PL do Genocídio: Apib convoca mobilizações para que Lula vete na íntegra o PL do Marco Temporal

Entenda os motivos pelos quais Lula precisa vetar totalmente o PL 2903. Movimento indígena alerta que além do Marco Temporal, proposta pretende legalizar crimes e por isso é considerado o PL do Genocídio indígena.

A ameaça do Marco Temporal voltou a estar vigente, agora com formato de projeto de lei (PL 2903). A tese do agronegócio, que viola direitos dos povos indígenas e dos territórios, precisa urgentemente ser barrada. Por isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e uma série de organizações, movimentos sociais e coletivos convidam a todes, todas e todos para somarem na  Convocatória #VetaTudoLulaPL2903

É evidente que quem votou a seu favor legisla com as mãos cheias de sangue indígena.  Considerado o PL do Genocídio, o PL 2903, aprovado pelo Senado no dia 27 de setembro de 2023, faz com que o Marco Temporal se transforme em lei. O resultado, na prática, é o ataque a inúmeras formas de  vida dos povos indígenas. Com a legalização de diversos crimes, o PL abre  as terras para exploração, para empreendimentos que geram o extermínio, como a mineração, e representa o pensamento mais retrógrado e colonial do século XXI.   

O retrocesso é imenso, afetando direitos humanos, dos povos e das comunidades, além de impactar negativamente todos os biomas, territórios e a biodiversidade brasileira. Além disso, o  PL 2903, votado por um senado racista e colonial, intensifica ainda mais a emergência climática, colocando todas as formas de vida na terra em risco. 

No momento, o  PL 2903 é analisado pelo presidente Lula, que tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar (total ou parcialmente) o projeto. É preciso pressionar o governo federal, a partir das bases, para que a lei seja barrada em sua totalidade. A nossa mobilização é fundamental. 

PL 2903 é inconstitucional

O Marco Temporal é uma tese política patrocinada pelo Agronegócio. Os ruralistas pretendem mudar o rumo da história dos povos indígenas e agravar a crise climática. O STF julgou e decidiu por maioria de 9×2 anular o Marco Temporal.  O resultado do julgamento selou uma importante vitória na luta por direitos dos povos indígenas, travada nas ruas, nos territórios, nas redes e no judiciário durante dois anos. Mas o Senado tenciona uma afronta ao Supremo para atender aos interesses do agronegócio.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) ressalta que as atitudes do Senado e da Câmara dos deputados são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso Nacional e do Executivo, possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas. Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Além disso, após a derrubada do marco temporal no STF, o senador Dr.Hiran (PP-RR) protocolou, no dia 21 de setembro, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pede a instituição do marco temporal. Nomeada como PEC 048/2023, a emenda quer alterar a Constituição Federal de 1988 que prevê o direito originário dos povos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas.

O projeto de lei do genocídio foi apresentado pelo deputado Homero Pereira do PR de Mato Grosso, no dia 20 de março de 2007. A proposta inicialmente recebeu o número de PL 490/2007. A Câmara dos Deputados aprovou o PL 490, no dia 30 de maio de 2023. A proposta seguiu para o Senado e recebeu novo número: PL 2903.

No mesmo dia em que o STF finalizou o julgamento do Marco Temporal, 27 de setembro, o Senado aprovou o projeto de forma atropelada. A votação foi marcada por mentiras da bancada do Agronegócio e pelo descumprimento da promessa do presidente do Senado Rodrigo Pacheco de não pautar o projeto antes da conclusão do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), sabendo que se tratava da mesma tese.

 Por que Lula precisa vetar TODO o projeto?

Além do Marco Temporal, o PL 2903 pretende legalizar crimes cometidos contra os povos indígenas e por isso é considerado o PL do Genocídio. Entre as violações e violências que ele reproduz e intensifica, estão pontos como:

1) o PL 2903 quer definir critérios racistas de quem é ou não indígena;

2) quer autorizar a construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras em Terras Indígenas, sem consulta prévia, livre e informada, conforme prevê a OIT 169;

3) o PL quer permitir a plantação de soja, criação de gado, promoção de garimpo e mineração em Terras Indígenas;

4) propõe que qualquer pessoa questione os processos de demarcação dos territórios, inclusive os já demarcados;

5) busca reconhecer a legitimidade da posse de terra de invasores de Terras Indígenas;

6) quer flexibilizar a política de não-contato com povos indígenas em isolamento voluntário; 

7) quer mudar conceitos constitucionais da política indigenista como: a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios.

No Congresso Nacional, quando um projeto de lei é aprovado tanto pela Câmara dos Deputados, quanto pelo Senado, a proposta segue para a análise do presidente, que vai ter 15 dias para dar uma posição. Nesse processo, o presidente pode vetar, total ou parcialmente a proposta, e também pode aprovar o projeto sem modificar nada da proposta avaliada pelo Congresso.

Quando acontece do presidente aprovar sem vetar nenhuma parte do projeto, o projeto é sancionado e na sequência a proposta deixa de ser projeto e passa a ser Lei. Quando o presidente propõe vetos no projeto, sejam eles totais ou parciais, os pontos vetados voltam para o Congresso. Em uma sessão conjunta entre Câmara e Senado, parlamentares vão decidir se acatam os vetos ou não.

Caso os vetos sejam mantidos, a lei será aprovada retirando as partes apontadas no veto. Caso os vetos sejam derrubados, os trechos antes vetados serão desconsiderados e a lei será aprovada sem as considerações de mudanças do presidente. Ou seja, mesmo com o veto total do presidente, o Congresso Nacional pode aprovar a lei mesmo assim.

Crédito: APIB

🏹 Como participar das mobilizações

Apoie o movimento indígena e some nas lutas em seu território.  Pressione o presidente Lula pelo #VetaTudoLulaPL2903. Marque Lula nas redes sociais, mobilize ações nas aldeias, cidades e redes .Produza sua arte e poste no seu perfil usando as tags #DesignAtivista #VetaTudoLulaPL2903

A luta segue pela demarcação das terras indígenas, por reparação histórica, pela manutenção da biodiversidade e em defesa da vida

#VetaTudoLulaPL2903 #EmergênciaIndígena #EmergênciaClimática  #MarcoTemporalNÃO #DemarcaçãoJá

Fonte: VETA TUDO: Apib cobra compromisso de Lula para barrar PL do Marco Temporal”, publicada no site da Apib em 03 de outubro de 2023  

Confira a nossa série de vídeos “Perspectivas Indígenas: os Guarani e a luta por direitos no RS” e saiba mais sobre as lutas indígenas: 

Confira também o artigo com posicionamento da Amigas da Terra Brasil quanto ao Marco Temporal

 

 

Enchente no RS: audiência pública debate emergência climática no estado. Participe!

Atividade acontece em 18 de setembro (2ª feira), das 14h às 18h, no Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre (RS). A Amigas da Terra Brasil estará presente. Entrada franca. Participe!

Os recorrentes eventos climáticos extremos que tem atingindo, nos anos recentes, várias partes do mundo e do Brasil, incluindo o estado do Rio Grande do Sul, alertam que a situação não está normal e que não vai nada bem. As tragédias têm causas naturais, mas estudos e projeções científicas e meteorológicas indicam que a incidência rotineira e cada vez com maior intensidade desses fenômenos estão sendo influenciadas pela ação destruidora de setores (empresariais, corporativos ou agronegócio, mineração, energia e imobiliário) da nossa sociedade.

Para além de lamentarmos as mortes e perdas sociais, econômicas e ambientais e nos esforçarmos à reconstrução das cidades e das vidas, precisamos debater urgentemente, e de forma séria, o desastre recente que assolou o Rio Grande do Sul. No mesmo período, tempestades e enchentes afetaram, além do Sul do Brasil, Hong Kong (na Ásia); a Espanha e a Grécia, na Europa; e, atualmente, a Líbia, na África. Habitamos o mesmo planeta e estamos interligados, portanto, todos e todas somos vulneráveis aos impactos gerados pela nossa civilização.

Na 2ª feira, dia 18 de Setembro, a partir das 14h, acontece a AUDIÊNCIA PÚBLICA EMERGÊNCIA CLIMÁTICA NO RIO GRANDE DO SUL, em que debateremos o que estado gaúcho, assim como muitas partes do mundo, vem enfrentando. Será no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa, em Porto Alegre (RS). A atividade é promovida pelo gabinete do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL), membro titular da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, em parceria com o coletivo Eco pelo Clima.

A Audiência Pública visa debater um RS que coloque as pessoas mais impactadas pelos avanços da crise climática no centro da criação das políticas públicas de mitigação e adaptação e promova uma transição energética para além dos combustíveis fósseis de forma justa.

Nós, da Amigas da Terra Brasil, estaremos presente destacando a necessidade urgente de ações para encarar a situação como emergência climática. A preservação do ambiente e a mitigação das mudanças climáticas são essenciais para reduzir a frequência e a gravidade desses eventos, como as cheias no Rio Grande do Sul. Além disso, medidas de adaptação, mitigação e prevenção também são necessárias para proteger as comunidades vulneráveis. Governos federal, estaduais e municipais precisam dialogar com as populações nos territórios, que são quem conhece e vivenciam a força da natureza. Devemos parar com as alterações e flexibilizações na legislação, licenciamento e monitoramento ambiental, que governos vêm promovendo para atender apenas a interesses econômicos de corporações, imobiliárias, do agronegócio, energia e da mineração, sem proteger o ambiente natural e nem promover políticas sociais às populações mais empobrecidas.

Estão convidados para a composição da mesa:
Dra. Rafaela Santos Martins da Rosa – Juíza Federal Substituta da JFRS
Patrícia Morales – Passo dos Negros de Pelotas
Xaina Pitaguary – Liga Acadêmica de Assuntos indígenas – Yandê
Ilan Zugman – 350.org
Pedro, protagonismo infantil
Representação do Eco pelo Clima
Representação da AGAPAN
Representação das Amigas da Terra Brasil

Diante da emergência climática, todos somos responsáveis por tomar medidas para proteger nosso planeta e as pessoas que nele habitam. Participe!

