Nota da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA sobre a conclusão das negociações do Acordo

Após mais de 20 anos de negociações em segredo, foi anunciado o encerramento das negociações sobre o Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, durante a 65ª Cúpula do Mercosul, em Montevideo (Uruguai). Prejudicial para os povos e o planeta, o acordo seguirá enfrentando forte resistência no processo de ratificação.

Leia o posicionamento da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, da qual a Amigas da Terra faz parte:

Diante da confirmação de conclusão das negociações do Acordo Mercosul-UE
durante a visita de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, à
Cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai, a Frente Brasileira Contra os
Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA declara seu repúdio ao acordo
neocolonial e reforça o perigo que representa para os povos, ao meio ambiente e  impacta qualquer estratégia futura de desenvolvimento e comércio mais justo que  os países do Mercosul possam buscar.

Negociado a portas fechadas e firmado em 2019, no governo Bolsonaro, o Acordo vinha sendo negociado desde 1999 e ainda pode ser alterado. O texto atual segue sem transparência, uma vez que não foi divulgado para conhecimento da sociedade. Apesar de recentemente terem sido incorporadas algumas exigências do Mercosul, o Acordo segue com problemas centrais, especialmente no que diz respeito ao comércio e uso extensivo de agrotóxicos, à relação desigual entre os países, ao aumento nas emissões de gases do efeito estufa e por zerar a tarifa na exportação de minério de ferro, prata e caulim.

O Acordo reforça padrões históricos de desigualdade entre Norte e Sul Global,
contribuindo para a manutenção dos países do Sul na condição de exportadores de produtos primários.

Agora o Acordo será discutido entre os países da União Europeia sob forte
pressão francesa. Ele será votado pelo Conselho Europeu, pelo Parlamento
Europeu e pelos Legislativos de todos os países da UE e do Mercosul.

Seguiremos em luta e em convergência com nossos parceiros europeus e do
Cone Sul, pressionando pela não ratificação do Acordo.

Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA
Nota Frente (1)

UE-Mercosul ameaça os direitos dos povos, o planeta e a democracia

Após mais de 20 anos de negociações em segredo, foi anunciado o encerramento das negociações sobre o Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, durante a 65ª Cúpula do Mercosul, em Montevideo (Uruguai). Entretanto, o futuro do acordo segue incerto com a oposição de países como França e Polônia, a perigosa liderança de extrema direita em ambos blocos e a crescente pressão dos movimentos sociais. Considerado um acordo prejudicial para os povos e o planeta, este seguirá enfrentando uma forte resistência no processo de ratificação. 

A Amigos da Terra Internacional se mantém firme na oposição ao Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosul, que transfere enormes poderes para grandes empresas transnacionais e mina os direitos fundamentais dos povos ao trabalho, à alimentação, a um ambiente ecologicamente saudável e a um clima seguro.

Segundo Julie Zalcman, ativista da Amigos da Terra  Europa: “O Acordo UE-Mercosul é antiquado e agravará as crises do clima e da biodiversidade, uma vez que debilitará os direitos dos povos a uma alimentação saudável, local e justa. As negociações aconteceram no mais absoluto sigilo, apesar de grandes protestos de pessoas agricultoras e da clara oposição de vários governos e Parlamento europeus. Qualquer tentativa de acelerar o processo de ratificação ao fragmentar o acordo será nada mais nada menos que uma apropriação antidemocrática do poder. Necessitamos urgentemente de políticas comerciais que priorizem o clima, a justiça e a cooperação em detrimento da ganância.

Lucia Ortiz, integrante do diretório executivo da Amigas da Terra Brasil e da Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC), complementa:  “O fracasso do neoliberalismo foi reconhecido pelo Presidente Lula na Cúpula do G20 no Rio de Janeiro em novembro. Suas políticas e instrumentos, como os Tratados de Livre Comércio, põe em risco as democracias, já que limitam a capacidade dos Estados soberanos para definir políticas sociais nas próximas décadas. Ao  favorecer grandes empresas transnacionais e instituições financeiras na privatização de serviços públicos, o Acordo UE-Mercosul perpetua as assimetrias coloniais. Relegando as economias sul-americanas a fornecedoras de matérias-primas, ele concentra ainda mais poder político e econômico em algumas poucas grandes empresas nos setores de mineração e agronegócio”.

Natalia Carrau, integrante de Amigos da Terra Uruguai, assinala que:  “Os países do Mercosul não têm tratados de livre comércio como esse. Esse acordo com a UE seria o primeiro compromisso desse tipo e colocaria em risco o avanço do processo de integração regional, já que renunciariam a seus compromissos como bloco a favor da UE. A negociação e implementação de políticas públicas regionais como as compras públicas regionais ou a complementação produtiva aos acordos industriais bilaterais ou regionais específicos será incompatível com o acordo da UE, e será o começo do fim do Mercosul como projeto de integração regional orientado ao desenvolvimento e a justiça ambiental, econômica, social e de gênero para a nossa região”

María Fernanda López, integrante de Tierra Nativa, Amigos da Terra Argentina, expõe: “Este ano, na Argentina, vivemos o impacto de políticas neoliberais que desmantelaram diversas políticas públicas relacionadas com o ambiente, a educação, a saúde, questões de gênero e direitos humanos, deixando mais de 50% da população abaixo do nível da pobreza. O presidente Javier Milei mantém uma postura favorável aos acordos como o da UE-Mercosul, minimizando os efeitos negativos que dito acordo poderá gerar à  economia, ao ambiente e ao tecido social do país. No contexto atual, de ajuste feroz, que aprofunda a desigualdade, a pobreza e o desemprego, a assinatura desse acordo comercial poderá agravar ainda mais as crises estruturais que atravessam a Argentina e a região”. 

Leia em outros idiomas aqui

Confira também a animação “É hora de dar um basta no livre comércio”:

 

Alerta de Comércio Tóxico: mais de 400 organizações sociais apelam aos tomadores de decisão política para rejeitarem o acordo UE-Mercosul

Alerta de Comércio Tóxico: mais de 400 organizações sociais apelam aos tomadores de decisão políticos para rejeitarem o acordo UE-Mercosul devido a preocupações ambientais, de direitos humanos e democráticas

A Amigas da Terra Brasil assinou o manifesto.

Nesta semana, acontecem negociações que antecedem a Cúpula do Mercosul, em que os governos do bloco (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) tratarão, de 5 a 6 de dezembro em Montevidéu, no Uruguai, entre outros temas, do tratado de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Essa é mais uma tentativa dos países europeus e suas grandes empresas transnacionais e de setores econômicos interessados no agronegócio, na mineração e na privatização de serviços públicos, para avançar esse acordo prejudicial à natureza e aos povos, especialmente aos latinoamericanos e à classe trabalhadora e ao setor da agricultura camponesa na Europa.

A Amigas da Terra Brasil integra a Frente Brasileira contra o Acordo UE-Mercosul e se soma às mais de 400 organizações e movimentos de todo o mundo no abaixo-assinado em que exige que os formuladores de políticas parem com esse acordo neoliberal tóxico, com impactos devastadores sobre o meio ambiente e os direitos humanos.

O Acordo UE-Mercosul é negociado a portas fechadas há 25 anos, com a falta de transparência e participação social e sem consulta às populações atingidas.

Para a Amigas da Terra Brasil, este tratado reproduz estruturas comerciais coloniais, promovendo a exportação de commodities agro-minerais e a importação de produtos industrializados, tais como carros já fabricados no Mercosul e agrotóxicos banidos na Europa. Ameaça, assim, os trabalhadores na indústria brasileira e os serviços públicos essenciais à toda população, afetando desproporcionalmente a vida das mulheres, além de impactar negativamente a produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar e agroecológica em cada bloco. 

Na lógica da economia feminista, o comércio justo, solidário e localizado, e a centralidade dos servicos públicos na política de cuidados, são alternativas para combater a crise climática com justica ambiental, evitando o desmatamento e a expulsão de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais de seus territórios. 

Na sua declaração, as organizações signatárias também apontam o perigo para a democracia quando o livre comércio avança em negociação entre líderes e governos de ultradireita que negam a crise climática. Num contexto em que o Brasil tem enfrentado inundações e secas sem precedentes, com incêndios devastando florestas e outros biomas em toda a região, trazendo mais desigualdades para o povo trabalhador nas cidades, a conclusão desse acordo tóxico seria desastrosa.

