Site da Amigas da Terra Brasil, organização ambiental anticapitalista, em defesa da soberania e dos direitos coletivos dos povos
Categoria: Justiça econômica e resistência ao neoliberalismo
Comércio e investimentos, desenvolvimento de fundos financeiros e pressão das corporações são as causas do atual modelo econômico. Este modelo se baseia na crença de que o crescimento econômico e das exportações fará desse mundo um lugar melhor. No entanto, enquanto isso tem sido muito benéfico para as grandes corporações, o modelo exclui e prejudica os mais pobre, além de fazer quase nada para proteger o meio ambiente. O Amigos da Terra se opõe a influência das grandes corporações nas políticas públicas. Questionamos e enfrentamos as políticas neoliberais e de comércio que não levam em consideração as necessidades do povo. Nossas campanhas apontam propostas alternativas de economia de uma forma construtiva, dinâmica e criativa
7 de dezembro, Rio de Janeiro, Brasil – Após mais de 20 anos de sua proposição, o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia não conseguiu chegar à 63ª edição da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul com uma conclusão das complexas tentativas de renegociação. Com um novo presidente argentino de extrema-direita eleito e com as eleições da União Europeia no próximo ano, agora é a hora de abandonar de vez com esse acordo comercial fracassado e ultrapassado.
Organizações membros da Federação Amigos da Terra Internacional na América Latina e na Europa se opõem ao acordo comercial UE-Mercosul porque ele transferiria enormes poderes para as corporações transnacionais e minaria os direitos fundamentais das pessoas ao trabalho, à alimentação, a um meio ambiente saudável e a um clima seguro.
Segundo Maria Fernanda Lopez, de Tierra Nativa – Amigos da Terra Argentina, “O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, é caracterizado como defensor do neoliberalismo e declara abertamente posições que afetam negativamente o meio ambiente e os direitos humanos. Sua posição discursiva integracionista é semelhante ao que observamos no passado com o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Se a União Europeia interrompeu o Acordo UE-Mercosul por causa das políticas anti-ambientais de Jair Bolsonaro, agora com Milei deve abandonar definitivamente as negociações desse acordo neocolonial”.
O acordo exige obrigações de liberalização em uma ampla gama de áreas, incluindo serviços, compras governamentais e propriedade intelectual. Esses compromissos restringem o direito dos governos de regular nos países do Mercosul, colocam os serviços públicos em risco de serem privatizados e minam a possibilidade de avanços em soluções reais para construir sociedades sustentáveis.
Para Lúcia Ortiz, da Amigas da Terra Brasil: “É uma grande vitória para as organizações e movimentos sociais do Mercosul que as tentativas complexas de renegociar o acordo comercial com a União Europeia não tenham sido concluídas este ano. Como organização latinoamericana e integrante de uma frente brasileira que rechaça esse tipo de acordo neoliberal e neocolonial, celebramos também o retorno dos processos regionais de integração dos povos e de participação social. Assim mesmo, continuamos aguardando o anúncio oficial do abandono definitivo desse acordo, cujas bases obsoletas e assimétricas não podem ser remendadas. É hora de dar lugar a outras relações birregionais, baseadas nos princípios da democracia, da cooperação, da complementaridade, da solidariedade e da soberania dos povos”.
Segundo Julie Zalcman, de Amigos da Terra Europa, “O acordo UE-Mercosul está podre até a medula. Nenhum documento adicional de sustentabilidade pode evitar os efeitos desastrosos que ele teria sobre o clima, as pessoas e a natureza, caso seja ratificado. Isso apenas Impulsionaria o uso de pesticidas tóxicos e os lucros corporativos, aumentaria as emissões de carbono e o desmatamento às custas do meio ambiente e das comunidades locais e perpetuaria o poder corporativo do agronegócio. À medida que a COP28 se desenrola, os líderes devem priorizar nosso planeta e nossas vidas em detrimento dos lucros e pôr um fim definitivo a essas políticas comerciais destruidoras do clima.”
Na manhã desta terça-feira (5/12), movimentos sociais e organizações populares leram a “Declaração das organizações populares na Cúpula Social do Mercosul”, durante encontro ocorrido no Rio de Janeiro, Brasil.
O espaço de debates presenciais da Cúpula Social foi retomado após sete anos de abandono, com uma clara defesa da integração regional e da participação social como caminho para a construção de políticas públicas regionais para os povos.
A Cúpula Social foi um momento chave para reiterar a rejeição contundente das organizações e movimentos sociais ao ACL #UEMERCOSUL , uma vez que significaria o aprofundamento de um modelo produtivo extrativista, colonial e racista, insustentável para o ambiente e para as pessoas.
A Amigas da Terra Brasil esteve, em novembro, em Nova Orleans, nos Estados Unidos (EUA), participando da assembleia geral bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi). Compareceram nossa conselheira Lucia Ortiz, que é membra do Comitê Executivo da FoEi, e a presidenta Letícia Paranhos, também coordenadora internacional do programa Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo (JERN) da federação.
Na assembleia, organizações ambientalistas de base de todo o mundo que integram a Federação Amigos da Terra debateram o plano quinquenal da organização, estabelecido de forma democrática para o período 2021-2026, e avaliaram sua caminhada em direção ao cumprimento dos seus 3 objetivos principais: organizar e mobilizar para construir o poder popular e a soberania dos povos; contribuir no desmantelamento de todas as formas de exploração e de opressão e o poder corporativo das empresas transnacionais; assegurar mudanças urgentes necessárias para abordar as crises sistêmicas desde uma perspectiva de justiça (ambiental, social, de gênero e econômica).
Dentre tantos compromissos firmados pela assembleia, está o de seguir em solidariedade com a Palestina. Nós do Brasil, saímos comprometidas, entendendo ainda mais a importância latino-americana nessa solidariedade, pois os companheiros da Palestina contam com a gente. Temos capacidade de fortalecer a Campanha BDS, que é um movimento não violento da sociedade civil palestina que pede Boicote, Desinvestimento e Sanções às empresas transacionais vinculadas ao Estado de Israel e seu projeto colonial, imperialista e genocida do povo palestino. Esse sistema que oprime os trabalhadores e os povos da periferia dos países do Sul é o mesmo que permite o apartheid e a destruição do ambiente e das possibilidades de sustentação da vida na região; que possibilita os ataques e a violência de Israel contra os palestinos, com grandes empresas que atuam em nossos países exportando armas de guerra, tecnologias de vigilância, técnicas de privatização e controle de águas e as bases ideológicas para a manutenção de um estado de guerra, com apoio das grandes potências do Norte global. Queremos e lutaremos pela liberdade do povo e da terra palestina!
As organizações do nosso continente também fortaleceram a articulação regional, a ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe). Realizamos uma bonita homenagem à Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) no Brasil e integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF), falecida neste ano. A atuação feminista da Nalu foi determinante a todas as organizações e movimentos sociais latino-americamos. Reforçamos o compromisso de seguir a marcha de Nalu, desmantelando o patriarcado e todas as formas de opressão!
