Entre 30 de novembro e 1º de dezembro, aconteceu no Espírito Santo o 3º Seminário da campanha anti-petroleira “Nem Um Poço A Mais!”. O Amigos da Terra Brasil participou do evento. Confira abaixo a carta produzida a partir dos debates que ocorreram lá e que acompanhamos atentos!
“Nosso planeta tem que ser uma casa de bem estar para todos. Não queremos perder nossa história” DONA ROSA
Liderança comunitária anciã de Jacaraípe/ES
“Nos ofereceram uma riqueza que não existe. Todo empobrecimento da humanidade é provocado por esse desenvolvimento que está aí afora. E a gente não se dá conta que está cavando nossa própria sepultura” SEU BI
Pescador ancião de Conceição da Barra/ES
BARRAR A EXPANSÃO E SUPERAR A CIVILIZAÇÃO PETROLEIRA
Reunidos no 3º. Seminário Nacional, nós, da Campanha “Nem um poço a mais!”, convocamos você e sua família, seus grupos coletivos e comunidades; conclamamos as redes e fóruns da sociedade civil brasileira e mundial para barrarmos a expansão da indústria e da civilização petroleira no Brasil.
De um lado, a violência da indústria petroleira extrativista. As pesquisas sísmicas, a perfuração de novos poços e a reativação de poços maduros, as tecnologias de fracking, o transporte por dutos, navios e caminhões tanques, os terminais de óleo e gás, os portos e refinarias de petróleo devastam os territórios tradicionais e distritos industriais nas periferias urbanas. A exploração offshore privatiza o mar, os manguezais e expulsa as comunidades. Planejam as terras e as águas sem gente. Planejam as gentes sem as terras e as águas. Impossibilitam seus modos de vida, cultura e trabalho. Povos de pesca artesanal, quilombolas, indígenas, ribeirinhos, caiçaras, camponeses, mulheres, negros e jovens são os principais alvos do etnocídio racista, machista e petroleiro.
De outro lado, o consumo inconsequente e mal distribuído nas sociedades. A gasolina, o diesel, óleo combustível, querosene, gás liquefeito, nafta, agrotóxicos, plástico, borracha, tintas, cosméticos e até fármacos. A petrodependência se alastra como epidemia. O uso desenfreado e o descarte dos derivados do petróleo poluem a terra, as nascentes, os rios e lagoas. Contamina os alimentos. A queima do gás e o processo industrial provoca chuva ácida e polui a atmosfera. Esquenta o clima do planeta. E depois inventam malabarismos para desviar o foco da causa do aquecimento global e manter a lógica de rodopios das Conferências e acordos internacionais do clima e da biodiversidade.
As ciências do desenvolvimento e do emprego, a economia verde compensatória, os métodos e métricas dos condicionantes induzem à lógica de rebanho do “quanto mais petróleo melhor: mais crescimento econômico, mais consumo, mais royalties, mais direitos”. Tudo farsa, apoiada em massiva propaganda e financiamentos das empresas e corporações petroleiras. Poluem os territórios mentais com a aceleração e automatização da vida, com a quimicalização, manipulação e o controle das subjetividades. Previna-se e tenha cuidado! A compensação nunca compensa, os condicionantes não condicionam. A expansão petroleira destrói os direitos humanos e da natureza.
No Brasil, na floresta (AC e AM), na foz do Amazonas (PA e AP), na costa do Nordeste (MA/CE/RN), como na região de Suape (PE), em Sergipe e no Recôncavo baiano (BA), no Sapê do Norte e na foz do Rio Doce (ES), na Baixada Fluminense e na Baía de Guanabara (RJ) e ao longo da vasta província do Pré-sal, nas águas profundas do Atlântico Sul (ES/RJ/SP/PR/SC). Na Amazônia, no Cerrado, na Caatinga, na Mata Atlântica, nos manguezais, a expansão petroleira não tem limite! Precisa ser detida.
Nesse aspecto, conclamamos nossos colegas da Via Campesina e demais da Campanha “O petróleo tem que ser nosso.” para uma reflexão conjunta e um diálogo fraterno, a respeito da expansão petroleira. Compartilhamos a crítica contra a privatização da Petrobras e internacionalização do setor no Brasil. A Shell, por exemplo, impera em alguns de nossos territórios tradicionais. Entretanto, nós, da Campanha “Nem um poço a mais!”, defendemos manter o petróleo e o gás no subsolo. Pois, mesmo que “nosso”, se extraído e usado, serão nossos também seus impactos e violações. Nossa será a destruição dos territórios e povos tradicionais, nossa a contaminação das águas e das terras, nossos serão os agrotóxicos e o racismo social e ambiental. A soberania nacional não pode estar acima da soberania dos diferentes povos e territórios brasileiros. E também a Petrobras tem sido, ela mesma, uma multinacional implacável junto a povos indígenas no Equador, na Bolívia bem como na África.
O Governo Temer quer acelerar ainda mais a exploração de petróleo e gás no Brasil. Para isso lança o Plano Decenal de Energia (PDE) centrando 70% dos investimentos em petróleo e gás. Também o Plano REATE, para sacar as últimas gotas dos poços maduros, sem nenhuma reparação para o passivo socioambiental desses poços. Labirintos de poder sob controle dos partidos hegemônicos e das corporações nacionais e internacionais, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e o Conselho Nacional de Política Energética anunciam uma agenda de leilões até 2022, ofertando novos blocos para exploração, em terra e no mar. A privatização do setor, principalmente na província do pré-sal, atrai as principais petroleiras multinacionais como a Shell, StatOil, Chevron, Repsol, BP, DEA, BHP, Total, Estaleiro Jurong, Porto Rotterdã, além das chinesas.
A velocidade dos negócios atropela qualquer cuidado e prevenção, tornando os licenciamentos cada vez mais ágeis e flexíveis, controlando os relatórios mais criteriosos de técnicos ambientais do próprio IBAMA e demais órgãos. As rápidas audiências públicas são monólogos de tecnocratas, armadilhas longamente tramadas contra os povos e a sociedade civil local. A consulta prévia é um desrespeito às comunidades locais. Tal como nos governos anteriores, no setor de petróleo e gás, a corrupção segue imperando na relação entre empresas e Estado. Ora mais estatizantes e nacionalistas, ora mais liberais e privatistas, o mecanismo desenvolvimentista segue hegemônico, capturando o horizonte futuro e inviabilizando as bases de uma transição. Há que se construir uma terceira via para a Natureza e para sociedade brasileira, pós-capitalista e pós-petroleira.