A declaração completa e todos os signatários podem ser encontrados aqui: https://europeantradejustice.org/eu-mercosur-nov2024/

Versão em português da declaração:
https://bit.ly/3VdzdCZ_pt

Amigas da Terra Brasil

Acordo União Europeia – Mercosul é julgado no Tribunal Popular O Imperialismo no Banco dos Réus, no Rio de Janeiro

 

Crédito da foto: Divulgação MST

 

A Amigas da Terra Brasil esteve presente no Tribunal Popular O Imperialismo no Banco dos Réus, que aconteceu em 15 de novembro no Rio de Janeiro, no Brasil, com a participação de diversas organizações e movimentos sociais da América Latina e do mundo. A atividade antecedeu a Cúpula do G20, fórum de cooperação econômica internacional entre os países, que, até então, estava sendo presidido pelo Brasil.

Integramos a articulação regional ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe), apoiando a Jornada Continental contra o Neoliberalismo em Defesa da Democracia na construção do Tribunal Popular. Também contribuímos na formulação do caso apresentado no eixo indução à pobreza, que tratou de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio, com análise dos Tratados do Mercosul e União Europeia, mencionando os exemplos de Sri Lanka, Paquistão, Brasil e Argentina. A Amigas da Terra Brasil faz parte da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-União Europeia e EFTA pela qual, com mais de 100 outras organizações sociais do país, lutamos para que esses acordos não sejam assinados nos atuais termos propostos.


No vídeo abaixo, a conselheira da Amigas da Terra Brasil, Lúcia Ortiz, relata o que foi o Tribunal Popular.


Toda essa mobilização popular no Rio de Janeiro ajudou para que o G20, que se reuniu logo após, nos dias 18 e 19 de novembro, não avançasse com as tratativas do Acordo União Europeia – Mercosul, mesmo com a pressão dos líderes dos blocos europeus. “Ainda que exista essa pressão para fechar o acordo ainda neste ano, as condições ainda não estão dadas para que se chegue a esse termo. O fato de não ter acontecido esse anúncio no dia 20 de novembro, por si só já é uma vitória”, defendeu Lúcia.

Nesta semana, de 26 a 29 de novembro, acontece a  Cúpula do Mercosul, em que os governos retomam as negociações do Acordo UE-Mercosul. “Vamos seguir na luta para enterrar esse acordo de vez”, completa Lúcia.

Reproduzimos, abaixo, a sentença final do Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus, lida pela juíza Simone Dalila Nacif Lopes:


SENTENÇA

Quatro são os casos submetidos ao “Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus”, a saber:

Genocídio dos povos: tendo por caso-modelo a Palestina e sendo apresentados para contextualização fatos ocorridos no Líbano, Iemen e Sudão.

Indução à pobreza: políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio, com análise dos Tratados do Mercosul e União Europeia, mencionando os exemplos de Sri Lanka, Paquistão, Brasil e Argentina.

Guerra econômica: violação da soberania e da autodeterminação dos povos, tomando-se por paradigma os casos de Cuba e Haiti e sendo mencionada a Venezuela.

Racismo estrutural e ambiental: cujos casos-referências foram o extermínio da juventude negra do Rio de Janeiro e os crimes de Mariana/MG, com menção a Ayotzinapa (México), Haiti, Colômbia, reparações coloniais, Mapuches (Chile e Argentina), Povo Avá Guarani, Bhopal, Honduras, Incêndios no Brasil, Braskem, Chevron / Equador, reparações ao sul global, transição energética.

O libelo acusatório foi apresentado por Sr. Dayron Roque Lazo – Centro Martin Luther King, Cuba e pela Sra Sandra Quintela – Jubileu Sul.

O Sr. Tom Kucharz, da Espanha, atuou como advogado de defesa do Imperialismo e o Dr. Alexandre Ferreira Guedes – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Brasil – produziu a prova da acusação.

Foram ouvidas as testemunhas Rula Shaheed (Palestina), Morgan Ody (Confederación Paysanne / França e Via Campesina), Raiara Pires (Movimento pela Soberania Popular na Mineração/ MAM e Frente Brasileira contra o Acordo Mercosul – UE), Aleida Guevara (Cuba), Henry Boisrolin (PAPDA / Haiti), Marcelo Dias (Movimento Negro Unificado- Brasil) e Vanilda Aparecida de Castro Souza, da Bacia do Rio Doce e do Movimento Atingidos por Barragem.

Garantido o contraditório e a ampla defesa com iguais oportunidades de pergunta tanto para a defesa como para a acusação, encerrada a instrução, as partes apresentaram suas Alegações Finais.

O Conselho de Sentença foi composto por Yildiz Temürtürkan, da Turquia (Coordenadora Internacional da Marcha Mundial de Mulheres) – presidenta do Júri, Ousmane Lankoandé Miphal / Burkina Faso (Secretario Geral da organização Balai Citoyen), Lana Vielma Membra da Comuna Maizale da Unión Comunera / Venezuela, Maria Juliana Rivera Vera Representante do Congreso de los Pueblos / Colombia, Beverly Keene / Argentina Coordenadora da organização Diálogo 2000 e do Jubileu Sul – Américas, João Batista – Movimento Negro Unificado / Brasil, Sra. Monica Gurjão Quintão – União dos Negros pela Igualdade – UNEGRO,

Após reunir-se para deliberação, os jurados chegaram a uma decisão e a Presidenta do Júri, Yildiz Temürtürkan, declarou o veredito: à unanimidade, os jurados CONDENARAM o Imperialismo pelos crimes de Genocídio dos povos (Palestina), de indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio (Mercosul e União Europeia), de guerra econômica com violação da soberania e da autodeterminação dos povos (Cuba e Haiti), e de racismo estrutural e ambiental (no Brasil contra a juventude negra do Rio de Janeiro e contra o meio-ambiente pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG).

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Ao final do julgamento, a pretensão acusatória restou fartamente comprovada, conforme decidido pelo Conselho de Sentença.

Com efeito, no caso do Genocídio dos Povos, a prova dos autos revela que o povo de toda a Palestina, e particularmente de Gaza, vem sendo submetido ao colonialismo há 76 anos e está sofrendo genocídio há 409 dias abertamente praticado pelo Estado de Israel com a cumplicidade dos Estados Unidos, da Alemanha, do Reino Unido e de outros países europeus e ocidentais.

Como vem sendo televisionado para todo o mundo, Israel bombardeia e ataca casas, hospitais, universidades e escolas, assim como abrigos e prédios da ONU, tendo demolido e danificado 66% da infraestrutura de Gaza promovendo uma destruição em massa. É negado o acesso a água, a alimentos, a combustível, à ajuda humanitária e a necessidades básicas, o sistema de saúde colapsou e o deslocamento forçado sujeitaram a população de Gaza à fome forçada e criaram condições propícias para epidemias.

Desde outubro de 2023, Israel, em sua campanha genocida, promove a destruição deliberada e sistemática do meio ambiente de Gaza. As operações militares israelenses fazem uso intensivo de explosivos em áreas urbanas densamente povoadas, formando imenso acúmulo de detritos e entulho, aniquilando a infraestrutura civil em Gaza, o que abrange a infraestrutura ambiental, como instalações de tratamento de água, sistemas de esgoto, sistemas de coleta de água da chuva e instalações de gerenciamento de resíduos essenciais para o descarte seguro de resíduos médicos e perigosos. O conjunto de ações israelenses, incluindo o deslocamento de 90% da população de Gaza, impacta grandemente o meio ambiente causando poluição sonora, do ar, da água e do solo, prejudicando ou quase extinguindo a capacidade das autoridades palestinas de prevenir ou tentar mitigar danos ambientais.

Entre 7 de outubro de 2023 e 11 de novembro de 2024, mais de 43.603 palestinos foram mortos, incluindo mais de 17.385 crianças. Há outros 10.000 palestinos desaparecidos que se estima-se estarem sob os escombros. Famílias palestinas inteiras são massacradas e têm sua existência apagada. Apresenta-se um cenário cotidiano de corpos queimados, desmembrados e crianças decapitadas. Mais de 109.000 palestinos foram feridos, dos quais 25% possivelmente com ferimentos que impactarão permanentemente suas vidas. Segundo a Lancet, em publicação de julho de 2024, o número de mortos em Gaza poder chegar a mais de 186.000 palestinos, incluindo aqueles mortos sob os escombros e mortes indiretas devido ao colapso do sistema de saúde, fome e doenças.

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), em 26 de janeiro de 2024, no caso da África do Sul contra Israel, declarou plausível que Israel esteja realizando genocídio em Gaza e ordenou a Israel a prevenção e a imediata interrupção de todos os atos genocidas.