Declaração da Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade
Novembro de 2023
A 9ª sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta (OEIGWG, por sua sigla em inglês) para elaborar um Tratado Vinculante da ONU sobre Empresas Transnacionais (ETNs) e outras empresas de caráter transnacional com relação aos direitos humanos foi realizada em Genebra de 23 a 27 de outubro de 2023. Essa rodada de negociações representou um marco importante na luta contra a impunidade das ETNs por violações dos direitos humanos e do meio ambiente e foi concluída com uma mensagem clara: movimentos sociais, sindicatos, povos indígenas, comunidades afetadas e organizações da sociedade civil, juntamente com muitos estados do Sul Global, estão comprometidos em proteger esse processo dos interesses daqueles que insistem em colocar os lucros das empresas acima dos direitos dos povos e do planeta.
Como todos os anos, a Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade (Campanha Global) organizou uma semana de mobilizações com atividades dentro e fora do prédio da ONU (veja a agenda abaixo). Com uma delegação de 73 pessoas vindas da Ásia, África, América Latina, Estados Unidos e Europa, os membros da Campanha Global participaram de sessões, organizaram eventos dentro da ONU, uma exposição de fotos e manifestações, comprometidos com a elaboração de um ambicioso Tratado Vinculante que reflita as necessidades e os interesses dos povos afetados pelas violações das ETNs.
Um novo bloco de países do Sul Global enfrenta a Presidência
A abertura da semana de negociações começou de forma combativa: por mais de quatro horas, um grupo de países do Sul Global rejeitou a tentativa da presidência de impor um texto ilegítimo como base para as negociações. Conforme destacado pelo Grupo Africano, que representa os 54 Estados africanos, a minuta atualizada do tratado emitida em julho de 2023 pelo Presidente do OEIGWG, o Embaixador do Equador, foi construída de forma não transparente e não inclusiva, adicionando e/ou excluindo elementos e disposições sem critérios ou argumentos claros. Por esses motivos, o Grupo Africano exigiu que a minuta atualizada fosse retirada da mesa e que a terceira minuta revisada anterior fosse retomada como base para as negociações. Além disso, conforme consistentemente contestado por países latino-americanos, como Cuba, Honduras, Venezuela, Colômbia e Bolívia, e estados asiáticos, como Paquistão e Indonésia, juntamente com o Grupo Africano, o novo rascunho proposto pelo presidente procurou impor ao Grupo de Trabalho um escopo de aplicação do Tratado Vinculante fundamentalmente diferente daquele determinado pela Resolução 26/9, o documento que estabelece o OEIGWG que rege esse processo desde 2014. Essa Resolução define que o escopo de aplicação desse Tratado deve se concentrar nas ETNs e em outras empresas de caráter transnacional.
A maior parte do Sul Global falou em alto e bom som: esse processo foi iniciado com o objetivo de preencher a lacuna na legislação internacional que permite que as empresas transnacionais violem os direitos humanos e ambientais com impunidade. A expansão do escopo do Tratado para regular “todas as empresas”, conforme proposto pelo presidente e defendido abertamente pelos estados do Norte Global e pelos representantes do setor corporativo, contradiz a intenção original do processo. Com base nessa proposta, o Tratado estabeleceria disposições comuns para regulamentar empresas com estruturas e atividades muito diferentes, o que não seria apenas injusto, mas também tornaria a implementação complexa e ineficaz.
As negociações sobre o texto avançam, fortalecendo a Resolução 26/9
No final, o Presidente conseguiu rejeitar a solicitação do Grupo Africano de voltar à minuta anterior; no entanto, a pressão dos Estados do Sul Global prevaleceu para, pelo menos, usar a minuta atualizada em sua versão com acompanhamento de alterações (que inclui os elementos que foram arbitrariamente removidos da versão do Presidente). Muitos estados do Sul Global, juntamente com as organizações e movimentos da Campanha Global, continuaram a denunciar essas manobras e a questionar as intenções por trás delas.
Apesar desse primeiro dia agitado, as negociações do rascunho revisado começaram com uma participação forte e construtiva, sem precedentes, de Estados comprometidos com o mandato da Resolução 26/9, tanto em número quanto em qualidade das intervenções. Graças a essa participação, disposições importantes foram reintroduzidas no texto da negociação, tais como: obrigações diretas para as empresas transnacionais; a primazia dos direitos humanos sobre os acordos de livre comércio e investimento; a importância de reconhecer e incluir o conceito de comunidades afetadas; a importância de estabelecer que as empresas transnacionais não apenas abusam dos direitos humanos, mas também os violam; e a necessidade de fortalecer as disposições para estabelecer a responsabilidade da empresa matriz ao longo das cadeias de valor e produção.
Durante os intensos dias de negociações que ocorreram nos últimos dias de outubro, esses Estados adotaram uma linha dura e se mantiveram firmes, se apropriando legitimamente de um processo do qual fazem parte e defendendo firmemente a Resolução 26/9.
Uma nova tentativa de golpe
Antes do final da semana de negociações, o presidente do Grupo de Trabalho colocou na mesa uma proposta que parecia uma manobra maliciosa: como conclusão da semana, ele propôs que o OEIGWG solicitasse uma nova resolução ao Conselho de Direitos Humanos com o objetivo de renegociar o mandato do processo, argumentando que havia falta de consenso e de recursos financeiros. Essa foi uma manobra com o único objetivo de inviabilizar o processo do Tratado Vinculante (vale a pena observar que, em julho de 2023, durante uma consulta do Grupo Ocidental, foi discutida uma proposta para “esclarecer” o mandato do OEIGWG por meio de uma nova resolução). A nova resolução proposta foi recebida primeiro com surpresa e depois com rejeição total pelos Estados presentes na sala, com exceção dos representantes dos Estados Unidos e da União Europeia. Graças a essa rejeição categórica de vários Estados, a proposta não foi aprovada.
O compromisso ativo do bloco de países do Sul Global, movimentos sociais, comunidades afetadas, povos indígenas, sindicatos e organizações da sociedade civil com o processo estabelecido pela Resolução 26/9 e com os direitos dos povos e do planeta pôs fim a essa tentativa de golpe do Presidente. A suposta “falta de consenso” que ele usou para justificar a necessidade de uma nova Resolução simplesmente não corresponde à realidade: mais de 60 Estados se manifestaram em uníssono sobre a clareza do escopo da Resolução 26/9, com foco nas ETNs e em outras empresas de caráter transnacional.
Após intensa negociação entre os Estados na manhã de sexta-feira, as conclusões oficiais da semana foram uma vitória retumbante para os defensores desse processo histórico. Não apenas a proposta de uma nova resolução, que durou pouco tempo, foi abandonada, como também foi reafirmada a importância de continuar as negociações de acordo com os objetivos e as disposições estabelecidos na Resolução 26/9. Além disso, os Estados concordaram com a importância de encontrar novos recursos financeiros para avançar nas negociações, inclusive por meio de consultas inter-sessões transparentes em que todos os Estados discutam e concordem democraticamente sobre como continuar o trabalho no Tratado. Pedimos que o Grupo de Trabalho se afaste dos debates e discussões informados por “especialistas”, dos quais já estamos fartos. Em vez disso, acreditamos que as vozes e experiências das pessoas e comunidades afetadas pelas violações das TNCs devem ser ouvidas e priorizadas, e que elas são os verdadeiros especialistas.
E agora?
Muitos desafios estão por vir. Sabemos que um Tratado Vinculante forte e eficaz mudará o desequilíbrio de poder predominante que permite que alguns lucrem com a desapropriação e a morte de outros. A rejeição inequívoca de uma nova resolução foi uma vitória retumbante para os estados do Sul Global e para a Campanha Global, e um verdadeiro desafio para as potências que buscam minar o Tratado e que não ficarão paradas diante desse resultado das negociações.