Não estamos condenados a seguir o caminho suicida da sociedade produtivista e consumista, sem mais tempo e sentido para a vida. A justa distribuição da terra, a regularização dos territórios tradicionais, o cuidado com a Natureza, a defesa da água e do alimento, a crítica do racismo e do machismo. Antes de uma média per capta de consumo energético, precisamos saber: Que usos e modos de vida precisam de mais energia? E de quais energias?
Produzido pelo Amigos da Terra Brasil em parceria com a Sucupira Filmes, o documentário: “Mercado Verde: a Financeirização da Natureza” apresenta diversos casos pelo Brasil em que os processos de Mercantilização e Financeirização da Natureza transformam bens comuns, fundamentais à vida, em mercadorias privadas passíveis de transações comerciais, lucro e especulação. Esses processos estão em curso em todo o mundo e são amparados em acordos internacionais de livre comércio e em legislações como o Novo Código Florestal, que abrem as portas para grandes corporações explorarem os territórios e que criam uma arquitetura de impunidade para quem viola direitos de comunidades.
O filme aborda as violações de direitos nos territórios provocadas pelos agentes da Financeirização da Natureza, que passa pelas violações da monocultura de eucalipto e soja no Bioma Pampa, intoxicação de todo o ecossistema à margem do Rio Doce pela Samarco (Vale do Rio Doce e BHP Billinton), extermínio de indígenas no Mato Grosso do Sul por latifundiários, ataques aos quilombolas e povos originários através de legislações elaboradas por ruralistas. Por fim, a cooptação do Estado que impulsiona a impunidade das grandes corporações violadoras.
O documentário também apresenta alternativas de resistência a esse sistema, como a troca de saberes entre comunidades, a perpetuação de manejos anscestrais, a valorização da biodiversidade dentro dos biomas.
Para expor estas situações, o vídeo traz diversas entrevistas e depoimentos.
> Marília Gutierrez, assentada da reforma agrária em Herval do Sul (município do Bioma Pampa) e integrante do Grupo Biodiversidade;
> Lúcia Ortiz, Coordenadora Internacional do Programa de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Federação Amigos da Terra Internacional;
> Roberto Liegbott, do Conselho Indigenista Missionário;
> Onir Araújo, advogado e integrante da Frente Quilombola e da Organização Nacional Pela Libertação do Povo Negro (OLPN);
> Giovani Krenak, indígena da etnia Krenak;
> Antonio Sepezeiro, quilombola de Sapé do Norte, Espírito Santo.
Te convidamos a assistir o documentário e a difundí-lo nas suas redes para que possamos seguir lutando pelo fim da impunidade das grandes corporações e pela construção da soberania alimentar e dos povos nos territórios.
O documentário teve apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, Fundação Henrich Boll, Siemenpuu Foundation.
Produzido conjuntamente por oito organizações da América Latina e editado pela Rádio Mundo Real, do Uruguai, o documentário “Sementes: Bem comum ou propriedade corporativa?” reúne experiências e lutas dos movimentos de defesa das sementes criolas e nativas na América Latina, desde Equando, Brasil, Costa Rica, México, Honduras, Argentina, Colombia e Guatemala.
As protagonistas são as sementes crioulas, nativas, nossas, nas mãos das comunidades campesinas e dos povos indígenas. O documentério aborda a defesa das sementes nativas como parte integral da defesa do território, da vida e da autonomia dos povos, a relação entre as mulheres indígenas e as sementes nativas, o fluxo das sementes entre as comunidades, a história da origem do milho, as cerimmônias maias sobre a importância das sementes, os agradecimentos e as bençãos às sementes, as feiras e intercambio de sementes e as experiências locais de recuperação e manejo de sementes crioulas.
Também estão presentes as lutas contra as leis de sementes e contra o UPOV 91, contra a imposição de sementes transgênicas, a denúncia e devastação que implicam os transgênicos, e a resistência às pulverizações e ao avanço do agronegócio.
Convidamos você a ver o documentário e compartilhar o vídeo para seguirmos defendendo as sementes como patrimônio dos povos a serviço da humanidade no caminho da soberania alimentar.
O Coletivo de Sementes de América está composto por: Associação Nacional para o Fomento da Agricultura Ecológica (ANAFAE) de Honduras, Rede Nacional para a defesa da Soberania Alimentar em Guatemala (REDSAG), Rede de Biodiversidade de Costa Rica, Grupo Sementes de Colômbia, Ação Ecológica do Equador, Articulação Nacional de Agroecologia do Brasil, Ação pela Biodiversidade de Argentina e GRAIN.
Veja “Sementes: Bem comum ou propridade coporporativa?”:
Três militantes do MTST — Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto foram detidos em São Paulo, no dia 28, durante os protestos da Greve Geral. Luciano Antônio Firmino, 41 anos, Juraci Alves dos Santos, 57, e Ricardo Rodrigues dos Santos, 35, estão na 63º DP em prisão preventiva, sem prazo de duração, no aguardo de uma vaga prisional (http://bit.ly/2pORIAm). Não há provas sobre nenhum dos crimes de que são acusados: lançamento de rojão contra a Força Nacional e incêndio em via pública. Não foram encontrados resquícios de rojão no local em que Juraci e Rodrigo foram presos, nem no carro de Juraci ou até mesmo em uma Paróquia que a polícia invadiu atrás de provas. No caso de Luciano, nenhum pneu foi queimado onde estava. As únicas provas são os depoimentos dos policiais.
Não por acaso, Luciano, Juraci e Rodrigo são negros, em mais um caso de perseguição a essa população e de racismo institucional incrustado em nosso país.
