Site da Amigas da Terra Brasil, organização ambiental anticapitalista, em defesa da soberania e dos direitos coletivos dos povos
Categoria: Justiça econômica e resistência ao neoliberalismo
Comércio e investimentos, desenvolvimento de fundos financeiros e pressão das corporações são as causas do atual modelo econômico. Este modelo se baseia na crença de que o crescimento econômico e das exportações fará desse mundo um lugar melhor. No entanto, enquanto isso tem sido muito benéfico para as grandes corporações, o modelo exclui e prejudica os mais pobre, além de fazer quase nada para proteger o meio ambiente. O Amigos da Terra se opõe a influência das grandes corporações nas políticas públicas. Questionamos e enfrentamos as políticas neoliberais e de comércio que não levam em consideração as necessidades do povo. Nossas campanhas apontam propostas alternativas de economia de uma forma construtiva, dinâmica e criativa
Na Cúpula de Belém, que começa nesta terça-feira no Brasil, os chefes de estado de oito países atravessados pela floresta gigante devem discutir sua preservação. Entre os perigos, o cultivo industrial da soja. O Jornal “Libération” foi ao estado do Pará, ver de perto as populações que sofrem com a destruição das paisagens, a grilagem de terras e a poluição do solo e do ar.
O castanheiro ainda está lá, a motosserra mal o poupou. A árvore símbolo da Amazônia fica sozinha no meio de uma enorme plantação de soja nos arredores de Santarém, cidade no noroeste do Pará. Foz do maior rio do mundo, a região tornou-se, com suas terras férteis e baratas, o novo eldorado dessa semente, da qual o Brasil é o maior produtor mundial. Em ambos os lados da BR-163, os campos se estendem até onde a vista alcança. A estrada serpenteia aqui e ali entre finas faixas de vegetação.
“Em toda a bacia amazônica, a maior floresta tropical do planeta está ameaçada pela agricultura, pecuária, indústria extrativista”, compara Danicley Aguiar, do Greenpeace Brasil. Um modelo baseado no desmatamento, latifúndio e semi-escravidão . Mas, pela primeira vez, oito países que compartilham a floresta estão falando em protegê-la. Abre nesta terça-feira, 8 de agosto, em Belém, capital do Pará, uma cúpula reunindo seus presidentes sob a égide do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.“Esta Cúpula será um sucesso se permitir delinear uma transição para um novo modelo económico capaz de conviver com a floresta, de superar a pobreza respeitando os direitos humanos”, prossegue.
A Amazônia, a chave verde da diplomacia brasileira
Para isso, seria preciso, segundo ele, rejeitar acordos de livre comércio como o que a UE negocia com o Mercosul , mercado comum que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. “Esse acordo deve contribuir para a descarbonização dos países sul-americanos , explica Danicley Aguiar. No entanto, sua versão atual prevê, ao contrário, um aumento de nossas exportações de matérias-primas para a UE , o que implicaria uma expansão da fronteira agrícola em detrimento de todos os ecossistemas, e não apenas da Amazônia. Para Lúcia Ortiz, da filial brasileira da Amigos da Terra, as salvaguardas europeias, como a proibição de importação de produtos resultantes do desmatamento praticado após dezembro de 2020, não pode fazer nada sobre isso. “O que impediria a produção de passar por tramas totalmente regulares?” pergunta a ativista. Sua associação integra um coletivo criado no Brasil com o apoio de ONGs europeias para pressionar o governo a abandonar um acordo tachado de “neocolonial” .
“A boa vontade de Lula não será suficiente”
Durante três dias no início do ano, o Libertação acompanhou estas trabalhadoras sociais em campanha em Santarém e região. Aqui estamos no sindicato dos pequenos agricultores. Maureen Santos, coordenadora da FASE , uma organização dedicada à educação popular, explica sua abordagem. “A transição ecológica europeia corre o risco de ser às nossas custas ”, adverte. A boa vontade de Lula não será suficiente . Temos que nos manter mobilizados.” A associação explica: a Europa vai demandar cada vez mais soja, cujo óleo é considerado uma matéria-prima “renovável”, e esta monocultura requer cada vez mais terra e pesticidas. Substâncias das quais o Brasil, gigante agrícola, já é o maior consumidor mundial. “Santarém está no olho do furacão” , acrescenta o educador popular Samis Vieira.
A soja foi introduzida na região no início dos anos 2000 para satisfazer a insaciável demanda chinesa. Um morador conta como a paisagem mudou: “Além das reservas naturais, a vegetação foi totalmente arrasada”. Em toda a Amazônia, a sementinha verde torna-se então o vetor direto do desmatamento, a principal fonte das emissões brasileiras de CO2. Pressionadas pelo Greenpeace, as multinacionais que negociam a matéria-prima, como a americana Cargill e a francesa Louis-Dreyfus, comprometem-se então a não adquirir mais soja plantada em lotes desmatados após a data de 22 de julho de 2008. Mas essa moratória tem limites Segundo Danicley Aguiar:“Embora tenha ajudado a conter a destruição da floresta, não leva em consideração o desmatamento causado indiretamente pela soja.” Essa cultura se instala de fato em pastagens, avançando cada vez mais para a pecuária florestal, que se tornou a principal causa do desmatamento.
“Já nem sabemos que pesticidas usam”
Na BR-163, o município de Mojuí dos Campos, em plena serra santarena , está de ressaca. “Quando os sojeiros chegaram, a gente acreditou no progresso “, diz Sileuza Nascimento, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais. “Isso não aconteceu. O campo está se esvaziando porque a agricultura industrial cria muito poucos empregos. Por outro lado, legou-nos a destruição da paisagem, a circulação de veículos pesados de mercadorias e as doenças, devido ao uso massivo de pesticidas”. Com suas casas de madeira, Belterra, a cidade vizinha, parece saída da América profunda. E por um bom motivo. A “bela terra” foi erguida na década de 1930 por Henry Ford, a fim de garantir o fornecimento de borracha para o fabricante de automóveis. Foi a gloriosa era do látex, extraído das seringueiras, que por um breve período fez a fortuna da Amazônia.
Na escola municipal é hora do lanche. As crianças ocupam seus lugares no refeitório em um burburinho alegre. Uma semana antes da nossa visita, e novamente três dias depois, cerca de 200 alunos tiveram que ser mandados para casa, passando muito mal, culpados pela pulverização intempestiva do que o agronegócio chama modestamente de “produtos fitossanitários ” . As plantações estão por perto. “A soja avança com a intenção de expulsar a escola” , acusa a professora e sindicalista Heloisa Rocha. Porém, se a escola tiver que ser fechada, as pessoas vão sair daqui, como nos municípios vizinhos. É a soja que precisa ir, não a escola.” Mas ela não tem ilusões, “o agronegócio é muito bem defendido pelos eleitos locais”.