Novamente, em 29 de março, a Corte Internacional de Justiça emitiu ordem de fornecimento irrestrito de ajuda, suprimentos médicos e necessidades básicas, além do fim de todas as violações à Convenção sobre Genocídio praticadas pelos militares israelenses, salientando a evolução dos fatos “excepcionalmente graves” desde a Ordem de janeiro, em particular a propagação da fome e da inanição.

Em 25 de março de 2024, o Conselho de Segurança das Nações Unidas emitiu Resolução exigindo um cessar-fogo imediato em Gaza.

Porém tanto as ordens da Corte Internacional de Justiça como a Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas continuam a ser desconsideradas e violadas por Israel.

Como se vê, é urgente a demanda do povo palestino de imediato e permanente cessar-fogo em Gaza, viabilizando o acesso à ajuda humanitária, a água, alimentos, combustíveis, eletricidade e demais necessidades básicas, além da garantia de estabilidade e manutenção segura do povo palestino em Gaza e o fim do bloqueio de 17 anos.

De acordo com a testemunha Sra. Rula Shaheed, “Este momento deve ser um chamado de despertar necessário para termos a coragem política de abordar as causas básicas da violência. Os eventos atuais que se desenrolam não começaram em 7 de outubro. Os representantes do povo devem reconhecer e abordar a própria fonte da violência, notadamente a realidade do apartheid colonial, que vem causando violência e injustiças por mais de 76 anos. Não tomar isso como um ponto de partida condenará quaisquer esforços políticos ao fracasso.”

2. A respeito da “indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio”, ficou demonstrado que, após a derrota, em 2005, do projeto imperialista da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) pela resistência dos movimentos sociais populares expressada pelo posicionamento dos governos progressistas no início dos anos 2000, o Acordo União Europeia (EU)-Mercosul apresentou-se como alternativa para o atendimento dos interesses das empresas transnacionais e investidores do Norte global a fim de aprofundar as relações coloniais e perpetuar os saques de matérias primas da América do Sul. Reiniciadas as negociações durante os governos Macri, na Argentina, e Michel Temer no Brasil, após o Golpe Civil-Parlamentar-Empresarial de 2016, foi anunciada a conclusão início do mandato de Jair Bolsonaro.

Porém, a Europa escandalizou-se com o retrocesso nas políticas ambientais, com a agenda ultraconservadora e anti-direitos e com os incêndios promovidos pelas forças ruralistas e pela extrema-direita em 2019, interrompendo o processo de ratificação, que foi retomado com a propositura de adendos ao Acordo após a eleição do Presidente Lula, em reconhecimento do retorno das condições democráticas no Brasil.

Em 2024, com o claro avanço da extrema direita, após o processo eleitoral na União Europeia e tendo o ultraliberal Milei da Argentina assumido a presidência do MERCOSUL, o pilar comercial do acordo de associação original foi alçado a um Tratado de Livre Comércio em separado, caracterizado pela liberalização do comércio de bens, com a eliminação ou redução substancial de tarifas e outras barreiras comerciais, além de ser dispensada a ratificação pelos parlamentos nacionais na Europa, bastando uma maioria no Parlamento Europeu para a aprovação.

Como visto, com o Acordo UE-MERCOSUL, já se opera a violação dos direitos democráticos de acesso à informação e à participação cidadã e parlamentar em decisões que afetam o modelo econômico e de desenvolvimento, ou subalternização, dos povos dos países do MERCOSUL, cuja implementação por mais de 30 anos, com cláusulas ad aeternum, violam os direitos humanos econômicos, sociais, ambientais e culturais dos povos latino americanos.

E implicará no aprofundamento da inserção primarizada e subordinada dos países do MERCOSUL que adotariam uma matriz de exportação baseada em matérias-primas e produtos agrícolas associados ao modelo do agronegócio e restringindo a possibilidade de exportação de setores industrializados e/ou de alto valor agregado, além de contribuir para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação do conjunto dos biomas e regiões biodiversas do MERCOSUL, mediante a ampliação da fronteira agrícola, o aumento das áreas de cultivo para produção de carne, cana-de-açúcar e soja, alguns dos principais vetores de desmatamento e queimadas.

A assinatura do Acordo de Livre Comércio contribuirá para a expansão do uso extensivo de agrotóxicos, pois suspende as tarifas alfandegárias de mais de 90% das exportações de produtos químicos da União Europeia, incluindo os agrotóxicos que são proibidos na Europa.

Com a proibição geral de impostos e taxas, crescerão as exportações de minerais base, como ferro e alumínio, para industrialização na Europa, às custas da degradação ambiental no MERCOSUL, o que já está acontecendo como exemplificam as situações climáticas extremas, como enchentes e secas assim como os crimes das empresas Vale, BHP Billiton e HydroNorth no Brasil e seus impactos devastadores para as populações locais.

Além de tudo isso, há o concreto risco de liberalização em setores-chave para a proteção e a realização de direitos, impedindo que o MERCOSUL avance nos seus próprios compromissos regionais e cedendo a seus interesses em favor da UE.

A comunidade afetada demanda a revogação de todos os Tratados de Livre Comércio, que não seja assinado o Acordo de Livre Comércio UE/MERCOSUL e a construção de um novo marco de comércio internacional baseado em outros princípios que tenham a Soberania dos povos em primeiro lugar, garantindo a soberania financeira e democrática dos Estados. Respeitando o direito a participação dos povos e da natureza. Tendo em vista que estes Tratados representam mais falsas soluções para os povos e para a natureza afetando suas políticas e condicionando a uma ação criminosa do imperialismo materializado em imposições de austeridade privatizações, abertura comercial e saque de nossos territórios. Aprofundando a pobreza, as desigualdades, o endividamento e induzindo a uma maior concentração e estrangeirização das riquezas produzidas por nossos povos e natureza.

3. Por sua vez, a respeito da “Guerra econômica: violação da soberania e da autodeterminação dos povos”, verifica-se que o objetivo histórico do bloqueio econômico a Cuba é o de fazer definhar a economia, gerar carências materiais e danos aos serviços públicos, provocar insatisfação e desesperança à população e subverter a ordem constitucional legitimamente estabelecida, tendo por fundamento documentos oficiais dos Estados Unidos, como o memorando interno do subsecretario de Estado Lester Mallory, de 6 de abril de 1960.

As ações do bloqueio dos Estados Unidos visam a identificar e perseguir as principais fontes de renda da economia cubana: a ofensiva contra o turismo, que é a principal fonte de renda no país; a alegação de ataques sônicos a diplomatas norte-americanos como justificativa para classificar Cuba como um país pouco seguro; a perseguição dos convênios de cooperação médica internacional (a venda de serviços médicos é a segunda fonte de renda do país). Todas essas medidas dirigem-se a impedir a entrada de recursos imprescindíveis para atender às necessidades crescentes da população.

Nos últimos anos, ocorreu um agravamento das medidas adotadas no bloqueio econômico, das quais se destaca a inclusão arbitrária e indevida de Cuba na lista de Estados acusados de patrocinarem o terrorismo, como meio de coerção política mediante ameaças de represálias objetivando o reforço do bloqueio e isolamento financeiro de Cuba.

É imenso o impacto do recrudescimento do bloqueio sobre as exportações cubanas, especialmente no setor turístico, da perseguição implacável às operações bancárias e financeiras de Cuba, assim como dos danos ao sistema empresarial cubano, à produção e aos serviços prestados à população.

Os prejuízos causados pelo bloqueio dos Estados Unidos a Cuba, desde seu início, alcançam 1 bilhão 499 mil 710 milhões de dólares, tendo em conta o comportamento do dólar face ao valor do ouro no mercado internacional.

É flagrante que o bloqueio econômico imposto pelo império norte-americano a Cuba configura um crime contra a humanidade na medida em que promove a violação sistemátiva e violenta dos direitos humanos da população cubana.

Aleida Guevara altivamente expressa a demanda de seu povo (em tradução livre): “Cuba tem o direito soberano de construir un futuro proprio, independente, socialista, livre da ingerência estrangeira e comprometida com a paz, o desenvolvimento sustentável, a justiça social e a solidariedade. Cuba tem direito de viver sem bloqueio.”

Por outro lado, no caso do Haiti, após a revolução do povo escravizado, o processo de reconhecimento de sua independencia pela comunidade internacional resultou numa dívida eterna para a França. Demais disso, desde 1915, os haitianos estão sob ocupação do império norte-americano que ocupou o país, assumindo militarmente o controle do território e instalando um sistema neo-colonial cuja decomposição resultou diretamente na crise atual.

