Gotas que Transbordam: pia coletiva junto à sede da Amigos da Terra permite acesso público à água

A pia desaparecida

Pia, que havia sido furtada, foi recolocada na frente da CaSAnAT. Foto: arquivo ATBR

“Pra mim, aquela pia é um marco, ela representa essa situação que a gente vive. Colocar uma pia na rua é garantir acesso à água, que é um direito universal para todas, todos e todes. É uma oportunidade bem importante de a gente poder demonstrar isso e fazer com que a sociedade veja, sinta. Muitas vezes essas coisas ficam escondidas, distantes das pessoas, então a gente aproxima, mostra e trabalha isso”, diz Fernando Costa, o Fernandão, membro do conselho diretor da Amigos da Terra Brasil e bioconstrutor. Ele acredita que as cidades brasileiras deveriam garantir o “mínimo pra todo mundo, que de certa forma, a nossa Constituição em 1988 preconizou ali, colocou como questões importantes e muitas delas até hoje o Brasil ainda não conseguiu colocar em dia”. A pandemia da COVID-19 fez crescer ainda mais o visível abismo entre classes sociais, mas não foi só isso. “Houve um grande aumento da população de rua não só na cidade de Porto Alegre, mas na maioria das capitais do Brasil durante a pandemia. Segundo um levantamento feito no Rio, 30% da população de rua de hoje tinha ido parar na rua no último ano”, explica Lúcia Ortiz, presidenta da Amigos da Terra Brasil.

“A água é um problema histórico do Brasil. Vem a pandemia e começa a se discutir, a colocar em cheque nos fóruns internacionais a questão da higiene. Os países da América Latina colocaram que é muito bonito se falar na importância de lavar as mãos, só que não tem acesso à água, tem uma precariedade tremenda no continente”, destaca o arquiteto Leonardo Brawl Márquez, cofundador da TransLabUrb. Tal precariedade de acesso à água gerou, no primeiro semestre de 2020, o projeto idealizado pela ONG Cozinheiros do Bem e realizado em parceria com a TransLabUrb, o qual alocou sete pias espalhadas pela cidade em pontos estratégicos. 

Pia móvel instalada pelo TransLabUrb. Foto: TransLAB.URB

“A gente escolheu esses pontos, que estavam já relacionados com onde já tem uma frequência de pessoas em situação de vulnerabilidade”. Mesmo sendo uma iniciativa que não faria mal a ninguém e que tinha condições de se sustentar financeiramente, a ideia teve permissão negada pela prefeitura de Porto Alegre, mas o bem não poderia ser impedido.“Ele é um sistema autônomo, porque quando o Marchezan [prefeito Nelson Marchezan Jr., cujo mandato encerrou em 2020] retirou até a liberação de colocar, a gente pôr esse negócio na rua já virou uma infração, quem dirá abrir o chão e acessar a rede do DMAE [Departamento Municipal de Água e Esgotos]”. Por incrível que pareça, a parte mais difícil foi conseguir fontes de fornecimento de água, mesmo mediante pagamento, o que fez Brawl se questionar.“Foi ridículo ver que ninguém tem acesso à água, nenhum tipo de pessoa, mesmo nós privilegiados. Dizíamos: bota no meu endereço, bota no meu CPF, eu pago a vista, eu pago como vocês quiserem. Mas não existe como acessar, isso foi bem emblemático”.

A ideia da instalação da pia na calçada da CaSAnAT em outubro de 2020 foi inspirada na iniciativa da Cozinheiros do Bem.“Quando eu vi a pia pela primeira vez ali, achei bárbara a ideia. Achei uma coisa assim muito legal, porque tirando em alguns parques, tu não tens acesso à água na rua, e ela tinha que estar disponível pra todo mundo. Tu andas em qualquer cidade da Europa, tu vais encontrar pontos públicos de captação de água para beber, para fazer qualquer coisa”, relata o advogado Roberto Rebés Abreu, conselheiro jurídico da Casa ALICE (Agência Livre para Informação Cidadania e Educação), organização vizinha da CaSAnAT no bairro Azenha, em Porto Alegre (RS). Não é apenas o acesso à água que é negado. As pessoas em situação de vulnerabilidade não só tem seus direitos básicos vetados, são tratadas como  lixo: “Um morador de rua ou um preso que está entregue para uma penitenciária cuidar, são caras que as pessoas acham que se pode bater, que se pode violar seus direitos, isso tá um absurdo”. 

Nem quando a Amigos da Terra decide colocar uma pia na calçada da sua própria casa a situação é preenchida por algum tipo de paz. “Percebemos incômodos, acreditamos que justamente a própria pia acaba sendo uma demonstração do quão injusto hoje o mundo se coloca, onde uma pia acaba sendo um privilégio”, coloca Fernandão. Aquele singelo pedaço de ferro soldado a uma parede deveria ser uma fonte de vida e esperança, mas é de difícil compreensão para alguns, afogados por seus privilégios. “Eu sei que isso incomoda os vizinhos, eles não querem ter morador de rua perto. Cheguei a conversar com uma senhora e discuti isso, ela ficava muito brava porque aquilo ali era uma imundice, uma nojeira, uma junção de desocupados. Eu disse para ela: a senhora tem a sua casa, lava as suas mãos, a senhora toma a sua água na sua casa. Onde os moradores de rua vão ficar? Mas eles não ouvem isso né. Foi tão engraçado, porque ela estava puxando um cachorrinho pela coleira, o cachorro fez cocô e ela pisou em cima, ao mesmo tempo que falava mal de morador de rua. Então é uma coisa muito difícil isso”, conta Abreu. 

Morador de rua usando a pia em frente à CaSAnAT
Foto: Arquivo ATBR

Em meio à sociedade, o preconceito é vigente. “O pessoal para com o carrinho pra se lavar na frente da casa, isso gera uma ocupação da calçada, a galera já atravessa a rua. É um preconceito a pobreza, é um medo das pessoas”, relata Fernandão. Apesar das dificuldades, os moradores de rua não têm opção. Ou se submetem a algum tipo de desconforto, ou ficam sem saída. “Nas minhas idas à obra da casa ALICE, mais de uma vez passei por moradores de rua. Tinha uma moça que me disse que lavava todas as roupas dela ali, que era o único lugar que ela tinha”, conta o conselheiro jurídico da ALICE. Devido à dificuldade de se manter vivo em uma sociedade que culturalmente marginaliza aqueles desprovidos de um “padrão de vida”, sobreviver quando se é um morador de rua muitas vezes se trata de sorte e em meio a uma pandemia, a coisa só piora, como sublinha Brawl: “Grande parte da realidade dessas pessoas é acessar a água por meio do favor. Ele chega e pede uma água do estabelecimento que está aberto. Eles são muito táticos, a população de rua tem a sua rede de apoio. Então assim, se fecha o comércio, e foi o que aconteceu, com esse fechamento as pessoas passaram quase a totalidade das horas sem acesso à água potável. Esse foi o grande impacto no município de Porto Alegre”. 

A Amigos da Terra Brasil tem mais de meio século de existência e nunca havia tido uma sede própria. Na década de 2000, iniciou-se uma campanha em busca de uma casa. Foi assim que, no ano de 2005, o sonho se concretizou. A CaSAnAT foi um projeto possibilitado graças a uma cedência do Patrimônio da União à organização. Anteriormente uma construção abandonada e em condições precárias, ela foi transformada em um espaço de trabalho em equipe e solidariedade, em permanente transformação e diálogo, na prática, sobre as políticas públicas urbanas . “A gente foi pro Rincão Gaia, umas 30 pessoas. Passamos o fim de semana desenhando a casa, pensando a água, pensando os espaços, pensando nos fluxos da água, como a gente queria se relacionar com o meio ambiente, com a cidade. Todo o projeto arquitetônico foi feito ali”, conta Lúcia Ortiz. 