AUDIÊNCIA PÚBLICA EMERGÊNCIA CLIMÁTICA NO RIO GRANDE DO SUL
18 de setembro (2ª feira) – das 14h às 18h
Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa – em Porto Alegre (RS)

Amigas da Terra Brasil

Enchente no RS: desastre gaúcho coincide com chuva extrema no clima ao redor do mundo

Várias partes do planeta sofreram com chuva extraordinária no mesmo momento em que o Rio Grande do Sul sofria com chuva extrema

Texto da MetSul Meteorologia publicado originalmente em https://metsul.com/desastre-gaucho-coincide-com-chuva-extrema-no-clima-ao-redor-do-mundo/

Um dos episódios mais extremos de chuva já registrados no Rio Grande do Sul na última semana deixou saldo de mais de 40 mortos e número também superior de desaparecidos. Em toda a história gaúcha, somente um evento extremo de chuva trouxe mais vítimas e ocorreu no mês de setembro em 1959, quando oficialmente mais de 90 pessoas perderam suas vidas pela chuva nos municípios de Passa Sete e Sobradinho, no Centro gaúcho.

Acumulados de chuva de 200 mm a 400 mm atingiram grande parte da Metade Norte gaúcha no começo deste mês. Estação meteorológica particular chegou a anotar 390 mm na região de Passo Fundo. Várias outras estações da região com registros confiáveis indicaram mais de 300 mm entre o Alto Jacuí, o Planalto Médio e os Campos de Cima da Serra.

A estação oficial do Instituto Nacional de Meteorologia em Passo Fundo anotou o maior volume em 24 horas para o mês de setembro desde o começo das medições em 1913 com 164,4 mm até 9h do dia 4. O mesmo ocorreu com a estação de Cruz Alta, com dados desde 1912, que registrou 160,8 mm em 24 horas até 9h do dia 4.

Os volumes excessivos sobre a Metade Norte do Rio Grande do Sul no começo deste mês foram consequência da influência de uma área de baixa pressão com rio atmosférico que trouxe grande quantidade de umidade. Esse cenário, reforçado pelo avanço de uma frente fria pelo território gaúcho, favoreceu intensa instabilidade com muitas descargas e chuva com volumes excessivos a extremos.

A meteorologista da MetSul Estael Sias observa que o episódio de chuva extrema no Rio Grande do Sul não pode ser observado isoladamente. Na mesma semana em que os gaúchos passavam por um dos maiores desastres de sua história, outras partes do mundo enfrentavam chuva com volumes extraordinários e sem precedentes.

“A atmosfera é única e o planeta está passando neste momento por um processo acelerado de aquecimento, por causas humanas e naturais, que levou o mundo a ter os meses de julho e agosto com as maiores temperaturas globais já registradas até hoje pela ciência”, observa a meteorologista da MetSul.

Espanha, Grécia, Turquia, Líbia e China foram alguns dos países castigados na última semana por episódios extremos de chuva e com acumulados muito mais altos e impressionantes que os observados no Sul do Brasil. “O Rio Grande do Sul não é uma ilha e a mesma atmosfera que aqui deseja água também traz muita água em outras partes do planeta”, destaca.

“Hoje, no mundo, vivemos uma ‘tempestade perfeita’ que favorece o aquecimento do planeta: temos o aquecimento por emissões antropogênicas [seres humanos], o fenômeno natural El Niño com forte intensidade, maior atividade solar e uma quantidade extraordinária de água gerada pela erupção do vulcão de Tonga que alcançou a estratosfera e aquece o planeta”.

Conforme Estael Sias, a forma com que a atmosfera libera a energia extra gerada pelo maior aquecimento é por eventos extremos, como chuva, tempestades e ciclones. Este ano, pela primeira vez na história, houve ciclones tropicais de categoria 5 em todas as regiões em que se dão estes ciclones. O último foi Lee, no superaquecido Atlântico Norte.

“Que todos estes extremos estejam ocorrendo simultaneamente tem uma forte pegada das mudanças no clima agravadas pelo ser humano. São fenômenos que normalmente já ocorrem, com ou sem interferência humana, mas se tornam mais frequentes e intensos à medida que aumentam as concentrações de gases estufa e a temperatura da Terra”, enfatiza.

CHUVA DE 158 MM EM UMA HORA EM HONG KONG

Hong Kong, na China, teve chuva recorde na última semana com imagens chocantes das ruas do território chinês tomadas por inundação repentina e forte correnteza que mais lembrava a de rios. As chuvas recordes atingiram a cidade entre quinta e sexta-feira, inundando ruas e estações de metrô, causando deslizamentos de terra e deixando pelo menos duas pessoas mortas e mais de 100 feridas.

Reportagens da televisão local e vídeos postados nas redes sociais mostraram água correndo pelas ruas inundadas de Hong Kong e na vizinha Shenzhen, na província de Guangdong. Os metrôs foram inundados, bem como um túnel que ligava a ilha de Hong Kong a Kowloon.


A água da enchente inunda um shopping center em Hong Kong em 8 de setembro de 2023. Chuvas recordes em Hong Kong causaram inundações generalizadas nas primeiras horas de 8 de setembro, interrompendo o tráfego rodoviário e ferroviário poucos dias depois de a cidade ter escapado de grandes danos de um supertufão. | BERTHA WANG/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Observatório de Hong Kong informou que registrou 158,1 mm de chuva em apenas uma hora, no horário entre 23h e 0h, horário de Hong Kong, no final da quinta. Foi o maior registro horário de chuva desde que os registros começaram em 1884. Mais de 20 centímetros caíram em Kowloon e na Ilha de Hong Kong.

Escolas, empresas e mercados financeiros foram fechados na sexta-feira. O secretário-chefe de Hong Kong, Eric Chan, disse aos jornalistas que as chuvas eram consideradas uma experiência de “uma vez no século” e eram muito difíceis de prever. Meteorologistas do Observatório de Hong Kong disseram que a chuva veio de um sistema de baixa pressão associado aos restos do tufão Haikui, que atingiu a costa da província chinesa de Fujian na terça-feira.

INUNDAÇÕES REPENTINAS NA ESPANHA

A Espanha foi outro país duramente castigado por chuva extrema na última semana. O número de mortos devido às fortes chuvas que atingiram a maior parte da Espanha no fim de semana passado atingiu cinco na sexta-feira, depois que a polícia recuperou os corpos de dois homens que haviam sido dados como desaparecidos.


Carro destruído no meio de um rio na cidade de Aldea del Fresno, na região de Madri, em 4 de setembro de 2023. Afetada há meses por uma seca histórica, a Espanha foi atingida por chuvas torrenciais que deixaram pessoas mortas e desaparecidas. Efeito de fenômeno meteorológico conhecido como “Dana” (“Depressão Isolada de Alto Nível da Atmosfera”, em espanhol). | OSCAR DEL POZO CAÑAS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A tempestade, que varreu todo o país, transformou as ruas em torrentes violentas, jogou carros nos rios e destruiu estradas e pontes. As tempestades interromperam as viagens de dezenas de milhares de pessoas no último fim de semana antes do início do novo ano letivo.

Madri foi duramente castigada, mas o pior ficou nos arredores da cidade. As ligações ferroviárias de alta velocidade entre a capital espanhola e a região Sudoeste da Andaluzia e a região da costa Leste de Valência foram uma das principais vias de comunicação forçadas a encerrar.

CHUVA DE TRÊS ANOS NA GRÉCIA

Um dilúvio de proporções épicas se abateu sobre a Grécia. Após semanas de ondas de calor e incêndios, chuvas torrenciais provocaram inundações generalizadas na Grécia Central no início de setembro. Ao longo da tempestade de quatro dias que começou em 4 de setembro, mesmo dia do desastre no Rio Grande do Sul, as enchentes submergiram casas, transformaram ruas em rios caudalosos e varreram carros para o mar.

As fortes chuvas foram alimentadas por um sistema de tempestade de baixa pressão parado que foi intensificado por uma corrente de jato. Esta tempestade foi de natureza semelhante à que causou chuvas torrenciais na Espanha na véspera e faz parte de um sistema meteorológico incomum, no qual uma zona de alta pressão está imprensada entre duas áreas de baixa pressão. Este bloqueio ômega foi responsabilizado tanto por uma onda de calor fora de época no Reino Unido como pelas inundações catastróficas em Espanha, Grécia, Bulgária e Turquia.


Imagem aérea de 8 de setembro de 2023 de uma estrada parcialmente destruída em uma área inundada perto da vila de Itea, no Centro da Grécia. Na Grécia, Turquia e Bulgária, a chuva matou pelo menos 14 pessoas. | ANGELOS TZORTZINIS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A Grécia Central foi uma das regiões mais atingidas pela tempestade em termos de chuvas, com quantidades recordes caindo na região da Tessália em 5 de setembro. Os níveis mais altos de chuva, 754 milímetros em 24 horas, caíram em Zagora, uma vila perto do Monte Pelion, logo a Nordeste de Volos.

Ao final do episódio, algumas cidades somavam mais de mil milímetros de chuva ou três anos de precipitação média. Para efeito de comparação, a capital Atenas recebe em média cerca de 400 milímetros por ano. O rio Krafsidonas, que nasce no Monte Pelion, transbordou em Volos e destruiu uma ponte em seu caminho.

O mapa abaixo mostra uma estimativa baseada em satélite das taxas de precipitação (em milímetros por hora) sobre a Grécia em 6 de setembro, enquanto as fortes chuvas continuavam. Os vermelhos mais escuros refletem as taxas de precipitação mais elevadas, que atingiram novamente a Grécia Central, bem como áreas ao Sul, incluindo Atenas.

Os dados são estimativas de sensoriamento remoto provenientes do Integrated Multi-Satellite Retrievals for GPM (IMERG), um produto da missão do satélite Global Precipitation Measurement (GPM). Devido à média dos dados de satélite, as taxas de precipitação locais podem ser significativamente mais elevadas quando medidas a partir do solo.

Helicópteros e botes salva-vidas foram enviados para chegar a centenas de moradores retidos no Centro da Grécia, enquanto o número de mortos em enchentes mortais subiu para 10, disseram as autoridades na sexta-feira. Os bombeiros trabalharam ao lado do exército para chegar a aldeias isoladas pela subida do nível das águas, que transformou estradas em rios e deixou casas submersas na região central da Tessália.

Os dez mortos foram todos encontrados na região da Tessália, cerca de 330 quilômetros ao Norte de Atenas, onde caíram chuvas torrenciais desde a noite de segunda-feira passada até quinta-feira. Os bombeiros gregos disseram que mais de 2.500 pessoas foram resgatadas desde terça-feira. “A maioria das casas da aldeia está inundada. Estamos a viver um pesadelo”, disse Vaios Spyropoulos, residente de Itea, que encontrou refúgio num edifício municipal localizado num terreno mais elevado acima da sua aldeia.

