A data limite para envio de contribuições da sociedade civil é 11 de fevereiro de 2022 e a previsão é de que ainda neste trimestre o governo lance edital para entregar a área pública para a iniciativa privada
O Jardim Botânico da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, é um espaço de natureza em meio à metrópole, dedicado a proporcionar ao cidadão porto alegrense experiências que ensinam. Entre as atividades comuns ao local, estão o estudo em prol da conservação de espécies vegetais nativas do RS, principalmente aquelas ameaçadas de extinção, pesquisas e ações de educação ambiental. A área de 36 hectares permite, além da realização de piqueniques pelos visitantes, trilhas e apreciação de paisagens como lagos e canteiros de flores, visitas ao Museu de Ciências Naturais (o qual inclui o Serpentário), a participação em atividades educativas e a compra de mudas no viveiro de plantas. O local demonstra autonomia de gestão dessa Unidade de Conservação, a qual já tradicionalmente cobra um valor simbólico de ingresso em prol de ajudar em sua manutenção.
Ainda assim, foi aberta em dezembro de 2021 uma consulta pública sobre a concessão do Jardim Botânico à Iniciativa Privada. Segundo informações do governo do RS, o edital de concessão deverá ser lançado no primeiro trimestre de 2022 e o leilão está previsto para o segundo trimestre de 2022. Divulgado no Diário Oficial do Estado no dia 28 de dezembro de 2021, o aviso de consulta pública para o conhecimento da população acerca dos estudos, minutas de contrato e do edital de concessão de Porto Alegre, propõe análise e retorno popular até o dia 11 de fevereiro de 2022, por meio do formulário disponível aqui. Além disso, uma Audiência Pública será realizada em 03/02 de 2022, entre 9h e 12h, com participação presencial no Auditório do Centro Administrativo Fernando Ferrari — Av. Borges de Medeiros, 1501, térreo, Porto Alegre/RS. Para quem não possa acompanhar no local, haverá transmissão no canal do YouTube da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do estado.
A concessão do parque teve seu projeto arquitetado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com apoio do consórcio Araucárias e do Instituto Semeia, com coordenação da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA), da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), da Secretaria de Parcerias e Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Mesmo formato utilizado para outras áreas a partir de um programa criado pelo Governo Federal para privatização de áreas públicas, que não ocorre sem a resistência popular neste processo, como é o caso do Parque do Jalapão em que o governo do estado do Tocantins desistiu da concessão frente à onda de protestos e da denúncia de desrespeito ao processo de Consulta Livre, Prévia e Informada às populações quilombolas da região que seriam atingidas pela privatização.
Ainda em janeiro de 2021, vários parques nacionais e estaduais foram adicionados ao “Programa de Estruturação de Concessões de Parques Naturais” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por meio da consultoria da autarquia, o Governo Federal busca incentivar os governos estaduais a entregar para a iniciativa privada as áreas públicas. O programa é financiado por empresas como a Natura. O projeto do BNDES é voltado para a desestatização de serviços de visitação de Parques Naturais, mas para além disso alcança a proteção e gestão desses parques. É importante ressaltar que chamar desestatização significa o velho conhecido termo: privatização. Na prática, o projeto não é apenas para estruturar o turismo, mas para privatizar as áreas naturais.
Agora, o governo do estado altera a chefia do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais colocando nas mãos de Patrícia Witt, nomeada no Diário Oficial do estado do Rio Grande do Sul nesta sexta-feira, 21, para a Secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura. Ela já é conhecida pela comunidade do Lami, na zona sul de Porto Alegre, por ter fechado a reserva para o público e enfrentou a resistência por restringir o acesso, inclusive, a pescadores que têm a sua subsistência a partir da relação com aquela área. Além disso, o dia também amanheceu com a nomeação no Diário Oficial de Ivo Lessa, que já foi consultor de Meio Ambiente para a Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
Para Fernando Costa, do Conselho Diretor da Amigos da Terra Brasil (ATBr), “A novidade acaba com a dúvida das intenções do governo de Eduardo Leite e a relação promíscua com o agronegócio, tendo zero compromisso com a participação e a defesa dos bens comuns”.
Em 1953, foi aprovada a Lei nº 2136, a qual demarcava um espaço de terra dedicado à criação de um Jardim Botânico em Porto Alegre. Dessa forma, foi então criada, pelo governador da época, Ildo Meneghetti, uma comissão para arquitetar o plano inicial de desenvolvimento do parque. O estudo foi apresentado em 1956 e o Irmão Teodoro Luis foi o escolhido para gerir os trabalhos de implantação do projeto. No dia 10 de setembro de 1958, o Jardim Botânico foi aberto ao público. Após décadas de funcionamento, em 2003, a Lei nº 11.917 estabeleceu o parque como Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul e, atualmente, o espaço é considerado um dos cinco maiores jardins botânicos brasileiros em posse de um acervo considerável da flora regional, possuindo categoria A na classificação. Nota A é a máxima na classificação de jardins botânicos nacionais e internacionais, e esta é concedida apenas a raros espaços, justamente em função de sua excelência de atividades desenvolvidas.
