Estados do Sul global e sociedade civil mantêm o momento para regular as corporações transnacionais na legislação internacional de direitos humanos
De 25 a 29 de outubro, os Estados-Membro das Nações Unidas prosseguiram com as negociações para a elaboração de um instrumento internacional legalmente vinculativo (LBI, na sigla em inglês) para regular, na legislação internacional dos direitos humanos, as atividades das corporações transnacionais (CTNs), incluindo todos as empresas ao longo das suas cadeias globais de produção. Este processo histórico celebrou a sua sétima sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta (OEIGWG, na sigla em inglês), organizado pelo Conselho de Direitos Humanos no Palácio das Nações em Genebra, na Suíça.
A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, abriu a sessão defendendo que o mundo está a testemunhar um “crescente consenso sobre a necessidade de normas vinculativas sobre empresas e direitos humanos”.
CLIQUE AQUI para conferir a avaliação de Leticia Paranhos, coordenadora internacional do programa de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Amigos da Terra Brasil, sobre a 7ª rodada de negociação do Tratado Vinculante
CLIQUE AQUI para acessar o vídeo apresentado pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e pela Amigos da Terra Brasil durante a 7ª Sessão de Negociação do Tratado Vinculante na ONU (Organização das Nações Unidas) denunciando os crimes cometidos pela empresa mineradora Vale em 2015, na cidade de Mariana, e em 2019 em Brumadinho, ambos no estado de Minas Gerais.
As negociações em torno do Tratado Vinculativo da ONU – como é comumente conhecido – deram um salto qualitativo com a nova metodologia adotada para esta sessão, que trouxe transparência e incentivou os Estados a posicionarem-se sobre a linguagem específica do texto draft do tratado. Um total de 69 Estados participou na sessão, ao longo de toda a semana. Mais importante ainda, alguns conteúdos principais e indispensáveis foram reintroduzidos e defendidos por alguns Estados, de acordo com o mandato da Resolução 26/9, com vista a preencher as lacunas do direito internacional dos direitos humanos que permitem a impunidade das empresas transnacionais. Entre outros, notamos a positiva e construtiva participação da África do Sul, Egito, Palestina, Camarões, Namíbia, Panamá e Cuba.
A este respeito, Julia Garcia, do Movimento Atingidos por Barragens (MAB) e coordenadora da Campanha Global,
afirmou: “Celebramos o fato de que muitos Estados estão a negociar
obrigações legais diretas e claras para as empresas transnacionais e
outras empresas com atividades transnacionais, superando as limitações
normativas a nível nacional, que contribuem para a impunidade. Queremos
destacar a importância das propostas que têm defendido a primazia dos
direitos humanos sobre os direitos das empresas em toda a cadeia
produtiva global”.
Como todos os anos, foi fundamental o
papel da sociedade civil, defendendo a continuidade deste processo e
fornecendo análises detalhadas, argumentos fortes e propostas de
conteúdo muito concretas. A Campanha Global para Reivindicar a Soberania
dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade
(Campanha Global), representando 260 milhões de pessoas globalmente
afetadas por corporações transnacionais, participou diretamente nas
negociações, retomando parcialmente a presença física que no ano passado
não foi possível devido à pandemia do COVID-19.
“Acesso às vias de recursos, a reparações e à justiça têm se tornado uma luta intergeneracional repleta de obstáculos”, declarou Joseph Purugganan, da organização Focus on the Global South e da Asian Task Force on the Binding Treaty. Continuou defendendo que “face às assimetrias de poder que predominam na maioria dos países, a proteção dos indivíduos e comunidades afetadas, através da criação de mecanismos fortes de acesso à justiça e a reparações, deve ser uma prioridade neste processo”.