Texto da MetSul Meteorologia publicado originalmente em https://metsul.com/desastre-gaucho-coincide-com-chuva-extrema-no-clima-ao-redor-do-mundo/

Foto de destaque: enchente na cidade de Muçum, no RS. Crédito: prefeitura de Muçum

ENCHENTE NO RS: NOTA DE SOLIDARIEDADE E DE URGÊNCIA PELO AMBIENTE E NOSSAS VIDAS!


Mais um episódio de instabilidade, com chuvas intensas, provoca enchente histórica, mortes e muita devastação no Sul do Brasil. Precisamos apoiar as iniciativas de ajuda às comunidades afetadas e trabalhar em sua recuperação, pressionando por políticas públicas que abordem as mudanças climáticas de forma eficaz.


Pela 3ª vez neste ano, um episódio de instabilidade, com chuvas intensas, vitimizou a população e causou muito estrago material, econômico e ambiental no Rio Grande do Sul. Desta vez, fortes chuvas desde o final de semana passado atingiram, especialmente durante a 2ª e 3ª feiras (4 e 5/09), parte da região Norte, Serra e a chamada “região dos vales” gaúcho, marcada pela presença de rios importantes para a produção e reprodução da vida. Também impactou, com menos intensidade, o estado vizinho Santa Catarina.

Neste momento de muita tristeza e dor, expressamos profunda solidariedade com as vítimas e afetados e afetadas pelas enchentes, popularmente referidas por “cheias”, no Rio Grande do Sul. Este é um momento de união e de apoio às comunidades que estão enfrentando as consequências devastadoras desses eventos climáticos extremos, e é o que garante a existência de uma sociedade que se sensibiliza e se solidariza.

Nós da Amigas da Terra Brasil estamos de luto pelas 48 pessoas encontradas mortas até o momento (47 no Rio Grande do Sul e uma em Santa Catarina). Também nos solidarizamos às mais de 25 mil pessoas desalojadas e desabrigadas, e cerca de 97 cidades e comunidades destruídas ou impactadas, utilizando nossa voz para exigir a rápida resposta dos governos estaduais e federal e demais autoridades competentes à emergência que afetados e atingidos enfrentam. Nesses locais, pessoas perderam suas casas, bens materiais, locais de trabalho, e pior: suas vidas, familiares, vizinhança, animais de estimação e para produção de alimentos e subsistência econômica, com dificuldades imensas para reconstruir a esperança e suas vidas.

Cidade de Roca Sales, no Vale do Taquari (RS), está entre as mais atingidas pela enchente recente na região. Crédito: Maurício Tonetto/ Secom/RS

Impactados por mais uma tragédia, reforçamos a urgência com que todos e todas nós, sociedade, no Brasil e em todo o mundo, precisamos enfrentar esta crise. Especialistas consideram que o Rio Grande do Sul está passando por um dos maiores desastres naturais de sua história. Esta cheia do Rio Taquari é a pior desde 1941, quando atingiu seu pico; é nessa região que fica a cidade de Muçum, que na enchente desta semana ficou com 85% de seu território debaixo d’água e contabilizou o maior número de pessoas mortas até agora (14 pessoas). 

Conforme dados hidrológicos da CERAN (Companhia Energética Rio das Antas), a Usina Hidrelétrica Castro Alves, localizada entre os municípios de Nova Roma do Sul e Antônio Prado (margem direita) e Nova Pádua e Flores da Cunha (margem esquerda), a vazão do Rio das Antas, na tarde do dia 04/09/23, ultrapassou a chamada vazão decamilenar, o que significa uma vazão que se previa ser atingida a cada 10 mil anos! Essa informação acende um alerta quanto à nossa atual capacidade de sequer prever esse tipo de evento daqui para frente, comprometendo, de maneira dramática, a segurança de infraestruturas sensíveis como barragens, estradas e indústrias, mas também de nossas cidades, localidades rurais e áreas agropecuárias.  

A ocorrência de temporais e ciclones extratropicais faz parte do clima do Sul do Brasil, mas a incidência rotineira e cada vez com maior intensidade e danos alerta que a situação está fora do “normal”. Essas enchentes são um sintoma direto da emergência climática e deixa, mais uma vez evidente, que seus efeitos estão acontecendo agora, não são mais projeções de futuro!  Eventos climáticos cada vez mais extremos estão ocorrendo no Brasil e em todo o mundo, como chuvas intensas e inundações, calor e incêndios, chuvas de granizo destruidoras, tempestades de neve e baixas repentinas. O aumento da temperatura global leva a um maior acúmulo de calor nos oceanos, o que, por sua vez, influencia os padrões climáticos, aumentando a probabilidade de eventos climáticos extremos, como as cheias.

Nesse contexto, é importante destacar a necessidade urgente de ações para encarar a situação como emergência climática. A preservação do ambiente e a mitigação das mudanças climáticas são essenciais para reduzir a frequência e a gravidade desses eventos, como as cheias no Rio Grande do Sul. Além disso, medidas de adaptação, mitigação e prevenção também são necessárias para proteger as comunidades vulneráveis. Governos federal, estaduais e municipais precisam dialogar com as populações nos territórios, que são quem conhece e vivenciam a força da natureza. Devemos parar com as alterações e flexibilizações na legislação, licenciamento e monitoramento ambiental, que governos vêm promovendo para atender apenas a interesses econômicos de corporações, imobiliárias, do agronegócio, energia e da mineração, sem proteger o ambiente natural e nem promover políticas sociais às populações mais empobrecidas.

Não podemos mais desrespeitar as margens dos rios, aterrar cursos d’água e banhados; não podemos mais licenciar desmatamento; precisamos de todo mato, toda a floresta, todo campo nativo possível para garantir o ambiente saudável para nós e para todos os seres que dele dependem e que garantem a estabilidade dos ecossistemas. A solução para a crise climática é garantir terra para os povos, demarcar terras indígenas, titular quilombos, proteger territórios tradicionais, fazer a reforma agrária popular, apoiar a agroecologia; identificar, delimitar e respeitar as áreas de risco e garantir a dignidade das comunidades periféricas.

Hoje, a história se repete. Como na enchente provocada no RS em Junho por chuva extrema de mais de 300mm concentrada em pouco tempo, quando a cidade de Maquiné, no Litoral Norte, sofreu com a cheia do rio, que subiu mais que as médias históricas e encontrou os municípios despreparados para esse acontecimento. Esse mesmo episódio também provocou muitos danos na cidade vizinha Caraá e nas regiões dos rios Caí e Sinos, atingindo populosas cidades próximas e na região metropolitana de Porto Alegre. A solidariedade com as vítimas das cheias no Rio Grande do Sul não deve ser apenas um gesto momentâneo, mas sim um compromisso contínuo. Devemos apoiar as iniciativas de ajuda às comunidades afetadas, colaborar com organizações que trabalham na recuperação e, ao mesmo tempo, pressionar por políticas públicas que abordem as mudanças climáticas de forma eficaz e com o caráter de emergência climática.

Lembramos que, diante da emergência climática, todos somos responsáveis por tomar medidas para proteger nosso planeta e as pessoas que nele habitam, mas atentamos que a emergência não deve passar por cima da participação e da escuta da população. A solidariedade é um passo importante nessa jornada, mas também é crucial agir de forma proativa para combater as causas subjacentes desses eventos climáticos extremos. Afinal, a vida vale mais que o lucro, e cuidar do ambiente natural e das pessoas que nele vivem é uma prioridade que não pode ser ignorada!

Amigas da Terra Brasil

Crédito da foto: Maurício Tonetto/ SECOM/RS

* Texto publicado no dia 7 de setembro, às 12h
* Texto alterado em 8 de setembro, às 11h18min, para atualização do número de vítimas, pessoas desabrigadas e desalojadas e municípios afetados
* Texto alterado em 12 de setembro, às 12h52min, para atualização do número de vítimas, pessoas desabrigadas e desalojadas e municípios afetados

Conheça as propostas apoiadas pela Amigos da Terra para o Plano Plurianual (PPA)

Até esta sexta-feira (14), está aberta votação para que a população  decida quais políticas serão prioridade do governo federal. Cada pessoa pode votar em 3 programas de entidades da sociedade civil, além de 3 propostas apresentadas pelo próprio governo para o Plano Plurianual (PPA).

A votação é para incidir no principal instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo do Governo Federal, o Plano Plurianual (PPA).Ele define as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública federal, contemplando as despesas de capital (como, por exemplo, os investimentos) e outras delas decorrentes, além daquelas relativas aos programas de duração continuada. O PPA é estabelecido por lei, com vigência de quatro anos. Ele se inicia no segundo ano de mandato de um presidente e se prolonga até o final do primeiro ano do mandato de seu sucessor.

Conheça e vote nas propostas da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e do Movimento dos Atingidos por Barragens  (MAB), apoiadas pela Amigas da Terra Brasil: 


🚩 Programa Periferia Viva (MTST): https://abrir.link/5cUx4

🚩 Criação da Política Nacional de Cuidados (MMM): http://abrir.link/nhdit

🚩 Criação do Fundo Nacional para as populações atingidas por barragens (MAB): http://abrir.link/XHcU7

Essa é a última semana de votação nas propostas para o Plano Plurianual.  É possível votar até sexta-feira, 14 de julho. Para votar acesse aqui

Caravana do Plano Plurianual (PPA) Participativo realizou plenária no Rio Grande do Sul

Plenária na Assembleia Legislativa gaúcha. Foto: Pepe Vargas/Twitter

Em Porto Alegre (RS), a caravana do Plano Plurianual (PPA) Participativo realizou no sábado (08/07) a plenária do Rio Grande do Sul. Propostas de políticas públicas de representantes de diversos segmentos da sociedade civil, como trabalhadores, estudantes, defensores da saúde pública, mulheres e indígenas, foram apresentados aos ministros do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macedo.

Maria do Carmo Bittencourt, representante do Fórum Estadual de Mulheres do Rio Grande do Sul, defendeu diversas propostas, entre elas o fortalecimento do combate à violência de gênero e um programa de crédito subsidiado que beneficie as mulheres camponesas. “Também queremos defender que a Política Nacional de Cuidados entre no PPA. A gente sabe que o governo já lançou a Política Nacional de Cuidados, mas precisamos que ela entre no orçamento com muita força”, cobrou. Em maio, o governo anunciou a instalação de um grupo de trabalho para elaborar um projeto que vise a garantia de direitos para pessoas que exercem função de cuidador, que são majoritariamente mulheres, sejam membros da família ou trabalhadores remunerados.