Essas tentativas constantes de boicotar e corroer o Tratado são a prova de que as ETNs e seus agentes usarão todas as suas forças para tentar impedir que esse processo avance. O setor corporativo, os Estados Unidos (que nunca ratificam tratados de direitos humanos) e a União Europeia (que ainda não tem mandato para negociar esse tratado) estão totalmente empenhados em destruir, ou pelo menos diluir, o processo. Outros países do Norte Global (Suíça, Israel, Japão, Austrália, Canadá), bem como alguns países do Sul Global subjugados aos interesses corporativos e imperiais do Norte, estão seguindo o mesmo caminho. A batalha por um Tratado Vinculante digno desse nome será, portanto, intensa.
Essas constantes tentativas de boicotar e corroer o Tratado são a prova de que as ETNs e seus agentes usarão todas as suas forças para tentar impedir que esse processo avance. O setor corporativo, os Estados Unidos (que nunca ratificam tratados de direitos humanos) e a União Europeia (que ainda não tem mandato para negociar esse Tratado) estão totalmente comprometidos em destruir, ou pelo menos diluir, o processo. Outros países do Norte Global (Suíça, Israel, Japão, Austrália, Canadá), bem como alguns países do Sul Global subjugados aos interesses corporativos e imperiais do Norte, estão seguindo o mesmo caminho. A batalha por um Tratado Vinculante digno desse nome será, portanto, intrincada e não isenta de armadilhas e obstáculos.
Olhando para o futuro, a Campanha Global continua totalmente comprometida com o Tratado Vinculante, unindo as necessidades e aspirações dos movimentos, sindicatos e comunidades afetadas com a redação jurídica de um Tratado capaz de mudar o mundo como o conhecemos. Fazemos eco aos apelos dos Estados do Sul Global por transparência e por uma metodologia clara capaz de gerar consenso para as negociações, e não de impor caprichos.
Por fim, denunciamos a crescente securitização do espaço da ONU. De um fórum que supostamente busca proteger e promover os direitos humanos, ele se tornou, na prática, um espaço que criminaliza expressões de solidariedade e dissidência e exacerba vulnerabilidades. Agora é um espaço que ironicamente ignora as múltiplas estratégias que aqueles de nós que defendem os direitos humanos têm o direito de utilizar. As tentativas de silenciar o apoio à Palestina foram frequentes durante toda a semana, apesar do genocídio que se desenrola diante de nossos olhos.
A manifestação em frente à Broken Chairna segunda-feira, 23 de outubro, co-organizada pela Campanha Global, mostrou que o poder do povo pode ressoar na sala de negociações. Ela mostrou que não se pode brincar com a Resolução 26/9. Como Paula Goes, do Movimento dos Atingidos por Barragens do Brasil, declarou em nome da Campanha Global:
“A Resolução 26/9 é uma vitória histórica, resultado de anos de luta de milhões de pessoas cujos direitos humanos são sistematicamente violados por corporações transnacionais. Esse processo é, portanto, um mandato para aqueles que foram assassinados em Marikana por terem feito greve para exigir melhores condições de trabalho na Lonmin; para as crianças indígenas que estão morrendo de câncer no Equador por causa dos vazamentos de petróleo da Chevron; para as trabalhadoras assassinadas em Rana Plaza e para os milhões de pessoas atualmente presas em Gaza e submetidas a um genocídio diretamente auxiliado e incentivado por empresas transnacionais”.
As memórias dos nossos povos exigem responsabilidade e justiça para as violações dos direitos humanos cometidas pelas empresas e, graças aos esforços de muitos Estados, da Campanha Global e de seus aliados, essa possibilidade continua em nossas mãos. Ao marcarmos uma década dessa luta no próximo ano, estaremos marchando mais fortes e mais comprometidos do que nunca.
Atividades da Semana de Mobilizações 2023:
Segunda-feira, 23 de outubro
Evento paralelo: “Como o Tratado Vinculante pode apoiar o trabalho parlamentar para defender os Povos e o Planeta contra as violações das ETNs?”
Foz do Iguaçu, de 22 a 24 de fevereiro. Na Tríplice Fronteira Brasil, Argentina e Paraguai. A Amigas da Terra Brasil estará presente, acompanhe mais informações pelas nossas redes!
Em tempos de crise, profunda desigualdade e crescente pobreza, em tempos em que, apesar de tudo, continuamos lutando por um futuro de justiça e bem-estar, chamamos a todos e todas para se encontrarem nesta Jornada, unidos em defesa da integração e da soberania de nossa região.
A Jornada Latino-Americana e Caribenha será um espaço que permitirá dar continuidade ao caminho da construção de unidade social e política dos povos da América Latina e do Caribe, reafirmando a importância da integração construída a partir das lutas, tradições, culturas e dinâmicas vivenciadas por nossos povos nos processos de unidade social e política da região.
Reafirmando a defesa da democracia, soberania, direitos dos povos, anti-imperialismo, anticolonialismo, respeito à diversidade, antirracismo, feminismo popular e a luta pela paz como guias para a ação, conteúdo e definições da Jornada.
Será promovido um diálogo entre movimentos, representantes dos governos e líderes políticos para estabelecer uma agenda mínima consensual sobre as principais demandas e propostas para a integração de povos e governos.
A Jornada Latino-Americana e Caribenha será um momento na dinâmica de unidade das organizações do campo popular, mobilização, atualização de nossas visões sobre a conjuntura e os principais consensos estratégicos que permitirão traçar um plano de grandes lutas e tarefas a médio e longo prazo.
Serão três dias de muitos debates, estudos, lutas, arte, solidariedade dos povos, intercâmbio e celebração.
Nesse sentido, o programa está sendo organizado com plenárias e conferências centrais com uma leitura coletiva do contexto atual.
Pretendemos debater os desafios e propostas dos povos para a construção da integração latino-americana e caribenha.
Vamos trabalhar em mesas temáticas para aprofundar o debate a partir dos desafios, mas também dos avanços que alcançamos como povos na integração, considerando temas como democracia, soberania e integração; direitos para unir nossos povos; trabalho digno como centro do desenvolvimento sustentável e justiça ambiental.
Um destaque especial será dado ao espaço em que reafirmaremos nosso caráter anti-imperialista e toda nossa solidariedade ao povo cubano. Também teremos um momento de encontro com presidentes e líderes políticos do continente. Representantes de partidos políticos e parlamentares do campo popular também estarão presentes.
A cultura será um eixo que atravessará toda a Jornada Latino-Americana e Caribenha, com momentos dedicados à riqueza da luta e resistência de nossos povos.
Quem Convoca:
Articulações de movimentos populares, camponeses, sindicais, estudantis, feministas, ambientalistas, povos indígenas, afrodescendentes, jovens, defensores dos direitos humanos, acadêmicos e intelectuais que concordam com os princípios orientadores do processo. A Jornada conta com o respaldo político do presidente Lula da Silva e do ex-presidente José “Pepe” Mujica.
Comissão de Organização:
Confederação Sindical de Trabalhadoras/es das Américas (CSA); ALBA Movimentos; Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); CUT Brasil; Marcha Mundial das Mulheres; Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo; Organização Continental Latino-americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE); Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) e a Assembleia Internacional dos Povos (AIP).