Entre as restaurações de cunho sustentável feitas pela equipe, foi desenvolvida uma instalação pioneira em Porto Alegre, de um leito de evapotranspiração: sistema de tratamento dos efluentes feitos no próprio lugar. “Então a gente não joga esgoto na rede de esgoto, a gente não tem esse custo pra cidade, a gente trata o esgoto na Amigos da Terra e a gente devolve a água pura pro fluvial da cidade para ir pro Guaíba”. O principal objetivo da Organização e, posteriormente da casa, é fazer projetos em prol do coletivo, “qualquer coisa que a gente faz é pra ter uma construção coletiva que fique pra cidade, que seja uma tecnologia social que possa ser de baixo custo, apropriada pras pessoas pra poderem usar nas suas realidades, seja na periferia urbana, seja nas aldeias indígenas, onde for”. Mesmo assim, o preconceito social e o Governo Bolsonaro não puderam deixar a propriedade passar “despercebida”. Assim, o Ministério da Economia, regido por Paulo Guedes, criou a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados. Esta tem a função de vender tudo o que é Patrimônio da União e do governo para o mercado. A primeira ação por eles promulgada em cunho regional, pois existe um escritório por região, assim que assumiu um militar na superintendência do Rio Grande do Sul, foi uma visita à CaSAnAT. Lá, ele tirou fotos, alegou que a casa não tinha reboco, que era precária, que as aberturas eram de madeira… “Tudo aquilo que a gente recuperou na casa ele disse que não tava bom. Queria uma casa de luxo? É essa visão classista, sem nenhuma técnica, sem nenhum critério de conhecer o processo”. O processo judicial de reintegração de posse movido pelo governo Bolsonaro pela desocupação da CaSAnAT, no presente momento, tramita normalmente na Justiça Federal.

O descaso do atual governo infelizmente vai ainda mais além. Apesar de a água ser um direito universal, para alguns isso ainda é difícil de compreender.“A água não pode ser um produto que dê lucro, que faça com que alguns setores ganhem com ela. A água tem que ser um bem da vida, um bem da natureza. Nós somos constituídos basicamente de água, precisamos dela. Até passamos algum tempo sem comer, mas não podemos ficar sem beber. O nosso Planeta, apesar do nome Terra, é 70% água. Então ela é um bem fundamental e tinha que estar acessível a todos”, sublinha Roberto Abreu. A falta desse recurso essencial gera uma cultura de falta de higiene para aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade. Multiplicada pelos anos vividos na rua, vagando de marquise em marquise, o corpo, mas principalmente as mãos, ferramenta mais antiga em posse do ser humano, criam uma camada triste de podridão.

No início do projeto, os moradores de rua tinham auxílio no uso da pia. Foto: TransLAB.URB

“A galera sempre chegou podre. Na primeira pia que a gente instalou, eu tive que fazer essa função de ensinar. O cara não tem acesso a nada né, então não entendia. Na hora de lavar a mão, o cara não sabe. Tu aprende a lavar a mão com a família, mas o cara não teve isso, então ele lavava, me olhava e ria. Eu falava: não, lava mais, olha o caldo preto que tá saindo. Umas crostas assim, os caras ficavam muito mais tempo pra lavar a mão, porque já chega podre”, conta Brawl sobre sua experiência no projeto das pias pela cidade. Como se não bastasse a falta de incentivo da sociedade e do próprio governo para a disponibilização pública da água, a CaSAnAT sofreu uma parada forçada no meio do seu projeto.

“Num domingo à luz do dia, passa um carroceiro que trabalha com reciclagem, pega a pia e deixa a água jorrando durante o fim de semana, na calçada”, conta a presidente da Amigos da Terra Brasil. “Acabou sendo levada a pia. Era uma pia de ferro, o que tornava meio lógico ser levada, mas a gente tentou soldar ela ali, então fizemos ela de ferro justamente para poder não quebrar e poder ser uma pia que fosse mais resistente”, relata Fernandão. A situação caótica, ocorrida no dia 27 de junho de 2021, fez a equipe da CaSAnAT questionar se sua iniciativa de fato fazia sentido, se estava atingindo as pessoas realmente, pois em uma sociedade de mentalidade Capitalista, até mesmo o carroceiro que precisa do dinheiro da reciclagem para se sustentar dá fim a uma iniciativa como essa apenas pelo dinheiro fácil. 

Com o furto da pia, o desperdício de água se tornou realidade. Foto: Arquivo ATBR

Vivemos em uma era de questionamentos e de constantes mudanças de rota, porém, quando o espírito de solidariedade e de justiça social correm pelas veias de alguém, mesmo sendo apedrejado, o moinho não para de girar. “A ideia é manter o projeto, colocar a pia de novo, vamos insistir. Estamos nos organizando para estarmos mais presentes na casa. A partir do momento que a pia tá ali e a gente tá na casa, isso gera uma interação como gerou em todas as vezes que a gente tava ali”, conta Costa, e acrescenta que placas já estão instaladas, contendo as instruções de uso da pia, de como limpar as mãos corretamente. O objetivo é apresentar as intenções, mostrar que aquele é um local de diálogo e que a pia está ali apenas para o bem.

Pia coletiva da CaSAnAT recebeu nova sinalização. Foto: Arquivo ATBR

No coração de todo o ativista, a esperança transborda: “Nós não temos a opção de não acreditar em um futuro melhor, se estamos aqui fazendo esse trabalho, temos que acreditar. Esse acreditar é acreditar nas pessoas, nesse poder popular, nesse processo de incidência cotidiana em toda essa questão da cidade, que nos faz acreditar que as pessoas, enxergando um dos problemas estruturais do sistema, essa dificuldade de pensar. Essa participação da cidade, essa interação… Pensar nisso no teu tempo diário é todo um contexto. Qual é a parte que a gente participa, e coisas que às vezes não é nem por opção, é uma necessidade”, pensa Fernando Costa, membro do conselho diretor da Amigos da Terra Brasil.

Prainha de Copacabana em risco: uma nova estação de Tratamento de Água para Porto Alegre (RS) parece bom, mas não é!

Com o custo é o ônus para alguns, mais uma vez a injustiça ambiental encontra solo fértil nas políticas públicas de uma Porto Alegre injusta.

Manifestantes demonstram apoio à Praia de Copacabana 
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

“Temos que sair organizados para sair daqui e trazer mais gente, mais atividades, e a gente ocupar este local antes que a iniciativa privada venha, invada este local e expulse os moradores”. – Luís Armando, morador da região

A Praia de Copacabana, no bairro Belém Novo, localizado no Extremo Sul de Porto Alegre, corre o risco de ser inutilizada para que seja realizada a construção do Sistema de Tratamento de Água (SSA) Ponta do Arado. No último domingo (7/11), Copacabana foi inundada de pessoas que não querem ficar sem a praia , em um ato convocado por moradores. O projeto do  Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) prevê o fechamento  do acesso dos moradores à praia, afetando o sustento de 40 pescadores e acabando com um espaço importante de  lazer para as crianças da região, já que  abriga uma das únicas praças do bairro com brinquedos adequados.

Por mais que o SSA seja, de fato, importante para a região, pois a falta d’água é problema recorrente no Extremo Sul e em outros locais, como na Lomba do Pinheiro, a falta de diálogo dos órgãos competentes com a comunidade gera críticas por parte dos coletivos locais. Ainda, não foi realizado em Copacabana o estudo de impacto ambiental previsto por lei para viabilizar a construção. O que estava sendo usado era um relatório feito para o condomínio de luxo que esta proposto para a antiga Fazenda do Arado, que já foi considerado falso pela Polícia Civil, como já noticiou o portal SUL21. 