Por meio da caravana, que está percorrendo todos os estados, o governo busca elaborar um PPA de forma participativa, a partir de um processo de consulta popular. Com a realização da plenária no Rio Grande do Sul, restam pendentes apenas os estados do Sudeste. Conforme o cronograma divulgado no site da Secretaria-Geral da Presidência da República, a caravana realiza a etapa de Minas Gerais na quarta-feira (12). Já na quinta-feira (13), estão previstas atividades pela manhã no Rio de Janeiro e no final do dia no Espírito Santo. A última plenária deve ocorrer na sexta-feira (14) em São Paulo.

Ao fim do processo de consulta popular, a Secretaria-Geral da Presidência da República irá sistematizar as contribuições da população e encaminhá-las ao Ministério do Planejamento, que submeterá à análise das equipes técnicas para eventual incorporação ao texto final do PPA. O plano deve ser entregue ao Congresso Nacional até 31 de agosto, acompanhando a LOA, para debate e votação dos parlamentares. A relatoria já está designada para o deputado federal Elvino Bohn Gass (PT-RS).

Conselho de Feiras Ecológicas de Porto Alegre lança nota de repúdio contra resolução municipal

Nesta terça-feira (27), o Conselho de Feiras Ecológicas do Município de Porto Alegre (CFEMPOA), lançou uma nota de repúdio contra Cássio de Jesus Trogildo, secretário municipal de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV). De acordo com a entidade, o secretário alterou a resolução que rege as feiras ecológicas da Capital, com regras que não contemplam as demandas dos feirantes e do conselho, há muito discutidas e articuladas coletivamente.

Conforme é relatado na nota,  o CFEMPOA vem desde 2012 trabalhando no regramento das feiras ecológicas da capital gaúcha. Isto em articulação conjunta com  feirantes, pessoas consumidoras e órgãos públicos, incluindo a própria Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

A Resolução 03/2012, fruto deste trabalho, que ajudou a construir um marco legal mais condizente com a realidade vivida nestes espaços, até hoje submetida à incompatível Lei dos Ambulantes (Lei 10.605/2008).  “Em 2018, com inevitável pausa entre 2020 e 2022, por conta da pandemia de COVID-19, começou-se a construir uma proposta de Lei das Feiras Ecológicas de Porto Alegre que atendesse às demandas de feirantes, consumidores e consumidoras, respeitando os espaços públicos por elas utilizados, e honrando bandeiras históricas na forma de gestão utilizada desde 1989, quando surgiu, em terras gaúchas, a primeira feira ecológica do Brasil”, diz trecho da nota.

O colegiado lembra que um dia antes da publicação da Resolução 002/2023, que regra o processo da gestão das feiras ecológicas, o secretário compareceu à reunião ordinária CFEMPOA, onde recebeu das mãos da presidenta do conselho, Iliete Aparecida Citadin, o compilado da contribuição na construção da lei em questão. O secretário teria se comprometido analisar o material e dar retorno ainda dentro do mesmo mês de junho.

“Fomos surpreendidos com a divulgação da publicação da Resolução 002/2023, assinada pelo próprio Cássio de Jesus Trogildo, regrando todo o processo de gestão das Feiras Ecológicas, sem o acolhimento de qualquer uma das nossas várias demandas que, segundo palavras do próprio secretário, importavam em 95% consensualizadas com a visão do executivo municipal, restando 5% a serem acordadas”, relata.

Para o conselho, “a Resolução 002/2023 em pouco, ou quase nada, difere da Resolução 03/2012, sendo que alguns pontos fundamentais, como as atribuições de competências do CFEMPOA, nem sequer foram tocados pela resolução atual, bem como as demandas de quem construiu por mais de três décadas as Feiras Ecológicas de Porto Alegre, através de uma parceria profícua entre a produção ecológica orgânica rural e o consumo responsável urbano”.

Abaixo a nota completa:

O Conselho de Feiras Ecológicas do Município de Porto Alegre (CFEMPOA), representando sete feiras ecológicas da capital gaúcha, vem através desta Nota Pública repudiar a forma arbitrária e desrespeitosa com que o Secretário Municipal de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV), Cássio de Jesus Trogildo, está agindo em relação ao importante e necessário regramento legal das feiras ecológicas da cidade. Sua desconsideração para com uma história de participação social democrática, que vem sendo empregada há mais de 30 anos, na forma de levar alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos, à população de Porto Alegre, causa indignação e traz riscos à existência das feiras ecológicas, construídas com o esforço de centenas de famílias da agricultura familiar ecologista orgânica do Rio Grande do Sul, somados aos dos consumidores e consumidoras da capital gaúcha, com a consequente contribuição para a piora do quadro de insegurança alimentar ressurgido no último quatriênio em nosso país. 

O CFEMPOA, em uma ação conjunta com feirantes, consumidores e consumidoras, órgãos públicos, incluindo a própria Prefeitura Municipal de Porto Alegre, vem, desde 2012 trabalhando no regramento das feiras ecológicas da capital gaúcha. Fruto deste trabalho foi a Resolução 03/2012 que ajudou a construir um marco legal mais condizente com a realidade vivida nestes espaços, até hoje submetida à incompatível Lei dos Ambulantes (Lei 10.605/2008). Em 2018, com inevitável pausa entre 2020 e 2022, por conta da pandemia de COVID-19, começou-se a construir uma proposta de Lei das Feiras Ecológicas de Porto Alegre que atendesse às demandas de feirantes, consumidores e consumidoras, respeitando os espaços públicos por elas utilizados, e honrando bandeiras históricas na forma de gestão utilizada desde 1989, quando surgiu, em terras gaúchas, a primeira feira ecológica do Brasil. 

Em 13 de março de 2023, intensificado o trabalho, o CFEMPOA realizou o 1º Seminário para a construção da Lei das Feiras Ecológicas. Em 08 de maio deste ano, deu-se o 2º Seminário, ambos com ampla e variada participação da sociedade. Mensalmente, o tema também vem sendo tratado em reuniões abertas do Conselho de Feiras Ecológicas de Porto Alegre, algumas, inclusive, com a presença do secretário Cássio Trogildo, sempre instado a participar. 

Frise-se, que o CFEMPOA, sempre primou pela tentativa de diálogo com o representante maior da SMGOV, malgrado o seu viés autoritário e sua reiterada e insensata atitude de total desconsideração para com a legitimidade do Conselho de Feiras Ecológicas, como entidade representativa maior dos feirantes e das feirantes das Unidades de Feiras Ecológicas – UFE, preferindo empreender seu trabalho diretamente junto a grupos de feirantes e algumas Unidades de Feiras, na tentativa de convencê-los a aderirem à sua visão de como deve funcionar uma feira ecológica e de como deve se dar a formatação legal desse funcionamento. 

Eis que no dia 06 de junho de 2023 – apenas um dia após o secretário Cássio Trogildo comparecer, mediante convite, à reunião ordinária do CFEMPOA, ocasião em que recebeu das mãos da presidenta do Conselho, Iliete Aparecida Citadin, o compilado da contribuição deste Conselho na construção da Lei em questão, e se comprometer (com registro em vídeo) a analisar o material e dar retorno ainda dentro do mesmo mês de junho – fomos surpreendidos com a divulgação da publicação da Resolução 002/2023, assinada pelo próprio Cássio de Jesus Trogildo, regrando todo o processo de gestão das Feiras Ecológicas, sem o acolhimento de qualquer uma das nossas várias demandas que, segundo palavras do próprio secretário, importavam em 95% consensualizadas com a visão do executivo municipal, restando 5% a serem acordadas. 

O Conselho de Feiras do Município de Porto Alegre denuncia que a Resolução 002/2023 em pouco, ou quase nada, difere da Resolução 03/2012, sendo que alguns pontos fundamentais, como as atribuições de competências do CFEMPOA, nem sequer foram tocados pela resolução atual, bem como as demandas de quem construiu por mais de três décadas as Feiras Ecológicas de Porto Alegre, através de uma parceria profícua entre a produção ecológica orgânica rural e o consumo responsável urbano. Portanto, continuamos na luta por uma Lei das Feiras Ecológicas do Município de Porto Alegre que contemple: 

1.A importância das feiras ecológicas como estímulo à produção orgânica certificada com base na agricultura familiar e fortalecendo agroindústrias de pequeno porte;
2.A complexidade dos processos envolvidos na criação, organização e funcionamento das feiras ecológicas, em experiência acumulada em mais de 30 anos;
3.Reconhecimento da Sucessão Familiar, levando em consideração a forma de organização das propriedades rurais de cultivo ecológico e também como estratégia de fixação das famílias no campo (diminuição do êxodo rural);
4.Importância do associativismo, cooperativismo e do processo de certificação participativa;
5.Definição clara das atribuições de competências do Conselho de Feiras Ecológicas do Município de Porto Alegre (CFEMPOA);
6.Regras e incentivos para a criação de novas feiras ecológicas na cidade, como uma estratégia de implementação e fortalecimento das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentáveis;
7. Os benefícios socioambientais inequívocos advindos da produção orgânica; 8. Venda direta das produtoras e produtores;
9.Direito de autonomia e autogestão das Unidades de Feiras Ecológicas, nos moldes do que vem sendo construído há mais de três décadas. 

Sendo assim, repudiamos a postura antiética, autoritária e desrespeitosa do secretário da SMGOV, Cássio de Jesus Trogildo, frente aos direitos fundamentais de participação democrática das feirantes e dos feirantes, das consumidoras e consumidores e entidades da sociedade civil organizada, na construção das políticas que afetam diretamente os seus modos de vida, os seus sustentos, os seus trabalhos, as suas relações sociais e a garantia da sua segurança alimentar. Vamos continuar lutando pela construção da Lei das Feiras Ecológicas do município, de forma coletiva e democrática, com a participação efetiva daquelas e daqueles que conhecem e vivenciam a realidade das feiras ecológicas da cidade de Porto Alegre, e suas reais necessidades. 

Conselho de Feiras Ecológicas do Município de Porto Alegre 

Porto Alegre, 23 de junho de 2023

 

Após ciclone extratropical, petição online pede ajuda urgente ao governo federal para o município de Maquiné (RS)

 

📝 Apoie esta luta assinando o abaixo-assinado em https://chng.it/6Kc4wdsgLk

 

Veja também o vídeo da campanha: 

 

Maquiné pede ajuda

Após ciclone – Maquiné pede ajuda urgente ao governo federal

Moradores do município atingidos pelo ciclone extratropical na noite da quinta-feira (15 de junho de 2023), muitos dos quais ainda seguem isolados, vem por meio deste, SOLICITAR APOIO URGENTE PARA A RECONSTRUÇÃO do lugar e de suas vidas, respeitando a linguagem com que a natureza inscreveu sua força, história e potência. Para tanto, é necessário recursos financeiros, técnico e intelectual, junto com mão de obra, para construir um plano de ação que leve em consideração a singularidade, a característica de cada região e o curso das águas que há muito correm nestes Vales e que em momentos como este são capazes de arrastar casas, sonhos, benfeitorias, plantações, trabalho de anos, esforço de gerações, destruindo estradas, pontes, acessos e o mais grave, levando vidas.