Floresta rasgada
Para além do crescimento das explorações agrícolas, este comércio induz outros incômodos: as infraestruturas destinadas à exportação da soja também têm um impacto particularmente nefasto. Retorno a Santarém, no rio Tapajós, afluente do Amazonas. Aqui, a multinacional americana Cargill administra um gigantesco porto de exportação de soja para Europa e China desde 2003. Graças a ele, as cargas não precisam mais atravessar o país para chegar aos portos do Sul e do Sudeste. “Há uma reorientação da infraestrutura de escoamento da soja na Amazônia, porque é para cá que a fronteira agrícola se deslocou ”, explica Tatiana Oliveira, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Amazônia da universidade do Pará.Portanto, é mais econômico exportar da Amazônia, mesmo que essa infraestrutura destrua a floresta e os territórios dos índios.” Outro projeto do agronegócio e defendido pelo ministro dos Transportes de Lula: uma ferrovia de 900 quilômetros que deve cruzar o Pará com o risco de devastar cerca de 50 mil quilômetros quadrados de floresta.
Lúcia Ortiz, da filial brasileira da Amigos da Terra, diz estar preocupada com os grandes projetos defendidos pelo governo para reanimar a economia, mas não só. “É igualmente preocupante a tentativa de mercantilização da natureza por parte dos países ricos que, ao invés de reduzir suas emissões de CO2, buscam compensá-las nos países menos desenvolvidos por meio de mecanismos como o crédito de carbono. » E para concluir: “Vamos para Belém com muita apreensão”.
Chantal Rayes é uma jornalista que viajou ao estado do Pará a convite da Frente contra o Acordo UE-Mercosul no início de 2023
Amigas da Terra Brasil na Cúpula da Amazônia: Programação
Entre os dias 04 a 09 de agosto de 2023, a Amigas da Terra Brasil estará em Belém (PA), participando da Cúpula da Amazônia. O evento, que acontece entre os dias 8 e 9 de agosto, abordará as políticas públicas da região amazônica e o fortalecimento da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), uma Organização Intergovernamental constituída por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
Lúcia Órtiz, da Amigas da Terra Brasil, Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) e da Frente Contra o Acordo Mercosul-UE e EFTA expõe que a pauta central será o acompanhamento dos povos da terra pela Amazônia, em diversos espaços organizados pelos movimentos sociais populares do Brasil e da América Latina.
Confira a programação da Amigas da Terra Brasil da Cúpula da Amazônia:
Uma coalizão de mais de 450 organizações da América Latina e da Europa, incluindo sindicatos, agricultores, movimentos sociais, ativistas pelos direitos dos animais e ambientalistas, criticou o anúncio dos líderes dos países da União Europeia (UE) e do Mercosul de que pretendem resolver as questões pendentes e concluir o Acordo UE-Mercosul até o final de 2023.
Lis Cunha, ativista comercial do Greenpeace Alemanha, disse: Este acordo comercial é um desastre para as pessoas, os animais e a natureza. Mais conversas secretas só conduzirão a um resultado que submeterá as florestas, o clima e os direitos humanos a uma pressão insuportável. Em vez de avançar com um acordo destinado à exploração corporativa, os países da UE e do Mercosul deveriam recomeçar e repensar sua relação de forma a colocar o planeta, as pessoas e os animais acima da destruição de nosso planeta para o lucro de curto prazo”.
Alberto Villarreal, da Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) salientou: “Nenhum protocolo ambiental adicional será capaz de remover as ameaças a pessoas, territórios e ao planeta que estão embutidas neste acordo de livre comércio neocolonial e perversamente corporativo, impulsionado por lucro. Precisamos de acordos socioambientais multilaterais exequíveis, baseados em responsabilidades e capacidades diferenciadas para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), não falsas soluções baseadas no mercado, promessas líquidas zero ou painéis de disputa em acordos de livre comércio que são totalmente tendenciosos a favor do lucro corporativo.
Morgan Ody, Coordenadora Geral da Via Campesina e membra da Coordenação Europeia da Via Campesina, expõs: “Os acordos de livre comércio estão impossibilitando que os médios e pequenos agricultores vivam da agricultura, por isso os camponeses são contra. Os agricultores de ambos os lados não querem produzir para exportar e competir, queremos produzir para alimentar as comunidades locais, priorizando o comércio local, nacional e regional sobre o comércio internacional. Convocamos os parlamentares europeus e os governos dos dois continentes a se unirem como aliados pela soberania alimentar e aumentar a pressão para quebrar o acordo UE-Mercosul.”
Contexto
Nos dias 17 e 18 de julho, os chefes de estado e de governo da União Europeia (UE) e da América Latina e Caribe reuniram-se em Bruxelas para uma cúpula extraordinária pela primeira vez em oito anos.
Paralelamente ao início da cúpula, na segunda-feira, 17 de julho, ativistas de mais de 50 organizações da sociedade civil construíram e demoliram uma gigantesca “Torre Jenga da Ambição do UE-Mercosul”, de três metros de altura, em frente ao Parlamento Europeu, em Bruxelas. Isto em protesto contra a acordo comercial e para pressionar os políticos responsáveis, de ambos os lados do Atlântico, a interromper as negociações para o bem das pessoas, dos animais e do planeta.
Recentemente, no final de maio, a Comissão Europeia havia promovido esta cúpula como um marco importante para as negociações comerciais UE-Mercosul, que duram mais de 20 anos. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva se tornou presidente do Brasil em janeiro de 2023, as negociações a portas fechadas se concentraram em um anexo ao acordo. Um rascunho do adendo vazou em março de 2023.
O acordo UE-Mercosul proposto foi criticado por vários governos e parlamentos, bem como por agricultores, sindicatos e sociedade civil de ambos os lados do Atlântico, como um desastre para a agricultura local, a natureza, os trabalhadores, a indústria local, os seres humanos e os animais, direitos, biodiversidade e o clima. Avaliações de várias organizações mostram que tarifas e controles mais baixos sobre produtos como autopeças, pesticidas da Europa e carne bovina e de aves de países da América do Sul aumentarão a já alarmante taxa de destruição da natureza.
Mais de 200 organizações pedem aos formuladores de políticas que mantenham o escrutínio democrático dos acordos comerciais. Pedem também que se oponham às tentativas da Comissão Europeia de aprovar a parte “comercial” do acordo sem o apoio unânime dos estados membros da UE e sem a ratificação dos parlamentos em todos os Estados unidos. Tal movimento seria uma violação do mandato de negociação que os estados membros da UE deram à Comissão, de acordo com uma análise legal recente.
Nesta nota, apresentam-se fundamentos para uma análise de perdas e ganhos esperados com a possível ratificação do acordo Mercosul-União Europeia, em sua dimensão comercial. Toma-se por referência principal a literatura baseada em modelos de equilíbrio geral quanto aos efeitos da abertura comercial na transformação estrutural, a mudança de longo prazo na composição setorial da economia.
As simulações recentes dos impactos do acordo Mercosul-União Europeia realizadas em modelos de comércio tradicionais preveem ganhos modestos para o Brasil. A maioria dos estudos prevê aumento do PIB entre 0,20% e 0,45% no longo prazo. Nos trabalhos que simulam dinâmica de transição, a elevação do PIB esperada para cinco anos após a entrada em vigência do acordo está entre 0,09% e 0,15%. Entretanto, esses modelos não incorporam impactos sobre o processo de mudança estrutural de longo prazo da economia, efeitos dinâmicos da composição setorial sobre a capacidade de inovação e custos de ajuste no mercado de trabalho. Ao se acrescentar tais efeitos, a tendência é piorar a avaliação dos ganhos de comércio do acordo para o Brasil.