De 23 a 27 de Outubro, ocorreu a 9ª Sessão de Negociações por um Tratado juridicamente vinculante em matéria de Direitos Humanos e Empresas Transnacionais na ONU (Organização das Nações Unidas), em Genebra (Suíça ). Letícia Paranhos, presidenta da Amigas da Terra Brasil, esteve presente como Federação Amigos da Terra Internacional (FoEI) e como Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade (Campanha Global). No vídeo abaixo, você confere o relato de Letícia sobre esta rodada de negociação por um #TratadoVinculante: um instrumento que regula as atividades das empresas transnacionais e deve garantir #DireitosParaOsPovos e #RegrasParaAsEmpresas.
Neste ano, a sessão começou marcada por postura antidemocrática e arbitrária do presidente do Grupo de Trabalho, o Equador. Ao propor um texto esvaziado, o presidente tentou retroceder com a garantia de direitos humanos, alterando pontos do texto defendidos pela Campanha e criando brechas jurídicas que beneficiam as transnacionais com impunidade, para que sigam lucrando com uma série de violações de direitos. Como é o caso da empresa Vale em Brumadinho e Mariana (MG); da Braskem, que afundou bairros inteiros em Maceió (AL); ou de casos internacionais como o do desabamento da Rana Plaza, com a morte de mais de mil trabalhadores do setor têxtil em Savar, Bangladesh.
A proposta de texto apresentada pelo Equador foi barrada pelo bloco de países do Sul Global (especialmente o bloco africano, com mais de 50 nações), pela Campanha Global e por movimentos sociais organizados que estavam em Genebra. O país-presidente, mesmo sem apoio, seguiu as negociações com o seu próprio texto, de forma antidemocrática. No dia anterior ao encerramento das negociações, propôs ainda acabar com a resolução 26/9, no intuito de iniciar uma nova resolução, que alterava o alcance do tratado. “A nossa proposta coloca as empresas de caráter transnacional como foco. A dele coloca todas as empresas. Para nós da Campanha Global isso é muito problemático ,pois sabemos que o documento vai perder a efetividade”, explica Letícia.
A Campanha Global, movimentos populares e a periferia do sistema capitalista resistiram às tentativas de golpe, garantindo a permanência da resolução 26/9. Agora a luta por um #TratadoVinculante segue com a retomada de questões que ficaram à margem nessa negociação, que são os 7 pontos-chaves defendidos pela Campanha Global, que constam no Tratado Azul (proposta de texto da Campanha Global para o Tratado Vinculante).
Durante dez anos de negociações do Tratado Vinculante, o Brasil nunca havia ocupado uma posição tão ativa pró negociação do Tratado Vinculante. Marcada por forte atuação do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) em pressionar para que a proposta do Equador fosse barrada. Nenhum país aprovou a proposta de golpe. A próxima sessão, que será a 10ª edição, acontece no ano que vem, e conforme Letícia, “voltaremos à mesa de negociação resgatando elementos fundamentais que foram perdidos nessa última sessão e brigando para que tenhamos um instrumento juridicamente vinculante que, de fato, regule as atividades das empresas transnacionais e garanta Direitos para os Povos e Regras para as Empresas”. Esta sessão de 2024 marcará os 10 anos de negociações do Tratado Vinculante junto à ONU.
O genocídio em Gaza marca a 9ª Sessão de Negociações nas Nações Unidas (ONU) em torno de um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos.
24 de outubro de 2023, Genebra:
Esta semana (do 23 ao 27 de outubro) os Estados membros das Nações Unidas retomam negociações históricas na 9ª Sessão de Negociações nas Nações Unidas (ONU), em Genebra, com o intuito de elaborar um instrumento internacional juridicamente vinculante para regular, no direito internacional dos direitos humanos, as atividades de empresas transnacionais.
A participação constante de membros de comunidades afetadas pelas atividades de empresas transnacionais, organizações da sociedade civil, sindicatos e movimentos sociais faz com que este seja um dos processos com maior respaldo social na história de negociações de tratados em direitos humanos da ONU. A Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade (Campanha Global | #StopCorporateImpunity), representando mais de 260 milhões de pessoas no mundo que sofrem abusos das empresas transnacionais, voltou a contribuir decisivamente nas negociações que estão ocorrendo em Genebra.
Durante a abertura da sessão de negociações, um grande número de Estados bloqueou a adoção do programa de trabalho, devido às suas preocupações sobre o fracasso do novo documento em incorporar os seus pontos de vista e abordar o mandato central do tratado de se concentrar nas transnacionais. Esses estados também expressaram preocupações mais amplas em relação a metodologia nada democrática e pouco transparente do presidente do processo, o Equador.
Especificamente, o grupo africano (representando os 54 estados africanos) tomou a iniciativa e foi apoiado por numerosos delegados de países do Sul Global, como Cuba, Bolívia, Venezuela, Paquistão, Irã e Arábia Saudita. A oposição foi tão forte que o presidente teve que suspender a sessão da manhã em busca de consenso, e só pode continuar depois de aceitar o uso de uma versão do texto com as mudanças que refletiam as propostas prévias dos Estados, que foram eliminadas de maneira injustificada.
Os delegados da Campanha Global se somaram às preocupações de delegados governamentais durante a reunião. Leticia Oliveira, do Movimento de Atingidas por Barragens (MAB), do Brasil, e da Via Campesina, falando em nome do Instituto Transnacional representando a Campanha Global, disse: “É muito desanimador para todos na sala (e, acima de tudo, para todos que aqui representamos, tanto movimentos sociais quanto Estados), participar de um processo que não é transparente. Ontem, muitas delegações estaduais, que não por coincidência representam os territórios onde ocorre a maioria dos crimes corporativos, manifestaram preocupações sobre o processo e o conteúdo da minuta atualizada.”
Mohammed Hakech, da Federação Nacional Marroquina de Sindicatos Agrícolas (FNSA), e da Vía Campesina, mencionou: “A presidência não tem autoridade para modificar o mandato deste Grupo de Trabalho se pretende alargar o âmbito de aplicação do projeto de tratado a qualquer tipo das empresa, quando deveria concentrar-se apenas nas empresas transnacionais. Mas, na verdade, foi isso que a Presidência fez. O documento apresentado não terá nenhum impacto na impunidade das empresas transnacionais ou da sua cadeia de valor. Também não contribuirá para a restauração da soberania popular e estatal, prejudicada pelo poder destas entidades, nem para o acesso à justiça para as vítimas.”
7 delegados [lista abaixo] da Rede Interparlamentar Global (GIN) , uma rede de mais de 200 Membros do Parlamento que apoiam as negociações do Tratado Vinculante da ONU, participaram das negociações e organizaram um evento na ONU expondo os desafios que as empresas colocam ao seu trabalho como representantes eleitos e responsáveis políticos. Em uma declaração compartilhada, eles declararam:
“O objetivo deste Tratado Vinculante é pôr fim às deficiências jurídicas globais existentes e garantir que as empresas transnacionais sejam responsabilizadas, e acabar com a impunidade que ocorre a nível global e local, direta ou indiretamente, com as suas empresas afiliadas e subsidiárias, que devem responder por atos que ameacem os direitos das pessoas, dos povos indígenas e das comunidades locais, dos territórios e do meio ambiente.”