A intensa migração, iniciada em 1915, converteram o Haiti fonte de fornecimento de mão de obra barata. Em 2023, mais de 168 mil pessoas de diversas profissões deixaram o Haiti, o que contribuiu para o destruição das instituições haitianas.

Como em toda a América Latina, os golpes de Estado promovidos no Haiti em 1991 e 2004 foram financiados e apoiados pelos Estados Unidos.

Além disso, a fim de barrar o ciclo progressista desenvolvido na América Latina entre 1998 e 2015, em 2001, instalou-se um governo de extrema direita pelo partido haitiano Tèt kale (PHTK) que perdura até hoje dominando a política haitiana.

Frise-se que as políticas de austeridade neoliberal impostas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial desencadearam um processo de destruição da economia campesina, levando à dependência econômica, financeira e alimentar.

Noutro giro, no momento em que o terremoto de 2010 vitimou mais de 300.000 pessoas lançando o Haiti numa profunda crise humanitária, os Estados Unidos aproveitaram para assumir o controle dos setores estratégicos do país, utilizando-se do desastre como degrau para a dominação e exploração capitalista. Mesmo a reconstrução do país foi controlada pelo império, uma vez que a Comissão Interina para a Reconstrução do Haiti (CIRH) foi dirigida diretamente pelo então presidente norte-americano Bill Clinton.

O Haiti está sob o controle do Conselho de Segurança das Nações Unidas desde 2004 até a atualidade, apesar das sérias denúncias contra a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) que ocupou o país por 13 anos e deixou um rastro de 40.000 mortos por cólera, 800.000 infectados, dezenas de milhares de mulheres estupradas e de crianças abandonadas.

Destacou-se que a Minustah foi composta por diversos países da região Latinoamericana, os quais tem uma responsabilidade com o caos instalado no Haiti e por uma urgente política de reparação. A Minustah serviu a uma política imperialista e hoje o Kenia está atuando como polícia no Haiti e segue servindo ao Conselho de Segurança da ONU o qual é manejado diretamente por EUA através do Core Grup. É evidente a urgência para que a ocupação seja imediatamente interrompida.

Tem sido fabricado um caos no país para reforçar a narrativa de insegurança que se relaciona diretamente com os tráficos de armas e substâncias ilícitas, convertendo o Haiti numa passagem para as drogas que entram nos Estados Unidos.

A demanda apresentada é de fim da opressão, exploração e dominação dos povos afrodescendentes no Haiti, revertendo-se o paradigma de poder que impõe prejuízo de gênero, raça e classe. Pugna-se pela instauração de um Tribunal Popular isento, com a presença de diferentes instâncias jurídicas aptas a oferecer garantías de restituição da dívida ilegal pela França, de devolução saqueado pelos Estados Unidos em 1914, de reparação pelos anos de escravidão e a anulação da dívida pública que entorpece todas as posibilidades de desenvolvimento do Haiti.

Segundo o contundente depoimento de Sr. Henry Boisrolin, coordenador do Comitê Democrático Haitiano e dirigente nacional da Plataforma Haitiana de Reivindicação de um Desenvolvimento Alternativo – PAPDA -, em tradução livre, “É necessário denunciar perante o mundo o genocídio que se perpetua contra o povo haitiano. As consequências deste genocídio silencioso, levado a cabo no meio do caos, são enormes e desastrosas para o povo Haitiano. A vida quotidiana tornou-se um pesadelo, milhões de pessoas ficaram feridas, a economia nacional está destruída, provocando o aumento da pobreza e forçando o deslocamento da população.”

4. Por fim, aborda-se o “racismo estrutural e ambiental”, restando evidente a política de extermínio da juventude negra do Rio de Janeiro.

Esse quadro é o resultado da história do escravismo brasileiro que formalmente foi abolido, mas perdura concretamente até os dias de hoje com a segregação velada e, nos casos de violência policial, explícita dos negros.

O tráfico transatlantico e a escravização de pessoas negras são crimes contra a humanidade, assim declarado na Durban da Conferencia Mundial contra o racismo, promovida pela ONU em Durban, na África do Sul. Logo, são crimes imprescritíveis.

A declaração de Durban aponta a escravidão negra e o tráfico negreiro como fontes ainda vivas, embora pretéritas, de racismo, discriminação racial e intolerâncias correlatas.
Em razão desses laços que ligam o passado ao presente é que os movimentos sociais e a sociedade civil continuam a propugnar por REPARAÇÃO HISTÓRICA pelo Estado brasileiro e demais responsáveis por esses graves crimes.

Os agentes de segurança do Rio de Janeiro mataram 1.042 pessoas negras em 2022 (86,98% dos casos com informações completas de cor e raça), sendo o segundo estado com mais mortos pela letalidade gerada por policiais.

A cada oito horas e 24 minutos uma pessoa negra morreu em decorrência de intervenção policial.

Em novembro de 2024, a Rede de Observatórios da Segurança publicou um estudo alarmante sobre a violência policial no Brasil, revelando que, em 2023, 4.025 pessoas foram mortas por policiais no país. Desses casos, 3.169 disponibilizaram dados sobre raça e cor, e, entre essas vítimas, 2.782 eram negras, o que representa 87,8% do total.

Esse dado reflete um padrão persistente de desigualdade racial nas ações de segurança pública.

O boletim *Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão*, em sua quinta edição, foi produzido a partir de informações obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) em nove estados.

No Rio de Janeiro, apurou-se que, em 86,9% das mortes por intervenção policial, as vítimas eram negras.

Esses números mostram uma constante e alarmante violência contra a população negra nas operações policiais.

Além disso, dados de outro estudo, o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apontam que das 6.393 vítimas de letalidade policial no Brasil em 2023, 71,7% eram crianças, adolescentes ou jovens com idades entre 12 e 29 anos, e 82% dessas vítimas eram negras.

A diferença entre a taxa de mortalidade por violência policial de pessoas brancas e negras é de 289%, absolutamente desproporcional: 3,5% para cada 100 mil pessoas negras e 0,9% para pessoas brancas.

São números escandalosos que escancaram o racismo estrutural da sociedade brasileira e que atravessa diferentes áreas como educação, saúde, mercado de trabalho, mas que tem sua face mais letal na segurança pública.

Também revelam que há um perfil de suspeito fortalecido nas corporações, já que nas abordagens, há um tratamento diferente para um jovem branco vestido de terno na cidade e um jovem negro de bermuda e chinelo em uma favela. Ocorre que, na favela, os jovens se vestem de bermuda e chinelo e todos passam a ser vistos como perigosos e como possíveis alvos.

Como visto, é inequívoco o processo de extermínio dos jovens negros que carregam até hoje em seus ombros o peso da opressão histórica trazida nos navios negreiros e marcada em sua pele negra, convertidos que são em alvos para o Estado que os empareda e mata.

A demanda por ações efetivas e políticas públicas voltadas romper com esse ciclo de violência e racismo que está exterminando nossa juventude negra é emergencial.

A comunidade atingida demanda o reconhecimento formal pelo governo brasileiro de sua responsabilidade oficial no crime de escravidão praticado no Brasil oitocentista; o reconhecimento formal pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, em decreto, do envolvimento da Corte Imperial, sediada na Cidade do Rio de Janeiro, no crime de escravidão assim como na prática de crime contra a humanidade e a criação de um Fundo de Reparação  e Promoção de Políticas Públicas de Igualdade Racial e Combate ao Racismo pelo Congresso Nacional e pela a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Por fim, o caso do desastre ambiental de Mariana/MG com o rompimento da barragem do Fundão e a destruição do Rio Doce/Uatu.

Segundo Antônio Hilário Aguilera Urquiza e Adriana de Oliveira Rocha no artigo intitulado “O desastre ambiental de mariana e os Krenak do Rio Doce”, o desastre ambiental ocorreu em 5 de novembro de 2015 com o rompimento da barragem do Fundão contendo rejeitos de minério pertencente à mineradora Samarco S.A. localizada em Mariana, Minas Gerais. A ruptura liberou o equivalente a 20.000 piscinas olímpicas de água e lama tóxica, ou cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Imediatamente, 128 residências, no distrito de Bento Rodrigues foram atingidas. Depois disso, o mar de rejeitos, lama e água percorreu mais de 600 quilômetros, atingindo uma área de cerca de 10 mil quilômetros quadrados, no litoral capixaba – equivalente a mais de seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

Afirmam os mencionados pesquisadores que o desastre é considerado o maior do gênero na história mundial nos últimos 100 anos, quanto ao volume de rejeitos despejados – 50 a 60 milhões de metros cúbicos.

