da Polícia Federal (número 1035068-94.2022.4.01.3900) concluiu que não existe contaminação por agrotóxico ou qualquer outro tipo de poluição ambiental causada pela empresa ao longo da reserva indígena Turé Mariquita e que existe, apenas e em grande quantidade, a presença de contaminação por coliforme fecais de humanos e animais que residem no local. No inquérito, foram colhidas amostras de água em 11 pontos distintos em localidades indicadas pelos próprios indígenas Tembé e que foram periciados pela Polícia Federal e pelo Instituto de Criminalística Evandro Chagas, referência na área no Brasil e no mundo”, escreveu a BBF.

Quanto a alegação de não ter concluído a instalação de poços artesianos acordada com os indígenas, a empresa reafirmou que “acusação não procede”.

“O Grupo BBF reforça que investe de forma contínua no desenvolvimento socioeconômico das comunidades onde atua. Entre os destaques das benfeitorias em infraestrutura e serviços realizados pela empresa no último ano, estão a construção de nove pontes, a manutenção de mais de 650 quilômetros de estradas vicinais, construção de poços artesianos e estruturas de caixas d’água para as comunidades, cursos profissionalizantes, palestras de preservação ambiental em escolas públicas, assistência técnica de fitossanidade aos agricultores da região, entre outros”, afirma o comunicado.

Em relação ao dendê plantado no interior na divisa da terra indígena Turé-Mariquita, a BBF reiterou: “a acusação não procede”.

“O Grupo BBF (Brasil BioFuels) reforça que não existe sobreposição de terras, conforme relatado por representantes do INCRA e ITERPA em reunião realizada com a Comissão Agrária, que contou com a presença do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, representantes do Judiciário e outros participantes. A companhia realiza suas atividades agrícolas respeitando os limites territoriais e apenas em suas áreas de posse. Vale ressaltar que o cultivo sustentável da palma de óleo realizada pela empresa respeita o Zoneamento Agroambiental da Palma de Óleo (decreto 7.172 do Governo Federal de 7 de maio de 2010), uma das legislações mais severas do mundo, cujo objetivo é recuperar áreas da Amazônia degradadas até dezembro de 2007, com as diretrizes de proteção ao meio ambiente, conservação da biodiversidade e utilização racional dos recursos naturais, além do respeito à função social da propriedade. Como histórico, o Grupo BBF adquiriu em novembro de 2020 a operação da antiga empresa Biopalma (subsidiária da Vale) no Pará, dando continuidade ao cultivo sustentável da palma no estado, exercendo a posse pacífica, justa e ininterrupta das áreas privadas da companhia”, disse a BBF.

Edição: Rodrigo Chagas

 

Validação do marco temporal deve agravar ‘Guerra do Dendê’ no Pará

Se aprovada, tese permitiria avanço do agro e afetaria 99% da população indígena de Tomé-Açu

Murilo Pajolla
Brasil de Fato | Tomé-Açu (PA) |

Miriam Tembé: “marco temporal seria um desastre para nós” – Murilo Pajolla/Brasil de Fato

A eventual validação do marco temporal das terras indígenas, tese ruralista que volta a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (30), afetará 99% da população indígena de Tomé-Açu, nordeste do Pará.

Há três anos a região é palco da chamada “Guerra do Dendê”, um conflito entre forças desproporcionais que resultou em pelo menos cinco mortes de indígenas e quilombolas nos últimos três anos.

O percentual de indígenas atingidos é uma estimativa da Associação Indígena do Vale do Acará, presidida por Miriam Tembé. Segundo ela, a mudança no critério de demarcação poderia anular os direitos territoriais de cerca de 1300 Tembé em quatro territórios de ocupação tradicional que foram retomados recentemente.

“Se o marco temporal for aprovado, para nós seria um desastre imenso. Estamos cercados por fazendas e grandes empresas, e nossos parentes estão morrendo. Nós já comprovamos que temos a necessidade e o direito de estar no nosso território”, diz Miriam Tembé.

O primeiro e único advogado Tembé, Jorde Tembé, que presta jurídico aos indígenas, também manifestou preocupação.