Considerando resultados da literatura baseada em modelos de equilíbrio geral com mudança estrutural e análises dos efeitos da liberalização dos anos 1990-1995, a entrada em vigor do acordo tende a aprofundar a desindustrialização da economia brasileira e pode gerar impactos adversos e de longa duração sobre o mercado de trabalho das regiões mais industrializadas do país. Recomenda-se a ampliação dos estudos de simulação de impacto do acordo, com modelos que considerem esses efeitos e análises dos outros temas além do lado comercial, como as regras de compras públicas, propriedade intelectual e meio ambiente.
Nos dias 22 e 23 de Junho, acontece a Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Internacional, a ser realizada em Paris, na França. Na ocasião, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Emmanuel Macron, se reúnem para discutir o acordo de liberalização comercial que está sendo negociado entre a União Europeia e os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).
Frente a pressão para que este acordo avance, a Frente Brasileira Contra os Acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul, Collectif Unitaire Stop CETA Mercosur (www.collectifstoptafta.org), a coalizão francesa “Solidarité Brésil” (https://lebresilresiste.org/) e a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) emitiram uma declaração de posicionamento, que divulgamos abaixo:
A assinatura do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia trará significativos impactos socioeconômicos, trabalhistas, fundiários, territoriais, ambientais e climáticos para o Brasil e os demais países do Mercosul. Os maiores beneficiários são as empresas transnacionais, interessadas na importação de matérias primas baratas, na privatização de serviços e na ampliação de mercado para seus produtos industrializados. É o subdesenvolvimento dos países latino-americanos como base para o desenvolvimento do centro do capitalismo.
Tendo isto em vista, organizações, movimentos sociais e coletivos da sociedade civil compõe a Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul EFTA, que em dezembro de 2020, lançou a sua carta fundadora. Nela, o Parlamento brasileiro é convocado a promover amplo debate com a sociedade sobre os impactos que o acordo poderá trazer aos povos, pessoas trabalhadoras e aos territórios do país.
A Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo esteve reunida em Brasília entre os dias 29 e 31 de maio, coincidindo com a reunião de presidentes sul-americanos sediada pelo presidente Lula, no Brasil. Frente à declaração da cúpula dos chefes de Estado, chamada de “Cúpula de Brasília”, a Jornada Continental também lançou uma declaração no final do seu encontro, reforçando a importância da integração e da cooperação a partir dos e entre os povos.
A Jornada Continental pela integração e cooperação a partir dos e entre os Povos
A Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo, articulação de movimentos e organizações sociais, sindicais, camponesas, ambientalistas, feministas, de direitos humanos e pela soberania, reunida em Brasília de 29 a 31 de maio, saúda o retiro convocado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a participação dos presidentes dos governos do sul do continente.
Desde sua criação, em 2015, a Jornada Continental tem centrado sua preocupação e ação frente aos graves riscos e ataques às democracias e aos direitos dos povos da América Latina e do Caribe. A ofensiva conservadora e autoritária que tem atingido a região e o mundo concentra seu ataque na destruição dos direitos coletivos e dos povos, na apropriação dos bens comuns em benefício das corporações transnacionais e do grande capital, na destruição da natureza e dos territórios e na criminalização das comunidades e organizações sociais que defendem seus direitos.
A região se depara mais uma vez com a urgência de atender às necessidades de milhões de pessoas que continuam vivendo na pobreza e na desigualdade, com precariedade, desemprego e informalidade de milhões de trabalhadores, com a destruição dos sistemas públicos de saúde, educação, água e saneamento básico. Uma região onde o avanço do agronegócio gera o deslocamento e a destruição dos sistemas de produção de alimentos e a desapropriação dos territórios de comunidades camponesas, indígenas, negras e quilombolas; com milhões de mulheres e homens e suas famílias sendo forçados a migrar em decorrência da destruição das economias e da falta de oportunidades. Nossas democracias não serão possíveis enquanto milhões de pessoas continuarem a ter seu direito a uma vida digna negado e a riqueza continuar concentrada nas mãos de poucos, o que nos torna a região mais desigual do planeta.
Na tradição solidária de unidade e luta de nossos povos, o internacionalismo e a ação além das fronteiras de nossos países sempre foram uma constante. A integração a partir dos povos é o caminho para a construção de um projeto democrático de soberania que responda à diversidade de histórias, culturas, línguas e tradições de luta que fazem de nós a Pátria Grande. Fortalecer essa visão e referência é fundamental neste tempo complexo para a região e o mundo. Atender às necessidades urgentes de nossos povos e avançar na defesa dos bens comuns para enfrentar crises como a das mudanças climáticas exige o fortalecimento das relações de complementaridade e solidariedade entre nossos países.
O presidente Lula convocou os presidentes da América do Sul para intercambiar ideias e identificar possíveis caminhos para a retomada da integração regional. Coincidimos com o companheiro Lula que nenhum país da região, por maior que seja sua economia e população, conseguirá avançar sozinho, nem superar os graves déficits que têm origem desde o período colonial. Sem ter superado ainda as graves consequências da pandemia, que causou mais vítimas fatais em nossa região do que em qualquer outra do mundo, é urgente enfrentar as crises estruturais que condenam nossos povos a viver na miséria.
A reunião de presidentes emitiu uma declaração denominada “Consenso de Brasília”, que reflete uma ampla gama de assuntos considerados prioritários para a retomada de uma agenda de integração regional que possa dar respostas a questões urgentes, não apenas do sul do continente, mas de toda a América Latina e Caribe. Ressaltamos que o fortalecimento da democracia e a promoção do desenvolvimento econômico e social só serão possíveis se forem superadas as fórmulas de livre mercado e a financeirização da economia e da natureza que prevalecem na região. Também é necessário articular as demandas pelo reconhecimento das dívidas históricas que o Norte global tem com nossos países e do caráter injusto e ilegítimo das dívidas que limitam qualquer possibilidade de desenvolvimento soberano. Há tarefas que devem ser encaradas com necessária prioridade e que, segundo a declaração, serão iniciativas adotadas imediatamente pela cooperação sul-americana, tais como como a luta contra a pobreza, a fome e todas as formas de desigualdade e discriminação.
Desde a Jornada Continental, saudamos o “Consenso de Brasília”, considerando que a partir desse encontros podem abrir-se possibilidades para que os governos posicionem a questão da integração como um assunto que está diretamente relacionado à política nacional e que, cada vez mais, determina questões essenciais da vida concreta. Nesse sentido, chama-nos a atenção a ausência de referência específica às ações dos povos, em suas diversas formas de representação social, como atores concretos da integração. Nesse sentido, respaldamos a afirmação do ex-presidente José “Pepe” Mujica, de que a integração não será possível se não tiver um significado concreto e real para os povos.