A luta em defesa da Fundação Zoobotânica (FZB), que administra o Jardim Botânico, está viva desde 2015. Naquela época, as até então denúncias de desmonte culminaram no pacote propondo a extinção de 11 órgãos ligados ao Executivo, que foi enviado à Assembleia Legislativa, em novembro de 2016, pelo ex-governador José Ivo Sartori. O decreto de extinção da FZB, assinado por Sartori, determina que as obrigações e os servidores estáveis da fundação sejam incorporados no quadro da então Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, atual Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura. Contudo, tramita na Justiça uma perspectiva contrária, que ainda cabe recurso. O Ministério Público estadual defende que a extinção da FZB não deve ocorrer até que o Palácio Piratini apresente um plano de como se dará a transferência dos bens e dos servidores do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais, com a garantia da manutenção dos trabalhos.
Ainda em setembro de 2021, o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais lançou uma carta aberta em que denuncia o estrangulamento de instituições que cumprem funções essenciais, como o Jardim Botânico, o Museu de Ciências Naturais e o Zoológico de Sapucaia do Sul (RS). O documento também destaca a continuidade das políticas neoliberais do governo Sartori pelo atual governo de Eduardo Leite sobre as questões ambientais e questionam a argumentação de “enxugamento da máquina administrativa” usada para a privatização: “São gastos proteger a biodiversidade e as pesquisas essenciais associadas a um tema que representa acordos internacionais assinados pelo Brasil?”.
No dia 29 de janeiro de 2021, foi lançada a PORTARIA SEMA nº 23, responsável por, após a extinção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, estabelecer a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA) como nova gestora do Jardim Botânico. Meses depois, em dezembro de 2021, a conta chegou, e o resultado foi o Edital de Concessão. Para o Amigos da Terra Brasil, no caso do Jardim Botânico, a questão que mais preocupa é a falta de divulgação dos processos atualmente existentes dentro do parque, para que a população saiba que este espaço não é apenas um parque de lazer (um “parquinho” para passear em fins de semana).
“O JB é um local de estudos, de pesquisa, é um local de construção de conhecimento, que acumula conhecimento, e por isso tem que ser estatal”, explica Fernando Costa.
Trata-se de um local de conservação da flora gaúcha e, principalmente, de pesquisas que servem de apoio a diversas atividades nacionais e internacionais.
O Jardim Botânico, da mesma forma que o MCN (Museu de Ciências Naturais), existe graças ao seu quadro de profissionais especializados e que atuam diretamente em suas especialidades há décadas. Não são trabalhadores que podem ser encontrados em qualquer ação de contratação ampla. A concessão do parque está dentro do quadro de extinção da FZB e seu processo, portanto, vem ao encontro de interesses privados que desejam se apoderar de espaços públicos. A Amigos da Terra Brasil compreende que conceder o parque significaria claramente a extinção de atividades que visam ampliar a base de conhecimentos científicos e conservação de elementos da biodiversidade de interesse local e internacional. Dessa forma, é possível enxergar que, na prática, o que se observa no caso de extinção da Fundação Zoobotânica e na concessão de seus espaços (aliás ninguém fala o que será feito do MCN e suas atividades que estão dentro do JB), é o melhor exemplo de negacionismo do conhecimento e do saber que vem se instalando no Brasil nos últimos anos, mas amplamente incrementado no governo federal atual e expandido pelos Estados.
A ATBr deixa o alerta para a população em geral sobre a realidade do sistema de concessão de espaços públicos. Isso porque é imperativo que o povo se manifeste e continue tendo a sua disposição estes espaços em sua verdadeira função. Esta engloba a pesquisa, o lazer, a educação ambiental, entre outros. Não podem existir apenas para satisfação de alguns interesses privados, que poderão conduzir à total descaracterização da instituição e da perda de seus predicados e classificação internacional.
“Locais como o JB precisam ser estatais justamente pela produção de conhecimento que eles geram, não pode ser privado. Esse conhecimento precisa ser público, pois nele existe um investimento público em capacitação em profissionais, em preservar essas informações, essa biblioteca. Isso na mão das empresas pode ser desvirtuado, nós não temos segurança de que uma empresa vai manter a ética e a preservação de algo que é importante para todos. É papel do Estado garantir isso”, completa Fernando Costa.
A ATBr acredita que é importante que o Jardim Botânico seja e permaneça um espaço público e que seja um local financiado e garantido pelo Estado. Isso é assegurar o conhecimento e a informação correta e pública, coisa que as empresas têm histórico de desvirtuar para o seu benefício próprio, principalmente às empresas de licenciamento, as quais têm interesses diretamente ligados a essas informações e a esse conteúdo técnico. Nunca foi tão importante a Fundação Zoobotânica para nós.