“Algumas áreas requeridas pelas comunidades são de ampliação do território já demarcada e outras são de reconhecimento de um território. Se houver a aplicação do marco temporal, as comunidades que buscam esse reconhecimento e que foram vítimas de tentativa de genocídio, acabam sendo privadas novamente dos seus direitos fundamentais”, explicou Jorde Tembé.

“Mesmo com eventual aplicação do marco temporal, nós entendemos que em 1988 as comunidades já exerciam a posse tradicional ao território requerido que está em discussão com a empresa de óleo de palma da região”, acrescentou o advogado.

Marco temporal poderá ser arma jurídica de gigante do agro

Na “Guerra do Dendê”, a empresa produtora de biocombustível Brasil BioFuels (BBF) é acusada por indígenas e quilombolas de impactar territórios tradicionais ao envenenar plantações e nascentes, adoecer animais e gerar pragas de insetos. O dendê é o fruto de uma palmeira usado na fabricação do biodiesel.

Revoltadas, as populações afetadas organizam protestos contra a empresa, que vem respondendo de forma cada vez mais violenta. As manifestações são reprimidas com tiros, e a circulação dos moradores é restringida por seguranças fortemente armados.

O marco temporal das terras indígenas prevê que os povos só podem reivindicar territórios que estavam ocupando em 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal. O critério arbitrário desconsidera o histórico de expulsões violentas que tiraram as terras dos Tembé e os confinaram em pequenos territórios.

O advogado Alberto Pimentel, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), avalia que a BBF e outras forças econômicas poderiam usar o marco temporal para reivindicar na Justiça áreas de retomada indígena. Por ainda não estarem regularizadas, as terras estão vulneráveis ao avanço do agronegócio, mineradoras e madeireiros.

“No caso dos Tembé de Tomé-Açú uma possível votação favorável do STF ao marco temporal implicaria em sérias violações sobre seus direitos. Poderia dificultar a luta legítima que este povo tem para ampliação da área de seu território atualmente reivindicada”, afirmou Pimentel, em nome da SDDH.

A BBF nega todos os impactos ambientais alegados pelos Tembé e afirma que sua segurança privada atua em defesa da integridade dos seus funcionários, maquinário e instalações contra “invasores” “criminosos”. Sustenta ainda que faz o “cultivo sustentável da palma no estado, exercendo a posse pacífica, justa e ininterrupta das áreas privadas da companhia”.

Exigir comprovação de conflitos é “piada de mal gosto”, diz líder Tembé 

O critério do marco temporal abre uma exceção para indígenas que conseguirem comprovar a existência de disputa judicial ou conflito material em 1988. Nesses casos, as populações poderiam pleitear a posse da terra. Para Miriam Tembé, a necessidade de comprovação de conflito é “uma piada de mal gosto”.

“Isso é algo totalmente desrespeitoso com as populações que viviam nesse território. Muitos foram mortos, outros tiveram que fugir para não serem mortos. Não havia Defensoria Pública da União, Ministério Público, nem a Funai existia. Não havia meios de comunicação, nem como chegar até as autoridades, era um lugar totalmente isolado. E aí eles pedem para a gente comprovar?”, questiona a líder Tembé.

Um exemplo está na comunidade I’ixing, liderada por Miriam. A pequena aldeia está localizada entre uma grande fazenda de gado e um dendezal que foi manejado pela BBF até 2022. Após os indígenas retomarem a área, a BBF deixou de utilizar as áreas de plantio, dando aos 30 moradores do local um alívio nos impactos ambientais.

“Até o ano passado não conseguíamos colher uma manga, um mamão, uma banana sequer, por causa das nuvens de insetos provocadas pelos agrotóxicos. Você falava e as moscas iam entrando na boca, caindo no alimento e na água”, relata Miriam.

Segundo Miriam, a aldeia I’ixing foi onde seu tio Lúcio Tembé teve os primeiros filhos. Ainda com a mata preservada e livre do agronegócio, a área era usada pelos indígenas como fonte de pesca, caça e água limpa para plantar, beber e cozinhar. Tudo mudou a partir da década de 1960, quando os antepassados da líder indígena foram expulsos por pistoleiros.