Como a Declaração aponta, a integração e a cooperação regional devem ser colocadas a serviço dos problemas urgentes de saúde, educação, trabalho e déficit de infraestrutura em nossos países e entre eles. É possível definir agendas de complementaridade produtiva ao longo e para além de nossas fronteiras, reunindo de forma solidária e cooperativa as capacidades de produção e transformação para gerar formas sustentáveis de economia que atendam às necessidades da população e preservem nossos bens comuns, e para isso é fundamental a participação ativa das comunidades, organizações de trabalhadoras/es, camponeses, povos indígenas, quilombolas e outras formas de organização social.
Consideramos importante retomar a institucionalidade da integração regional, como parte do processo de recuperação após a ofensiva conservadora que tentou destruí-la. No entanto, acreditamos que os problemas do período anterior devem ser resolvidos, especialmente no que diz respeito à presença efetiva dos diferentes setores e organizações sociais que, a partir de diferentes experiências, tem construído a integração a partir dos povos.
A partir da Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo, aceitamos o chamado feito pelo companheiro Pepe Mujica para fazer parte de um novo momento de integração e cooperação regional. As diferentes organizações e movimentos sociais que compõem a Jornada Continental serão mobilizados nessa tarefa nos próximos meses e queremos reafirmar com o ex-presidente Mujica que “não há cúpulas sem montanhas nas quais se apoiar, e essas montanhas são os povos”.
Brasília, 31 de maio de 2023
A Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo é integrada pela Confederação Sindical de Trabalhadoras/es das Américas (CSA), Marcha Mundial das Mujeres (MMM), Coordenadora Latinoamericana de Organizaciones do Campo (CLOC VC), Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC), Capítulo Cubano de Movimentos Sociais, Movimento de Atingidas/os por Barragens da América Latina (MAR), ALBA Movimentos, Alliança Popular pela Justiça Global (GGJ), Jubileo Sul Américas (JSA), CUT Brasil e PITCNT Uruguai.
O poder transnacional, o desrespeito aos direitos humanos e a devida responsabilização das grandes empresas pelos crimes que cometem, a reparação justa aos povos e meio ambiente atingidos; os tratados comerciais, especialmente o Acordo União Europeia (UE) – Mercosul, e a necessária integração dos povos do Sul global foram alguns dos temas abordados no Seminário Regional.
As organizações ambientalistas ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe) e Amigos da Terra Brasil e a articulação Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo realizaram, nessa 3ª feira (30/05), em Brasília, o Seminário Regional “Fortalecendo a democracia com poder popular e contra o neoliberalismo na América Latina e no Caribe”. A atividade aconteceu durante o dia todo, no Centro Cultural de Brasília (CCB).
Entre os parlamentares brasileiros, participaram as deputadas federais Reginete Bispo e Ana Pimentel, do PT.
Quatro painéis de debate compuseram o Seminário Regional. O primeiro, abordou a conjuntura política na América Latina e Caribe na perspectiva da justiça ambiental e do feminismo popular. “Hoje, quando o fascismo quer continuar avançando em nossos territórios, nós estamos aqui com mais força, e para continuar resistindo e transformando precisamos traçar os caminhos da integração regional a partir dos povos”, defendeu Nalú Faria, da Marcha Mundial das Mulheres.Juma Xipaia afirmou que este “É um dia histórico para os povos indígenas no Brasil, será votado o PL490 genocida que ignora a existência dos povos do país. Não vamos baixar a cabeça, jamais vamos negociar nossos direitos ou nossos territórios!”. (foto abaixo)
Nalú Faria, Juma Xipaia e Lucia Ortiz, da ATBr (da esq. para a direita). Crédito: Tiago Rodrigues/ AT Brasil
No segundo painel, os convidados falaram sobre normas vinculantes para enfrentar o poder das empresas transnacionais e por fim às violações de Direitos dos Povos e à impunidade. Atualmente, as organizações que compõem a ATALC e a Jornada Continental participam da discussão para formular um Tratado Vinculante junto à ONU (Organização das Nações Unidas), a fim de ter um instrumento legal internacional que responsabilize as empresas transnacionais por seus crimes e para impedir que cometam mais violações. Com este mesmo objetivo, no Brasil, a sociedade civil e parlamentares progressistas protocolaram a Lei Marco sobre Direitos Humanos e Empresas (PL 572/22), que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados.
Ivan Gonzalez, da Confederação Sindical CSA-TUCA, e Anderson Amaro, da Via Campesina, ressaltaram a importância de um Tratado Vinculante. “As lutas das pessoas em todo o mundo confrontam o poder das transnacionais; precisamos de um Tratado Vinculante para enfrentar os crimes dessas empresas e pôr fim aos lucros da exploração do trabalho das pessoas”, afirmou Gonzalez. “Os direitos dos camponeses não são vinculativos, mas são o direito à existência, a uma casa, à alimentação, à água, às sementes, à vida. O Tratado Vinculante é mais um passo no processo de efetivação desses direitos”, apontou Amaro.
Gonzalez, da CSA – TUCA. Crédito: Edgardo Matioli/Radio Mundo Real
Pablo Fajardo, da Udapt, lembrou do caso da petroleira Chevron na Amazônia equatoriana onde, por mais de 30 anos, 30 mil indígenas e camponeses lutam pela justiça ambiental e social. “Para a Chevron está em jogo o dinheiro; para nós, as nossas vidas e as das futuras gerações”. Soniamara Maranho, doMAB(Movimento dos Atingidos por Barragens) e do MAR (Movimento dos Afetados por Represas) defendeu ser necessário construir a resistência da população para além da regulamentação. “As transnacionais têm um poder paralelo ao dos governos: poder político, econômico, ideológico e cultural, por isso que, além dos processos de regulamentação, temos de construir o poder popular”, disse.
Pablo Fajardo comentou sobre o caso Chevron. À esquerda, Soniamara Maranho. Crédito: Tiago Rodrigues/ AT Brasil
O próximo debate foi sobre os tratados de livre comércio, especialmente o Acordo UE-Mercosul. As organizações que compõem a ATALC e a Jornada Continental, como AT Brasil e Jubileu Sur Américas, e representantes da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE/EFTA, Internacional de Serviços Públicos e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), exigem que o acordo não seja assinado e que o texto atual seja rediscutido, com ampla participação da sociedade civil e das comunidades atingidas. “As agendas comerciais neoliberais são neocoloniais, assimétricas. Impõem direitos de propriedade, perpetuam a condição de fornecedor de matéria-prima aos países do Sul, limitam a capacidade do Estado de fazer política pública. Ameaçam a democracia”, argumentou Alberto Villarreal, da Amigos da Terra Uruguai (REDES – AT).
O Acordo UE-Mercosul, da forma que está, incentiva a ampliação da produção agropecuária para exportação nos países do Mercosul, acelerando a destruição ambiental e limitando as possibilidades de melhorias sociais e econômicas para povos indígenas, pequenos agricultores(as) e outras comunidades tradicionais. A expansão da produção de soja, milho, carnes e minérios na região nos últimos anos é responsável por graves conflitos socioambientais, os quais podem se intensificar com a redução ou eliminação de tarifas comerciais. O Acordo deve facilitar o aumento da importação de agrotóxicos da Europa que são proibidos nos seus países de origem e de carros a combustão, já produzidos no Brasil.