Os rastros da tragédia estão inscritos na paisagem, nos noticiários, na mente e nos corações de todos e todas. As perdas, os danos e as dores são muitas, e, nós como habitantes destas matas, guardiões deste manancial de biodiversidade precisamos refletir sobre o presente e o passado para planejarmos um futuro consciente e responsável, visando a reconstrução deste território sagrado, que junto com outros biomas, permite a vida na Terra.

Enchentes, ciclones, deslizamentos de terra e inundações são considerados como catástrofes naturais, mas mais do que isso, representam a força da Natureza em restabelecer seu curso, suas leis e impor a necessidade de respeito, fato que precisa ser interpretado e internalizado para a elaboração de planos de recuperação e prevenção.

Eventos deste tipo são  recorrentes, têm a tendência de voltar a acontecer não só em razão das leis da natureza mas também como resposta ao impacto humano, então, quais são as ações que o poder público deve se propor a realizar para reduzir o impacto das enchentes, prezando pela vida das pessoas em primeiro lugar, nestes locais?

Há que se ouvir a linguagem das águas.

Localidade pequena mas de representatividade gigante na produção de toneladas de alimentos exclusivamente por agricultores familiares. Maquiné é jovem, mas a região tem histórico de enchentes que precedem a emancipação do município. Muitos dos lugares, mas nem todos, por onde as águas estiveram neste evento são recorrentes, porém, mesmo com este histórico o despreparo e falta de infraestrutura é preocupante.

Dentro deste contexto, já deveríamos ter um plano de ação onde estivesse pautado:

* sistema de alerta para risco,

*dados de hidrologia em tempo real (de previsão pluviométrica já temos, mas do comportamento do nível dos rios não),

*apoio à defesa civil (não tem carro, não tem drone, falta pessoal)

*treinamento à comunidade (especialmente das áreas vulneráveis)

*educação continuada para riscos e desastres diante da emergência climática

*Estudos, mapeamentos e levantamentos para elaboração e execução de planos para ações preventivas e mitigatórias;

*sistema de evacuação de áreas de risco (seja de inundações ou de deslizamentos).

Disso, emergem as dúvidas:

Vamos conseguir reconstruir? Quanto recurso se precisa? E os tendo, voltaremos a insistir em reconstruir os acessos da mesma forma? Mesmo sabendo que com pouca chuva várias localidades ficam isoladas e com muita chuva tudo vai água abaixo?

Como haver prosperidade para um povo em que viver é eternamente recomeçar?

O que demandamos

– Compromisso não só do poder público municipal, mas também estadual e federal na resolução do conjunto de problemas de ordem social, econômica e ambiental provocadas pelas enchentes e deslizamentos decorrentes do ciclone;

– Atenção especial para as comunidades que ainda seguem isoladas com continuidade do apoio emergencial para o atendimento das necessidades básicas de abastecimento, com olhar para a reconstrução de infraestruturas e com vistas a restauração das dinâmicas produtivas e econômicas;

– Plano de contingência para atendimento em caso de acidentes ou problemas de saúde urgentes nas localidades isoladas, onde estão crianças e idosos , que em momentos de chuva médias já ficam literalmente impedidos de ir e vir, sem estradas para acessarem serviços básicos de direito de todo cidadão;

– Estabelecimento de força tarefa para reconstrução das estruturas de acesso (estradas, pontes, pinguelas), de fornecimento de energia elétrica,  água potável, meios de comunicação;

– Reconstrução de vias de acesso com base em fundamentos técnicos e investimentos necessários de forma a evitar os impactos de fenômenos climáticos recorrentes e extraordinários;

– Programa de atendimento de renda básica para famílias que tiveram inviabilizadas suas atividades produtivas e econômicas;

– Programa de apoio à restauração produtiva e econômica por meio de custeio e investimento (através do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Empreendimentos Rurais).

📝 Apoie esta luta assinando o abaixo-assinado em https://chng.it/6Kc4wdsgLk

Amigos da Terra Brasil

 

6ª Conferência Estadual dos Direitos Humanos do Rio Grande do Sul

Organizações e movimentos sociais, indígenas, quilombolas e representantes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário participaram da 6ª Conferência Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, nos dias 26 e 27 de maio, em Porto Alegre (RS). O encontro elegeu 202 delegados/as para a conferência nacional.

Foi um momento muito importante, a primeira conferência realizada após a pandemia da COVID. Organizada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS), o encontro buscou avaliar e direcionar o conjunto das políticas de direitos humanos do estado para o próximo período.

O homenageado desta edição foi um quilombola, o senhor Manoel Francisco, do Quilombo Morro Alto, no Litoral Norte gaúcho. Senhor Manoel Chico completará 103 anos em agosto próximo e resistiu a todas as violações de direitos, desde o período pós-abolição até a promulgação da Constituição Cidadã, e até agora não viu seu território efetivamente regularizado, como prevê a Constituição Federal. Os povos indígenas presentes protestaram contra o PL490 e o marcotemporal, frente ao avanço dessas pautas anti-indígenas no Congresso Nacional pela bancada ruralista e da mineração. Também pediram mais rapidez nas demarcações de terras indígenas no RS.

No eixo Direitos Humanos e Desenvolvimento, participaram as comunidades quilombolas da Morada da Paz e do Morro Alto e organizações do movimento de luta urbana pelo direito à cidade, catadores de material reciclável, LGBTQIA+ e portadores de necessidades especiais. A questão transversal que apareceu no debate foi a garantia do direito à consulta prévia, livre, informada e de boa fé às comunidades indígenas, quilombolas e dos povos tradicionais potencialmente atingidos. Também se discutiu muito os processos de gentrificação da cidade, do cercamento de parques públicos, da destituição e descaracterização desses espaços com novas obras e concessões.

Foram aprovadas, ainda, três moções propostas pela Comunidade Kilombola Morada da Paz: de repúdio ao marco temporal e à retirada, do Ministério dos Povos Indígenas, da possibilidade de demarcação de terras; e uma de apoio para que a Convenção 169 se torne uma política de Estado, diante do risco que se correu de que o Brasil se retirasse do tratado no governo passado.

Julio Alt, presidente do CEDH/RS, avalia que a conferência teve um saldo muito positivo para a organização da sociedade civil em relação às demandas de direitos humanos. “A maioria dos delegados e participantes da conferência destacou a necessidade de recriar, garantir, ampliar, implementar e fortalecer as políticas públicas de proteção e garantia de direitos, que na avaliação geral foi de desmonte nos últimos anos. Nesse sentido, cabe ressaltar que estamos há quase 10 anos tentando implementar o Sistema Estadual de Direitos Humanos, conforme a Lei 14.481/2014, esperamos que o Governo do Estado faça sua parte em garantir a implementação do que consta na lei, pois a sociedade civil vem fazendo a sua, como esta conferência”, disse.

🔗 Confira mais na matéria do jornal Brasil de Fato/RS: https://bit.ly/3qoFlvh

 

📷 Gilnei da Silva, Jonathan Hirano e Jonatan Brum/ ATBr

 

A água sempre encontra um caminho: A caminhada da CoMPaz pelo respeito ao seu Direito de Ser e Existir

“É que nós sabemos: tem portas que só se abrem pelo lado de dentro. Então fomos cavar as brechas, cavar os caminhos arduamente percorridos por pessoas como nós. E nós somos água, senhoras e senhores. E a água sempre encontra um caminho”, referiu-se Yashodhan Abya Yala, Yalasé da Nação Muzunguê, Sangoma da Casa da Sétima Ordem, zeladora e protetora da Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta CoMPaz.  Sua menção foi realizada ao contar a história viva da luta desta comunidade para ser ouvida e consultada durante o processo de ampliação de uma rodovia. Obra que ameaça o território, os corpos de matas, rios, animais e de gentes, assim como impõe uma lógica perversa que busca minar os modos de vida dessa diversidade que pulsa, tomando o seu direito de ser e existir. Frente a um processo colonizatório marcado por violência, existe outra possibilidade de estar no mundo, com a potência de nascentes que vão de encontro ao mar. Contada dos tempos de lá atrás que são também esse instante, ela narra a realidade da resistência dessa comunidade negra em permanecer em seu território, com seus costumes e práticas. De seguir existindo na sua terra fincada no município de Triunfo, às margens da BR 386. Uma importante estrada para escoamento da soja no Rio Grande do Sul que está sendo ampliada, rodeada ainda pela monocultura do eucalipto – duas atividades do agronegócio gaúcho.

Em 9 de março, mês conhecido por suas águas, a Comunidade Kilombola Morada da Paz (ComPaz) abriu caminhos na primeira sessão do ano do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH/RS), na Assembleia Legislativa (AL/RS). Som do berrante. A sua chegada em cantos para Ogum, anunciada por vozes que faziam coro ao batucar de tambores, já trazia como horizonte a força de uma história que tem uma demanda e uma proposição. A demanda é pelo comprometimento do Conselho de Direitos Humanos e Cidadania, para que se coloque como órgão atuante em defesa de que as comunidades sejam ouvidas, especialmente em casos de violações de direitos. Como proposição, para além de alianças possíveis e de compromissos firmados para garantir a justiça dos povos, a Comunidade apresentou o seu Protocolo de Consulta Livre Prévia Informada e de Boa Fé, contido no Dossiê Quilombo: Proteger, Defender e Vigiar, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A Comunidade Morada da Paz (CoMPaz) enfrenta, há pouco mais de dois anos, as ameaças de dois grandes empreendimentos na região: à frente do território, a obra de ampliação da BR 386 e, na parte dos fundos, a proposição de instalação de um aterro industrial às margens do rio Caí. Opressão, exploração e uma série de conflitos são desencadeados pelo avanço desses empreendimentos, que nem sequer realizaram consulta às comunidades afetadas por sua instalação, pautando uma lógica violenta de progresso que pela primazia do lucro se propõe a uma política de morte. Mas a resistência e a ancestralidade são raízes fortes, que fazem o caminho entre solos pavimentados e indicam outras trilhas, com outros valores éticos. Foi na boa fé da articulação coletiva, organização e luta, que recentemente a Comunidade conquistou mais uma vitória por seu direito de Ser e Existir. No início de janeiro, a Justiça Federal no RS concedeu tutela de urgência suspendendo a obra de ampliação da rodovia no trecho que compreende os Km 405 a 415, onde fica a Comunidade Kilombola Morada da Paz. A obra só poderá ser retomada após a realização de novo processo de licenciamento ambiental pelos órgãos competentes, em que a comunidade seja consultada previamente conforme dispõe a Convenção 169 da OIT. Os réus, entre eles o governo federal (Ibama e Incra) e as empresas concessionárias (CCR Via Sul e Empresa de Planejamento e Logística / VALEC), ainda podem recorrer da decisão.