“Isso se deu por conta de madeireiros invadindo o território. Os madeireiros chegavam, nos expulsavam, faziam todo o desmatamento e passavam para fazendeiros. Esse fazendeiros iam comprando as terras na base da grilagem, e muitas dessas terras passaram hoje para as mãos da BBF”, relata Miriam.

O advogado Jorde Tembé diz que a exigência de comprovação de posse tradicional se mostra muito desleal para os Tembé.

“Porque, desde a demarcação das terras, muitos dos direitos das comunidades tem sido preteridos, pois durante um longo período elas não foram devidamente acompanhadas pelo Estado, por isso não deram início a sua luta por direitos nesse período”, afirmou Jorde.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

 

Nota de solidariedade da Amigas da Terra Brasil ao povo indígena Tembé

No vídeo, Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), fala sobre a situação de vulnerabilidade e as constantes ameaças que ocorrem ao Povo Tembé:

 

Encontro no Acre debate impactos dos projetos REDD , de mercados de carbono e de soluções baseadas na natureza

A Amigos da Terra Brasil participou do encontro “Quando vale uma floresta? Quem paga pode poluir?”, que aconteceu no final de semana e encerrou na 2ª feira (12/06), na cidade de Assis Brasil, estado do Acre, na fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia.

A atividade foi organizada pelo CIMI Amazônia Ocidental (Conselho Indigenista Missionário) e contou com a participação de povos indígenas, comunidades e trabalhadores rurais da Amazônia e organizações sociais.

O principal assunto debatido foram os impactos dos projetos e programas REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), de mercados de carbono e de soluções baseadas na natureza, que têm crescido no Acre, no Pará e na Amazônia em geral.

Os participantes e as participantes trocaram informações e socializaram experiências, abordando também mecanismos como o PSA (pagamentos por serviços ambientais) e o manejo florestal, falando das ameaças que esses projetos trazem para os povos. O encontro resultou num posicionamento comum entre os presentes, formalizado em um documento aprovado pela plenária do encontro. Esta declaração já manda um forte recado para a cúpula de presidentes dos países amazônicos, que deve ocorrer em Agosto, em Belém (no Pará). Acesse o documento na íntegra AQUI.


À esquerda, Valdenice Nukini puxando o grito: #MarcoTemporalNÃO!
À direita, Seu Pedro Teles, seringueiro, sindicalista e liderança histórica de Xapuri, no Acre. Fotos Lúcia Ortiz/ATBr

Nas fotos, Valdenice Nukini, do Rio Môa no município de Cruzeiro do Sul/Acre, e Pedro Teles, liderança da Resex Chico Mendes (Reserva Extrativista), situada na cidade de Xapuri (Acre). Em sua fala, Valdenice rechaçou o marco temporal e criticou os projetos de REDD e de mercado de carbono. Seu Pedro chamou os povos a se organizarem para terem seu próprios projetos de vida e para não aceitarem projetos que vêm “de fora pra dentro”.

A natureza não é mercadoria! A Constituição Brasileira, em seu artigo 225, estabelece que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo. Entendemos que os processos com os quais a floresta sustenta a vida, como regulação do clima, estocagem de carbono, purificação das águas, preservação da biodiversidade e do solo, precisam ser preservados e defendidos por nós como sociedade e pelo poder público.

NÃO À FINANCEIRIZAÇÃO DA NATUREZA!

*Com informações de Lucia Ortiz (ATBr) e CIMI Amazônia Ocidental

Não ao Marco Temporal! Do Império de Pedro II ao fascismo brasileiro, prossegue o ataque capitalista branco aos povos indígenas. Resistência!

 

Não ao Marco Temporal! Do Império de Pedro II ao fascismo brasileiro, Lei de Terras e anulação da demarcação de terra indígena

Em terra brasilis, terra vermelha, terra preta, a estratégia genocida permanece intacta há 500 anos.

Artimanha do poder branco, que se faz e se constitui em espaços usurpados, marcando pela violência os corpos indígenas ao feri-los de morte e, pelo etnocídio, por meio do escondimento de sua cultura.

Nas linhas que traçam um espaço territorial dito Brasil, o racismo permanece como estratégia de uma ontologia prepotente.