Durante as falas dos manifestantes no ato de domingo, uma criança comentou que, caso ela não pudesse mais ter acesso à praia, não teria mais onde brincar. Isso se dá porque a pracinha em Copacabana atende a comunidade que mora no entorno. Caso ela seja destruída com a SSA, as crianças terão que caminhar por, pelo menos, 10 minutos até a próxima pracinha disponível, o que não é viável para quem apenas levava os filhos para o quase quintal de casa. 

Como já vimos em outros casos, as obras que vêm para melhorar a infraestrutura do local onde serão localizadas não dialogam com a população local, que, na maioria das vezes, carece de recursos econômicos, além de servir de “desculpa” para a retirada de populações mais humildes ou empobrecidas Sendo assim, permanece a estrutura da cidade para poucos, para uma elite privilegiada. Certamente, este não é o caso dos pescadores que ficarão desassistidos com o fechamento do porto onde atracam seus barcos ou das crianças da comunidade que só têm Copacabana para brincar. Por isso, atos como o de domingo, que pressionam as autoridades para respostas e realizam troca de conversa e de vivências, são tão importantes para que seja feita justiça nas cidades dando visibilidade aos invisíveis. 

Luís Armando, morador do bairro do Lami há 10 anos, fala que é necessário se organizar enquanto coletivo para ocupar o Extremo Sul e trazer mas atividades culturais, econômicas, sociais e ambientais. Desta forma, a iniciativa privada, que tem como objetivo realizar a higienização do bairro, deixando-o apenas para a classe média, não irá prevalecer. A luta para uma cidade mais justa continua. 

Estiveram presentes no ato em defesa da  Prainha de Copacabana moradores do bairro, coletivos locais, como o Preserva Belém Novo, Preserva Arado, no qual Amigos da Terra Brasil e Instituto Econsciencia, Coletivo Ambiente Crítico, Agapam e Representantes do Preserva Belém Novo, lideranças indígenas da retomada da Ponta do Arado, coletivos ambientais e outros movimentos. De agentes políticos, estavam lá a deputada estadual Sofia Cavendon (PT), os vereadores Karen Santos e Matheus Gomes (PSOL), o vereador suplente Giovani Clau (PCdoB) e o ex-vereador Alex Fraga (PSOL). 

A defesa do Extremo Sul não pode parar! Por isso, outras agendas estão sendo organizadas para defender a região. Convidamos todas, todos e todes a realizar uma caminhada socioambiental pelo bairro Belém Novo, no dia 21 de Novembro , às 15h. Junte-se à defesa da cidade! 

Crianças moradoras do bairro brincam em um dos únicos pontos de lazer da região. 
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil
Ato foi marcado pela grande presença de moradores de Belém Novo. 
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

Prainha de Copacabana em risco: obra de abastecimento de água avança sem diálogo com pescadores e comunidade de Belém Novo (Porto Alegre/RS)

Moradores realizarão um ato neste domingo (7/11), às 16h, na praia de Copacabana (Avenida do Lami, próximo ao nº 23), em Belém Novo, Extremo Sul da capital gaúcha, para chamar a atenção sobre os impactos da obra da prefeitura no local.

O único lugar com faixa de areia sem pedras, ideal para banho e saída de barcos de pescadores em Belém Novo, no Extremo Sul de Porto Alegre (RS), poderá ser fechado para a construção do novo Sistema de Abastecimento de Água (SAA) Ponta do Arado. Grande parte da  praia, assim, ficará inutilizada para a comunidade local. Como já denunciou o Coletivo Preserva Belém Novo, o DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), órgão da prefeitura, não realizou estudos nem relatórios de impactos ambientais. O que foi feito foram estudos para o projeto de  condomínio privado na Fazenda do Arado, que já foram considerados falsos pela Polícia Civil. Vale ressaltar que o empreendimento do Arado estava usando a construção da SAA como propaganda, a fim de convencer a comunidade local e a população da Capital a apoiar as mudanças no Plano Diretor da região necessárias para viabilizar o loteamento de classe média e alta, mas o próprio DMAE já desmentiu, em nota pública, que a estação de tratamento de água não depende do condomínio sair ou não do papel. O terreno já está comprado pela prefeitura de Porto Alegre e, há mais de 10 anos, existe a demanda  de ampliar e melhorar o abastecimento de água para a região do Extremo Sul, já que a população sofre bastante com a falta desta, principalmente no verão. O SSA está programado para atender da Zona Sul até a Lomba do Pinheiro, provocando melhorias, de fato, no abastecimento de água nas regiões distantes do Centro. No entanto, construir o sistema em local sem estudos de impactos ambientais ou consulta prévia é uma violência contra quem mora no bairro – e contra quem depende da estreita faixa de areia para sobreviver. 

É impressionante como, mesmo com uma obra de infraestrutura que vem para qualificar a cidade e bairros periféricos tem por trás uma ação de injustiça ambiental e relação com a higienização da pobreza ou pelo menos o que eles ditam como pobreza, este pouco que garante o modo de vida dos moradores e assim  empobrecendo ainda mais estes povos já criminalizados e excluídos. Assim, além de colocarem uma elite de forma privilegiada em um território que deveria ser preservado como a Ponta do Arado, os empobrecidos do entorno tem sua forma de vida inviabilizada, de forma direta e injusta.

Além do não esclarecimento sobre os impactos ambientais, a construção da SAA afeta a população local. Cerca de 40 pescadores, moradores do bairro, obtêm do Rio Guaíba, nas margens da Praia de Copacabana, sua única fonte de renda. De acordo com o pescador Rosemar Soares, conhecido também como Mano, não há o que fazer caso tenham esse porto fechado. Não há outro lugar adequado para deixar os barcos em Belém Novo. Os trabalhadores da pesca já são conhecidos na comunidade  e, há tempos, vendem seu peixe para restaurantes locais e habitantes do bairro. A região  mais próxima, com um local apropriado para pesca e uma cooperativa de pescadores, é em Itapuã, na cidade vizinha de Viamão (RS), que fica a cerca de 20km de distância de carro de Belém Novo. Desta forma, é inviável, realmente, que realizem a pesca em outro local senão em Copacabana. Ainda, já há denúncias de que não há sinalização na água para os canos que estão sendo colocados para a construção da SSA, o que dificulta o trabalho dos pescadores em situações de meia-luz. Assim, os trabalhadores já não conseguem mais entrar no rio quando não há iluminação natural suficiente para a clareza de visão, reduzindo seus ganhos e seu sustento.

O pescador Mano com seu barco na Praia de Copacabana.
Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr

Há, também, quem pesque somente por lazer, como é o caso dos irmãos aposentados, Paulo Roberto e João Carlos Rodrigues, que afirmam  que a pesca é uma forma de dar sentido à finitude da vida. Eles também não sabem o que farão caso a praia seja inutilizada, sobrando apenas de 10 a 15 metros de sua extensão. Certamente, não será a pesca. Além da água, existem outras áreas de lazer, como a praça com brinquedos infantis, que fica do lado direito da praia de quem vem da Avenida do Lami. De acordo com os moradores do bairro, a pracinha fica lotada de  crianças nos finais de tarde. 

Desta forma, o questionamento dos coletivos de moradores do bairro, como o Preserva Belém Novo, são por que não há estudos ambientais justificando a construção da SSA e por que não há consulta prévia à comunidade sobre onde colocar uma construção que inviabiliza tanto a parte de lazer da comunidade quanto a fonte da renda de parte daquela. As perguntas que mais se ouve em conversas com os moradores de Copacabana são de por que não é possível que a estação de abastecimento  seja construída  no local, mas do lado oposto da Praia de Copacabana, à esquerda de quem vem do bairro, ou à frente da Estação de Bombeamento, localizada na Avenida do Lami, 23. É urgente que a prefeitura dê respostas para a população do bairro.  