A decisão judicial, um importante precedente para as lutas dos povos kilombolas em todo país, se deu em resposta à Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pela Comunidade Morada da Paz em dezembro de 2022, e que teve como um dos seus embasamentos a Recomendação nr. 43 aprovada por ação no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em Novembro de 2021. Na ação, a comunidade kilombola requereu liminar que suspendesse a obra de ampliação da BR 386 no determinado trecho. Também pediu a anulação do licenciamento, já que não foi chamada a participar dos termos de referência do estudo e nem foi citada no relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) realizado pela empresa consultora contratada pela concessionária e apresentado ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), apesar de seu território localizar-se a menos de 500 metros da margem da rodovia. 

Saiba mais sobre o processo na matéria: Justiça Federal reconhece o direito à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé de comunidade kilombola no RS

Comunidade Kilombola Morada da Paz, na primeira sessão do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul | Foto: Carolina Colorio – ATBr

Além de abordar a decisão mencionada, a participação da Comunidade na sessão de abertura do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) também representou um passo importantíssimo nas lutas por território e possibilidade de ser e de existir no mundo. Yashodhan Abya Yala proferiu em sua fala o que a comunidade exigia no momento: “Chegamos ao Conselho Estadual de Direitos Humanos com uma demanda: nós queremos que esse conselho tenha grupo de trabalho, um grupo de trabalho que seja mais que um observatório. Porque um observador, pode ser um traidor. Um grupo de trabalho nessa comissão que seja escutatório, um grupo de trabalho nessa comissão que demande, que dê conforto, que dê encorajamento, que vigie, que proteja, que seja um espaço de resiliência, resistência e potência de força. Um grupo de trabalho que seja feito com senhores e senhoras desta casa, mas também com senhores e senhoras das comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul, com comunidades indígenas do estado do Rio Grande do Sul, com o povo das ocupações do Rio Grande do Sul, com os refugiados e refugiadas do estado do Rio Grande do Sul.”

É preciso ir além do reconhecimento da existência das comunidades e de dar o direito em decreto, é preciso assegurar na prática esse direito e dar as condições para a sua defesa. “Nós estamos aqui hoje para demandar desse Conselho Estadual de Direitos Humanos que ele seja o que ela se propõe na sua missão: resistência, reexistência. Um espaço em que a gente possa ser mais do que corpos contados ao chão. O Conselho não pode servir para contar as nossas mortes, deve servir para impedir a morte moral, a morte espiritual, a morte cultural e a morte histórica e política de povos e pessoas comuns”, expôs Yashodhan.

A demanda levada ao CEDH-RS, reunido na Assembleia Legislativa, é para que o Estado Brasileiro e o Estado do Rio Grande do Sul de fato deem recursos e condições para a existência desse que é um dos bastiões de resistência da sociedade civil e também controle social das políticas no Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul. “A gente traz a demanda ao Conselho Estadual de Direitos Humanos, que faça essa recomendação a todas as entidades do estado, do reconhecimento do Protocolo de Consulta Livre Prévia e Informada elaborada pela comunidade e faça conhecer também a sentença da ação civil pública. E que ela seja vista pela Fepam, pelo Ibama, pelo Ministério Público e pelos demais órgãos competentes como uma oportunidade dada para que possam ser estabelecidos protocolos que façam cumprir o que já é de direito na Constituição, dos povos indígenas, dos povos quilombolas”, mencionou Lúcia Ortiz, presidenta da organização social das pessoas Amigas da Terra, reconhecida nesse tempo e era como Luz das Águas, filha de Mãe Preta. 

Momento de fala de Yashodhan Abya Yala, da Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta CoMPaz. Yalasé da Nação Muzunguê, Sangoma da Casa da Sétima Ordem, zeladora e protetora da comunidade Kilombola Morada da Paz | Foto: Carolina Colorio – ATBr

“Que esse protocolo seja também utilizado, não apenas em processo de licenciamento de grandes empreendimentos, mas de consulta como deve ser, na garantia dos direitos democráticos, consulta aos povos na elaboração das políticas públicas, sejam elas de saúde, sejam elas de educação, porque elas só tem a melhorar com a sabedoria do povo, com a participação popular e com essa articulação que nos fortalece”, salientou Luz das Águas. 

Desta vitória específica, sopram ventos de mobilização e possibilidade para outros cantos do país. A vitória da comunidade levou a um resultado que é um precedente da justiça, que implica órgãos estado, especialmente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a construir um novo protocolo, um novo procedimento. Algo há muito tempo demandado do poder público. Ao final do encontro, o Conselho se comprometeu estabelecendo um Grupo de Trabalho para elaborar coletivamente sua recomendação e para os órgãos do estado do Rio Grande do Sul, como sugerido pela Comunidade. Passo que representa mais do que uma recomendação sobre um caso específico, mas que tem caráter de uma recomendação para as comunidades e povos tradicionais do estado, em benefício da diversidade de povos, seres, biomas e territórios.

Na sessão estiveram também o povo de Alvorada, da Restinga, das comunidades quilombolas de São Lourenço do Sul e de Santa Maria, ocupações urbanas de Porto Alegre como a Ocupação Jiboia, membros do Conselho Estadual dos Povos Indígenas, da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, do Conselho Indigenistas Missionário (CIMI Sul), presenças de quilombos, terreiras e das lutas antirracistas, por moradia e direito ao território, o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), integrante do Igualdade Racial da OAB, o gabinete da deputada federal do Reginete Bispo (PT), Mestre Cica de Oyó e o novo Ouvidor eleito para a Defensoria Pública Estadual, Rodrigo de Medeiros, entre outros.  

A atividade, além de  demandar os próximos passos sólidos para uma luta que se amplia, com valores acolhidos em cuidado, coletividade e na vida, foi um momento de troca sobre realidades perpassadas por amor e guerra. Foi, também, um debate sobre o tempo e seu entendimento. Desde a entrada da Comunidade na Assembleia até sua saída, a linearidade do tempo de kronos, marcado pelo som do passar de ponteiros dos relógios apressados, se dissolveu. O tempo é memória, resgatou em uma de suas falas Yashodhan. E ali o tempo se fez memória. Vivo, coletivo, entrelaçado entre um ontem, agora e amanhã que rompem a linearidade e tem firmamento em uma cosmovisão e prática de mundo que nos evidenciam respostas que sempre estiveram aqui, afinal, somos natureza. Tempo de fluidez firme que percorre o tambor, o berrante e o peito de quem canta e dança enquanto faz luta, enquanto se regam e brotam sementes e sombras de figueiras, essas guardiãs antigas e de tanta sabedoria. 

É preciso assegurar a consulta livre, prévia, informada e de boa fé às comunidades afetadas por empreendimentos que existem numa lógica colonizatoria de lucro acima da vida, de superexploração dos corpos e territórios para a extração de riquezas que se traduz no monopólio de poder de poucos, às custas de muitos num plano que leva ao colapso socioambiental. É preciso combater a genealogia do desastre que alarga as veias da América Latina. Um caminho possível no fazer em comunidade, na construção coletiva de outros valores, na compreensão que um rio que corre é um ser vivo. Nas vivências que têm como base que, como referiu-se Yashodhan, é preciso que o tempo do relógio se curve para o tempo da vida. Foi preciso parar a légua. E é crucial impedir que outras léguas avancem sob o tempo da vida.

A história de luta pelo direito de ser e existir da Comunidade Kilombola Morada da Paz

Comunidade Kilombola Morada da Paz demanda seus direitos e de seu território | Foto: Carolina Colorio – ATBr

Justamente trazendo o fio de kitembo, a divindade do tempo na cosmopercepção da Comunidade Kilombola Morada da Paz, que Baogan, Bàbá Kínní da Nação Muzunguê, guardião das choupanas e sapopembas de Mãe Preta e de todos povos de Mãe Preta espraiados nos sete cantos do Ayiê, deu abertura às exposições faladas do momento. Kitembo é senhor dos destinos, não das vontades, manifestou. No instante, compartilhou a partir de memórias a história de luta da Comunidade por seu direito de ser e existir.   

“Inicialmente, em dezembro de 2020, começaram a aparecer algumas pistas de que haviam ameaças à nossa comunidade, ao nosso território”, expôs. Baogan contou como ocorreu a construção do processo de resistência, quando a comunidade se negou a fazer o Estudo de Componente Kilombola proposto por uma empresa de consultoria, e que orientados por suas divindades e com ajuda de parceiros tiveram conhecimento de seu direito de realizar o  Protocolo de Consulta Prévia, conforme previsto na Convenção 169 da OIT. E foi o que fizeram, levando a palavra coletiva e a resistência adiante, assim como a possibilidade de manter acesa a vida em toda a sua sociobiodiversidade. 

Um dos filhos do território, Johny (Johny Fernandes Giffoni – Defensor Público do Estado do Pará), sabedor dessa situação após o nosso contato, nos alertou para a diferença entre Estudo de Componente Kilombola e Protocolo de Consulta Prévia, pois a nossa uma empresa de consultoria chegou propondo que fizéssemos um Estudo de Componente Kilombola, mas isso é uma etapa a posteriori. André Filho de Mãe Preta traz o que está acontecendo e apresenta elementos do Projeto de ampliação da BR 386, não se trata de duplicação, já é uma estrada-duplicada. O direito à consulta prévia, livre e informada de boa fé é algo que nos é assegurado, enquanto povo tradicional. E algo que estava sendo de nós retirado. Então propor a nós um Estudo de Componente Kilombola era uma tentativa de cooptar também o nosso direito de sermos consultados prévia, livre, informada e de boa fé”, explicou Baogan, expondo a violação de direito já no ato de vetar o acesso à informação. 