Segundo a a juíza estadual Marcela Coelho, “as prisões são necessários para o mantenimento da ordem social”. Questionamos que ordem social é essa em que o direito à greve é criminalizado? Em que um capitão da Polícia Militar de Goiás provoca com uma cassetada traumatismo craniano em um estudante e fica impune (http://bit.ly/2p1dOvk)? Em que a PM do Rio de Janeiro interrompe falas de um vereador com bombas de gás lacrimongêno como nos tempos da ditadura civil-militar (http://bit.ly/2p1dg8K)? Que ordem social é essa que, enquanto indígenas denunciam o genocídio do seu povo no Acampamento Terra Livre em Brasília, sem serem escutados pelo poder público, mas sim recebidos com bombas pela Polícia Legislativa, seus parentes do Maranhão, os índios Gamelas, são esfaqueados e baleados por fazendeiros e capangas, acobertados pela polícia (http://bit.ly/2qp9Iye)? Que ordem social é essa em que, enquanto direitos trabalhistas são suprimidos a portas fechadas, retrocesso que vai agravar a precarização da vida do povo negro, dos povos originários, das mulheres, dos de baixo desse país, protestos são reprimidos com violência? A ordem social do Brasil está comprometida justamente por medidas criminalizatórias como a da juíza Marcela Coelho, que acoberta os exploradores de cima e encarcera os de baixo.
O Amigos DaTerra Brasil, como membro da Federação Amigos da Terra Internacional, presente em 75 países, e articulados regionalmente como Amigos da Terra América Latina e Caribe(Atalc Foei) pela Justiça Ambiental, denuncia as três prisões políticas da Greve Geral do dia 28. Solidariedade ao Luciano, Juraci, Rodrigo e suas famílias e ao Movimento do Trabalhadores Sem Teto.
Pela não criminalização de quem luta!
Lutar não é crime!
O Código Florestal foi um dispositivo legal criado em 1965 usado nas lutas socioambientais no campo, inclusive para a promoção da reforma agrária. Puxado pelo agronegócio, em 2012 aconteceu a revogação desta legislação através da Lei 12.651. A nova lei, conhecida como Novo Código Florestal, entre outros pontos:
– Reduziu os padrões de proteção ambiental;
– Deu anistia aos desmatadores;
– Flexibilizou a fiscalização do agronegócio;
– Regulamentou a grilagem de terras;
– Descaracterizou as áreas de preservação permanente e as de reserva legal.
O Novo Código transmutou espaços especialmente protegidos em espaços de produção econômica. De ferremanta de proteção ambiental se converteu em leis facilitadoras da privatização da natureza, a serviço do agronegócio, das multinacionais e do Estado cooptado.
No entanto, a nova legislação não está consolidada. O Novo Código Florestal está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal por três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 4901, 4902 e 4903) (http://bit.ly/AdisCF). Além disso, a bancada ruralista conquistou a prorrogação do prazo do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para 2017.
Mesmo com as incostitucionalidades, as alterações do Novo Código Florestal Federal pautaram as discussões na Assembleia Legislativa em 2016. Duas comissões foram criadas para discutir a necessidade de alterações da legislação estadual (Códigos Florestal e Ambiental do Rio Grande do Sul) para se adequar a legislação federal.
Para falar sobre o assunto de dentro da Assembleia Legislativa, o Grupo Carta de Belém convida Larissa Packer, que, na última década, participou ativamente dessa resistência, integrando diferentes fronts: o Núcleo de Estudos de Direito Alternativo da UNESP, como estudante; a Promotoria de Justiça Ambiental e de Conflitos Fuundiários de Ribeirão Preto, como estagiária; a Organização Terra de Direitos, como advogada popular. Larissa é autora do livro “Novo Código Florestal e Pagamentos por Serviços Ambientais. Regime Proprietário sobre os bens comuns”. É graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007) e mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Paraná (2010). Foi professora de Teoria Geral do Estado e Ciência Política e militante na área do direito socioambiental e direitos humanos, atuando especificamente no marco regulatório do Código Florestal, na construção dos direitos coletivos ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade e agrobiodiversidade e em ações civis públicas na área de biotecnologia e organismos geneticamente modificados.
O Grupo Carta de Belém é uma articulação nacional criada em 2009 que tem por objetivo fortalecer e ampliar o campo político de crítica às propostas de mercantilização dos bens comuns e da natureza; e reforçar e propor a criação de políticas públicas estruturantes que apoiem e fortaleçam os modos de produção sustentáveis da agricultura familiar e camponesa, extrativistas, dos povos e comunidades tradicionais. Atualmente o grupo é formado, dentre outras organizações, por Amigos da Terra Brasil, CUT, FASE, FETRAF, FAOR, FMCJS, INESC, Jubileu Sul Brasil, Rede Brasil, Terra de Direitos, além de organizações que compõem a Via Campensina Brasil. Mais informações http.://cartadebelem.org.br
O que?
As incostitucionalidades do Novo Código Florestal e a privatização dos bens comuns, com Larissa Packer.
Quando?
20 de abril, às 19 horas.
Onde?
Espaço de Convergência Adão Pretto, Assembleia Legislativa do RS.
Sábado, dia 8, aconteceu a oitava edição da Feira Frutos da Resistência. Além da já habitual presença dos parceiros dos territórios (Quilombo do Sopapo, Somos Soma, Grupo Biodiversidade, Hortaria de Maquiné), tivemos a banca do veneno, que destacou alimentos com alto índice de agrotóxicos e conteúdos que tratam da relação da indústria alimentícia com a bancada ruralista. As violações do agronegócio foi o tema de um debate, na rádio poste, com a participação Letícia Paranhos e Patrícia Gonçalves, do Amigos DaTerra Brasil, Onir Araújo, da Frente Quilombola RS, e Mônica Gonçalves, do Grupo Biodiversidade. A Feira Frutos da Resistência acontece todo o segundo sábado de cada mês, em frente ao Amigos da Terra Brasil. Fotos de Douglas Freitas e Lia Gonçalves.
Desde sexta-feira, dia 27, 20 famílias Guarani Mbya retomaram a área da Fepagro (Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária), no Município de Maquiné, litoral Norte do Rio Grande do Sul. Os indígenas estão criando uma aldeia no local e reinvidicam a demarcação da área. Segundo o Cacique André Benites, a retomada é uma luta pelo futuro, pela preservação do espaço e pela perpetuação da cultura Guarani, mas também é uma luta pelo passado, pela memória dos ancestrais que ali viviam até mesmo antes da chegada do europeu e da intervenção do Estado. “A gente não está invadindo, só entramos em território que já era nosso. Por isso retomada”.