Do ponto de vista socioambiental, ocorreu uma destruição de 663 km, com lixo se acumulando nos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce até chegar na foz do Rio Doce, onde adentrou 80 km2 ao mar, arrasando com as cidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Gesteira, a cidade de Barra Longa e outros cinco povoados no distrito de Camargo, em Mariana, causando morte na barragem e em Bento Rodrigues, totalizando 19 pessoas mortas ou desaparecidas, na grande maioria trabalhadores terceirizados pela Samarco S.A. e moradores de Bento Rodrigues. 1.200 ficaram desabrigadas.

Os efeitos do desastre trágico e devastador seguem sendo produzidos. Dentre os graves efeitos dessa catástrofe está a afetação da vida e da economia dos indígenas Krenak, além de Tupiniquins e Guarani, dada a piora geral de índices econômicos nos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, onde essas etnias habitam.

Afirmam os pesquisadores que “ o Rio Doce que banha a Terra Indígena Krenak é muito mais que um simples recurso aquífero, se impregnando de valor simbólico, cosmológico e religioso para os Krenak.”

Em entrevista, Ailton Krenak afirmou:

“Não foi um acidente. Quando eu ouço perguntarem sobre ‘o acidente’ de Mariana, eu reajo dizendo que não foi um acidente. Foi um incidente, no sentido da omissão e da negligência do sistema de licenciamento, supervisão, controle, renovação das licenças, autorização de exploração. O Estado e as corporações constituíram um ambiente promíscuo e delinquente, em que ninguém controla ninguém e no qual os engenheiros e os chefes de segurança, que informam os relatórios, também sabem que não tem consequência nenhuma se eles matarem um patrimônio inteiro, uma vila inteira ou, eventualmente, se matarem uma comunidade inteira. […] Watu, que é como nós chamamos aquele rio, é uma entidade; tem personalidade. […] O Rio Doce, o Watu, pode ser pensado como um lugar onde, na primeira metade do século XX, até a década de 1920, os Krenak viviam ainda com a inocência de ter um rio sagrado, carregado de significado, de símbolos, onde os espíritos da água interagiam com as pessoas – de onde as famílias tinham certeza de que podiam tirar comida, remédio”

Tristemente, o rompimento da barragem Samarco em Mariana, no caso específico dos índios Krenak, produz consequências maléficas para sua cultura, para sua existência, sua religiosidade. O vínculo ancestral dos Krenak com Uatú é profundo. Era em suas margens seus rituais e festas eram realizados, batizavam as crianças e tiravam ervas para remédios e material para o artesanato.

O envenenamento do Rio Doce, para os Krenak matou seu ancestral, eles consideram que Uatú morreu, como a perda de um familiar cujo corpo segue putrefato diante de todos.

Seu modo de vida, suas crenças, suas produções, sua filosofia, toda a complexidade de existência do povo Krenak foram profundamente comprometidas de uma forma que, dificilmente poderão retornar ao que eram na origem.

Os atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão em Mariana seguem buscando responsabilização penal, civil, ambiental e administrativa. E o povo Krenak busca, além de tudo isso, a reparação histórica e espiritual.

A responsabilidade das mineradoras, em relação aos Krenak, ultrapassa o aspecto simplesmente reparatório, ante a necessidade de restauração dos Direitos Humanos violados, uma vez que a contaminação e a morte, ainda que temporária, do “Uatú” compromete a própria existência física e espiritual daquela população.

Portanto, o desastre de Mariana apresenta-se como um crime contra a humanidade praticado pelo imperialismo em diversas dimensões: ambiental, social, econômica, filosófica e, especialmente para o povo Krenak, existencial.

Diante do exposto, considerada a soberana decisão dos Jurados, JULGO PROCEDENTE o pedido, DECLARO ILEGÍTIMAS as falsas soluções apresentadas pelo sistema capitalista e CONDENO O IMPERIALISMO pelos crimes de Genocídio dos povos (Palestina), de indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio (Tratado de Livre Comércio Mercosul e União Europeia), de guerra econômica com violação da soberania e da autodeterminação dos povos (Cuba e Haiti), e de racismo estrutural e ambiental (no Brasil contra a juventude negra do Rio de Janeiro e contra o meio-ambiente pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG):

Intimados os presentes. Traduza-se, publique-se e divulgue-se.

CONVOCO todos os povos, a classe trabalhadora organizada nos Movimentos Sociais, as mulheres, os indígenas, os negros, a comunidade LGBTQIA+, os habitantes do Sul Global, enfim, todos os povos subalternizados a se manterem permanentemente em LUTA contra o imperialismo e seus efeitos destrutivos sobre nossas vidas exigindo reparações até que o sistema neoliberal seja extinto e construamos uma sociedade baseada na solidariedade, caminhando a passos firmes com os olhos fixos no horizonte socialista.

Encerrada a Sessão do Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus.

Rio de Janeiro, 15 de novembro de 2024

Simone Dalila Nacif Lopes
Juíza do Tribunal Popular

Seguimos na luta feminista frente aos ataques contra a democracia

A luta feminista é fundamental para alcançar a justiça ambiental. A resistência e o desmantelamento do patriarcado formam parte integral da Soberania Alimentar, da gestão das florestas e da democracia, assim como da luta contra os sistemas econômicos e as instituições políticas opressivas. Abaixo, apresentamos três entrevistas com pessoas que estão liderando lutas pela mudança de sistema e por um mundo mais feminista, centrado na justiça de gênero. 

Florestas e Biodiversidade – Rita Uwaka, Amigos da Terra Nigéria
Como é que o patriarcado e outras opressões se tornam obstáculos na luta pela democracia, pelas florestas e pela biodiversidade?

Existe uma forte ligação entre o patriarcado e a gestão florestal, porque o sistema patriarcal domina a governança das florestas e da biodiversidade e é um agente chave da apropriação das florestas. As relações de poder desiguais que o patriarcado reforça promovem falsas soluções e modelos agrícolas destrutivos, que transformam as florestas em commodities do agronegócio, por exemplo.

O patriarcado afeta todas as pessoas. O patriarcado influencia os processos de tomada de decisões relacionadas com a gestão florestal em detrimento das mulheres que dependem destas florestas, que são excluídas dos espaços de decisão e cujas vozes e preocupações não são tidas em conta nas políticas e práticas que afetam as florestas e a biodiversidade. Contudo, as mulheres são as principais cuidadoras e guardiãs das florestas, bem como aquelas que possuem conhecimentos tradicionais. 

A falta de controle na tomada de decisões se traduz em um desequilíbrio de poder que marginaliza as mulheres, as comunidades locais e outros grupos já excluídos.  Quando as partes interessadas não incorporam adequadamente as considerações destes grupos e quando os espaços de tomada de decisão não são suficientemente inclusivos e representativos, não se pode avançar e nem progredir. 

No entanto, ao enfrentar o poder e defender ao lado das mulheres o seu direito à autodeterminação, bem como o seu direito de dizer sim e de dizer não, fazemos com que as coisas mudem. Através do empoderamento das mulheres e da resistência contra as estruturas patriarcais, estamos formando líderes comunitárias.

É essencial que as pessoas compreendam o valor ecológico, social e cultural das florestas, bem como o que as florestas contribuem para as suas vidas e comunidades. Além disso, devemos permanecer alertas à ameaça constante do poder corporativo e às tácticas que as empresas utilizam – tais como subornar comunidades com subvenções e empréstimos – apenas para assumir o controle das suas terras e impedir o seu acesso às florestas. Ser capaz de tomar decisões informadas é fundamental para a nossa luta pela democracia, pelas florestas e pela biodiversidade.

Desmantelar a influência que o patriarcado tem nos processos de tomada de decisão relacionados com a gestão florestal e a conservação da biodiversidade exige resistir, mobilizar e transformar as atuais relações e estruturas de poder. Assim como criar processos de tomada de decisão inclusivos e participativos, que valorizem as contribuições das mulheres.

Lembremos que não há justiça ambiental sem justiça de gênero. Não há justiça de gênero sem mulheres!

 

Soberania Alimentar – Joolia Demigillo, Amigos da Terra Filipinas
Como o feminismo contribui na construção da Soberania Alimentar e como a democracia é defendida nessa perspectiva?