Quando a sessão de segunda-feira (23) chegou ao fim, representantes das comunidades afetadas e ativistas de todo o mundo reuniram-se em frente ao Palácio da ONU, onde ativistas subiram ao topo do lendário monumento Broken Chair (Cadeira Quebrada) para erguer uma faixa gigante com o slogan: “Direitos dos Povos, Regras para Corporações”. Líderes de comunidades em África, Ásia, América Latina e Europa deram voz às suas experiências com empresas transnacionais que violam os direitos humanos, atacam defensores destes e sindicalistas e destroem meios de subsistência. Muitos ativistas expressaram a sua solidariedade com o povo palestino, usando bandeiras ou lenços (Keffiyeh), ligando a luta global contra a impunidade das empresas transnacionais com o genocídio em Gaza.
O genocídio em curso em Gaza foi um tema recorrente e central das negociações da ONU, e tanto os oradores do Estado como da sociedade civil relacionaram as violações dos direitos humanos ocorridas em Gaza com o trabalho para responsabilizar as transnacionais em matéria de direitos humanos. Wesam Ahmad, do Centro Al-Haq de Direito Internacional Aplicado, apontou durante o discurso de abertura que: “Aos defensores iniciais deste processo de tratado, incluindo muitos no grupo africano e latino-americano, não deve passar despercebido que as mesmas empresas historicamente envolvidas no sofrimento do seu povo, estão hoje desenvolvendo interesses nos campos de gás natural do Mar Mediterrâneo, enquanto os fabricantes de armas lutam para satisfazer a demanda e se desenvolvem novas rotas comerciais”. A devastação em Gaza não é isolada; é um sintoma de um problema maior – um sistema onde as corporações transnacionais se beneficiam da opressão, dos assassinatos e da destruição apoiando ambições imperiais.”
Associações empresariais, representando milhões de transnacionais e o seu poder de influência neste processo, também estiveram presentes nestas negociações.
Representantes da Câmara de Comércio Internacional, da Organização Internacional de Empregadores e do Conselho dos EUA para Negócios Internacionais participaram nas negociações, apelando a uma abordagem “colaborativa”. No entanto, estas intervenções e participação da indústria no processo foram veementemente criticadas por representantes da sociedade civil que defendem o tratado. Como disse Erika Mendes da Ja!, Amigos da Terra Moçambique e Amigos da Terra Internacional (Foeint): “A interferência corporativa neste processo é um dos principais obstáculos à garantia de um tratado forte que defenda os direitos humanos e as comunidades em todo o mundo. A interferência constante de frentes corporativas neste processo faz parte de uma tentativa de normalizar a captura corporativa na elaboração de políticas – desde as nossas capitais nacionais até aos corredores das Nações Unidas. É por isso que a sociedade civil que apoia este tratado tem sido unânime desde o início do processo sobre devermos proteger estas negociações, e a implementação do tratado, da captura corporativa.”
O que está evidente desde os dois primeiros dias de negociações é que existe uma força crítica crescente, de governos e da sociedade civil, que está empenhada em garantir um tratado que defenda os direitos humanos, que acabe com a impunidade de empresas transnacionais, e que proporcione acesso à justiça às comunidades em todo o mundo.
Com a contínua violação de direitos humanos e destruição do meio ambiente, não há mais tempo a perder.
Nas últimas décadas, o neoliberalismo impôs ao mundo uma profunda desregulamentação, promovendo o desmonte de políticas públicas sociais gestadas pelo Estado para as populações mais empobrecidas, e a ampliação dos negócios das empresas transnacionais do centro do sistema capitalista, no Norte global, para todos os continentes. Comunidades, as populações nos países e trabalhadores tiveram direitos retirados e são constantemente desrespeitados; territórios e meio ambiente foram e ainda são explorados e, muitas vezes, destruídos. Tudo para que as grandes corporações continuem lucrando muito. Esse processo foi intenso em países da periferia do sistema capitalista, os do Sul Global, onde está o Brasil, que sofre com a superexploração e genocídios em larga escala, enquanto os países centrais seguem enriquecendo. Para atender aos interesses das transnacionais, criou-se uma série de mecanismos econômicos, jurídicos e governamentais que protegem as operações dos investidores. Entre eles estão os acordos de livre comércio, tratados de proteção ao investimento e mecanismos de resolução de litígios entre investidores e Estados. Ao mesmo tempo, não existem marcos normativos internacionais e nem no Brasil que responsabilizem as grandes corporações pelos crimes e violações que cometem. Essa engrenagem é o que chamamos de arquitetura da impunidade, criada para proteger os lucros das empresas transnacionais (ao custo da vida das pessoas e do meio ambiente saudável) e evitar que as corporações sejam punidas em sua busca incessante por dinheiro e poder.
Por isso se discute, desde os anos 1970, junto à Organização das Nações Unidas (ONU), a proposta de um Tratado Vinculante de Direitos Humanos e Empresas que responsabilize as empresas transnacionais, faça a reparação integral às comunidades e povos atingidos e promova garantias para evitar que as corporações repitam seus crimes. Mas somente em 2014, após décadas de luta da sociedade civil articulada na Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade, conseguimos que o Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) criasse um Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta (OEIGWG) para negociar e redigir um Tratado Vinculante internacional para responsabilizar, de fato, as empresas transnacionais.
É verdade que a ONU já tinha dado alguns passos nesse debate sobre Direitos Humanos e Empresas três anos antes, em 2011, quando adotou os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, mas consideramos insuficientes. Essa diretiva é baseada no voluntarismo empresarial. Ao longo dos anos, foram se consolidando, nos países, marcos baseados nesses princípios, como os Planos Nacionais de Ação e, mais recentemente, a devida diligência, processo em que as próprias empresas devem tomar medidas para evitar (e, caso ocorram, para mitigar) danos ambientais e às comunidades em consequência de suas atividades econômicas. O que não acontece, e quando ocorre, é de forma injusta, sem reparar os prejuízos das populações e dos países atingidos.
Aqui no Brasil, vivenciamos situações que comprovam que o voluntarismo empresarial não funciona. Em Novembro, completará 8 anos do rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana, em Minas Gerais, e os atingidos brigam até hoje pela devida responsabilização das mineradoras e empresas envolvidas na atividade. Além disso, as mineradoras não revisaram suas medidas de prevenção e de segurança, e a tragédia de Mariana, em 2015, repetiu-se quatro anos depois com o rompimento da barragem de rejeitos na cidade de Brumadinho (MG), que teve impacto ainda maior. Os dois crimes envolvendo as empresas VALE, Samarco e BHP Billiton resultaram em quase 300 pessoas mortas e comunidades e meio ambiente destruídos. Outras situações também são marcadas pela impunidade, como o despejo forçado de moradores para a ampliação do aeroporto em Porto Alegre (RS) pela empresa alemã Fraport e os inúmeros casos de trabalho precarizado em todo o país praticado por empresas que, inclusive, integram o Pacto Global da ONU no Brasil.