Segundo o Cacique José Cirilo, os guaranis nunca tiveram seus direitos totais garantidos. “O povo Guarani sofre muito, muitas famílias pela beira da estrada ou em pequenos pedaços de terra, o que nos faz sentir que estamos jogados. Para nós é importante esta retomada, estar dentro da mata, sermos livres”. A Fepagro é uma das fundações que está em processo de extição com os pacotes de cortes do Governador Ivo Sartori. “Se vai ficar na mão dos políticos, essa área vai ser um condomínio. Então nós queremos preservar. Por isso nós retomamos, porque queremos salvar os animais, os passarinhos, a água boa que corre aqui”. Cirilo é cacique da Aldeia Tekoa Anhetenguá, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Assim que foi retomada a terra em Maquiné, se somou em solidariedade. “Tenho neto já. Com uma pequena área dentro da cidade de Porto Alegre não tem condições de ser criado dentro da cultura dele. Sou solidário aqui porque vai ampliando o território dos Guaranis, porque vamos ter mais acesso a viver na nossa cultura. Hoje vivemos em pequenas áreas como um passarinho cercado”. Até o começo da noite desta segunda-feira, nem a Funai, nem qualquer órgão público fez contato com os indígenas.
No Vale de Maquiné, local rico em Juçara e território com Mata Atântica, o Cacique José Cirilo, vê a área como um espaço muito adequado para o modo de vida Guarani. “Tem água boa, várias frutas que vão alimentar as crianças, frutíferas, nativas, araçás. Tem a riqueza da nossa cultura. Nunca os governos nos deram uma área boa como essa. Nos dão terras já usadas, que não servem mais para nada. Penso muito no que os Governos fazem. Nos tiram de territórios guaranis, nos jogam para a beira da estrada e sem condições, sem conseguirmos continuar com a cultura. Colocam limites, cercas, fronteiras. Tirando o nosso território. Nós queremos pelo menos um pedaço e a terra adequada. Essas políticas deveriam pensar, porque somos povos originários e donos da terra. Nós queremos que tenham respeito pela nossa cultura e pela nossa tradição”.
O Cacique André indica que qualquer doação é bem-vinda, principalmente alimentos, lona, roupas, ferramentas. O Amigos DaTerra Brasil (Rua Olavo Bilac, 92 – Cidade Baixa – Porto Alegre) e o Bar da Carla (Rua Lobo da Costa quase esquina com a José do Patrocínio) são pontos de coletas. Qualquer dúvida, entre em contato aqui pela página.
A Feira Frutos da Resistência existe como um mecanismo de encontros, de troca de informações dos enfrentamentos e resistências que se dão em Herval, no sul do Estado; Maquiné, no litoral; no Cinturão Verde, na Zona Sul de Porto Alegre e através das ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Nas duas últimas edições esse intercâmbio foi potencializado pela presença da rádio-poste do Amigos da Terra, onde foi possível ouvir, por exemplo, sobre como foi a Ocupação do Demhab, quais as dificuldades que o agronegócio impõe em Herval para o fomento da agroecologia, como a especulação imobiliária quer acabar com mais de 400 hectares na beira da Orla do Guaíba, como se dá a economia solidária no Quilombo do Sopapo. Conversas sobre lutas cotidianas, que mostram um pouco do que está acontecendo nos territórios e quem são aquelas e aqueles que constroem a Feira Frutos da Resistência. A proposta é difundir a agroecologia, a economia solidária, através dos produtos, mas também que a feira sirva para informar a quem passa (por falar nisso, os informativos que distribuímos podem ser lidos online por AQUI).
Se você quer entender quem compõe a Feira Frutos da Resistência, que acontece todo o primeiro sábado do mês, como é construída e quem faz parte disso, acompanhe os textos abaixo, que tem como base as entrevistas feitas na rádio-poste. Todos os áudios gravados na 4ªedição, dia 15 de outubro (especialmente nesta data neste mês. Em novembro volta a ser no primeiro sábado, dia 5 de novembro) estão disponíveis AQUI.
Também através da rádio-poste, prestamos uma homenagem à Magda Renner, uma das fundadoras do Amigos DaTerra Brasil, que nos deixou, semana passada, aos 90 anos. Mulher de luta, que militou e lutou para que possamos estar onde estamos hoje. A feira também é um fruto de Magda.
Acompanhe nossa homenagem:
Para quem quiser compartilhar este texto sobre a Magda Renner no Facebook, clique AQUI.
As ações e a organização do MTST em Porto Alegre
Em mais uma feira, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto esteve presente com sua campanha pelo autossutento, vendendo assados no forno de barro, camisetas e trocando publicações. Eduardo Osório e Karoline Bitello foram os porta-vozes do MTST na rádio, onde contaram como se dá a luta do movimento na cidade e relembraram as ações que já aconteceram nesses quase um ano de organização.
“O MTST é uma organização formada e organizada por trabalhadores, de distintos lugares da cidade. Preferencialmente das regiões periféricas. Sempre parte dali, mas nunca esquecendo a cidade como um todo. Partindo daí, para conquistar a moradia digna, o que a gente entede por moradia digna. A moradia não é só o teto, é também saneamento básico, calçamento, infraestrutura, é transporte público que tu possa chegar no trabalho de maneira menos onerosa, direito à cidade. Com uma ocupação, não estamos lutando somente para que seja construído em cima do terreno. Estamos lutando por uma cidade mais igual”, explicou Eduardo. “Após a ocupação de um ano atrás [no Morro Santana. Saiba como foi essa ação na reportagem “Assim o MTST chegou a Porto Alegre”, do ANÚ — Laboratório de Jornalismo Social, no site Outras Palavras]”, criamos vínculos com comunidades da Zona Norte. Mantemos trabalho comunitário e cooperativo associado à comunidade Progresso, a alguns grupos do Morro Santana e à Vila Dique”, explicou Karoline.
Karoline destaca que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto é nacional, está presente em 11 estados. “Atualmente temos feito bastante articulação para se opor e resistir às iniciativas desse governo golpista que está aí e que tem se posicionado de uma forma a cercear direitos e oprimir cada vez mais a população pobre, aos trabalhadores, aos trabalhadores terceirizados, aos prestadores de serviço”.
Eduardo lembrou da Ocupação do Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre, em que o MTST, o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e o Movimento de Lutas dos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) por 28 dias revindicaram que a Prefeitura implantasse de fato uma política de habitação na cidade. Nas primeiras instâncias, a Justiça legitimou a ação dos que ocupavam, exigindo da Prefeitura que apresentasse uma agenda de diálogo para tratar das pautas de reivindicação.