Alberto Villarreal, da Amigos da Terra Uruguai (REDES – AT). Crédito: Edgardo Matioli/Radio Mundo Real
Do ponto de vista ambiental e climático, o Acordo ainda contribui para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação da Amazônia, beneficia de forma desproporcional as empresas transnacionais europeias e aprofunda a desindustrialização no Mercosul.
A última mesa trouxe a importância da Integração dos Povos para construir a soberania popular contra o poder das transnacionais. “Precisamos reconstruir nossos projetos populares e soberanos. Partimos da luta contra os sistemas de opressão – racismo, patriarcado, colonialismo, imperialismo – que se materializam nos projetos do capital e negam às pessoas o direito de ser”, disse Karin Nansen, da AT Amigos da Terra Uruguai (REDES – AT). Ana Pimentel, deputada federal por Minas Gerais (PT – MG), avaliou que “Uma sociedade socialista e integrada é baseada em valores de solidariedade, justiça e igualdade. O mercado é autoritário, extermina a vida nos territórios. Só há uma alternativa de integração: a construída pelos movimentos sociais”.
Karin, Ana Pimentel e Reginete Bispo (de cima para baixo) Crédito: Edgardo Matioli/Radio Mundo Real
Reginete Bispo, deputada federal pelo Rio Grande do Sul (PT – RS), trouxe a narrativa dos negros, mulheres e indígenas. “O capitalismo transnacional é baseado na supremacia. O centro do ataque são as mulheres negras e os povos indígenas. Vamos nos articular e construir a integração regional para defender os povos indígenas, quilombolas e as mulheres da periferia”, disse.
Crédito: AT Brasil
No final do Seminário Regional, integrantes da ATALC, da Jornada Continental e da Amigos da Terra Brasil se somaram à mobilização #PL490NAO #MarcoTemporalNao em defesa dos povos indígenas e para denunciar que não há futuro sem demarcação!
PARLAMENTARES BRASILEIROS APOIAM A LUTA PARA RESPONSABILIZAR AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS
Parlamentares brasileiros assinaram, na 4ª feira (31/05) em Brasília, documento para integrar a GIN, uma Rede Interparlamentar Global em apoio ao Tratado Vinculante sobre Direitos Humanos e empresas transnacionais. O convite para adesão foi feito pela ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe), Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo e pela Campanha Global para Reivindicar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade. 👉🏾Saiba mais sobre a GIN em https://bindingtreaty.org
Até o momento, assinaram o documento as deputadas federais Reginete Bispo, Ana Pimentel, Maria do Rosário (PT); Fernanda Melchionna e Erika Hilton (PSOL); e os deputados federais Guilherme Boulos e Tarcísio Motta (PSOL), Orlando Silva (PCdoB) e Elvino Bohn Gass (PT). Esperamos mais adesões em breve.
Para as organizações e movimentos sociais que integram a ATALC, a Jornada Continental e a Campanha Global, o compromisso dos legisladores é importante para conseguir um tratado internacional forte e, também, para traduzir essa ferramenta em leis nacionais, que reflitam as necessidades de seus povos e garantam seus direitos.
Um exemplo de criação de leis nacionais com essa abordagem ocorre aqui no Brasil, onde tramita, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 572/22, que cria um marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas. 🧷Veja mais sobre o PL em https://bit.ly/cartilhapl572
Além disso, as articulações visitaram o Ministério das Relações Exteriores (foto acima), em que apresentaram as demandas dos povos por um instrumento que preencha o vácuo legal atual e possa acabar com a impunidade corporativa.
DECLARAÇÃO DA JORNADA CONTINENTAL PELA INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO A PARTIR DOS E ENTRE OS POVOS
A Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo esteve reunida em Brasília entre os dias 29 e 31 de maio, coincidindo com a reunião de presidentes sul-americanos sediada pelo presidente Lula, no Brasil. Frente à declaração da cúpula dos chefes de Estado, chamada de “Cúpula de Brasília”, a Jornada Continental também lançou uma declaração no final do seu encontro na 4ª feira (31/05), reforçando a importância da integração e da cooperação a partir dos e entre os povos.
Realizado em Brasília, evento abordou projeto de lei que propõe políticas públicas para coibir a violação de direitos humanos por empresas, trazendo ainda a importância de sua implementação e os desafios na atual conjuntura política
Dos dias 14 a 16 de março , uma série de atividades compuseram o “Seminário Direitos Humanos e Empresas: O Brasil na frente”. Os encontros aconteceram no prédio da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), em Brasília (DF), com atividade especial de encerramento na Câmara de Deputados. Organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pela entidade ambientalista Amigas da Terra Brasil (ATBr), Fundação Friedrich Ebert (FES – Brasil), Centro de Direitos Humanos e Empresas (Homa), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Oxfam Brasil, o seminário alçou vozes que demandam direitos para os povos e regras para as empresas.
A atividade contou com mesas, troca de experiências de luta, articulações e reunião com parlamentares. O foco foi debater a importância de regulamentar a atuação de empresas nacionais e estrangeiras no Brasil , responsabilizando-as pelas violações de direitos humanos e evitando crimes, como no rompimento das barragens de rejeito de mineração nas cidades de Mariana (2015) e de Brumadinho (2019), em Minas Gerais, em que as empresas Vale, Samarco e a BHP Billiton seguem lucrando, enquanto uma casa sequer foi construída para as populações afetadas. Para fazer com que as empresas respondam por crimes como esses, as diversas organizações sociais defendem a aprovação do PL 572/22 – Lei Marco Sobre Direitos Humanos e Empresas, projeto de lei de autoria coletiva que tramita atualmente na Câmara dos Deputados.
Pioneiro na forma com que se propõe, o PL 572/22 nasce da base para romper com a assimetria de poder imposta por grandes empresas. Além disso, traz três pontos fundamentais: a primazia dos direitos humanos, que passam a valer mais que os acordos de livre comércio e o interesse privado. Se aprovado, será a primeira lei do mundo a garantir obrigações diretas para as empresas. E traz a centralidade do sofrimento da vítima, que assegura o poder popular das comunidades atingidas, desde a prevenção até a reparação em termos de violações de direitos humanos.
A assimetria de poder entre pessoas e empresas, sobretudo transnacionais, é evidente. E os impactos socioambientais da impunidade corporativa são alarmantes. Aqui no Brasil, temos o caso do afundamento de cinco bairros de Maceió (Alagoas), devido à mineração de sal-gema da Braskem, que atingiu cerca de 60 mil pessoas e colocou milhares em situação de deslocamento obrigatório. Os vínculos com os territórios são dilacerados pela ganância das empresas, que muitas vezes impõem a morte como imperativo na vida. Passados 5 anos, as famílias ainda cobram reparação da mineradora.