A Campanha Global e nós, Amigas da Terra Brasil, apostamos no Tratado Vinculante internacional junto à ONU para responsabilizar as empresas transnacionais por seus crimes socioambientais, garantindo as indenizações necessárias e resguardando os direitos das comunidades atingidas em todo o mundo. Apenas um mecanismo sério e efetivo de cobrança, que convoque as partes envolvidas a responder por seus atos, pode impedir que os direitos dos povos sejam desrespeitados, promovendo a vida. A Campanha Global construiu uma proposta de texto para o Tratado Vinculante, o Tratado Azul, que foi entregue ao GT Intergovernamental da ONU em 2017, o qual se contrapõe aos marcos voluntaristas por priorizar os direitos humanos acima de qualquer acordo de comércio ou de investimento (o que se chama de primazia no Direito Internacional). A proposta da sociedade civil aborda essa questão diretamente na economia, no que se refere às cadeias globais de produção das indústrias e empresas, e na Justiça nos tribunais dos países, sugerindo até mesmo a instituição de um Tribunal Internacional de Corporações Transnacionais e Direitos Humanos com a competência para receber, investigar, julgar e executar decisões.
As organizações da Campanha Global também buscam o apoio de parlamentares de seus países para o estabelecimento do Tratado Vinculativo junto à ONU. Até o momento, conseguiram a adesão de 246 parlamentares; desses, 14 são brasileiros. No final de Outubro, entre os dias 23 a 27, estaremos participando da 9ª Sessão de Negociações na sede da ONU em Genebra, pressionando para que o tratado avance realmente. Acompanhe o site e as redes sociais da Amigas da Terra Brasil para mais informações
Um Tratado Vinculante internacional poderia até mesmo contribuir em responsabilizar as empresas transnacionais que financiam e acabam perpetuando a violação de direitos humanos em território palestino, como explica Andressa Soares, do Movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções):
PL 572/2022 quer responsabilizar empresas nacionais e estrangeiras por direitos violados no Brasil
Ao mesmo tempo em que pressionam pelo Tratado Vinculante em nível internacional, as organizações que compõem a Campanha Global articulam a criação de leis nacionais para reforçar o tratado junto à ONU. No Brasil, foi protocolado, no ano passado, o Projeto de Lei 572/2022, que cria a lei marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas e estabelece as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. O PL foi apresentado pelos deputados federais na época Helder Salomão (PT/ES), Áurea Carolina (PSOL/MG) e Fernanda Melchionna (PSOL/RS), articulado com organizações e movimentos sociais, pesquisadores, universidades, assessores jurídicos populares, ambientalistas e comunidades atingidas, especialmente de Mariana e Brumadinho (MG).
Atualmente, o PL 572/22 tramita na Câmara dos Deputados. Se aprovado no Congresso Nacional, será a primeira lei com este teor em todo o mundo. A lei marco avança para a responsabilização de empresas nacionais e estrangeiras com atuação no país por violações aos direitos humanos, reconhecendo obrigações ao Estado e às mesmas, e estabelecendo, ainda, medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas.
A aprovação do PL 572/22, um projeto constituído a partir dos atingidos pelas violações de direitos, também questionaria a arquitetura da impunidade e o poder corporativo das grandes empresas, que precisam urgentemente ser desmantelados.
A presidenta da Amigas da Terra Brasil, Letícia Paranhos, participou de um seminário virtual promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) sobre o PL. E em breve estará nas negociações da ONU, em Genebra, sobre o Tratado Vinculante. Confira sua manifestação no seminário no vídeo abaixo e saiba mais sobre a importância do projeto de lei e de um Tratado Vinculante para garantir direitos para os povos e regras para as empresas:
Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) se solidariza com o povo palestino, que mais uma vez é submetido ao horror, ao mesmo tempo que continua sofrendo com a ocupação, o bloqueio militar ilegal israelense e as políticas de apartheid que já completam 75 anos . Também nos opomos veementemente e condenamos o assassinato e a tomada de reféns israelitas inocentes. O exercício da violência contra a população civil inocente é inaceitável.
A declaração de guerra a Gaza por parte de Israel resultou no assassinato de centenas de palestinos, milhares foram os feridos. Residências, escolas e hospitais foram bombardeados, o bloqueio do abastecimento de alimentos e de água, assim como o corte da eletricidade foram intensificados. O tratamento de guerra que Israel impõe ao povo palestino sitiado em Gaza continuou, mais uma vez abertamente aos olhos do mundo. O que evidencia a desumanização a qual o povo palestino é submetido para que se justifique a ocupação de suas terras, o deslocamento forçado, a combinação de todas formas de opressão e o assassinato de civis inocentes.
Vale a pena recordar que só no último ano, os ataques de Israel contra os palestinos na Cisjordânia causaram a morte de 238 palestinos, incluindo 40 crianças. Estas ações constituem uma violação aberta por parte de Israel do direito humanitário internacional e de diferentes acordos assinados para prevenir o genocídio do povo palestino. Consequentemente, o direito à autodeterminação e à existência da Palestina tem sido negado ao não reconhecer o seu Estado soberano, descumprindo assim a resolução 67/19 da Organização das Nações Unidas (ONU), e mantendo a ocupação ilegal e criminosa desde a guerra de 1967, através da contínua militarização e expropriação de terras para assentamentos israelenses.
Da ATALC, rejeitamos o silêncio cúmplice que se mantém face às práticas criminosas e racistas das forças de ocupação israelenses contra o povo palestino, e apelamos às organizações e movimentos de todo o mundo que trabalham pela justiça, para que condenem a opressão e a brutalidade a que os palestinos estão sujeitos e exigir o cumprimento das leis e acordos internacionais.
A dignidade da Palestina é atacada com propaganda que justifica os bombardeamentos e o agravamento da crise humanitária sem precedentes na história da humanidade, por isso exigimos o fim do ataque criminoso de Israel contra o povo palestino, o fim do cerco a Gaza e do bloqueio atual e histórico. Apelamos aos governos comprometidos com a justiça e a dignidade dos povos para que apoiem o apelo palestino para reativar imediatamente o Comitê Especial da ONU contra o Apartheid. Opomo-nos a qualquer escalada do conflito devido à intervenção de terceiros países que atuam com a intenção de impor a sua política externa, e defendemos o fim da violência e a garantia da autodeterminação e soberania dos povos.
A Amigas da Terra Brasil se solidariza aos povos da região que sofrem com toda essa violência e são os reais impactados.
Denunciamos o atual plano genocida em curso, deflagrado com a guerra em Gaza, e que tem em suas raízes:
a negação dos direitos à autodeterminação, existência e autodefesa do povo Palestino, pelo não reconhecimento de um Estado Soberano em convivencia pacífica com o Estado de Israel, e portanto em desacordo à Resolução 67/19 da ONU (2012)
sua ocupação ilegal desde a guerra de 1967, com militarização e expropriação contínua de terras para atividades de assentamento de Israel
o bloqueio de Gaza, negando por 16 anos a livre circulação de 2 milhões de pessoas, além de mercadorias, alimentos, saúde e acesso serviços básicos, durante os quais o exército do Estado de Israel bombardeou Gaza com impunidade
a conivência das grandes potencias ocidentais e empresas que financiam esse regime de aparthaid e militarização por mais de 75 anos, e
a recusa da comunidade internacional em colocar em prática uma solução de longo prazo pela paz, com cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança da ONU que exigem o fim permanente da ocupação das terras palestinas.Saiba mais aqui
Em 5 de outubro, aconteceu o Seminário PL 572/22, que debateu a importância desta iniciativa nacional e de articulações internacionais por um Tratado Vinculante. O PL 572/22 cria um Marco sobre Direitos Humanos (DH) e Empresas no Brasil e estabelece as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. Se for aprovado no Congresso Nacional, será a primeira lei com este teor em todo o mundo. A lei marco avança para a responsabilização de empresas com atuação no país (nacionais e estrangeiras) que violam direitos humanos. No processo, reconhece as obrigações ao Estado e às mesmas, e estabelece, ainda, medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas.