Os irmãos Paulo Roberto e João Carlos Rodrigues em Copacabana.
Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr

Para pressionar pelo posicionamento das autoridades e mobilizar a população local, moradores do bairro, coletivos e outros movimentos sociais estão convocando todos, todas e todes para um ato neste domingo, dia 7/11, em frente à Praia de Copacabana, às 16h. Haverá, além do lindo pôr do sol à margem do Guaíba, roda de conversa para que todas as pessoas presentes fiquem a par da situação do que está ocorrendo no bairro. Contamos com sua presença para ajudar a defender o patrimônio de Belém Novo!

ATO EM DEFESA À PRAIA DE COPACABANA, EM BELÉM NOVO (Porto Alegre/RS)
Neste domingo (7/11) – Às 16h
Na praia de Copacabana (Avenida do Lami, próximo ao nº 23)
Em caso de chuva, será transferido

Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr
A praia serve de porto para os barcos dos cerca de 40 pescadores.
Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr
O menino brinca no balanço em frente à praia.
Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr

#PreservaCopacabana
#PreservaBelémNovo
#PreservaArado

Manifesto do Grupo Carta de Belém rumo à COP 26: em nome do clima, avança a espoliação dos territórios

A 26ª. Conferência das Partes/COP 26 da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climática/UNFCCC será realizada no início de novembro de 2021, em Glasgow, no Reino Unido.

Manifest towards COP 26, click here:
https://www.cartadebelem.org.br/manifest-towards-cop-26/

Manifiesto hacia la COP 26, pulse aquí: https://www.cartadebelem.org.br/manifiesto-hacia-la-cop-26/

Essa COP ocorrerá quando o mundo já vive os efeitos da emergência climática. A grande expectativa para Glasgow é a finalização do Livro de Regras do Acordo de Paris. Firmado em 2015, o Acordo aguarda a decisão sobre o famoso ‘Artigo 6’. Este artigo irá regular o papel dos mercados de carbono – e de transações envolvendo ‘resultados de mitigação’ – para atingir os objetivos de estabilização da temperatura do planeta.

No Brasil, os efeitos desta crise se somam às consequências socioambientais resultantes dos ataques aos direitos socioterritoriais de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares e camponeses. Assim como nas cidades, e principalmente nas periferias urbanas, com o povo empobrecido em regiões com infraestruturas precárias e sujeitas a eventos extremos, somada ao fim de políticas públicas de combate à fome, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O desmonte da institucionalidade ambiental é notório, levando a recordes sucessivos de desmatamento e queimadas nos biomas brasileiros. A violência no campo e na floresta é também uma das maiores das últimas décadas.

Para salvar o clima, a obsessão nos mercados de carbono

Apesar dos fracassos dos mecanismos de mercados em produzir reduções reais de emissões em todo mundo, estes seguem sendo promovidos como a grande aposta estrutural para viabilizar a descarbonização e o objetivo de neutralidade climática.

Há duas décadas, a aposta nos mercados de carbono e nos mecanismos de compensação (offset) vêm sendo duramente criticadas pela sociedade civil como falsa solução à crise climática, assim como pelos impactos causados nos territórios do Sul Global que são submetidos à condição de sumidouros de carbono.

O atual contexto da Amazônia brasileira exige especial atenção pela paralisação das demarcações de Terras Indígenas e pela invasão de territórios de comunidades tradicionais, em especial, áreas de uso comum e territórios coletivos. Além disso, incêndios florestais se intensificam desde 2019, colocando em risco de desertificação regiões ecológicas como a Amazônia, Pantanal e Cerrado brasileiro.

Mercado de carbono é licença de poluição. Por isso, entre os efeitos da sua implementação estão a expansão de atividades destrutivas nos campos da mineração, do extrativismo em escala industrial e queima de combustíveis fósseis (que podem ser compensadas/neutralizadas em outro lugar). No Brasil, tal racionalidade encontra-se refletida nos programas Adote um Parque e Floresta+ Carbono.

Portanto, considerando que essa COP 26 conta com as piores condições para a participação democrática na história das negociações climáticas, apoiamos a posição de ampla coalizão da sociedade civil que demanda o seu adiamento, até que se apresentem condições mais equânimes de participação.

Governança ambiental global e retomada verde pós-COVID: corporações e finanças no centro

Na nossa avaliação, esta não será apenas mais uma COP. A COP 26 pretende dar um passo definitivo para cristalizar a complexa arquitetura de governança ambiental global que vem sendo negociada há anos.

O último relatório do IPCC reforçou o tom da emergência climática e há urgência para um horizonte de recuperação econômica global e retomada verde (Green Deal) pós-Covid, no qual a dinâmica motriz do novo ciclo econômico é guiada pelas estratégias combinadas de descarbonização e transformação digital da economia.

À arquitetura do clima se soma a Convenção de Diversidade Biológica (COP 16), que será realizada em Kunming, China, em abril/maio de 2022. Na ocasião, os países irão decidir sobre o Marco Global para Biodiversidade pós-2020, por meio de um plano estratégico até 2030, que conta com o objetivo de ampliar para 30% a superfície terrestre e marinha sob o regime de áreas protegidas/unidades de conservação.

Além disso, vem ganhando tração a problemática e muito criticada agenda movida pelas corporações. Trata-se da Cúpula dos Sistemas Alimentares, que foi organizada no âmbito das Nações Unidas e vem promovendo verdadeira transformação da governança dos sistemas alimentares globais.

Neste mesmo caminho vêm as propostas de Soluções Baseadas na Natureza (NbS, na sigla em inglês). Estas incluem, entre outros, a promoção de monoculturas de eucaliptos, agrocombustíveis e a aposta em transformar a agricultura numa grande oportunidade de mitigação em escala associada ao mercado de carbono de solos.

É nosso entendimento que as NbS fazem com que as ações de mitigação passem a depender prioritariamente do acesso e o controle da terra, em um contexto no qual os mecanismos de governança territorial públicos estão cedendo lugar a lógicas privadas e privatizantes que acirram os conflitos de terra e a violência. A principal ameaça em curso contra territórios coletivos se dá através da implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vem promovendo e consolidando a grilagem digital de terras.

Neste cenário, vemos, ainda, atores como o FMI e Banco Mundial, com propostas de troca de dívida por ação climática (debt for climate/debt for nature swap). Note-se que dívidas privadas são garantidas pelos tesouros nacionais, gerando, assim, endividamento público. Consequentemente, aprofundam desigualdades sociais e geram transferências massivas de renda dos pobres para os já muito ricos. Ambos os organismos se movimentam para apoiar a nova engenharia financeira que se diz ser necessária para viabilizar um novo pacto social verde (Green Deal), no qual programas de retomada e recuperação passam, entre outras coisas, pela emissão dos títulos verdes (green bonds). Dessa maneira, a terra e outros “ativos” ambientais (carbono, biodiversidade, etc) são transformados em garantias para títulos que são negociados no mercado financeiro.

Por que dizemos não à espoliação em nome do clima?

“Em nome do clima”, uma série de agendas e mecanismos atendem aos interesses de atores nacionais e internacionais e vêm causando impactos avassaladores na expropriação e espoliação de territórios, apropriação de recursos naturais, na violência real e simbólica sobre populações e modos de vida.