Hugo Barretto, assessor da Confederação Sindical das Américas (TUCA), reiterou que a Campanha Global defende um “tratado ambicioso e eficaz com regras vinculativas de direitos humanos para empresas transnacionais e as demais empresas nas suas cadeias globais de produção, que são em grande parte responsáveis pela crise climática e da biodiversidade, pela exploração do trabalhador, e pelos atuais níveis de desigualdade sem precedentes. A conduta reprovável destas empresas põe em risco o futuro da humanidade e do planeta. ”
Raffaele Morgantini do CETIM explicou “Alguns Estados ocidentais e representantes de empresas defenderam repetidamente a relevância dos atuais quadros voluntárias, e até fizeram tentativas frustradas de sugerir alternativas ao Tratado Vinculativo, como parte de uma estratégia liderada pelos EUA para enfraquecer o processo e promover caminhos alternativos e fúteis. No entanto, a necessidade de dar um passo significativo e encontrar formas inovadoras de colmatar as lacunas jurídicas que ainda existem a nível internacional foi sentida de forma preponderante durante toda a semana. Vale destacar também que vários Estados reconheceram a importância da participação da sociedade civil e o valor das nossas propostas.”
No entanto, existem algumas preocupações sobre o risco de perda de transparência do processo. Erika Mendes, da Justiça Ambiental / Amigos da Terra Moçambique afirma que este é o caso, particularmente, “na próxima etapa do processo de negociações, que irá avançar no formato do denominado ‘Grupo de Amigos do Presidente’ durante o período entre sessões. É importante que a nova metodologia de negociação entre Estados garanta a participação da sociedade civil, e que a voz das comunidades afetadas seja ouvida e considerada. Ao mesmo tempo, apelamos ao Presidente do grupo de trabalho intergovernamental e aos Estados para que protejam o processo da influência nefasta de poderosas corporações que, em vez de defender os direitos humanos, fazem lobby pela proteção dos seus próprios interesses econômicos”.
Fernanda Melchionna, deputada federal do Congresso Nacional Brasileiro e membro da Rede Global Interparlamentar (GIN) em apoio ao Tratado Vinculativo declarou: “A luta por um Tratado Vinculativo que regule o poder das transnacionais e coloque os direitos humanos e ambientais acima do poder corporativo é uma luta estratégica e fundamental para o mundo. O papel que cumpriu a Campanha Global, de articulação e mobilização para não deixar que países retirassem a essência do texto, é a demonstração de que a sociedade civil, as populações atingidas e os movimentos sociais têm um contribuição fundamental para este processo.”
A Campanha Global continuará com o seu compromisso de garantir que o processo se mantém fiel ao espírito e à ambição da Resolução 26/9. Para tal, mobilizamo-nos a nível nacional para garantir que os nossos governos participem ativamente nas negociações, representando as necessidades e aspirações dos povos de cada país.
Marcando a 7ª Sessão de Negociação do Tratado Vinculante na ONU, a Amigos da Terra Brasil (ATBr), Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragens (MAB), Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas e Transnational Institute (TNI) lançaram uma cartilha popular em que abordam os crimes cometidos pela megamineração no Brasil e a importância de marcos jurídicos e da luta das organizações e movimentos sociais por reparações justas. Acesse a cartilha popular “Chega de Impunidade Corporativa no Brasil” clicando AQUI
MAIS INFORMAÇÕES
A Campanha Global para Reivindicar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade (Campanha Global) é uma rede de mais de 250 Movimentos Sociais, organizações da sociedade civil (OSCs), sindicatos e comunidades afetadas pelas atividades das empresas transnacionais (TNCs), representando 260 milhões de pessoas em todo o mundo. https://www.stopcorporateimpunity.org
Esta rodada de negociações está revisando o terceiro rascunho do tratado vinculante, publicado a 17 de Agosto de 2021, que faz parte do processo de negociações iniciado em 2014 com a adoção da Resolução 26/9 por parte do Conselho de Direitos Humanos. Informação da ONU sobre o mandato do Grupo de Trabalho Intergovernamental (OEIGWG).
A Campanha Global publicou esta declaração em Setembro de 2021 em resposta à publicação do terceiro rascunho revisado.
A Rede Global Interparlamentar de apoio ao Tratado Vinculante é uma rede mundial de parlamentares nacionais e membros do Parlamento Europeu que apoiam o Tratado Vinculante da ONU. https://bindingtreaty.org/
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