De acordo com Baogan, esse foi o primeiro ato. “Perceber, entender e compreender que estávamos sendo vítimas de um racismo estrutural e de um projeto de destruição. Anciãs e anciãos e os jovens odomodês do nosso território oram de juncó ao pé do jacutá, nossos orixás respondem: dezembro de 2020. Terceiro Momento, nos ensina a nossa Mãe Preta, a nossa yagbá ancestral: mais do que ter fé, é preciso SER FÉ. Sapopembas, raízes de força, de luz, chamado do berrante, tambor, concha, organização como uma árvore. A nossa luta não é como um pé de funcho, mas como uma figueira negra”, ressaltou, abordando então os passos que seguiram dessa consciência e de uma prática engajada em ser fé. 

Em março de 2022, foi publicado o  Dossiê Kilombo Proteger Defender e Vigiar, com apresentação no México e no Peru. O dossiê também percorreu a Retomada Gah-Ré (RS), o Quilombo de Dandá (BA), a Jornada de Agroecologia (BA), a Ilha de Colares (PA), o Quilombo Vidal Martins (SC) e com uma série de intervenções em Porto Alegre (RS), que ocorreram em jornadas de Janeiro de 2021 à Março de 2023. Atualmente, o reconhecimento público da Legitimidade do Dossiê Kilombo Proteger Defender e Vigiar é onde a luta se trava, com incidências políticas, sociais, culturais em âmbito local, estadual, federal e latino-americano. Como trouxe Baogan à palavra, citando Mãe Preta: “Em terra firme se fazem grandes construções”.


Publicação Dossiê Quilombo: Proteger, Defender e Vigiar.

Nos próximos passos, a Comunidade e os aprendizados coletivos serão partilhados, ressignificados e articulados na Corte Inter-Americana de Direitos Humanos, com o horizonte de alcançar outros Territórios Kilombolas, Indígenas e Ribeirinhos, assim como Populações Atingidas por empreendimentos que violam direitos humanos e aos territórios. 

É preciso parar a velocidade da légua’

Como relatado pela Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), ao menos 650 quilombos sofrem com grandes empreendimentos no Brasil. Quanto à Comunidade Ancestral Morada da Paz – Território de Mãe Preta, Lúcia Ortiz conta que foi necessário barrar o avanço da ampliação da rodovia. 

“A Mãe Preta dizia: ‘Tem que parar a légua, tem que parar a velocidade da légua’. E nós tivemos a missão de fazer uma marcha na BR 386 ao final de 2019. E eu me perguntava: mas como que nós vamos parar essa légua? Somos trinta, quarenta pessoas. Como que nós vamos fazer essa caminhada? E fomos nesse grupo com muita coragem, com muita valentia, e nós tivemos certeza que nós éramos muito mais que trezentos nessa caminhada. E isso foi antes de chegar a empresa de consultoria no território, pedindo licença para fazer um Estudo de Componente Kilombola. E foi só depois que nós ficamos sabendo que a Licença Prévia para a ampliação dessa BR já tinha sido concedida pelo Ibama. E esse mesmo ano começou a pandemia (Covid-19) em março, e também foi esse ano de isolamento e da necessidade da gente retomar o nosso fio de contas e essa força de protegimento, que nós fomos chamados também a compor o colegiado de organizações do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e suas comissões. Então foi em março, sabendo disso tudo, que nós recebemos a Convocatória para a Primeira Reunião da Comissão naquele ano, da comissão chamada assim: “Comissão Permanente dos Direitos dos Povos Indígenas, dos Quilombolas, dos Povos e Comunidades Tradicionais, de Populações Afetadas por Grandes Empreendimentos e dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Envolvidos em Conflitos Fundiários”. E isso chegou depois da parada da légua, depois das nossas ações, depois de nós tomarmos a consciência da ameaça acontecendo no território, então nós construímos esse caminho com a sabedoria, com a participação dos mais velhos, dos mais novos, de todos os seres dessa comunidade, traduzindo como que a comunidade percebia e sentia no sonho, na vida, no cotidiano, essas ameaças”, explicou.

Comunidade Kilombola Morada da Paz demanda seus direitos e de seu território | Foto: Carolina Colorio – ATBr

Lúcia também mencionou a relevância da construção coletiva e dos vínculos de afeto entre lutas que convergem, para garantir que a ComumUnidade, assim como tantas outras, possam seguir existindo. Em agradecimento, citou Leandro Scalabrin, do Movimento de Atingidas e Atingidos por Barragens (MAB), que orientou a Comunidade nos ritos do CNDH. Luiz Ojoyandi, filho de Mãe Preta, do OLMA, que assumiu junto a construção dessa relatoria a partir da denúncia encaminhada ao Conselho Nacional de Direitos Humanos. A Sandra Andrade, da Conaq, que foi quem, como coordenadora da comissão nomeada carinhosamente de Terra e Água, elevou até o pleno do Conselho e acolheu e encaminhou a denúncia-relatório para que fosse elaborada uma recomendação do Conselho Nacional de Direitos Humanos ao Estado Brasileiro para que reconhecesse e respeitasse o direito que é dos povos na Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé. Ao Conselheiro Marcelo Chalréo da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, que participou da elaboração da redação da recomendação aprovada por aclamação no Pleno do CNDH. “Uma recomendação que subsidiou então as nossas amazonas de luz também, na representação junto ao Ministério Público, já que continha nessa recomendação que, dentro do contexto de desmonte das políticas públicas, das instituições do estado, e de instituições como a próprio Incra e a Fundação Palmares, que estavam com desvio da função, sendo extintas naquele momento, a responsabilidade era do Ministério Público, de alertar todas as comunidades, em processos de licenciamento de grandes empreendimentos acontecendo na região. Levamos então a representação das Amazonas de Luz ao Ministério Público”, destacou Lúcia. Agradeceu, ainda, a Cláudia Ávila, conselheira e advogada das ATBr e a Fernando Campos, que também estiveram presentes no momento de representação no Ministério Público. E aos presidentes do Conselho Nacional, ao Darci Frigo nosso companheiro da Terra de Direitos e também o Yuri Costa, da Defensoria Pública da União (DPU), que Lúcia destacou terem sido guerreiros muito valentes e importantes na sustentação da existência do Conselho Nacional nos quatro anos do (des)governo Bolsonaro.

Na sessão, Pâmela Marconatto Marques , Coordenadora do Grupo de Trabalho Kombit! Mutirão por Moradia, Território e Dignidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), compartilhou sobre como foi a Ação Civil Pública ingressada pela CoMPaz. “É um dos diversos instrumentos utilizados na defesa do território. A Comunidade contou com o empenho de muitas pessoas, organizações e com a articulação com outros povos quilombolas, que enfrentam os mesmos problemas em todo o país, para construir sua própria cartografia comunitária e elaborar o seu Protocolo de Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa Fé, chamado de Dossiê Kilombo, pontuou. E como Baogan comunicou em sua fala, é preciso recontar a história para não esquecer o que ela é hoje e não o que ela foi: “O Dossiê Kilombo expressa a necessidade de que haja uma pedagogia que oriente o ritual de Consulta Prévia (como fazer, por onde fazer, quem deve fazer)”. 

Apesar da dificuldade e descrença de atores estatais e operadores jurídicos, a comunidade se lançou em movimento. “Como Baba menciona, a BR 386 já é duplicada, então começamos a pensar que o que estava em jogo era uma triplicação, quadruplicação. E tudo que tava em jogo com relação a isso. Porque uma BR precisa ser tão expandida assim? E quem conhece a morada vê que ela é quase um enclave ecossustentável diante de plantação de soja, diante de monoculturas diversas ali naquela região. Então começa a entender que essa ampliação servia justamente a esses cultivos. Ao monocultivo. E a gente sabe tudo que vem junto com ele: Trabalho indecente, gente em más condições, bicho de qualquer jeito. E a gente vai aprendendo que a Comunidade Morada da Paz acabava sendo um lugar que dava conta de tudo isso. Que dava conta, inclusive, de melhorar um território, de melhorar uma terra que tava sendo consumida pela arenização. Quem conhece o território sabe disso também, o quanto essas comunidades fazem para manter viva essa terra. A comunidade Morada da Paz e os povos tradicionais brasileiros, o quanto eles regeneram a vida nesses territórios. Pois bem, vendo tudo isso, nós tínhamos a missão de incidir de maneira a enfrentar o que não nos era possível fazer, que era parar esse megaprojeto”, expôs Pâmela. 

A empreitada foi uma Ação Civil Pública, conectada à noção de que a comunidade já vinha sendo impactada pelo simples fato de não ter sido ouvida sobre o megaprojeto. “Justamente porque a consulta não tinha sido prévia, livre e de boa fé informada do que aconteceria ali, a comunidade não dormia mais de noite. Os jovens e as crianças tinham pesadelos, achavam que a qualquer minuto podia bater à sua porta aquela ampliação. Se houvesse acontecido a consulta prévia, talvez isso não tivesse acontecido assim. A comunidade esperaria, ela saberia que trechos seriam impactados, ela conseguiria olhar para esse megaprojeto e pensar: não, eu sei, vai acontecer ali, depois vai acontecer aqui, mas no nosso trecho não, ou depois”, trouxe Pâmela. Ela contou que o encaminhamento foi o pedido para que a 9ª vara respondesse em face liminar, urgentemente, a demanda do kilombo: parar a légua. 

No atual momento, a Ação teve uma grande vitória e está em fase de embargos. Realizar a consulta prévia é responsabilidade do Estado, que sabe que tem que aplicar a Convenção 169 e que podem haver os protocolos das comunidades. No intuito propositivo de apresentar ferramentas, conectar pontos e garantir a vida, que a CoMPaz está enraizando essa pedagogia da consulta. O que está em jogo é como as comunidades devem ser consultadas, quem deve consultar e como isso deve ser feito, respostas que podem ser encontradas no Dossiê e em tantos outros que podem surgir, a partir das comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas e tradicionais, para que sua existência seja não apenas reconhecida, mas possível em toda sua magnitude.  

Ao elucidar que a morte pelo acesso a informação também é real, Yashodhan também contou como foi o processo de resistência à ampliação da BR, destacando tentativas de silenciar a comunidade e o que está em jogo com a efetivação da obra. “Quando nós chegamos a denunciar todo o processo que está acontecendo conosco e com outros parentes e irmãos quilombolas e indígenas, foi-nos dito: Mas vocês estão fazendo uma tempestade num copo de água, o processo de ampliação da BR vai ser só para 2030. Eu vou repetir o que eu disse: em 2030 talvez nós estejamos mortos, precisamos garantir aqui no presente a continuidade da nossa história com o direito de ser e existir do jeito que nós somos. Nós precisamos garantir, aqui, no tempo presente, a luta e as estratégias de sobrevivência”. Salientou ainda que o ponto não é parar o progresso, mas impedir que o entendimento de progresso tenha como massa de sustentação a cultura, a fé, os sonhos e a possibilidade de continuar existindo das comunidades kilombolas. 