Essa agenda nunca veio. A Prefeitura recorreu sempre na Justiça, sem estabelecer contato direto com quem lutava para expor os motivos que os levavam até ali. A ocupar aquele prédio frio, com a presença de crianças e idosos, por quase um mês. Ocupavam principalmente porque a Prefeitura estava com o pagamento dos alugueis sociais atrasados, mandando, por descaso, centenas de pessoas de volta para a vida na rua. Ocupavam para explicar que são insuficientes as vagas e indignas as situações dos albergues em Porto Alegre. Se a Prefeitura quisesse ouvir, teria explicações, por exemplo, de por que o Viaduto Otávio Rocha, o Viaduto da Borges, estar lotado de pessoas e famílias em situação de rua. Estavam ali para chamar a atenção para o déficit habitacional que vive esta cidade há anos, que especula imóveis vazios no centro, cria condomínios de luxo em áreas privilegiadas e expulsa quem pode do caminho.
Quando estas pessoas removidas ocupam, lutando pelo que é direito, tem novamente seus direitos violados, dessa vez pela ação da Justiça e da Polícia Militar, que passam a patrola, literalmente, em qualquer perspectiva. Quem ocupou o Demhab queria mostrar isso e outros pontos que oprimem a vida diária na cidade para o prefeito e saber o que ele tem a dizer, a apresentar. “Tentaram nos matar no cansaço, se fizeram de surdos, até que a Prefeitura conseguiu o mandato para nos despejar. Foi bem truncado, a Brigada Militar chegou sem mandato. Estávamos entre 15 ocupantes na hora do despejo, entre mulheres, crianças e idosos e um efetivo da polícia muito grande”, relatou Eduardo. E destacou: “Justamente a gestão que nos tratou assim, coloca nessas eleições o ex-vice-prefeito Sebastião Melo como o candidato do diálogo. Com a gente não foi bem assim”.
A linha do tempo feita pelo IndexPoa mostra o cronograma de reivindicações do Movimento Nacional da População de Rua. Que, depois de tentar de muitas formas ser escutado, teve que recorrer à ocupação do Demhab. Veja AQUI.
Karoline explica como o MTST busca manter a autonomia do movimento. “Nos organizamos através dos territórios, através dos bairros, das comunidades periféricas e a gente não se vende para organizações, nem para partidos políticos. Hoje estamos aqui na Feira — e participamos também de outros espaços — com a campanha de autossustento. A gente faz pizzas, vende camisetas, trocamos publicações. Óbvio que temos sindicatos parceiros, mas temos uma ética organizativa de que não podemos aceitar dinheiro de ninguém que possa nos submeter ou cobrar coisas depois.”
A nível nacional, Eduardo Osório conta que o estado com mais força é São Paulo. “Lá o movimento existe há 20 anos, já tem prédios construídos conquistados pelo Movimento, muitos projetos sendo liberados. Estive lá há dois meses e é interessante escutar a perspectiva de quem já esteve acampado e hoje tem a sua casa”. Segundo Karoline, o MTST compõe organizações como o Resistência Urbana, que “faz uma intervenção pelo direito à cidade. Temos várias parcerias com outras organizações, pelo transporte, ambientais, como o Amigos da Terra, para entender a cidade globalmente e descentralizando a ideia que só pequenos grupos podem intervir. É maior do que pautas individuais. As pautas se intersseccionam”.
“A ocupação é um meio. Com a conjuntura atual, pode mudar essa estratégia. Mas atualmente o MTST não ocupa para se construir em cima do terreno direto, para as pessoas construirem barracos, abrirem ruas, etc. Até porque nosso projeto de cidade é outro, envolve posto de saúde, saneamento básico, transporte. E quem tem que fazer isso, previsto na constituição, é o Estado. Então, ocupamos como um meio de pressionar o Estado a garantir direitos. Mas esta estratégia foi construída em cima das políticas do Minha Casa Minha Vida, que tem como parte o Minha Casa Minha Vida Entidades, reservado para associações, cooperativas de habitação, movimentos sociais. Lutamos nesse sentido. Com o Governo Temer, com a redução dos gastos sociais, isso pode mudar”.
Ouça a entrevista completa:
Intercâmbio entre Grupo Vale do Maquiné e Grupo Biodiviversidade, de Herval
Na banca do Grupo Vale de Maquiné, alface, banana, laranja, inhame, geleias, doce de leite, cenoura, gengibre, couve, vagem, tomate-cereja. Na banca de Herval, ovos, cachaça artesanal curtida nas flores nativas do Pampa (ervinha do mato, pitanga, butiá), incensos feitos naturalmente com uma relação com o mato do Pampa também, sementes crioulas, balinhas nutritivas de cereais, mudas oferecidas em troca de contribuição espontânea. A rádio-poste do Amigos da Terra promoveu uma conversa entre o Everson Silva, do Grupo Vale do Maquiné, e a Mônica Gonçalves, do Grupo Biodiversidade de Herval. A conversa entre os dois foi um protótipo. A intenção era colocar todos os porta-vozes dos territórios em uma mesa redonda para amadurecer, acumular, trocar experiências e análises sobre a feira. No entanto, a questão de logística e organização, do cuidado das bancas, não possibilitou nesta edição. Fica a ideia para as próximas.
Mônica vive no assentamento Tamoio. Ela conta que o Grupo Biodiversidade está iniciando, mas tem propósitos manifestos de ser autônomo, não-governamental e apartidário. “A disputa partidária é difícil de compreender, pois um partido de esquerda se coligar com um que está orquestrando todo esse golpe. É uma contradição com a realidade das pessoas, e isso está ficando muito explícito. E as pessoas estão buscando, a cada reunião tem alguém novo. E há uma demanda muito grande das pessoas por algo fora do sistema. Isso ajuda, mas dificulta um pouco para se tornar algo mais coeso. Estamos começando assim e está criando um corpo, com a Feira já deu outra forma, estamos avançando”.
A família de Everson planta em Aguapés, Osório. “Minha família faz parte do Grupo Vale do Maquiné, que é assessorado pela ONG Anama. Começamos com o beneficiamento de açaí. Plantávamos a Juçara no meio das banana orgânica. Depois começamos a incentivar os pontos de venda no litoral, mas lá não temos muito essa cultura de buscar por orgânico. Eu voltando a morar em Osório, o que já faz quatro meses, comecei a estimular outros pontos de venda. Então, a feira aqui foi um grande início para nós”.