Essa relação se torna ainda mais desigual quando essa assimetria é pautada entre sul e norte global, periferia e centro do sistema capitalista. Enquanto grandes empresas e transnacionais seguem aumentando os lucros, a base desse acúmulo de capital, que se concentra nos Estados Unidos ou em países da Europa, se sustenta na violação de direitos humanos, dos povos e da natureza. O que tem lastro na precarização das relações trabalhistas, flexibilização da legislação ambiental, desmontes de políticas públicas de seguridade, aumento da violência contra a mulher, extermínio das populações negras, indígenas e das comunidades tradicionais e periféricas.
Os corpos, seja dos povos, seja dos rios ou das florestas, são transformados em mercadorias descartáveis em nome do lucro. Recentemente, três vinícolas da Serra Gaúcha, Salton, Aurora e Garibaldi, foram expostas por trabalho análogo à escravidão. Supostamente comprometidas com o ESG (Environmental, Social, and Governance – Ambiental, Social e Governança), alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), definidos em 2015, elas assumem em discurso que não compactuam com a violação de direitos humanos. Dizem-se, ainda, sustentáveis. Na prática, o fomento ao racismo em uma de suas formas mais nefastas, com jogadas de marketing enquanto se isentam da responsabilidade a deslocando para empresas terceirizadas.
É preciso frear o poder das corporações e pautar o debate a partir dos direitos humanos e da vida, trazendo o protagonismo de pessoas trabalhadoras, atingidas pelas violações de direitos e de minorias sociais. É com essa premissa que o “Seminário Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente” apresentou ferramentas, acúmulos e como avançar na luta pela garantia dos direitos humanos. Os debates foram intensos, sobretudo em um cenário de disputa nacional e internacional, que muito pauta o voluntarismo e a responsabilidade social corporativa como soluções, com práticas que não são efetivas para prevenção e tampouco para a reparação de violações de direitos humanos.
Letícia Paranhos, da Amigos da Terra Brasil e coordenadora internacional do Programa de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Federação Amigos da Terra Internacional, membra da Campanha Global para Reivindicar a Soberania dos Povos, Desmontar o Poder Corporativo e Por Fim à Impunidade, faz uma síntese sobre o Seminário:
Primeiro dia do Seminário debate a necessidade do PL 572/22 na defesa dos direitos humanos e os desafios da atual conjuntura política
Intitulada “Direitos Humanos e Empresas: os desafios na nova etapa do Brasil”, a abertura do Seminário, que ocorreu no dia 14 de Março, contou com apresentação da problemática e da visão das novas autoridades nacionais a respeito. Estiveram presentes Silvio Almeida (Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania), Gonzalo Berrón (FES Brasil), Leandro Scalabrin (MAB), Dulce Pereira (CNDH/UFOP) e Deborah Duprat (PFDC).
Gonzalo Berrón (FES Brasil) deu um panorama sobre a conjuntura política após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Situando a relevância de diálogo com o governo sobre o tema e a importância do PL 572/22, expôs a necessidade do compromisso via Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e da construção de políticas públicas a partir dos povos em luta.
“Do ponto de vista do governo, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, esse tema já foi escolhido como tema prioritário”, assumiu o ministro Silvio Almeida. Ele relatou que, dentro do ministério, estão sendo mapeadas iniciativas que levam em conta as experiências internacionais e nacionais, dando base a uma atuação mais acertada para assegurar direitos humanos. Revelou, ainda, que será criado um grupo de trabalho com diversos ministérios para estabelecer a inclusão do tema na Política Nacional de Direitos Humanos.
“Queremos construir um grupo de trabalho que vai reunir outros ministérios, como da Fazenda, Gestão, Planejamento e Indústria e Comércio, para que possamos estabelecer uma conversa a fim de que a política de direitos humanos e empresas faça parte da política nacional de direitos humanos. Esta é parte da política do governo e mais ainda, essa é uma política do estadobrasileiro”, evidenciou Almeida.
O ministro considerou que é preciso levar em conta as crises do capitalismo e os processos de financeirização, com relações de trabalho pautadas pelo mundo dos aplicativos, o que traz novos desafios para a construção de políticas que atendam aos povos e responsabilizem as transnacionais. Pontuou, ainda, a relação entre degradação do meio ambiente e violações dos direitos humanos.“Não existe possibilidade de se pensar em qualquer atividade que degrade o meio ambiente e destrua as condições do ser humano e da natureza se reproduzirem, sem pensar em violação de direitos humanos. São fatores a levarmos em consideração quando pensamos em atividade empresarial”, destacou.
Almeida concluiu sua fala notabilizando que existe profunda divergência entre países da Europa, os Estados Unidos e países do Sul Global quanto a tratados internacionais a respeito, e que é preciso pautar a partir do Brasil uma resposta. “Essa discussão hoje sobre estabelecer um tratado internacional com regras mais claras, evidentes, está sendo colocado pelo Equador e pela África do Sul. O Brasil, dado seu tamanho e importância, não pode ficar de fora dessa discussão”, defendeu. Para ele, a participação e a incidência da América Latina no debate é crucial. “A humanidade é produzida a partir de uma série de processos na qual a economia é fundamental. Então a discussão sobre uma regulação internacional interfere de forma brutal na maneira em que vamos fazer a nossa política em âmbito nacional. Temos que ficar muito atentos a isso”, sintetizou.
Leandro Scalabrin, advogado do Coletivo de Direitos Humanos do Movimento das Atingidas e dos Atingidos por Barragens (MAB), deu sequência evidenciando que as violações de direitos humanos pelas empresas no Brasil são estruturais. Apontou que perpassam a economia, a política e as subjetividades, conformando uma racionalidade específica e violenta. “Estando enraizadas na atividade econômica empresarial, as violações de direitos humanos perpassam a política. O grande número de empresários no Congresso revela esse controle sobre a política. Portanto, precisamos combater de forma estrutural essa violação de direitos humanos por empresas, por meio de um marco regulatório forte”, argumentou.
Trouxe a realidade dos atingidos, mencionando que no caso das barragens isso ocorre de forma significativa. “Os projetos de investimento de empresas no setor energético possuem um marco normativo fortíssimo. Anualmente, há aprimorações desse marco regulatório que garantem os investimentos das empresas no setor elétrico brasileiro por trinta anos”, explanou. Contextualizou ainda com o trabalho realizado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH – atual CNDH), que constatou um padrão de violação de Direitos Humanos nos empreendimentos do setor elétrico tanto no processo de planejamento quanto de construção e de operação. “É esse padrão que permite o lucro da empresa, ao não internalizar os custos sociais, ambientais, trabalhistas e os custos como os direitos dos atingidos. A violação de direitos por empresas no Brasil é estrutural, assim como a impunidade delas.Queremos, no mínimo, um marco normativo. Porque para as empresas tem, mas para os atingidos não tem”, expôs, defendendo a aprovação do PL 572/22 para regulamentar a atuação das empresas do setor elétrico.