A Soberania Alimentar é uma aspiração a uma alternativa ao sistema atual, incapaz de alimentar a população com alimentos nutritivos, diversos e ecológicos. Baseia-se na consideração da alimentação como uma questão política que não deve ser separada dos contextos sociais, culturais e econômicos.

As mulheres em todo o mundo desempenham um papel muito importante na produção de alimentos, bem como na garantia de que estes estejam sempre disponíveis nas suas casas e comunidades. No entanto, a maioria, senão todas estas tarefas, não são reconhecidas, não são remuneradas ou são consideradas responsabilidades exclusivas das mulheres. Isto torna ainda mais difícil para as mulheres obterem oportunidades de participar em assuntos políticos.

É uma luta diária para as mulheres enfrentarem relações assimétricas de poder e a opressão de gênero – a nível pessoal e estrutural. As mulheres escolhem estar na linha da frente de muitas lutas pela democracia. Em todo o lado vemos a ascensão de governos autoritários que minam a democracia e impedem a realização do direito humano à alimentação adequada. A luta pela Soberania Alimentar é uma luta pela democracia e contra a opressão. Através da Soberania Alimentar, mulheres e pessoas de todos os gêneros podem expressar os seus direitos, a sua dignidade e aspirações.

Podemos viver o sonho da Soberania Alimentar quando este é deixado nas mãos dos povos, mulheres e jovens, para determinar que alimentos, como e onde são produzidos, distribuídos e consumidos. Portanto, isto requer uma mudança radical nos sistemas e estruturas da nossa sociedade.

O apelo à Soberania Alimentar é feminista porque quer transformar o sistema. É quando as mulheres e outras expressões de gênero são libertadas que podemos dizer que emancipamos a nossa sociedade da discriminação, da injustiça e da opressão.

 

Economia Feminista – Karina Morais, Marcha Mundial das Mulheres Brasil
Quais são as principais contribuições da economia feminista para as lutas em defesa da democracia?

A Economia Feminista é a nossa resposta objetiva ao sistema capitalista, neoliberal, racista e patriarcal, baseado na mercantilização da vida. O modelo econômico hegemônico baseia-se na separação entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo, o que historicamente criou a ideia de que o primeiro está ligado à esfera pública e o segundo à esfera privada. Trabalho produtivo é entendido como aquele que pode ser precificado e, portanto, gerar lucro. Já o trabalho reprodutivo envolve o trabalho doméstico e de cuidado, nas suas diversas dimensões. Isto inclui tarefas domésticas, cuidados com crianças, doentes e idosos, bem como apoio emocional aos familiares.

Essas atividades, por sua vez, são realizadas majoritariamente por mulheres, a partir da naturalização de uma construção social patriarcal. O que é visto como algo “natural” no universo feminino, até mesmo como expressão de “amor”, é na verdade um trabalho invisível, não remunerado, e que não é entendido como um componente da economia. Em outras palavras, exploração. Isso é o que chamamos de dia duplo e triplo das mulheres. Afinal, realizam atividades produtivas, mesmo que estejam em desvantagem no mercado de trabalho, e também realizam atividades de sustentabilidade da vida.

Esta transformação proposta pela Economia Feminista implica também a defesa da democracia, porque a lógica do modelo económico hegemónico é imposta através da violência e da desapropriação (expropriação), e é combinada com a opressão patriarcal e racista. A expressão do mercado livre que hoje domina a economia é profundamente antidemocrática. Mudar a economia para mudar a vida das mulheres é também um ato radical de defesa da democracia e da liberdade.

Neste sentido, desde a fundação da Marcha Mundial das Mulheres defendemos que não basta incluir as mulheres neste modelo econômico, em que o lucro está acima da vida e as vidas existem para gerar esse lucro. Precisamos romper com esse paradigma e propor um projeto político em que a sustentabilidade da vida esteja no centro da economia. Esta compreensão é central para as nossas formulações da Economia Feminista. É conceitual, mas faz parte da realidade prática da vida, principalmente quando observamos o conjunto de experiências alternativas que as mulheres construíram que vão na contramão ao modelo hegemônico, no campo e na cidade.

A Amigas da Terra Internacional manifesta solidariedade com o povo palestino e apoia a sua luta para acabar com a ocupação de Israel. Ao abordar a questão da democracia, é impossível celebrar o 8 de Março e o Dia Internacional dos Direitos da Mulher sem prestar homenagem à resistência passada, presente e contínua do povo palestino, especialmente das mulheres, que são os seus pilares. É imperativo reconhecer que a abordagem dos problemas ambientais não pode ser separada do reconhecimento do direito dos povos à soberania nacional na sua própria terra.

A Palestina é uma causa de direitos humanos e de justiça climática”, disseram Rasha Abu Dayyeh e Abeer Butmeh, membros do PENGON – Amigos da Terra Palestina, nesta entrevista publicada em dezembro de 2023.

Texto originalmente publicado no site da Amigas da Terra Internacional, em: https://www.foei.org/es/la-lucha-feminista-para-la-democracia/

 

As mudanças climáticas, os crimes corporativos e a injustiça ambiental

COP28 mantém a hipocrisia dos espaços multilaterais internacionais do clima. Enquanto Estados tentam redesenhar os Acordos de Paris, manipulando a contabilidade das reduções das emissões e a polêmica sobre o financiamento do clima, empresas transnacionais hegemonizam as discussões com as propostas de solução “verde”. Tais propostas envolvem investimentos do capital financeiro no uso de hidrogênio verde, em geração de energia eólica e solar e em eletrificação de carros, todas respostas pensadas nos termos de uma economia extrativa com impactos desproporcionais no Sul Global, aprofundando desigualdades e injustiças ambientais.

Enquanto isso, o Brasil acumula muitas contradições ao seguir mantendo sua subordinação às empresas transnacionais. Na própria COP 28, a tenda Brasil, organizada pelo governo, com o lema “Brasil unido em sua diversidade a caminho do futuro sustentável”, contava com painéis das empresas Vale S.A e Braskem, duas mineradoras responsáveis pelos maiores crimes socioambientais do país. Além delas, o Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas),  mecanismo promotor da responsabilidade social corporativa, teve seu espaço na tenda. O que corporações conhecidas nacionalmente pela violação aos direitos humanos e ambientais dos povos, e o instrumento corporativo de “lavagem verde e social” têm para construir e agregar à nossa nação?

A Vale S.A, BHP Billiton Brasil Ltda. e Samarco Mineração S.A são responsáveis pelos rompimentos das barragens de Fundão, na cidade de Mariana, e Córrego do Feijão, em Brumadinho, ambas no estado de Minas Gerais – afora outras diversas barragens de rejeitos em risco de rompimento no país. Por anos, a empresa vinha sendo alertada pelos órgãos de fiscalização da necessidade de reforço da segurança das minas. Inclusive, especialistas apontam para o risco do uso de determinadas tecnologias no manejo do rejeito. Nenhuma das políticas corporativas conseguiu conter a destruição. E vale ressaltar que, nesses oito anos do desastre de Fundão, as vítimas seguem buscando indenização. O que os casos revelam é a reprodução de uma arquitetura da impunidade corporativa.

No caso da Braskem, a história se repete. Desde os anos 80, a sociedade civil e pesquisadores da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) alertam para as consequências da expansão da extração de sal-gema em Maceió, em Alagoas. Por décadas, a empresa extrai sal-gema, transformando o subsolo da cidade em várias crateras. Moradores da região atingidos denunciam rachaduras nas casas, cuja responsabilidade a empresa negava. Em 2018, quando ocorreu o terremoto na cidade, bairros vieram abaixo. A mineradora iniciou sua atividade instalando em um santuário ecológico estuarino; não havia dúvidas de que a destruição ambiental começava ali.

Importante destacar que os setores corporativos do agronegócio, mineração, construção civil, imobiliário e de energia têm flexibilizado a legislação. Temos tido eventos climáticos extremos resultantes das alterações do clima em função dos impactos gerados pelas corporações nos últimos séculos.  A diferença entre os crimes de Brumadinho, Mariana, Maceió e das enchentes na região de Maquiné e do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul; em Teresópolis, no Rio de Janeiro; em Santa Catarina e em Minas Gerais é o tempo. Alguns  demoram centenas de anos para recuperar, ainda que parcialmente, a qualidade de vida das pessoas e a integridade dos ecossistemas e outras dezenas; o certo é a impunidade dessas empresas e a violação dos direitos dos povos, que estão no plano de negócios. Não é acidente, é parte do plano. Sabiam que aconteceria e que o lucro seria maior em não fazer nada do que investir em soluções reais. Assim, a impunidade segue do lado das corporações e dos Estados capturados.