Os dois destacaram a distância como uma dos principais entraves para a articulação e escoamento da produção. “Para fazer a articulação [do Grupo Bio], não é muito fácil porque as distâncias são grandes em Herval. É algo que atrapalha, mas temos conseguido nos reunir. Tentamos viabilizar isso através do apoio do ônibus escolar e partindo da necessidade de cada um perceber que tem que se locomover. Para tornar o momento da tomada de decisão realmente coletivo, todo mundo tem que participar. E há uma demanda muito grande das pessoas por algo fora do sistema”, explica Mônica. “Como nossa distância também é grande até Porto Alegre, é um pouco complicado de trazermos muitas coisas para expor. Isso está nos fazendo pensar em feiras locais lá, que para nós vai ser muito interessante, porque o que é distribuído são produtos da Ceasa, com muito agrotóxico e vindo do monocultivo”.
A questão do deslocamento também implica muito no Grupo Vale do Maquiné. Everson conta que se ele não puder estar presente na feira, os outros agricultores não conseguem vir para trazer os produtos. “Essa semana foi um pouco corrida e alguns não conseguiram enviar nada. Faltam alguns ajustes na questão de organização e logística. Na região do litoral, o orgânico não é muito procurado, não temos como competir com o convencional. Eu lancei um trabalho agora em que disponibilizo uma lista na internet de produtos, o pessoal faz o seu pedido e eu entrego, sem taxa por isso. Mas, mesmo assim, o pessoal ainda não está acostumado, pois acha o valor muito alto, que o que dificulta mais no momento. Isso é muito complicado. Me disponibilizei a buscar os produtos e trazer até aqui a feira para a gente começar a cutucar este ponto, abranger outros mercados.” É preciso ter paciência, segundo o Everson. “O problema que temos é que o retorno não está vindo como o pessoal espera, mas eu já estou bem ciente que isso demora um pouco. Eu quero fazer isso, seguir com o meu trabalho de plantação orgânica. Mas o resto não pensa como a gente, e esse é o impasse que temos no momento”.
Sobre outras possibilidades de mercado, Mônica perguntou ao Everson sua opinião sobre a troca ou sobre formas alternativas de comercialização, para além da relação com o dinheiro. Se um produtor tem mais alface trocar com o que tem mais banana. Everson conta que é justamente isso que acontece dentro do Grupo Vale do Maquiné. “Plantamos todos os mais variados tipos de hortaliças. Se não tenho banana, troco com o que tem”.
A vinda a Porto Alegre deu bastante visibilidade para o Grupo Biodiversidade, em função de não possuir uma valorização em Herval, onde tem um domínio muito forte do estancieiro, da fazenda. “O peão sonha em ser fazendeiro. Ele não tem uma noção de um sistema diferente, do trabalho sem exploração. Então é muito difícil de as pessoas vislumbrarem um outro lado. Isso fez com que muitas pessoas se aproximassem do Grupo Bio. Porque é quase uma chacota, um bullying o que tu sofre se está contra sozinha, mas se tu está junto com mais pessoas não é assim. Isso é muito importante”, explica Mônica.
Quem quiser conhecer mais do que se passa no Pampa, pode conferir a reportagem “Resistência e autonomia campesina frente aos avanços da monocultura em Herval” no site do Amigos da Terra AQUI.
Para Everson, começar a trazer os produtos para Porto Alegre tem sido muito importante para o Grupo Vale de Maquiné. “Não pela questão monetária. Mas pela interação, as pessoas dão valor. No litoral, ainda falta um pouco, questão cultural, não sei. Hoje está vindo eu representando o grupo, amanhã pode vir outras pessoas. A coletividade chama a atenção também”.
Ouça o diálogo completo entre Mônica e Everson abaixo:
A economia solidária organizada no Quilombo do Sopapo
Foi a terceira participação na Feira Frutos da Resistência do coletivo Somas Soma, que se organiza no Quilombo do Sopapo. “Nossa banca tá uma boniteza. É muito bom poder encontrar a Deia e a Helô para esta feira. Temos um rico brechó, a geleia geral da Deia, de pimenta e bergamota. Tem degustação de flocada, de pão, da própria geleia. E temos as artes da Helô, com vários produtos criativos”, conta Vania Pierozan, responsável pelos pães e pelas flocadas. Vania, em entrevista à rádio-poste do Amigos da Terra Brasil, disse que o Somos Soma, é um “coletivo onde encontramos apoio para levar os nossos frutos da resistência. Nessas redes de trocas e comercialização, se discutem muitas coisas da economia solidária. É um movimento muito recente para nós, em que estamos nos inserindo, mas é um movimento constante que a gente tá fazendo”.
Na articulação que o Somas Soma está presente, dentro do Quilombo do Sopapo, há produção de livros cartoneiros, de bolsas, há prestação de serviços, como uma produtora de vídeo. “Resultado de um processo de empoderamento juvenil”, contou Vânia. “Este tipo de serviço é importante que circule na economia solidária. E outros, como de ilustração gráfica, ilustrações, criação de marcas. O próprio programa de rádio também pode ser um serviço, uma forma de proporcionar o acesso a tudo isso que vem acontecendo, que é a soma dos esforços coletivos”.
Além da presença na Feira Frutos da Resistência, o coletivo Somos Soma participa da feira da Faculdade de Educação da UFRGS (FACED), que, segunda Vânia, é um espaço que traz uma visibilidade importante: “Para os produtos, para a questão da economia solidária, dos orgânico. E também para movimentos que se colocam contra o uso de veneno, que, cada vez mais a gente sabe, tem prejuízos para todos os seres, não só para os humanos”.
Sobre a importância das feiras, Vânia germinou: “Acredito nas feiras como acredito das sementes. Precisamos cuidar, tratar a terra, fazer os manejos. Acho que cada feira dessa é um canteiro férfil em que vamos espalhando nossas ideias. Não só os produtos, porque eles são resultados de processos coletivos, que são os pontos mais importante a se estar fomentando e discutindo sobre”.