Dulce Pereira, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), membra do Grupo de Trabalho de Proteção do Direito de Pessoas e Corporações no Conselho Nacional Direitos Humanos (CNDH) e do Movimento Negro Unificado, apresentou casos em que cientistas com análises rigorosas foram desconsiderados ou silenciados em suas pesquisas. Denunciou que existe uma ciência hegemônica que corrobora com as violações em prol do lucro das empresas. Essa naturalização da violência já inicia na Academia, em que na prática muitos alunos, sobretudo jovens, passam a considerar normal e aceitável o processo de espoliação com a mineração na Amazônia, por exemplo. Um dos resultados prático dessa lógica é o extermínio dos povos originários, que vemos hoje no país.
A ciência que não leva em conta os direitos humanos, dos povos e da natureza é um pilar para a reprodução das violações. Dentro dessa premissa, está a incidência do mundo privado em universidades públicas, a mercantilização do conhecimento e as patentes, além da produção de pesquisas pagas por corporações, falsas informações e a perseguição de pessoas defensoras de direitos. Pontos que também expõem os impactos da atuação de grandes empresas na naturalização da violência, assim como no ocultamento de dados científicos reais sobre a qualidade dos solos, das águas e sobre a saúde humana e ecossistêmica. O que dificulta, inclusive, a produção de políticas assertivas. “O fato é que a relação das empresas com o sistema de justiça e com a ciência é norteada, desenhada por esse processo de desumanização”, comentou Dulce.
Na expansão de seu poder econômico, social e político, as grandes corporações travam uma guerra em condição desigual contra os povos, utilizando de uma arquitetura de impunidadepara saírem ilesas: negam seu envolvimento, evitam a responsabilidade com acordos em tribunais de arbitragem internacional, manipulam pesquisas científicas, disseminam falsas informações, criminalizam e perseguem defensores dos direitos humanos e enfraquecem comunidades. “Essa hegemonia é mantida pelo ecocídio porque mata, e interessa para eles matar o território. Ela se mantém pelo epistemicídio, matando o conhecimento das pessoas. E ela se mantém também pelo etnocídio, pela eliminação de pescadores, caboclos, negros, indígenas”, explicou Dulce quanto à manutenção da hegemonia corporativa, que utiliza do extermínio para condicionar os territórios e os seus povos a um modo único, o da mercadoria.
A devastação dos territórios para a extração de recursos, como se fossem intermináveis quando na verdade o planeta é finito, nos traz a outro ponto do debate, que é o aniquilamento das próprias condições de vida na terra. Sem florestas, água potável e solo fértil, não há vida possível. Quanto a isso, Dulce rememorou as falsas soluções, como delimitar uma área específica de impacto, quando a natureza não se estabelece nas mesmas premissas das fronteiras geográficas criadas pelo colonialismo: “Se as partículas que estão no Deserto do Saara chegam na Amazônia e interferem na polinização da Amazônia, como é que você vai dizer que dez metros ou cem metros, que é o que chamam buffer, é área que vai ser ser definida como área de atingidos?”, questionou.
A advogada e vice-procuradora-geral da república (2009 a 2013), Deborah Duprat, celebrou o momento com alegria. “A gente volta, de alguma maneira, a um regime de direitos que foi suprimido na gestão Bolsonaro. Temos que pensar que ele acabou com todas as capacidades institucionais de promover políticas públicas de Direitos Humanos”, ponderou. Das violações ocorridas nos últimos anos, ela relembrou do golpe na Constituição em 2016 e 2017: “Falo da Emenda do Teto de Gastos e muito particularmente sobre a Reforma Trabalhista, endossada pelo Supremo Tribunal Federal, principalmente naquilo que ela tem de mais perverso, que é a fragilidade da luta coletiva e dos sindicatos, a precarização do mundo do trabalho, a terceirização. Que permite que atos recentes, como o de escravidão, retornem à prática econômica”.
Em sua fala, mencionou ainda como a incidência do neoliberalismo, que reduz tudo à individualização exacerbada e à fragmentação da coletividade, influenciou na permissividade das violações de direitos. Frente à dificuldade de regulamentar setores econômicos nessa nova realidade, como o caso dos aplicativos, ela considera o momento apropriado para regular empresas e direitos humanos, e para isso defende a luta pela aprovação do PL 572/22 como marco regulatório. Um projeto que, como ela mencionou, traz a centralidade da vida e do direito humano, um princípio constitucional que orienta também a ordem econômica. Ainda lembrou que o Brasil assinou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que obriga as empresas, antes do início de qualquer atividade, a consultar livremente, previamente e de maneira informada, aos povos indígenas, povos e comunidades quilombolas e comunidades tradicionais. “Temos um legado de atividades que vão deixando uma legião de atingidos sem a devida reparação. E há um norte no PL 572 que me parece importantíssimo, que é o direito à verdade. A reparação é um imperativo para que a vítima e seus familiares saibam o que realmente aconteceu. E para a empresa tem um caráter pedagógico da não repetição, de saber enfrentar a verdade para não repeti-la. A centralidade dos atingidos”. Sobre o PL 572/22, resumiu que “avança em todas as linhas: na prevenção, na promoção e na reparação de violações de direitos humanos”.
O segundo momento que marcou a data, contou com a mesa “A necessidade da Lei Marco de Direitos Humanos e Empresas como norma clara e eficaz para a defesa dos direitos humanos no Brasil”. Nela foram apresentadas e debatidas as novas e velhas realidades das violações de direitos humanos por empresas no Brasil, apontando desde a perspectiva da sociedade para os diversos setores econômicos e sociais que a temática perpassa. Jandyra Uehara (CUT), Cláudia Ávila (MTST RS), Gabriel Bezerra (CONTAR) e Mariana Vidal (CPT NE) compuseram palestras a respeito, contextualizando o tema a partir de violações que ocorreram em seus territórios. Também foram propostas ferramentas e mecanismos para assegurar justiça para os povos em luta.
Durante o primeiro dia do Seminário, ao encerrar a sua fala, a professora Dulce parafraseou uma entrevistada de uma de suas pesquisas quanto aos impactos da mineração. As palavras da atingida exclamam: “O amor foi tirado da nossa vida. Sem rio, sem plantas para benzer e banhar, sem peixes. Filhos e maridos deprimidos e problemáticos. Amigos divididos. Sem dinheiro para a sobrevivência. Sem alegria. Portanto, sem direito”. As violações de direitos cometidas por empresas e transnacionais despedaçam o cotidiano, os laços comunitários e, muitas vezes, a possibilidade de celebrar a vida. Mas é possível romper com as assimetrias de poder e construir outro horizonte, assegurando não só direitos, mas memórias pautadas na alegria. Ferramentas jurídicas como o PL 572/22 são um passo importante nessa jornada. A mobilização e organização popular em torno do tema, e indo além dele, podem ditar os rumos do futuro. Um futuro em que o amor é devolvido à vida, e a vida flui livre pelos rios, matas, rezas e alegrias coletivas. Os povos precisam ter os seus direitos assegurados, e as empresas precisam, urgentemente, serem responsabilizadas por seus crimes.