Quanto ao tema da energia, no regresso da COP28, o governo brasileiro, via ANP (Agência Nacional do Petróleo), decidiu disponibilizar em leilão 603 blocos para exploração de petróleo e gás, em regiões que incluem a afetação à Amazônia brasileira. O leilão de poços irá permitir que mais empresas transnacionais venham ao país determinar os rumos de nosso desenvolvimento e reduzindo, também, a capacidade do Estado em construir, com participação popular, uma política necessária de transição energética justa para a classe trabalhadora, incluindo perspectivas da justiça ambiental e do feminismo popular. Ao invés disso, mais destruição e impactos anunciados, na contramão de um movimento de redução dos combustíveis fósseis, que foi a tônica desta COP depois de 28 conferências realizadas desde 1992.

Movimentos populares e organizações feministas têm denunciado o avanço dos aerogeradores para produção de energia eólica no Nordeste e sua relação com a violência de gênero. No polo da Borborema, na Paraíba, a instalação de parques eólicos têm alterado toda a dinâmica de produção camponesa. No litoral do Ceará, a instalação de eólicas em alto mar atrapalha a produção pesqueira, afetando pescadores e ribeirinhos. Evidenciando a contradição entre o uso de soluções tecnológicas e a sua aplicação concreta, que segue causando conflitos socioambientais.

Não podemos deixar de mencionar o papel do Congresso Nacional. O Senado Federal, como alavanca da modernização conservadora no país, aprovou, ao final de novembro, o PL 1459/2022, que flexibiliza, ainda mais, a liberação de agrotóxicos no país. Apesar dos inúmeros estudos científicos, posicionamento de Conselhos e órgãos de classe, como CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), que alertam para as perdas da biodiversidade e do risco de aumento das doenças, como câncer, relacionadas ao uso intensivo de agrotóxicos no país. O Congresso aprova, e a Presidência tem dificuldade de veto.

Nesse cenário, observamos que as soluções para a crise climática são pensadas pelos mesmos agentes causadores delas: as grandes corporações. A história ambiental nos revela como a intensificação da destruição ambiental está relacionada ao avanço da industrialização capitalista, na promoção de um desenvolvimento desigual. No qual, países do Norte Global saíram na frente na corrida imperialista, destruindo comunidades, territórios, escravizando populações e colonizando a natureza, cujos efeitos profundos são sentidos pelas atuais gerações. São os países do Norte Global e organismos multilaterais que promovem a atuação das empresas transnacionais, facilitando seu processo de acumulação por dependência.

Desse modo, qualquer solução pensada nos termos atuais das relações sociais internacionais, e de sua base, as relações sociais de produção capitalista, são mecanismos para seguir mantendo a ordem de destruição socioambiental.

Seguimos nos desencontrando, enquanto promovemos um discurso internacional avançado, e não sabemos transcender as políticas internas desenvolvimentistas apoiadas pela burguesia nacional. Dessa forma, terminamos fazendo um grande pacto de mediocridade, concedendo continuamente nossa soberania às corporações.

É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis

Na construção de um Brasil novo, que seja o país do seu povo, não um país sustentável, mas um país ecológico e com justiça ambiental, é preciso aprender com as nossas práticas cotidianas, povos do campo, águas e florestas e, também, com as periferias das cidades, para manter a terra viva, suas culturas e  biomas,  onde estão as soluções para a crise climática. É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis. São as Terras Indígenas demarcadas, convivendo com outras relações de produção da vida no território, assim como as terras quilombolas, os territórios de povos e comunidades tradicionais.

A nossa história não permite aceitarmos que as corporações sejam soluções, um mundo dirigido pelo crescente poder corporativo que só tem nos levado às múltiplas  crises e aos desastres socioecológicos. Precisamos, com urgência, responsabilizar as corporações pelos seus crimes corporativos. São 37 anos de impunidade do empreendimento de sal-gema em Maceió; são séculos de impunidade das mineradoras e das grandes plantações transnacionais no solo brasileiro. Em face disso, a responsabilização das empresas e a regulação estatal do setor é fundamental. Por isso, a proposta do PL n.º 572/2022 deverá ser uma pauta prioritária dos povos para 2024.

Um Brasil livre e soberano, construindo um projeto político de libertação para si e para os povos da América Latina e Caribe, é a nossa urgência. Chega de falsas soluções! Chega de impunidade corporativa.

Coluna originalmente publicada no Jornal Brasil de Fato, em 21 de dezembro de 2022, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/12/21/as-mudancas-climaticas-os-crimes-corporativos-e-a-injustica-ambiental 

Distrações perigosas e financiamento insuficiente prejudicam os resultados da COP28

O resultado da COP28 (Conferência das Partes do Clima da ONU), que aconteceu em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, não passou nos principais testes sobre a eliminação rápida, justa, financiada e completa dos combustíveis fósseis que o mundo agora precisa para evitar uma catástrofe climática. Embora as delegações oficiais aplaudam o “Consenso dos Emirados Árabes Unidos” alcançado na 28ª Cúpula Climática da ONU (Organização das Nações Unidas), a Federação Amigos da Terra Internacional (FoEI) está alarmada com as enormes lacunas incluídas nesse consenso, que só servem para prolongar a era dos combustíveis fósseis.

“O acordo da COP28 ficou aquém dos compromissos significativos sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e do financiamento climático urgentemente necessário. O acordo abre as portas para distrações perigosas – como captura, uso e armazenamento de carbono, hidrogênio, energia nuclear, tecnologias de remoção de carbono por geoengenharia e outras engenhocas que mercantilizam a natureza – que impedirão uma transição energética justa e equitativa. E não há nada que impeça que centenas de milhões de toneladas de carbono registradas como créditos de carbono ou compensações sejam contabilizadas como ‘reduções de emissões não contabilizadas'”, explicou Sara Shaw, da ATI (Amigos da Terra Internacional).

O resultado é fraco em termos de equidade, pois não faz uma distinção adequada entre o papel dos países desenvolvidos e em desenvolvimento na transição para longe dos combustíveis fósseis, apesar de suas responsabilidades históricas diferenciadas pelas emissões. Ele inclui uma meta global de energia renovável, mas não o dinheiro para torná-la realidade.

“Países ricos como os EUA (Estados Unidos), o Reino Unido e a UE (União Europeia) comemoraram com alegria a linguagem sobre a transição para o abandono dos combustíveis fósseis. Mas não nos esqueçamos de que eles estão entre os maiores poluidores históricos, todos com enormes planos de expansão de combustíveis fósseis, o que expõe sua postura jubilosa como claramente calculada e hipócrita. Eles também não forneceram o financiamento climático devido e necessário para as reduções de emissões, adaptação e perdas e danos nos países em desenvolvimento, seja nesta cúpula ou nas décadas anteriores. É inaceitável que agora eles estejam se apresentando como campeões do clima”, continuou Shaw.

O estabelecimento do mercado global de carbono foi adiado para o próximo ano, após o colapso das negociações do mercado de carbono (nos termos do Artigo 6 do Acordo de Paris) na COP28. Essa é uma vitória para os movimentos de justiça climática que lutam para impedir a inundação de certificados de compensação de carbono, prejudiciais e sem valor, que ocorrerá quando esse mercado entrar em operação.

O fundo de perdas e danos foi lançado no início da COP28, mas ainda há grandes dúvidas sobre sua acessibilidade, uma vez que ele será hospedado pelo Banco Mundial. As contribuições prometidas em Dubai estão muito aquém do necessário: apenas US$ 700 milhões, quando, por exemplo, estima-se que as inundações devastadoras de 2022 no Paquistão tenham causado danos entre US$ 30 a US$ 40 bilhões (1).

“Como esperado, vimos os países mais ricos se esquivarem de suas obrigações nesta COP. Sem dinheiro e sem meios de implementação, os lugares mais afetados pelas mudanças climáticas ficam com as mãos e promessas vazias. Precisamos de trilhões de dólares e recebemos migalhas, além de mais dívidas”, alertou Bareesh Chowdhury, da Associação de Advogados Ambientais de Bangladesh (BELA – Amigos da Terra/AT Bangladesh).

Mais de 2.400 representantes de grupos de lobby de combustíveis fósseis estiveram presentes na cúpula (2), que se caracterizou pela forte repressão às vozes dos povos, tanto na UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) quanto no contexto nacional (3).