Durante a abertura, estiveram presentes oministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, o deputado federal Helder Salomão (PT-ES) e o coordenador-geral de Direitos Humanos e Empresa do ministério, Luiz Gustavo Lo-Buono.
Os impactos socioambientais da impunidade corporativa são alarmantes. Casos emblemáticos da violação de direitos humanos por grandes empresas foram expostos no início do seminário. No resgate histórico, foi citado oafundamento de cinco bairros de Maceió devido à mineração de sal-gema da Braskem, que acarretou em mais de 50 mil pessoas atingidas e milhares em situação de deslocamento obrigatório. Os crimes da Vale, BHP e Samarco, com inúmeras violações de direitos no rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho (MG) também foram mencionados.
As violações também ocorrem em territórios indígenas, quilombolas e de povos tradicionais em todos os cantos do Brasil. Inúmeras situações que incidem diretamente nos corpos das comunidades, especialmente afetando mulheres, pessoas negras, periféricas e lgbtqia+. Situações que traduzem a falta de responsabilização das empresas, de ação efetiva do Estado, e, principalmente, a violação dos direitos das comunidades atingidas.
Internacionalmente, o cenário de impunidade corporativa avança sobre os direitos humanos. No deserto do Atacama, no Chile, mais de 40 mil toneladas de lixo contaminam as populações e impactam a sociobiodiversidade. Passados dez anos do desabamento da Rana Plaza, que causou a morte de mais de mil trabalhadores do setor têxtil em Savar, Bangladesh, ainda percebemos trabalhadores expostos a condições de trabalho extenuantes, violentas e perigosas em nome do acúmulo de capital.
O coordenador-geral de Direitos Humanos e Empresas do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, Luiz Gustavo Lo-Buono, pontuou que “o projeto de lei 572/22 é para nós, da coordenação, um dos marcos normativos mais importantes quando falamos do avanço da agenda de Direitos Humanos e Empresas. Não só por ser uma lei marco brasileira, nossa, nacional, de forma para dirigir aspectos prioritários para o contexto brasileiro, mas porque tem uma série de instrumentos novos”.
Helder Salomão, deputado federal pelo PT (do Espírito Santo), e um dos autores do projeto, destacou que o processo de elaboração do PL 572/22 é um modelo que deveria ser seguido. “Uma proposta que nasce de um debate com a sociedade civil organizada, brotando de uma construção coletiva, como deveriam ser todas as leis. O Parlamento deveria sempre ouvir, sistematizar e apresentar como propostas as demandas da sociedade”, dimensionou. A construção do PL 572/22 envolveu a sociedade civil, academia e parlamento, tendo ainda um caráter pluripartidário.
Helder salientou que a proposta do marco legal de DH e empresas é uma oposição à voluntariedade dos princípios orientadores. “É sobre tratado vinculante de DH e empresas, dando primazia aos direitos das pessoas atingidas ao invés do lucro. Estabelece responsabilidade das corporações por toda cadeia produtiva, destacando que precisamos reparação justa e integral e dando centralidade no sofrimento da vítima”, expôs. Propôs, ainda, audiências públicas e estratégias para avançar o debate em diálogo com a sociedade civil. Como relator da comissão externa que trata do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, Helder defendeu que junto ao debate do PL 572/22 haja atenção especial quanto aos desdobramentos do crime de Mariana, que se arrasta há oito anos. “Vejo que por falta de legislação que possa efetivamente responsabilizar empresas que cometem crimes ambientais e outros, ainda temos uma fragilidade grande. Essa lacuna vai ser preenchida com a aprovação deste PL, que é uma construção de todos nós”, finalizou.
Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, afirmou que o PL 572/22 faz parte da agenda do ministério e que debatê-lo no âmbito do poder executivo é um momento histórico. “A importância dessa temática não se limita a normativas das relações empresariais com trabalhadores. Não é só sobre direitos conquistados sobre a pessoa e seu local de trabalho. Tratamos de práticas inaceitáveis, como racismo ambiental, um tema relacionado a justiça climática, falamos da discriminação de pessoas lgbtqi+ e PCDs, pessoas das mais diversas raças, etnias, origens”, evidenciou. De acordo com ele, a ideia é aproximar cada vez mais a noção de direitos humanos a uma perspectiva que olha para a economia como lugar de desenvolvimento, mas sem que esta esteja desassociada ao desenvolvimento humano. Rememorou, ainda, o discurso histórico de Salvador Allende, que colocou em evidência como empresas e entes presentes no sistema nacional são capazes de decidir sobre estruturas econômicas, que impactam a vida cotidiana de toda população.
Tendo isso em vista, é papel do Estado garantir o respeito aos direitos humanos, assim como contar com instrumentos adequados para responsabilizar as grandes empresas a corporações pelos crimes, genocídio e ecocídio que causam. Para reverter esse cenário, Silvio Almeida ressaltou que é necessária uma política nacional. Como parte de seu plano de ação, evidenciou que fará uma coletiva interministerial, com participação da sociedade civil de maneira ampla (atingidos, trabalhadores, empresas). Pretende institucionalizar a agenda, visando que o Brasil se torne um país guardião dos direitos humanos. “É preciso que se construa um patamar de responsabilização, a fim de que possamos falar de dignidade e respeito efetivo aos direitos humanos. Clamamos por justiça social e de memória”.
Projeto de Lei 572/2022: por que precisamos de um marco legal para responsabilizar as empresas?
No segundo bloco do seminário, Manoela Carneiro Roland, Professora Associada da Universidade Federal de Juiz de Fora e Pesquisadora do Homa (Instituto de Direitos Humanos e Empresas), diferenciou o PL 572/22 de propostas menos ambiciosas, como as de princípios orientadores da ONU (Organização das Nações Unidas), devida diligência e de autorresponsabilização das empresas por seus crimes – o que, comprovadamente, as beneficia e põe em risco povos e territórios.
Ela destacou o campo de disputa presente entre duas vertentes que debatem DH e Empresas. De um lado, a lógica que traz a prevalência dos direitos humanos sob a lógica empresarial, com o protagonismo de quem tem os direitos violados, de forma que tenham participação efetiva no processo. De outro, medidas voluntaristas que propõe que as empresas e transnacionais violadoras sejam as responsáveis por definir os seus impactos e as suas atividades. “O PL é produto dessa agenda de DH e empresas e não de empresas e DH. Ele justamente vem tentar consagrar uma série de princípios e preceitos que existem no ordenamento internacional ou interno, que estão junto com o que tem de mais elevado no sentido de espectro de proteção de DH na atualidade”, explicou.
Por que um projeto de lei sobre DH e empresas?
Após a abertura e a explanação, ocorreram dois blocos de debate. O primeiro teve como questionamento central “por que um projeto de lei sobre DH e empresas?”. O momento foi marcado pelas participações de Leandro Scalabrin, do Coletivo de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Jandyra Uehara, Secretária Nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da Central Única de Trabalhadores (CUT) e Gustavo Ferroni, Coordenador de Justiça Rural e Desenvolvimento da Oxfam Brasil.