A CoMPaz vai fazendo seus caminhos que contrapõe a violenta história hegemônica do Brasil, contada como se desenvolvimento fosse saque, domínio, escravidão e disparos de tantas violências contra os corpos negros, do campo à cidade, das águas às florestas. Ela expõe as feridas causadas por um entendimento dos kilombos a partir da dororidade, num imaginário racista que não reconhece as potências, sabedorias, pedagogias e a capacidade de organização coletiva e manutenção da vida dos territórios negros. E vai além, propondo saberes, práticas e ferramentas de luta, construindo alianças possíveis que florescem afeto e fé. “O que esperam de um kilombo? Criança ranhenta, com o pé no chão, cachorro e mendigando? Não. Nós somos mais do que isso. E se isso existe nas nossas comunidades, é produto de um estado estruturalmente pautado, basilado, na escravização, na morte, no peso da dor. Então nós somos mais do que isso, nós somos a antítese de uma história que teima por ter ouvidos para ouvir, porque voz nós sempre tivemos”, mencionou Yashodhan. 

É no comprometimento, na construção do coabitar e de outros mundos possíveis, que segue a marcha para frear as léguas que soterram a vida. Que a vida segue, como ensina a água, abrindo brechas para correr ao mar. A luta avança, fazendo do chão que se pisa terra fértil para que o sonho de uma liberdade coletiva seja o amanhã possível. Como compartilhou Yashodhan: “É preciso que a gente continue e é preciso, como mulher preta, kilombola, como mulher da zona rural e como gaúcha que sou, que esse estado seja reconhecido e auto reconhecido não só como um estado hegemonicamente branco, simpático do fascismo, simpático do trabalho escravo. Porque o silêncio, senhoras e senhores, e essa frase não é minha, mas o silêncio daqueles que podem e devem fazer alguma coisa é a morte do futuro. É a morte do sonho. Não temos medo do nosso corpo tombado no chão. Não queremos que isso aconteça. Mas nós vamos lutar até o último minuto para que a morte moral não saia encostada em nós quando nos levantarmos dessa cadeira. Nós estamos aqui agora. Que o dia de hoje se transforme numa história que não deve ser esquecida”. 

“Vida longa e próspera: nós continuamos e não estamos só”

📽️ Confira a cobertura em vídeos da participação da CoMPaz no CEDH/RS:

Em janeiro deste ano, a Justiça Federal reconheceu o direito à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé da Comunidade Kilombola Morada da Paz (CoMPaz), em Triunfo (RS). Anteriormente, a consulta, prevista na convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), havia sido violada.  Processo narrado acima por Ìyalasè Yashodhan Abya Yala, a Sangoma (Guardiã da Memória e Guiança Espiritual) da CoMPaz na série de entrevistas do podcast “Prelúdio de uma pandemia”. Realizado em parceria com a Rádio Mundo Real, da Amigos da Terra Internacional, o podcast percorreu o contexto brasileiro, da Costa Rica, de El Salvador e do Haiti para denunciar e analisar as violações dos direitos dos povos e seus direitos humanos, antes, durante e depois da pandemia de Covid-19. Confira o podcast aqui  

Como consequência da sessão do CEDHRS do dia 9 de março na AL-RS se formou um grupo de trabalho – GT sobre a Convenção 169 da OIT e sua aplicação no Estado do RS. Esse GT já se reuniu virtualmente e nessa 5a feira dia 18 de maio se reúne presencialmente a partir das 9hs no Território Yagbá Ancestral de Mãe Preta – CoMPaz em Triunfo/RS. O encontro também forma parte das Conferencias Livres prévias à VI Conferencia Estadual de Direitos Humanos (a ser realizada nos dias 26 e 27 de maio de 2023, no Auditório Dante Barone da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul).

 

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Indicações de leituras:

Racismo Ambiental. Artigo de Alan Alves Brito (NEAB/UFRGS) e Ìyamoro Omo Ayo Otunja, (Ìyiakekerê da Nação Muzunguê – CoMPaz) Janeiro 2021.

Fluxos cosmológicos na cidade: a (des)invisibilização indígena

Artigo  de Carmem Lúcia Thomas Guardiola¹ e Roberta Deroma² aborda as retomadas Mbya Guarani na Ponta do Arado (Porto Alegre-RS). No extremo sul da cidade de Porto Alegre, no bairro Belém Novo, um movimento cosmológico em busca de territorialidade acontece em terras de propriedade privada. Indígenas da etnia Mbya Guarani retomam território na Ponta do Arado até então destinado a construção de um empreendimento imobiliário. O movimento de Retomada de territorialidade perpassa a cidade e seus habitantes em relações de conflitos e afetos, no qual interesses econômicos e de bem viver vão construindo histórias. Confira: 

Porto Alegre tem seus bairros centrais repletos de concreto, prédios uns ao lado dos outros e muitos carros soltando fumaça cinza percorrendo ruas asfaltadas de sentimentos expostos nos ritmos urbanos. Os bairros mais afastados do centro na zona sul mesclam o concreto ao verde em uma mistura de asfalto e de terra, de pessoas e de não humanos, de áreas urbanas e de áreas rurais.

Entre todas estas ambiências — bairros, cores, chãos, pessoas, ruídos –, encontramos os Mbya. Estes indígenas têm seu território de vivências não demarcado por linhas fronteiriças divisórias, mas em uma vasta área ao sul da América do Sul. Eles caminham e vivenciam estes espaços, mas é nas matas ou próximo a elas que se constituem como indígenas Mbya.

É em busca destes territórios, perpassados por concreto, que os Mbya caminham rumo ao seu fortalecimento: três lideranças se deslocaram por terra e por água até chegarem a ponta do Arado Velho. De barco seguiram e aportam no dia 15 de junho de 2018 na Ponta do Arado onde Alexandre, Timóteo e Basílio com suas famílias encontraram todos os elementos de vivência para potencialização de seus corpos.

Neste mesmo espaço geográfico existe outra história.

A Ponta do Arado é uma área de preservação de 223 hectares e faz parte de um todo de 426 hectares da Fazenda do Arado Velho que está localizada às margens do Guaíba no bairro Belém Novo, extremo sul da cidade de Porto alegre. Uma área territorial estranha aos moldes do indígena por ser privada e com donos. Nessa história, os proprietários, representados pela Arado Empreendimentos Ltda., idealizam um projeto de urbanização que prevê a construção de condomínios de alto padrão e centros comerciais.

Conflitos emergem diante de diferentes visões de mundo relacionadas às questões ambientais, estéticas e econômicas. Sentimentos desabrocham, constroem e transformam a história do bairro atravessada pelas disputas sociais e políticas em torno de uma terra singular que é significada através da longa vivência de seus moradores.

Após denúncias e pressões do movimento socioambiental composto por estudantes, ambientalistas e moradores do bairro Belém Novo, o projeto de urbanização está suspenso por questões legais no momento desta publicação. Tais conflitos com os empreendedores se intensificaram frente a uma nova presença antes invisibilizada: a presença indígena Mbya Guarani.

Enquanto os idealizadores do empreendimento imobiliário demandam na justiça a concretização de seus planos, criam conflitos ideológicos e morais entre os moradores e causam indisposições e constrangimentos para os Mbya que permanecem fortes e determinados em estado de Retomada das terras e do seu modo de ser.

Neste estado de Retomada, os indígenas recebem apoio de um movimento em alguns momentos de tensão. Os Mbya foram expulsos das matas da Ponta do Arado e encurralados nas areias da praia sem acesso à água potável, impedidos de transitar nas matas da região para buscarem materiais à construção de casas e de plantar suas sementes milenares passadas de Guarani à Guarani. Quando são constrangidos pelos não-indígenas, o movimento lhes oferece alimentos, filtros de água, roupas, materiais para erguerem seus abrigos, um barco para se locomoverem e visitarem seus familiares ou mesmo recebê-los em visita. Recebem também o apoio afetivo do Juruá (não-indígenas) ao irem em busca de redes de apoio em eventos na cidade.

A cidade perpassa o mundo Mbya. Não mais somente os campos, os rios, os lagos, os arroios e os outros indígenas, como também os espaços urbanos.

Em meio a acusações — como de destruidores do meio ambiente –, as famílias Guarani na Ponta do Arado estão em um espaço ínfimo ao lado de sítios arqueológicos com vestígios de seus ancestrais. Estes, que eram canoeiros, circulavam pelo Guaíba e pela Lagoa dos Patos de ponta em ponta, e a ponta do Arado Velho era somente mais um espaço de vida sem propriedades privadas. Hoje o local se configura enquanto periférico tanto a respeito de sua localização quanto de sua inserção nos espaços de diálogo sobre a cidade de Porto Alegre. Seu próprio status de zona rural se encontra fragilizado, tornando-se alvo de alterações e projetos de leis que denotam parcialidade ao se empenharem em propiciar a construção do empreendimento e ao desconsiderar a malha de conflitos e questões emergentes.

A região segue acompanhada do risco de estar fadada a um único modo de se conceber a cidade sob o discurso de progresso e de crescimento. Modo este que desconhece presenças indígenas no território urbano e que reforça estereótipos em torno da pessoa indígena ao negar este espaço a elas.

O estado de Retomada de terras dentro da sua compreensão enquanto resiliência pode ser entendido como um modo de se retomar uma cosmovisão aniquilada e ressignificar lugares, questionando acerca das funções dos espaços urbanos e o quanto correspondem às necessidades daqueles que, de vários modos, fazem parte deles. Terra e ancestralidade se somam em forma de Retomada, indagações e perspectivas.

Esta distinta forma de interrogar, interpretar e sentir o mundo nos traz respostas para a questão: como em tanto tempo de suas existências, constrangidos a se contentar com cada vez menos matas, suas crianças ainda brincam nas areias das praias da cidade?

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[1] Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora associada ao Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais (NIT/PPGAS/UFRGS), guardiolars2@gmail.com, http://lattes.cnpq.br/4343383842143051

[2] Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), integra o Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde (NUPACS/PPGAS/UFRGS), deromaroberta@gmail.com, http://lattes.cnpq.br/3096737094617446

Referências:

LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: o território Mbya à beira do oceano. São Paulo: UNESP, 1992.

PISSOLATO, Elizabeth de Paula. A duração da pessoa: mobilidade, parentesco e xamanismo mbya (guarani). São Paulo: UNESP/ISA, Rio de Janeiro: NUTI, 2007.

O artigo foi publico originalmente aqui, confira

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