“Enquanto a COP28 estendia o tapete vermelho para as grandes empresas, os apelos dos ativistas por resultados justos para povos e comunidades eram censurados. Não pode haver justiça climática sem respeito aos direitos humanos, e não seremos silenciados enquanto continuar a chover bombas em Gaza e a Palestina prosseguir ocupada; enquanto as grandes empresas esmagarem os territórios indígenas e os detentores do poder considerarem descartáveis os povos e as pessoas que estão na linha de frente dos impactos da crise climática”, disse Lise Masson, da Campanha Internacional pela Justiça Climática da FoEI.

Referências:

(1) Números do Conselho de Mudança Climática do Paquistão. Veja o artigo: https://www.bloomberg.com/news/articles/2022-10-19/flood-losses-now-estimated-at-40-billion-pakistan-officals-say 

(2) Números da coalizão Kick Big Polluters Out. Veja o comunicado à imprensa: https://kickbigpollutersout.org/articles/release-record-number-fossil-fuel-lobbyists-attend-cop28 

(3) Enquanto a atenção do mundo estava voltada para a COP28, o país anfitrião reprimiu os dissidentes. Veja o artigo: https://www.ft.com/content/f9249386-fb39-4786-b43d-f27933475b87

 

 

CLIQUE NOS LINKS ABAIXO PARA ACESSAR A COBERTURA SOBRE A COP28:

A COP28 deveria proporcionar uma ação climática justa e equitativa, não falsas soluções, alerta a Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi)

A segunda semana da COP28 começou com fortes bloqueios aos princípios da justiça climática e um texto aberto às falsas soluções

A causa Palestina é também de direitos humanos e justiça climática

 

Acordo Mercosul – União Europeia perde o bonde para a história: uma vitória para os povos e para a justiça ambiental

 

7 de dezembro, Rio de Janeiro, Brasil – Após mais de 20 anos de sua proposição, o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia não conseguiu chegar à 63ª edição da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul com uma conclusão das complexas tentativas de renegociação. Com um novo presidente argentino de extrema-direita eleito e com as eleições da União Europeia no próximo ano, agora é a hora de abandonar de vez com esse acordo comercial fracassado e ultrapassado.

Organizações membros da Federação Amigos da Terra Internacional na América Latina e na Europa se opõem ao acordo comercial UE-Mercosul porque ele transferiria enormes poderes para as corporações transnacionais e minaria os direitos fundamentais das pessoas ao trabalho, à alimentação, a um meio ambiente saudável e a um clima seguro.

Segundo Maria Fernanda Lopez, de Tierra Nativa – Amigos da Terra Argentina, “O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, é caracterizado como defensor do neoliberalismo e declara abertamente posições que afetam negativamente o meio ambiente e os direitos humanos. Sua posição discursiva integracionista é semelhante ao que observamos no passado com o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Se a União Europeia interrompeu o Acordo UE-Mercosul por causa das políticas anti-ambientais de Jair Bolsonaro, agora com Milei deve abandonar definitivamente as negociações desse acordo neocolonial”.

O acordo exige obrigações de liberalização em uma ampla gama de áreas, incluindo serviços, compras governamentais e propriedade intelectual. Esses compromissos restringem o direito dos governos de regular nos países do Mercosul, colocam os serviços públicos em risco de serem privatizados e minam a possibilidade de avanços em soluções reais para construir sociedades sustentáveis.

Para Lúcia Ortiz, da Amigas da Terra Brasil: “É uma grande vitória para as organizações e movimentos sociais do Mercosul que as tentativas complexas de renegociar o acordo comercial com a União Europeia não tenham sido concluídas este ano. Como organização latinoamericana e integrante de uma frente brasileira que rechaça esse tipo de acordo neoliberal e neocolonial, celebramos também o retorno dos processos regionais de integração dos povos e de participação social. Assim mesmo, continuamos aguardando o anúncio oficial do abandono definitivo desse acordo, cujas bases obsoletas e assimétricas não podem ser remendadas. É hora de dar lugar a outras relações birregionais, baseadas nos princípios da democracia, da cooperação, da complementaridade, da solidariedade e da soberania dos povos”.

Segundo Julie Zalcman, de Amigos da Terra Europa, “O acordo UE-Mercosul está podre até a medula. Nenhum documento adicional de sustentabilidade pode evitar os efeitos desastrosos que ele teria sobre o clima, as pessoas e a natureza, caso seja ratificado. Isso apenas Impulsionaria o uso de pesticidas tóxicos e os lucros corporativos, aumentaria as emissões de carbono e o desmatamento às custas do meio ambiente e das comunidades locais e perpetuaria o poder corporativo do agronegócio. À medida que a COP28 se desenrola, os líderes devem priorizar nosso planeta e nossas vidas em detrimento dos lucros e pôr um fim definitivo a essas políticas comerciais destruidoras do clima.”

Amigas da Terra Brasil

Declaração das organizações populares é apresentada na Cúpula Social do Mercosul

Na manhã desta terça-feira (5/12), movimentos sociais e organizações populares leram a “Declaração das organizações populares na Cúpula Social do Mercosul”, durante encontro ocorrido no Rio de Janeiro, Brasil.

O texto inclui a posição histórica das organizações Amigas da Terra Brasil (ATBr), REDES (Red de Ecología Social) – Amigos da Terra Uruguai, Terra Nativa Amigos da Terra Argentina e Sobrevivencia Amigos da Terra Paraguai, que rejeitam os TLC (Tratados Livre Comércio) em defesa da integração dos povos, da soberania, da democracia e da participação social.


O espaço de debates presenciais da Cúpula Social foi retomado após sete anos de abandono, com uma clara defesa da integração regional e da participação social como caminho para a construção de políticas públicas regionais para os povos.

A Cúpula Social foi um momento chave para reiterar a rejeição contundente das organizações e movimentos sociais ao ACL #UEMERCOSUL , uma vez que significaria o aprofundamento de um modelo produtivo extrativista, colonial e racista, insustentável para o ambiente e para as pessoas.

Acesse a Declaração dos Movimentos Sociais na Cúpula Social do Mercosul e saiba mais 

 

Assembleia Geral Bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi) reforça solidariedade com a Palestina e articulação regional

A Amigas da Terra Brasil esteve, em novembro, em Nova Orleans, nos Estados Unidos (EUA), participando da assembleia geral bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi). Compareceram nossa conselheira Lucia Ortiz, que é membra do Comitê Executivo da FoEi, e a presidenta Letícia Paranhos, também coordenadora internacional do programa Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo (JERN) da federação.

Na assembleia, organizações ambientalistas de base de todo o mundo que integram a Federação Amigos da Terra debateram o plano quinquenal da organização, estabelecido de forma democrática para o período 2021-2026, e avaliaram sua caminhada em direção ao cumprimento dos seus 3 objetivos principais: organizar e mobilizar para construir o poder popular e a soberania dos povos; contribuir no desmantelamento de todas as formas de exploração e de opressão e o poder corporativo das empresas transnacionais; assegurar mudanças urgentes necessárias para abordar as crises sistêmicas desde uma perspectiva de justiça (ambiental, social, de gênero e econômica).



Dentre tantos compromissos firmados pela assembleia, está o de seguir em solidariedade com a Palestina. Nós do Brasil, saímos comprometidas, entendendo ainda mais a importância latino-americana nessa solidariedade, pois os companheiros da Palestina contam com a gente. Temos capacidade de fortalecer a Campanha BDS, que é um movimento não violento da sociedade civil palestina que pede Boicote, Desinvestimento e Sanções às empresas transacionais vinculadas ao Estado de Israel e seu projeto colonial, imperialista e genocida do povo palestino. Esse sistema que oprime os trabalhadores e os povos da periferia dos países do Sul é o mesmo que permite o apartheid e a destruição do ambiente e das possibilidades de sustentação da vida na região; que possibilita os ataques e a violência de Israel contra os palestinos, com grandes empresas que atuam em nossos países exportando armas de guerra, tecnologias de vigilância, técnicas de privatização e controle de águas e as bases ideológicas para a manutenção de um estado de guerra, com apoio das grandes potências do Norte global. Queremos e lutaremos pela liberdade do povo e da terra palestina!

As organizações do nosso continente também fortaleceram a articulação regional, a ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe). Realizamos uma bonita homenagem à Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) no Brasil e integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF), falecida neste ano. A atuação feminista da Nalu foi determinante a todas as organizações e movimentos sociais latino-americamos. Reforçamos o compromisso de seguir a marcha de Nalu, desmantelando o patriarcado e todas as formas de opressão!


#nalufariapresente #FoEi #ATBr  

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