Gustavo Ferroni criticou os sistemas voluntários, que são focados em processos e não nas pessoas e na consequente garantia de seus direitos. “A resposta de regulamentação e criação de marcos jurídicos que vêm da Europa é uma continuidade das práticas voluntárias, porém transformadas em regulatórias. O que é insuficiente, pois já sabemos que não geram resultados desejados, não por falta de regulamentação, mas pela sua própria natureza”, afirmou, defendendo uma proposta elaborada a partir dos territórios, como é o caso do PL 572/22. “ Por que precisamos de uma lei marco? Porque a gente tem um sistema voluntário e que é reconhecido de maneira internacional, mas que não deu conta de mudar relações de violação”, respondeu.
Expondo inúmeros casos de violações, Jandyra Uehara, da CUT, abordou o que é a arquitetura da impunidade e como as corporações a utilizam em seu benefício. Mecanismos como a falsa propaganda e a negação do envolvimento em violações (se esconder atrás de cadeias de fornecimento, terceirizar atividades de alto risco e recrutar empregadores sem transparência) estão no páreo. Além da utilização de estratégias jurídicas, por parte das empresas, para evitar a responsabilidade – o que envolve até o apelo a tribunais internacionais ou alterar leis e desmontar políticas públicas de estados com pressão de lobby. “Outro mecanismo é buscar cooptar e envolver as populações atingidas numa atuação para dividir comunidades, manipulando pesquisas científicas, desviando reclamações com mecanismos que estão no controle das próprias empresas. E usam o poder do Estado nessas lacunas, assediando governos, parlamentares e judiciário”, explicou.
Jandira ressaltou ainda a cooptação de estados no processo, especialmente tendo em vista que algumas empresas são mais poderosas do que eles. Um exemplo evidente do uso do Estado por corporações é quando as forças de segurança e repressão estatais são mobilizadas para defender os seus lucros, o que passa por criminalizar defensores de direitos humanos e destruir a atuação dos sindicatos. “Vemos no agronegócio, comércio, setor de serviços, na mineração”, apontou, correlacionando o avanço do neoliberalismo com a precarização do trabalho e da vida, levando a cenários alarmantes como a barbárie do trabalho análogo à escravidão em 2023. Outro ponto são as políticas neoliberais em setores estratégicos, como os energéticos, e que avançam com flexibilização de normas ambientais, trazendo um grande desafio para os governos progressistas do sul global na construção de projetos soberanos.
Leandro Scalabrin, do Coletivo de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens, fez a defesa do PL 572/22 pautando quais pontos principais que ele traz no combate à assimetria de poder imposta. “Pessoas perderam suas casas, trabalhos, familiares e tiveram ainda que provar o dano. O PL traz o direito da inversão do ônus de prova, uma ferramenta importante para combater essa assimetria que existe. E o princípio da reparação integral, que não está na nossa legislação, só quando empresas têm direitos violados, mas não quando pessoas têm direitos violados”, destacou. Outro dos pontos que ele evidenciou foi o modelo de fundo para casos de violações de DH, previsto também no projeto. “O PL prevê a constituição de um fundo para reparação de violações na qual haverá participação de ao menos 50% dos atingidos. Nós do MAB entendemos que isso importa para combater a assimetria entre direitos dos atingidos e privilégios das empresas”, mencionou.
Inovações do PL 572/22 e desafios em sua implementação
No último bloco do Seminário, foi debatido o macrotema sobre inovações do PL 572/22 e desafios em sua implementação. Letícia Paranhos, Presidenta da Amigas da Terra Brasil e Coordenadora Internacional do Programa de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Federação Amigos da Terra Internacional, analisou que a responsabilidade social corporativa não vai ser a solução para as crises e violações cometidas por essas empresas, especialmente as transnacionais. “ As maiores empresas violadoras firmam o Pacto Global. Emitem relatórios anuais de sustentabilidade. Investem pesado em marketing para limpar as suas imagens. E investem também em um lobby pesadíssimo para garantir marcos em direitos humanos, mas baseados na voluntariedade”.
Recentemente, a Justiça Global e a Terra de Direitos publicaram um relatório chamado na Linha de Frente, sobre violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil de 2019 a 2022. E os dados comprovam que são os povos indígenas, o povo negro, os que mais sofrem com ameças, criminalização, importunação sexual, atentados, agressões e os que mais são assassinados. Também está dimensionado neste relatório que o principal agente violador é o Setor Privado. Em pleno 2023, mais de 200 pessoas foram encontradas em situação de escravidão, em vinícolas, no Rio Grande do Sul – uma delas a Salton, que firma o Pacto Global.
Letícia evidenciou: “É bastante óbvio para nós que não só é necessário, como é urgente uma outra dinâmica de responsabilização. Não é uma questão de boa vontade das empresas. É preciso uma regulação na matéria de DH e Empresas. E por isso construímos o PL e criamos a campanha nacional pela aprovação deste PL. Porque acreditamos que o Brasil pode ser palco não só dos maiores crimes cometidos por empresas. Mas pode também ser pioneiro na implementação do primeiro projeto de lei construído pelos povos e para os povos nessa matéria. Esse projeto que antes mesmo de aprovado já serve de inspiração para fomentar leis em outros países”, mencionou.
Confira a fala de Letícia na íntegra:
Um projeto baseado no PL 572/22 foi feito na Argentina. Colômbia e Uruguai também estão construindo marcos nacionais com características do projeto de lei brasileiro. “Nós não somos ingênuos e não pensamos que um marco legal irá resolver todos os problemas, todas as nossas demandas. Mas, se aprovado, nós teremos uma ferramenta para fazer uma luta mais justa frente ao poder econômico e político que gozam essas empresas”, explicou Letícia.
Thales Cavalcanti Coelho, Procurador da República do Ministério Público Federal, Coordenador do Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, abordou eixos do PL 572/22 que se mostram muito relevantes e responsáveis quanto às questões de segurança jurídica dos afetados. Entre eles, a adequação num espaço temporal, ao invés de ser uma reprodução dos princípios orientadores que já se comprovam falhos. E a adequação espacial, por ter sido um projeto de lei construído na realidade brasileira, a partir dos territórios em luta, ao invés de uma mera reprodução de leis de devida diligência, replicadas do norte global.
Questionado sobre quais os caminhos para garantir direitos humanos, Thales mencionou que já sabemos quais não trilhar. “Acho que foi unânime hoje que o caminho que não é acertado para fazer avançar essa agenda é insistir em mecanismos voluntários. Na visão do GT de Direitos Humanos e Empresas da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), e essa clareza existe desde 2017, o avanço dessa agenda passa necessariamente pela edição de marcos normativos vinculantes que contenham obrigações e responsabilidades para as empresas. O que inclui a aprovação de um tratado internacional sobre o tema, e no plano interno a aprovação do PL e também, no nosso entendimento, pela ratificação do Acordo de Escasur”, revelou.
Conheçam também sobre o PL 572/22 e participem da Campanha Nacional pela aprovação deste Projeto de Lei.
Conheça a “Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr Fim à Impunidade”, que estará esse mês acompanhando a 9ª rodada de negociações por um Tratado Juridicamente Vinculante em matéria de Direitos Humanos.
A Campanha Global construiu uma proposta de texto para o Tratado Vinculante, o Tratado Azul, que foi entregue ao GT Intergovernamental da ONU em 2017, o qual se contrapõe à devida diligência por priorizar os direitos humanos acima de qualquer acordo de comércio ou de investimento (o que se chama de primazia no Direito Internacional).