Ao mesmo tempo, a expansão do complexo agroindustrial brasileiro e as infraestruturas logísticas a ele associadas colocam na linha de frente os corpos e os territórios (físicos ou imaginados) de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, povos e comunidades tradicionais, camponeses e agricultores familiares, de todos os biomas do Brasil.

Diante deste cenário e considerando o que a COP 26 representa na consolidação do regime de governança climática internacional, nós, organizações da sociedade civil brasileira, movimentos sociais, movimentos sindicais, entidades, fóruns, articulações e redes, ativistas, pesquisadores reunidos no Grupo Carta de Belém e demais organizações signatárias deste manifesto, vimos diante do público nacional e internacional afirmar que:

●    O debate sobre o clima é irredutível a questões técnicas ou a novas oportunidades de financiamento: insere-se na organização da sociedade; nas relações de poder, econômicas e políticas; contextos históricos; relações de classe e em correlações de forças;

Os mecanismos de mercado criados para a redução das emissões de gases de efeito estufa, representam um processo histórico de reconfiguração das formas de acumulação e promovem nova reengenharia global da economia em nome do clima.

Somos contrários à introdução das florestas, ecossistemas e da agricultura em mecanismos de mercado de carbono e rechaçamos a promoção de instrumentos do mercado financeiro como meio prioritário para financiar a ação climática dos países.

●  Denunciamos que o conceito muito popularizado de emissões líquidas zero (Net-zero) encobre mecanismos de compensação (offset) que perpetuam injustiças e atentam contra a integridade ambiental;

Rechaçamos as novas dinâmicas de espoliação promovidas sob a alcunha de Soluções Baseadas na Natureza que criam novas cercas aos espaços de vida, reduzindo a “natureza” à prestadora de serviços para o proveito de empresas e mercados.

Por isso,

● Enfatizamos a defesa de um projeto político para a Amazônia, construído para e com os povos amazônidas, respeitando os seus modos de vida, criar e fazer.

● Afirmamos que soluções efetivas para redução das emissões dos gases de efeito estufa residem na demarcação de terras indígenas e quilombolas; e na defesa das terras coletivas e dos direitos territoriais;

● Defendemos o protagonismo dos povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e camponeses/as para a conservação dos territórios, da biodiversidade e dos bens comuns;

● Trabalhamos para o fortalecimento de iniciativas agroecológicas, que contribuem para a conservação da sociobiodiversidade, encurtamento dos circuitos de comercialização e a soberania alimentar.

● Consideramos que é preciso discutir amplamente o caminho para uma Transição Justa e Popular, conforme a qual uma economia mais integrada e consciente dos limites da natureza não acirre a já dramática situação de desemprego e restrição da renda de famílias da classe trabalhadora;

Por fim, denunciamos o governo genocida de Jair Bolsonaro e questionamos a quem interessa fazer do Brasil um pária internacional, financiando e fortalecendo a destruição de conquistas históricas do Estado brasileiro e seu papel protagonista ao longo de décadas de negociação internacional.

Resistimos e somos contra à transformação da natureza em capital natural e à financeirização e privatização da natureza e dos bens comuns!

Continuaremos em luta, construindo e afirmando alternativas, defendendo nossos modos de vida!

Assinam:

1 Grupo Carta de Belém
2 Central Única dos Trabalhadores (CUT)
3 Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)
4 Conselho Nacional das Populações Extrativista (CNS)
5 Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
6 Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)
7 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
8 Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
9 Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
10 Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
11 Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
12 Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
13 Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
14 Abong – Associação Brasileira de ONGs
15 Ágora de Habitantes da Terra (AHT-Brasil)
16 Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras
17 Alternativas para pequena agricultura no Tocantins (APA-TO)
18 Amigos da Terra Brasil (ATBr)
19 Articulação Agro é Fogo (AéF)
20 Articulação de Mulheres Brasileiras Jaú-SP (AMB)
21 Coletivo Raízes do Baobá Jaú-SP
22 Articulação de mulheres do Amapá (AMA)
23 Articulação de Mulheres do Amazonas (AMA)
24 Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
25 Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado (Pacari)
26 Articulação PomerBR
27 Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)
28 AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
29 Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Ageoecologia (AGENDHA)
30 Associação Agroecológica Tijupá (Tijupá)
31 Associacao de Favelas de São José dos Campos SP (Afsjc)
32 Associação de Mulheres Agricultoras (AMACAMPO)
33 Associação Maranhense para a Conservação da Natureza (AMAVIDA)
34 Associação Mundial de Comunicação Comunitária – Brasil (AMARC BRASIL)
35 Associação Solidariedade Libertadora área de Codó (ASSOLIB)
36 Campanha Antipetroleira Nem um poço a mais!
37 Cáritas Brasileira (CB)
38 CDDH Dom Tomás Balduíno de MARAPÉ ES
39 Centro Dandara de Promotoras Legais Populares
40 Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária (Ceapac)
41 Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA)
42 Centro de Atividades Culturais Econômicas e Sociais (CACES)
43 Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá (Centro Sabiá)
44 Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Padre Josimo (CPCDDHPJ)
45 Centro Ecológico (CAE Ipê)
46 Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Tradicionais Costeiros e Marinho (CONFREM-Brasil)
47 Comissão Pastoral da Terra (CPT)
48 Comitê de Energia Renovável do Semiárido (CERSA)
49 Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa (CPCTP)
50 Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração
51 Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN)
52 Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
53 Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN)
54 Conselho Nacional de Ssgurança Alimentar e Nutricional (CONSEA -AM)
55 Coordenadoria Ecumênicade Serviço (CESE)
56 Defensores do planeta (DP)
57 Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
58 Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
59 Fundação Luterana de Diaconia (FLD)
60 Federação dos trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares do estado do Pará (FETAGRI-PA)
61 Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
62 Fórum de mulheres do Araripe (FMA)
63 Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad)
64 Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS)
65 Fotógrafos pela democracia (FPD)
66 Fundo Dema
67 Greenpeace Brasil (GPBR)
68 Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (GEEMA)
69 Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Estado e Territórios na Fronteira Amazônica (GEPE-Front)
70 Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)
71 Guerreiras da Palhada
72 Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Economicas (Ibase)
73 Instituto de Estudos da Complexidade (IEC)
74 Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
75 Instituto Equit – Gênero, Economía e Cidadania global (I.EQUIT)
76 Instituto Mulheres da Amazônia (IMA)
77 IYALETA Pesquisa, Ciência e Humanidades
78 Justiça nos Trilhos
79 KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço
80 Marcha Mundial por Justiça Climática/ Marcha Mundial do Clima
81 Memorial Chico Mendes (MCM)
82 Movimento Baía Viva ( Baía Viva – RJ)
83 Movimento brasileiro de Mulheres cegas e com baixa visão (MBMC)
84 Movimento Ciencia Cidadã (MCC)
85 Movimento Mulheres pela P@Z!
86 Movimento Negro Unificado-Nova Iguaçu (MNU-Nova Iguaçu)
87 Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo/UEG (GWATÁ)
88 Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
89 Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Europeias e Parceiros Brasileiros (PAD)
90 Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (REBRIP)
91 Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama)
92 Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira (Rede Pantaneira)
93 Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)
94 Rede de Educação Ambiental e Políticas Públicas (REAPOP)
95 Rede de Mulheres Ambientalistas da América Latina – Elo Brasil (Red Mujeres)
96 Rede Feminista de Saude, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
97 Rede Jubileu Sul Brasil
98 Sempreviva Organização Feminista (SOF)
99 Sindicato dos Docentes da UNIFESSPA (SINDUNIFESSPA)
100 Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ)
101 Terra de Direitos

* A Amigos da Terra Brasil (ATBr) integra o Grupo Carta de Belém

Solidariedade irrestrita à Cozinha Solidária do MTST: NÃO ao despejo!