O Quilombo do Sopapo, território de luta onde o coletivo Somos Soma está ancorado, vem resistindo, segundo Vania, há 9 anos e agora está em um processo delicado de ameaça de ser despejado. “Há muito tempo está se tentando resolver isso, mas não é algo que se resolva facilmente, depende de várias questões. A proposta é fazer uma permuta. Há um sindicat que quer retomar o espaço por acreditar que aquilo lá é um espaço de lazer. E a gente acredita que aquilo pode ser muito mais que um espaço de lazer para uma categoria. O Quilombo do Sopapo é aberto à comunidade, com cursos, oficinas gratuitas. São vários educadores, artitas que se organizam em torno disso. E principalmente na questão do empoderamento juvenil, do empoderamento negro, do empoderamento das mulheres. É uma luta que se acirra, mas estamos atento a toda essa movimentação. É um período delicado para lidar com isso por se tratar de uma permuta de uma área pública. Tudo fica meio estagnado em período eleitoral”. Mas o poder público já se manifestou? “Há o indicativo de oferecerem uma área no litoral do Estado para o sindicato, que resolve a questão de espaço para eles. Porque nós não temos o menor interesse em sair do Bairro Cristal. Tem pessoas que já desenvolveram lá os seus processos criativos, que querem continuar atuando em parceria com as escolas”, explicou Vania. “O Quilombo do Sopapo é um espaço de formação através da cultura, diferente de uma escola. Mas, que associado ao trabalho que é feito no ensino formal, enriquece muito os processos”.
Cinturão Verde: agroecologia em Porto Alegre e resistência aos efeitos da especulação imobiliária
O Instituto Econsciência, na região do extremo Zona Sul de Porto Alegre, faz parte da Rama, associação que reúne produtores agroecológicos de Porto Alegre e Viamão e colaboradores. Faz parte também do movimento Preserva Arado, que luta para impedir que a Fazenda do Arado, patrimônio natural de Porto Alegre, com área de mais 400 hectares na Orla do Guaíba, vire mais um condomínio de luxo, com 2 mil casas. Felipe Viana foi o Porta voz do Econsciência na Feira Frutos da Resistência e expôs, na banca da Zona Sul de Porto Alegre, produtos da loja Banana Verde, como coletores menstruais, filtros de barro, creme dental orgânico e minhocários. “O pessoal esta buscando autonomia. O filtro de barro e o coletor menstrual ajudam nisso. Contra o consumismo e os produtos industrializados. Tu compra uma vez e tem autonomia em relação à água e em relação ao absorvente”, explicou Felipe. Para ele, a Zona Rural de Porto Alegre passa por uma disputa territorial muito grande. Apesar da vitória, em 2013, que foi a volta da Zona Rural de Porto Alegre.
Em entrevista à rádio-poste do Amigos da Terra, falou sobre o Instituto Econsciência e sobre as resistências na Zona Sul: “Fazemos uma luta bem local, que se engaja com o modelo de cidade que se quer. O que inclui a questão da reforma urbana, da ocupação dos prédios na região central, para conseguirmos realmente manter esse cinturão verde que é o extremo sul de Porto Alegre”, conta Felipe. O Econsciência fica no Morro São Pedro, que, junto com o Morro da Extrema estão dentro do Cinturão Verde. Na base desses morros, diversos agricultores produzem frutos agroecológicos, que abastecem principalmente a Feira da José Bonifácio.
No entanto, segundo Felipe, é uma região que sofre uma pressão muito grande. “Por conta dos condomínios de luxo e também por conta do Minha Casa Minha Vida, que vem para diminuir o déficit habitacional, mas apresentando uma solução superlonge do centro. Acreditamos que a luta tem que ser para que esses empreendimentos saiam próximos à região central e que eles não sirvam para gerar ainda mais periferia. A luta é para mostrarmos que temos vazios urbanos bem próximos do centro”. Felipe conta que o MTST também se identifica com essa luta como modelo de cidade. “Se mantém o cinturão produtivo na periferia, e as pessoas moram próximas ao centro”.
Sobre a luta contra a especulação imobiliária, Felipe conta que dois novos condomínios de 400 hectares cada estão previstos para sair na Zona Sul de Porto Alegre. Um deles fica no Belém Novo, na Fazenda do Arado, área da Orla do Guaíba que cumpre uma função ambiental imprescindível o sistema natural da região, com fragmentos da Mata Atlântica, habitat de centenas de espécies, inclusive algumas ameaçadas de extinção. É um sítio arqueológico guarani. Conheça mais do território no site do Preserva Arado. A Fazenda do Arado pode ser transformado em um condomínio com mais de duas mil casas.
“Serão necessários mais de um milhão de metros cúbicos de aterro (125 mil caminhões) para ser viabilizado o empreendimento. Realmente é um impacto muito grande. Isso está no Ministério Público, mas está complicado. Estamos em uma gestão bem envolvida com a especulação imobiliária, os conselhos muitas vezes já estão cooptados, as representações todas pelegas de construtores. Estamos no Conselho de Meio Ambiente há sete anos e ouvimos técnicos que estão desesperadas. Pessoas sérias estão sendo tiradas para se colocar CCs (cargos de confiança). O IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) há 20 anos ocupava uma cadeira e foi substituído por uma entidade de arquitetos pelega às construtoras”.
A luta para resistir a isso está articulada através do movimento Preserva Belém Novo. “No momento, estamos em um processo de desconstrução do Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento, estamos conseguindo comprovar que há fortes indícios de fraude e queremos anulá-lo junto ao Ministério Público. Anulando, derrubamos a lei que transformou a fazenda de rural para urbana. Seria a primeira vez que isso aconteceria. Estamos em uma corrida contra o tempo, pois querem aprovar este estudo antes da troca da gestão [da Prefeitura].” A Ponta do Arado é o que sobrou de ambiente natural preservado na Orla do Guaíba. “Para se ter uma ideia, tem uma área — que vai ser preservado pelo condomínio, vai virar uma reserva dos ricos -, com lontra, capivara, jacaré, gato do mato, bugio. Temos lá, provavelmente, o maior sítio guarani que já teve em Porto Alegre, que vai ficar dentro do condomínio. É um estudo de caso muito interessante, até para a academia estar se apropriando”.
A questão da Fazenda do Arado e outras ofensivas da especulação imobiliária na Zona Sul de porto Alegre vão ser discutidas no próximo Quartas Temáticas. Saiba mais no evento AQUI.