Nos dias 15 e 16, os debates do “Seminário Direitos Humanos e Empresas: O Brasil na Frente” seguiram em proposição de como construir articulações para promover a centralidade da vida, responsabilizando as empresas por suas violações. Acompanhe as nossas redes sociais e confira os nossos conteúdos especiais sobre o Seminário, onde vamos adentrar o tema da impunidade corporativa, das falsas soluções, a relevância da aprovação do PL 572/22 e como os povos vêm atuando para desmantelar o poder corporativo e por fim a impunidade.
Material aborda a arquitetura da impunidade praticada por empresas e explica a importância do PL 572/22 na primazia dos direitos humanos sob a lógica dos negócios
A violação de direitos humanos, dos povos e da natureza é uma prática constante e estrutural das transnacionais e das empresas. Para obterem lucros, elas externalizam os custos para a realidade cotidiana das pessoas, via a exploração de seus trabalhos e territórios. Processo que se intensifica na relação geopolítica global, fazendo com que países da periferia do sistema capitalista, o sul global, lidem com a superexploração, o etnocídio, o ecocídio e o genocidio em larga escala. E nessa relação desigual, os países do centro do sistema capitalista acumulam historicamente riquezas. Do lado de cá, se contam os corpos. Sejam de entes queridos, de amigos, de companheiros de luta, sejam os corpos dos rios e das florestas.
Os impactos socioambientais da impunidade corporativa são alarmantes. Situação que fica evidenciada por casos como o do afundamento de cinco bairros de Maceió, devido à mineração de sal-gema da Braskem. Cerca de 60mil pessoas atingidas, milhares em situação de deslocamento obrigatório. O que chamavam de lar, já não pode mais ser. Os vínculos com o território foram dilacerados pela ganância da empresa, que impôs o risco de morte como imperativo diário de quem morava na região. Há ainda os crimes da Vale, BHP e Samarco, com inúmeras violações de direitos no rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Situações que traduzem a falta de responsabilização das empresas, de ação efetiva do estado, e, principalmente, a violação dos direitos das comunidades atingidas. Situação exposta também no recente caso de trabalho escravo em três vinícolas da Serra Gaúcha: Salton, Aurora e Garibaldi.
É evidente que existe uma assimetria de poder entre pessoas e transnacionais. Enquanto grandes empresas e transnacionais seguem aumentando os lucros, ano a ano, não há uma casa sequer construída para as comunidades atingidas pelo rompimento das barragens citadas. E a violação também é da memória, agora marcada pelas imagens de um desastre minerário anunciado há muito na história do Brasil.
Os povos atingidos têm seus direitos violados antes mesmo de projetos entrarem em seus territórios. Como é o caso da violação do direito à informação, ou à consulta livre, prévia e informada, conforme dispõe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). E para complementar, as empresas e transnacionais que lucram com as violações de direitos, ainda se promovem com propagandas trazendo uma imagem de sustentáveis, éticas e responsáveis.
Com a lógica de que o lucro vale mais que a vida, se articulam em redes bem estruturadas para saírem impunes: negam seu envolvimento, evitam a responsabilidade com acordos em tribunais de arbitragem internacional, manipulam pesquisas científicas, disseminam falsas informações, criminalizam e perseguem defensores dos direitos humanos e enfraquecem comunidades.
É preciso frear o poder das corporações e pautar o debate a partir dos direitos humanos e da vida. Trazendo o protagonismo de pessoas trabalhadoras, atingidas pelas violações de direitos e de minorias sociais. E é com essa premissa que o “Seminário Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente” apresentou ferramentas, acúmulos e como avançar na luta pela garantia dos direitos humanos.
Cartilha Popular sobre o PL Nº.572/2022: uma ferramenta educativa na luta pelos direitos humanos Organizações civis, sindicais e movimentos sociais realizaram, de 14 a 16 de março, em Brasília, o Seminário Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente – Lei Marco no caminho global de mais regras para as empresas. Nos encontros, foi debatida a importância de regulamentar a atuação de empresas nacionais e estrangeiras no Brasil. Assim como a relevância da aprovação do PL 572/22 – Lei Marco Sobre Direitos Humanos e Empresas, projeto de lei de autoria coletiva que tramita atualmente na Câmara dos Deputados.
A divulgação de informações sobre a realidade dos atingidos deve ser de conhecimento de toda a sociedade. Assim como a compreensão a respeito da forma com que as empresas e transnacionais se organizam para seguirem impunes. Evidenciar estes pontos é imprescindível para assegurar direitos e garantir que a vida venha antes do lucro. Tendo isso em vista, o encerramento do Seminário contou com o lançamento da “Cartilha Popular sobre o PL Nº.572/2022” , uma ferramenta para fortalecer a articulação das lutas. Apresentando os pontos centrais do projeto de lei, o material adentra a arquitetura da impunidade e propõe como é possível se engajar na construção do Projeto de Lei.
A cartilha explica como surgiu o PL 572/22, que frente a tantas desigualdades vem para criar um marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelecer diretrizes para a promoção de políticas públicas no tema. O objetivo da lei é garantir a primazia dos direitos humanos sob a lógica dos negócios. Assim como proteger mais adequadamente os direitos fundamentais das comunidades atingidas, o que perpassa prever recursos que garantam os protagonismos destes grupos, superando o desequilíbrio entre os direitos das empresas e dos povos.
São apontadas ainda porque uma lei marco nacional é necessária, o que há de inovador no PL e que outras iniciativas de normas podem fortalecê-lo, como é o caso da Política Nacional dos Atingidos por Barragem (PNAB), PL nº. 2788/2019.
Apesar de muitos direitos estarem reconhecidos em outras leis, o texto da PL 572/22 apresenta de forma sistematizada um conjunto de ferramentas tanto para prevenir como para mudar o desfecho de violações.
O Seminário Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente, aconteceu no prédio da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares), no Núcleo Bandeirante, no Distrito Federal. A atividade foi organizada pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), entidade ambientalista Amigas da Terra Brasil, Fundação Friedrich Ebert (FES – Brasil), Centro de Direitos Humanos e Empresas (Homa), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Oxfam Brasil.
Além das entidades promotoras, estiveram presentes no seminário o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida; a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL/RS), uma das propositoras do PL; a organização quilombola CONAQ; o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e CPT (Comissão Pastoral da Terra); órgãos judiciários, entre eles o MPF (Ministério Público Federal), o MPT (Ministério Público do Trabalho) e a DPU (Defensoria Pública da União); CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos); a ONG Justiça Global e o veículo de comunicação Repórter Brasil, especializado em denunciar situações de trabalho análogo à escravidão.
O seminário faz parte da “Campanha Essa Terra Tem Lei – Direitos para os Povos e Obrigações para as Empresas”. Em três dias de atividades e muita articulação das lutas, parlamentares, pesquisadores de universidades e representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil elaboraram sobre a importância de responsabilizar as empresas por suas violações de direitos humanos. Foram propostos, ainda, os próximos passos e incidências para a aprovação do PL/572/2, que é o primeiro projeto nacional de obrigações para as transnacionais para complementar o Tratado Vinculante da Organização das Nações Unidas (ONU).