Quem tem fome, tem pressa

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de Porto Alegre ocupou um imóvel abandonado da União no bairro Azenha no último dia 26 de setembro. O espaço, que acumulava lixo e insegurança para toda a comunidade local, rapidamente foi convertido naquilo que todo o país mais precisa neste momento: instrumentos sociais de combate à fome. Foi criada no local uma Cozinha Solidária dedicada a servir refeições para todas as pessoas que foram vulnerabilizadas pelas práticas de gestão do país.

Nesses poucos dias de funcionamento, a Cozinha já serviu centenas de refeições. O imóvel que estava, há décadas, em estado deplorável e sem cumprir sua função social, apenas aguardando o momento para servir aos conchavos da especulação imobiliária porto-alegrense, agora se tornou um reduto de combate à fome, à carestia e à pandemia neoliberal que se disseminou pelo país no governo Temer-Bolsonaro-Guedes.

O Estado brasileiro é omisso e ineficiente quando se trata de garantir a dignidade e os direitos da população mais empobrecida do país, mas é um Estado implacável para defender com unhas e dentes todas as formas de espoliação. É essa vocação autoritária e antidemocrática que movimentou o Estado contra a Cozinha Solidária. A União reivindicou a posse do imóvel, e mesmo na contramão do parecer do Ministério Público Federal (MPF), o Poder Judiciário gaúcho estabeleceu, na terça-feira (5/10), um prazo de apenas 48h para a reintegração de posse. Mas isso não pode acontecer, sob pena de abandonar centenas de pessoas de novo na condição mais indigna que pode acometer um ser humano: a fome.

Pelo cumprimento da função social, pela solidariedade e pelo combate a todas as indignidades que assolam nosso país, conclamamos que a sociedade se una em defesa da Cozinha Solidária do MTST.

Amigos da Terra Brasil 

Plataforma ATUA POA defende o direito à cidade na revisão do Plano Diretor de Porto Alegre (RS)

A prefeitura de Porto Alegre (RS) prossegue com a revisão do Plano Diretor da cidade em meio à pandemia da COVID-19. O Governo Sebastião Melo se utiliza da exigência do Estatuto das Cidades, de que os planos diretores sejam revisados a cada 10 anos, para tocar o processo atropelando o amplo e necessário debate entre os porto-alegrenses sobre suas vidas na Capital gaúcha.

O MP (Ministério Público) orientou para que a revisão do Plano Diretor fosse suspensa frente à impossibilidade de serem realizados os encontros e as discussões públicas devido à pandemia, mas a prefeitura ignora totalmente a recomendação. O processo está sendo feito junto à ONU HABITAT, que é um espaço da Organização das Nações Unidas que discute as cidades, com a assistência de professores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) contratados pelo governo municipal.  

Para defender o Direito à Cidade em Porto Alegre, cerca de 80 entidades, conselhos, sindicatos, organizações, movimentos sociais e populares e cidadãos estão articulados desde 2019 no ATUA POA. O grupo construiu coletivamente uma plataforma com propostas para Porto Alegre e para a revisão do Plano Diretor na busca por uma cidade melhor para todos e todas. A Amigos da Terra Brasil (ATBr) está junto nesta luta!

CLIQUE AQUI para acessar a PLATAFORMA ATUA POA

Curta e ajude a divulgar! Se quiseres contribuir na construção das propostas ou vir junto nesta luta, entre em contato pelas redes sociais ou pelo e-mail atuapoa@gmail.com !

Mais informações no site do ATUA POA: https://atuapoa.home.blog/

Arado Velho: DMAE esclarece que estação de tratamento de água NÃO depende de viabilização do condomínio fechado

Em seu vídeo promocional sobre a urbanização da área da antiga Fazenda do Arado Velho, no Extremo Sul de Porto Alegre (RS), a empresa Arado Empreendimentos tem destacado a construção da Estação de Tratamento de Água (ETA) do DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos) como um dos principais benefícios do empreendimento à comunidade. A propaganda é tanta que leva os moradores a acreditarem que se o empreendimento não sair, perderão a ETA e, consequentemente, a oportunidade para solucionar a recorrente falta de água que atinge o bairro Belém Novo e localidades ao redor.

A Amigos da Terra Brasil (ATBr), junto com organizações do movimento ambiental e de moradores que integram os coletivos Preserva Arado e Preserva Belém Novo, alertam que a ETA da Ponta do Arado não depende da implementação do projeto de condomínio fechado no Arado Velho. E recentemente, o próprio DMAE veio a público esclarecer esta questão. Em resposta a uma matéria veiculada pelo portal Sul 21, o órgão municipal informou “que a construção da estação está prevista desde 2014 e que será realizada independente do empreendimento urbanístico na Fazenda do Arado sair do papel” (clique aqui para ver a nota do DMAE enviada ao Sul 21). Isso se deve porque a estação foi demandada pela comunidade no Orçamento Participativo, num tempo em que os moradores da cidade participavam do planejamento de Porto Alegre (RS).

O terreno de 9,4 hectares em que será construída a estação de tratamento de água do DMAE fica na antiga área da Fazenda do Arado Velho, que desde 2010 pertence à Arado Empreendimentos. No ano de 2014, a prefeitura municipal emitiu decreto declarando o terreno como de utilidade pública a fim de implementar a ETA da Ponta do Arado. Este decreto foi renovado agora em 2021, portanto a área continua garantida. “A estação de tratamento tem o local já gravado, independente da vontade do empreendedor. Não é uma caridade ou boa vontade por parte da empresa, mas sim uma exigência da cidade, que desapropriou a área para um fim público, cumprindo a função social da terra para o bem comum”, comenta Fernando Costa, da Amigos da Terra Brasil.

Como resultado da negociação entre a empreendedora e a prefeitura municipal, a área da ETA consta como uma contrapartida da empresa à comunidade pelo condomínio fechado para média e alta renda. Caso o projeto seja realmente efetivado, o terreno será repassado pela Arado Empreendimentos para a prefeitura instalar a estação de tratamento de água. Se não sair do papel, o DMAE terá que indenizar  a empresa pela área que será utilizada, o que não é um problema, pois a prefeitura já tem o valor para “comprar” o terreno da empreendedora. Assim, vemos o escrúpulo do empreendedor tentando fazer propaganda com o que já é da prefeitura e do povo de Porto Alegre.

Na realidade, o que está em jogo é a alteração do regime urbanístico e do plano diretor da região para que a Arado Empreendimentos possa implementar 1 mil unidades construídas a mais do que já é permitido pela legislação de Porto Alegre (RS). A empreendedora tem no Governo Melo um grande aliado para alterar a lei e construir o condomínio fechado. Não está claro o motivo deste apoio da prefeitura, mas certamente não é pelo terreno que seria “doado” como contrapartida para construção da ETA, cujo valor representa menos de 1% do custo total do empreendimento no Arado Velho.

O fato é que este projeto de urbanização renderá milhões à empreendedora.  Se a prefeitura alterar o plano diretor para a Arado Empreendimentos instalar mais 1 mil unidades, a empresa irá ganhar tanto dinheiro que até abre mão do valor a ser pago à prefeitura na “doação” da área para a ETA. Um projeto que tem por objetivo o lucro em detrimento da preservação de banhados importantes que ajudam a evitar alagamentos da região e da manutenção de indígenas Guarani em suas terras ancestrais, e sem levar em consideração os impactos reais do aumento da população em 70% na região sem fazer investimentos de peso nos serviços públicos acessados pela comunidade.