Há 180 anos, em 1843, a Lei de Terras explicita o que já acontecia desde 1500: a necessidade de fazer desaparecer “o gentio”, o nativo, o índio. (https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-16/ha-170-anos-lei-de-terras-oficializou-opcao-do-brasil-pelos-latifundios.html).

Senhores de terras e sesmarias, homens de Dom Pedro II, planejaram o campo brasileiro, modelo que permanece até os dias atuais. Somente o lavrador poderoso tinha êxito no roubo de terras no interior do Brasil; tinha o poder eficaz de arrancar o indígena de suas terras, extraindo com violência suas raízes, matando-o. Era necessário que os indígenas desaparecessem e que as terras roubadas fossem registradas com o “selo branco” do colonizador.

No Brasil agrário do Império de Pedro ao fascismo bolsonarista, sesmeiros (hoje latifundiários) eram minoria e, os posseiros, maioria. Somente 0,7% das propriedades são superiores a 2 mil hectares, mas somadas ocupam quase 50% de toda área rural.

A disputa desigual por terras e suas riquezas naturais continua usando os instrumentos capitalistas institucionais, como o Legislativo e o Judiciário, por meio do lobby político com bolsos recheados de poder. Hoje, o espaço de legislação continua sendo um poder colonizador, e o judiciário, exercendo uma política branca e racista.

Mas as terras pretas e vermelhas seguem a fervilhar de vida e, em uma brecha legal aberta por seu poder cosmológico, imprime na Carta Magna brasileira, a Constituição, o direito originário. Indígenas, povos nascidos e de ancestralidade por estes territórios de linhas traçadas em cor branca, adquiriram institucionalmente, em 1988, o direito de existir e de ser.

Em maio de 2023, o sesmeiro agrário, etnocida, fez sangrar a instituição ocupada pelo Cocar, o Ministério dos Povos Indígenas, e o legislador colonizador aprovou, na Câmara dos Deputados, o PL 490/07, sobre a tese do Marco Temporal.

Neste dia 7 de junho entra, mais uma vez em pauta, no STF (Supremo Tribunal Federal), um julgamento de disputa de direitos sob o prisma da Justiça não indígena, que pode colocar em xeque este direito originário. Poderá se tornar uma decisão com repercussão geral (RE-RG 1.017.365) o resultado deste julgamento; se for desfavorável ao direito originário, será uma tentativa de esmagamento dos originários pelo poder das sesmarias de Dom Pedro II, atualizadas no agronegócio. Trata-se do julgamento de um pedido de reintegração de posse por parte do estado de Santa Catarina (SC) contra o povo Xokléng no território lãklaño, na cidade de Ibirama.

Ainda será julgada, no STF, uma ação civil originária 1.100, que trata de um pedido de anulação da demarcação da terra indígena Ibirama Lãklaño, situada no alto do Vale de Itajaí, também em SC. Esta terra indígena possui 37 mil hectares e uma população de aproximadamente 2 mil pessoas (https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3682).

Esta ação foi demandada pelo modo de exploração territorial capitalista de uma madeireira (Batistela Agroflorestal), famílias de colonos, com o apoio do governo do Estado de Santa Catarina, tendo como rés a instituição FUNAI (hoje ocupada por indígenas) e a União.

A decisão sobre esta ação influenciará a ideia de repercussão geral no julgamento do recurso sobre a reintegração de posse, pois embasa seus argumentos na tese do Marco Temporal. Esta tese coloca, em dúvida, a existência originária dos indígenas no Brasil, uma forma de seguir o ocultamento e apagamento étnico.

A história do Povo Xokleng ilustra as histórias dos povos que marcam seu modo de ser neste território, demarcado à força por linhas capitalistas colonizadoras.

Viveram caçados, escravizados, torturados, mortos por infecções, aldeados, confinados, sujeitados ao modo cidadão pobre.

Porém, sentimos os ventos movidos pelos cantos e danças desses povos e, ainda, vemos as cores da terra.

Do Império de Pedro II ao fascismo brasileiro, a cosmologia ou a ontocosmoecologia indígena faz a terra viver e pulsar por dias em que o céu não cairá!

Texto de Carmem Guardiola/ Amigos da Terra Brasil

Foto: Julio José Araujo Junior

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