#PreservaArado

Porto Alegre: projeto de bairro planejado na Fazenda do Arado Velho avança em meio à pandemia

Prefeitura ignora urgência sanitária e faz, a toque de caixa, as audiências e consultas públicas necessárias para formular novo Projeto de Lei (PL) que altera o Plano Diretor no Extremo Sul da Capital. É o 3º PL feito nos últimos 6 anos para adequar a legislação e permitir a implementação do empreendimento habitacional. Projeto prevê mais de 2,3 mil lotes de média e alta renda, aumenta em 70% a população do bairro Belém Novo, coloca em risco a preservação de banhados importantes que ajudam a evitar alagamentos e expulsa indígenas Guarani. 

O prefeito Sebastião Melo não está medindo esforços para, desta vez, tirar do papel o bairro planejado Fazenda Arado. Já tinha feito uma tentativa quando era vice-prefeito na gestão de José Fortunati em 2015, com a criação da lei complementar LC 780/15, que alterava o regime urbanístico da área localizada na beira do Guaíba, de proteção permanente com banhados, fauna e flora protegidos e com um sítio arqueológico indígena tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

O projeto na época ficou conhecido como Lei do Arado e encontra-se parado na Justiça desde 2017 (Processo no: 001/1.17.0011746-8) sob investigação do Ministério Público  e pela Delegacia do Meio Ambiente da Polícia Civil (Dema). Os órgãos identificaram inconsistências técnicas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) apresentado pela Arado Empreendimentos Imobiliários Ltda, proprietária da fazenda e responsável pelo empreendimento. O processo também não realizou as audiências públicas necessárias de consulta à população. 

Em outubro de 2020, o vereador Professor Wambert (PTB) apresentou um novo Projeto de Lei Complementar (PLC 016/2020) que recuperou a proposta anterior de 5 anos atrás. O PLC 016/2020 foi aprovado pela Câmara de Vereadores no final daquele ano, mas acabou vetado pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) em Março deste ano para não cair novamente em irregularidade, já que alterações de regime urbanístico são de prerrogativa do Poder Executivo municipal. O esforço do prefeito Melo e do seu governo visa seguir todos os trâmites legais para garantir a validade deste 3º projeto de lei que a prefeitura está redigindo, o qual deve ser apresentado após a próxima audiência pública virtual, marcada para Agosto.

No alto do morro da Ponta do Arado, o antigo casarão de Breno Caldas, histórico território Guaraní. Foto: Arquivo/iniciativa “Belém Novo – Uma beleza de bairro”

Nos links abaixo, a história continua. Acesse para seguir lendo:

// Projeto habitacional de média e alta renda traz impactos ambientais, sociais e históricos

// Muito dinheiro para os empresários. “Progresso e desenvolvimento” apenas para alguns

// Violência contra indígenas e ameaças a ambientalistas para garantir projeto imobiliário

 

Na foto de abertura da matéria, a Fazenda do Arado Velho. Ao fundo, no topo do morro, a sede construída pelo antigo proprietário Breno Caldas, que a empreendedora quer transformar em um hotel. Crédito: Felipe Farias 

Arado Velho: Violência contra indígenas e ameaças a ambientalistas para garantir projeto imobiliário

Desde 2018, a Ponta do Arado, parte da fazenda às margens do Rio Guaíba e dentro da área de preservação ambiental, é ocupada por indígenas Mbya-Guarani. Estudo antropológico entregue à Justiça Federal indica resquícios históricos de habitação indígena no local. Além disso, a área de mata e na beira do rio garante as condições necessárias para a sobrevivência dos Guarani, que já estão presentes no Extremo Sul de Porto Alegre, no bairro Lami, e próximo à região, mas já pertencendo à cidade de Viamão, nas localidades do Cantagalo e de Itapuã.

Oficialmente, tanto a empreendedora quanto a prefeitura omitem a presença dos Guarani na Ponta do Arado. Eles não constam no projeto da empresa, sequer são citados nas audiências públicas e demais debates sobre o destino da fazenda. Tampouco são levados em consideração em algum planejamento do poder público que previsse alternativas, como a manutenção da comunidade indígena junto à área de preservação na fazenda. Os Guarani estão invisíveis para a empresa, para a prefeitura e até mesmo para alguns moradores locais, que os acusam de se aproveitarem da sua condição de indígena para “invadir” a área. 

Foto acima mostra trilha que dá acesso à prainha da Ponta do Arado Velho (nesta imagem). Fotos: Felipe Farias

A cientista social Carmen Guardiola, pesquisadora do LAE/UFRGS (Laboratório de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), acompanha a situação dos Guarani desde a retomada em 2018. Ela avalia que essa invisibilização está sustentada no preconceito quanto ao modo de ser Guarani e, especialmente, na disputa pelo território. “O ‘modo de ser’ Mbya Guarani é de territorializar por itinerância, não permanecendo por muito tempo em um determinado local, local este de seu território ancestral. Com o avanço da urbanização sem planejamento, que reduz as matas e a área verde, fica muito difícil para os Guarani encontrar territórios livres da propriedade privada ou do Estado,  ambos interditados a eles. Estão na Ponta do Arado porque é território ancestral, região de mata e rio, com os elementos ambientais próprios ao seu modo de ser”, explica. 

Ambientalistas e demais apoiadores denunciam ser intencional o fato de a Arado Empreendimentos omitir a presença dos Guarani na área, pois ao estarem invisíveis frente à opinião pública eles ficariam mais fragilizados e cederiam a pressões para não buscar seus direitos previstos na Constituição Federal. A pressão é provocada, na maior parte, pela própria empresa, que tenta expulsar os indígenas para avançar com o projeto do bairro planejado, empregando para isso até agressões e violência. A Arado Empreendimentos contratou uma empresa de segurança privada e montou um posto a 10 metros da retomada. Esses seguranças faziam ameaças verbais, provocando terror e infligindo violência psicológica aos Guarani. Também foram alvo de ataque com arma de fogo, comprovado em investigação policial posterior, e ameaçados por pessoas que andaram entre as barracas dizendo que da próxima vez “iriam matar todo mundo”. A Arado ainda instalou uma cerca com sensor de movimento para monitorar os indígenas, deixando-os confinados em um espaço de 20x100m; concretou poço artesiano e não permitiu outros acessos para buscar água potável, proibiu que buscassem lenha e isolou a aldeia a tal ponto que apenas podia ser acessada de barco pelo Guaíba, entre outras ações. A empresa também identificou apoiadores da retomada que acessaram o local para ajudar os Guarani e os arrolou em ação judicial, na tentativa de criminalizá-los. Essa situação de cercamento gerou um “confinamento desumano” segundo a própria Justiça, que em Janeiro de 2020, numa decisão do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) determinou a retirada da cerca junto ao acampamento Guarani na Ponta do Arado e exigiu que a empresa respeitasse o direito de ir e vir dos indígenas e o acesso à água. 

Outra frente de ataque da Arado Empreendimentos é a jurídica. Assim que os Guarani ocuparam a área em 2018, a empresa ingressou com pedido de interdito proibitório e de reintegração de posse na Justiça Estadual, obtendo uma liminar favorável. No entanto, a decisão foi suspensa, e o debate jurídico transferido para a Justiça Federal, pois a questão dos territórios indígenas é de âmbito federal. Atualmente, o processo de demarcação encontra-se na fase de estudo e de análise pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) para  reconhecimento da área da Ponta do Arado como terra indígena. Mas enquanto este parecer não sai, a permanência dos Guarani no local depende dos julgamentos de duas ações, uma pela 9ª Vara Federal sobre o direito dos indígenas de ficar ali até a decisão da FUNAI, e outra pelo TRF4 em relação ao pedido de liminar da empresa para que saiam imediatamente. Há ainda um terceiro elemento, que pode determinar esta disputa: o julgamento do Marco Temporal pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Caso o Supremo ceda aos interesses do agronegócio e do setor ruralista, validando a tese do Marco Temporal, a demarcação da Ponta do Arado como área indígena estará inviabilizada.

Em meio à agressão e violência e à indefinição do seu futuro pelo judiciário, os Mbya Guarani resistem na Ponta do Arado. “Se o projeto de urbanização for concretizado da forma como está sendo apresentado, significa a destruição de seu mundo e de sua sobrevivência”, enfatiza Carmen.    

Acesse a matéria principal e a continuação dessa história:

// Porto Alegre: Projeto de bairro planejado na Fazenda do Arado Velho avança em meio à pandemia

// Projeto habitacional de média e alta renda traz impactos ambientais, sociais e históricos

// Muito dinheiro para os empresários. “Progresso e desenvolvimento” apenas para alguns

Arado Velho: Muito dinheiro para os empresários. “Progresso e desenvolvimento” apenas para alguns

Passaram-se 10 anos desde a compra da Fazenda Arado Velho pela empreendedora, já foram feitas 17 mudanças no projeto e o Governo Melo está escrevendo o 3º projeto de lei para alterar o Plano Diretor e, assim, viabilizar a obra. O esforço em concretizar o bairro planejado é grande porque os lucros também tendem a ser. Se fizermos uma conta por baixo, apenas a venda dos lotes a um preço médio de R$ 150 mil totalizaria R$ 345 milhões. Tirando os custos da urbanização, em torno de R$ 100 milhões, tratamos de um lucro de mais de R$ 200 milhões e, somente, com a comercialização da terra, sem contar a locação dos espaços comerciais, entre outros.

No entanto, quem conhece o mercado imobiliário afirma que apenas a aprovação de um PL que flexibilize o Plano Diretor na região do Extremo Sul de Porto Alegre (RS) já acarretaria ganhos econômicos a empresários do ramo e a proprietários de terra e de imóveis para locação ou venda. “O projeto da Fazenda Arado está num contexto de avanço da especulação imobiliária na região Sul da cidade. Um empreendimento deste porte irá servir como motor para elevar o preço das terras e dos imóveis, e dos alugueis, abrindo as portas para que outros projetos habitacionais para pessoas com alto poder aquisitivo se instalem na região e gerando precedente para que, no futuro, sejam flexibilizadas mais legislações em detrimento do meio ambiente”, comenta Santiago.

Fernando Costa, da organização ambientalista Amigos da Terra Brasil, expõe que o avanço da especulação imobiliária na região é possível devido ao apoio do governo municipal. Em 2017, foi criada a CAUGE (Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento) para acompanhar os Projetos Especiais, que são os empreendimentos de maior impacto urbano, classificados em 2º e de 3º grau, como este da urbanização do Arado Velho. Este órgão da prefeitura é responsável pela análise técnica de EVUs (Estudos de Viabilidade Urbanística) e pelo monitoramento do processo de licenciamento urbano e ambiental até a carta de habitação. Fernando explica que, diferentemente de um cidadão comum, os empreendedores têm prioridade e contam com o esforço da prefeitura para “resolver questões” do Plano Diretor via flexibilização das leis. “Não é apenas neste governo [Melo], vem ocorrendo numa sequência de governos, em que são priorizados os empreendedores em detrimento da participação popular, dos projetos do OP [Orçamento Participativo], como outros que havia na cidade. Todas as regiões tinham estudos de desenvolvimento acordados com as comunidades e isso ficou no esquecimento”, diz. 

Em troca da alteração no Plano Diretor para viabilizar o negócio, a Arado Empreendimentos irá doar um lote para a construção da Estação de Tratamento de Água/ ETA da Ponta do Arado do DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgoto) na região, fará o projeto urbanístico de articulação de espaços abertos na orla e irá proporcionar “alguma qualificação”, segundo a própria prefeitura, em equipamentos públicos comunitários já existentes na região, como um posto de saúde por exemplo. Também estão previstas medidas mitigatórias de impacto, como a duplicação de parte de avenidas e a doação de lotes para construção de praça, escola e posto de saúde. O projeto ainda prevê a implementação de uma via parque e a criação de uma reserva ambiental privada, que seria sustentada pelos moradores do empreendimento, com acesso ao público.

Mapa do projeto urbanístico apresentado pela Arado Empreendimentos Imobiliários. A parte totalmente verde (à esquerda) da fazenda se refere à Ponta do Arado e à área de preservação ambiental. Na parte colorida, ficariam os condomínios e lotes de casas, instalações comerciais, praças, escola e centro tecnológico. Foto: Reprodução Arado Empreendimentos Imobiliários

Embora possa parecer muita coisa, essas doações e pequenas melhorias custam muito pouco para a empreendedora em comparação ao lucro que terá com a urbanização da fazenda. Para se ter uma ideia, o preço da área que será doada para a ETA do DMAE representa menos de 1% do custo total do empreendimento do Arado. Além disso, grande parte das medidas são doações de lotes, dependendo da prefeitura ou de outras parcerias para implementar e manter os equipamentos públicos. Não há previsão de investimento privado na expansão das redes públicas de água ou de esgoto por exemplo, dois sérios problemas enfrentados pelos moradores locais e que pouco afetarão quem irá morar no projeto da Fazenda Arado.

Felipe Viana, do Econsciência, aponta que a ausência do poder público na periferia e nos bairros mais distantes do centro da cidade, como Belém Novo e todo o Extremo Sul, faz as pessoas acreditarem que somente terão melhorias com o setor privado. “Este projeto de ausência do poder público, deixando tudo para a iniciativa privada, é perverso. As pessoas só conseguem enxergar esgoto na rua ou no bairro com o empreendimento privado vindo. Tem morador que é contrário à construção de habitações populares porque acha que não irá trazer compensação pro bairro”, diz. Segundo Fernando Costa, da Amigos da Terra, há anos a região Extremo Sul não recebe investimento de infraestrutura por parte da prefeitura, que justifica dizendo que não tem dinheiro e vende uma falsa ideia de que as contrapartidas dos empreendimentos ajudarão a resolver os problemas. “No discurso da prefeitura, quem tem feito obras são os empreendedores. É um processo bem difícil, pois vai aliciando as lideranças comunitárias da região a utilizarem também este caminho, a pensarem que aceitando os empreendimentos para receberem as contrapartidas é que conseguirão ter acesso ao que seria uma política pública, como obra de infraestrutura de água e esgoto, melhoria no transporte público e nas estradas”, diz

Um exemplo desta situação relatada por Fernando se confirma quando moradores pensam que ficarão sem a estação de tratamento de água do DMAE caso o projeto do Arado não saia do papel. O ambientalista ressalta que esta obra já está prevista no plano municipal de saneamento e precisa ser efetivada de qualquer jeito. Se o projeto do Arado não for implementado, o DMAE tem dinheiro para comprar o terreno que seria doado pela empresa. Outro argumento da prefeitura é questionado por Santiago, do Ambiente Crítico, que não acredita que o bairro planejado Fazenda Arado vá barrar a ocupação irregular. Ele avalia que como não há política pública para construção de habitações populares, com o aumento do custo do aluguel e dos imóveis, a tendência é que as famílias pobres e de trabalhadores com baixos salários ocupem áreas irregulares ou se mudem para bairros ainda mais distantes. O DEMHAB (Departamento Municipal de Habitação) tem mapeadas 479 vilas em Porto Alegre atualmente.

Acesse a matéria principal e a continuação dessa história:

// Porto Alegre: Projeto de bairro planejado na Fazenda do Arado Velho avança em meio à pandemia

// Projeto habitacional de média e alta renda traz impactos ambientais, sociais e históricos

// Violência contra indígenas e ameaças a ambientalistas para garantir projeto imobiliário

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