“Ao contrário de pessoas de baixa renda que são enviadas para a periferia por exclusão, estas pessoas que vão morar em condomínios estão indo por opção. Opção que está detonando com o meio ambiente. E o pior de tudo, estão deixando imóveis desocupados na região central. A classe alta, média alta, está optando morar nessa zona sul que é ‘tudo de bom’. As pessoas usam estes adesivos ‘Zona Sul é tudo de bom’, ‘Prazer em viver na Zona Sul’, que não passam de campanhas de imobiliárias, que se utilizam da área verde para vender. Para isso, vão destruindo as áreas verdes e descaracterizando justamente os aspectos que fazem propaganda”.
Se informe sobre o avanço da especulação imobiliária sobre o Cinturão Verde através do documentário do Coletivo Catarse: “Cinturão Verde, Território em Disputa” AQUI.
O Econsciência faz parte da Rama, rede de agroecologia que reúne agricultores da região metropolitana. Atualmente está focado principalmente em Maquiné e em Viamão. Este coletivo junta 70 produtores e é uma experiência de certificação coletiva e participativa.
“Feiras como a Frutos da Resistência acreditam em uma relação de confiança, olho no olho, e não somente em uma relação do carimbo, da chancela. No meio urbano, o sistema alimenta a desconfiança e não a confiança. Parece que somos culpados até que provem o contrário, e não o inverso. E, às vezes, a certificação orgânica também vem nessa lógica. Tu exclui e para se incluir é preciso passar por um processo complexo para ter um carimbo. O que limita bastante. Nisso, tu chega no Zaffari e está lá a alface orgânica do filho do dono do Pão de Açúcar por 6 reais, por vir de São Paulo. As feiras da SMIC tem o seu papel, e estamos exigindo a ‘descertificação’. Já essas feiras menores funcionam como divulgação e apoio à resistência dos agricultores que estão nesse processo de transição”. Felipe levanta questionamentos. “O alimento orgânico tem que provar que não tem veneno. O alimento envenenado não tem que provar o quanto coloca de agrotóxico. Quem faz certo precisa provar que faz certo. Quem faz errado não precisa mostrar nem o que tu está consumindo”.
Sobre a apropriação do mercado em relação à questão ecológica, Felipe destaca: “Agricultura orgânica é produzir sem veneno. Agroecologia é diferente, é uma opção de vida, tem muito mais por trás, questão de justiça, de discutir realmente o alimento, de estar atento a não elitização da alimentação”. E, para Felipe, uma das maneiras para isso é eliminar os intermediários. “Tu elimina fazendo feiras, que começam pequenas assim, para este bairro aqui, e no outro bairro há outra, e assim vai”.
“Quando tu consome, tu patrocina alguma coisa. Quando tu consome no pequeno comércio, tu patrocina. Quando vai no Zaffari, patrocina o Zaffari. Quem está envolvido um pouco em planejamento urbano, sabe o que o Zaffari está fazendo com a cidade. Com seus Borbouns, tem influência a nível municipal e estadual”. Para ressignificar essa lógica, Felipe Viana lembra que é preciso sair da zona de conforto. “ Para consumir em feira, tem que ir naquele horário. Não vai comprar um alface dez horas da noite, deste jeito é só no Zaffari mesmo. Vai ter que acordar um pouquinho mais cedo, vai ter que te ‘sujeitar’ a consumir o que tem na estação. Mas são opções que se fazem. O que tu está incentivando quando está consumindo?”
Proposta de Agroecologia como resistência na Restinga
Andreia Meinerz, professora no Campus Restinga do Instituto Federal, divulgou, através da rádio-poste, o curso de nível médio para jovens e adultos (PRO-EJA) em agroecologia. “Numa conjuntura como esta com cortes de investimentos, diminuição das vagas instituições federais, este curso é um foco de resistência. Ele tem um diferencial porque foi construído, desde o início, com a comunidade, com entidades parcerias, como a Emater, a Ascar, a Rama. Fizemos inclusive um Fórum para a construção do currículo, de forma horizontal. E as disciplinas que vão fazer parte desse curso são sugeridas de forma a valorizar os saberes e conhecimentos das pessoas da comunidade, indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais, das mulheres. O fórum teve participação de mais de 20 entidades representadas. Mais de 100 pessoas participaram desse processo”. O curso está previsto para abrir no segundo semestre de 2017.
“O grande inimigo da direita é a sensibilidade”
Marcelo já conhecia o Amigos da Terra, mas, a convite de amigos, é a primeira vez na Feira Frutos da Resistência. Para ele, momentos como a Feira são alternativa de contato, momento de estar junto para fazer algo. “Vim aqui para nos reconhecermos e para tentarmos nos reorganizar nesse cenário tão triste na história da sociedade. A sociedade está se endurecendo. O grande inimigo da direita é a sensibilidade, é o abraço, o contato. Então, quanto mais temos oportunidade de atividades humanas, conectadas com o mundo. Tudo que é bruto está ficando bonito. E isso não é automático. Deveríamos começar a combater, além das entidades políticas, a televisão, por exemplo, que é uma coisa que gela as pessoas, que afasta. Imagina uma família inteira sempre com o Faustão ligado. Está falta de contato está afastando um do outro e está gerando esse embrutecimento. Agora etsá vindo essa conta, da insensibilidade, do individualismo, de cada um fazer por si, que gera a sensação de meritocracia. Uma das consequências disso é o voto na direita. O abraço é revolucionário, olhar no olho do outro é revolucionário, estar aqui todo mundo junto vivendo esse momento é revolucionário”.
A voz de Dana Farias
Como atração cultural da 4ª edição, Dana Farias e seu conjunto cantaram na calçada da Rua Olavo Bilac. Confira uma palinha de como foi:
Geodésica e a Feira Frutos da Resistência, construções coletivas
Na manhã de sábado, a feira começa sempre com um trabalho necessariamente coletivo. A montagem da geodésica provoca uma colaboração tão imprescindível quanto simbólica. Será assim novamente na tarde do dia 5 de novembro, momento da 5ª edição da Feira Frutos da Resistência.
Este texto, a rádio-poste, a Feira, a parceria do Amigos da Terra nos territórios só possível pelo apoio de muitas mãos e corações. Especialmente nesta 4ª edição, nós, do Amigos DaTerra Brasil, agradecemos a todas parceiras e parceiros que chegaram junto e deram uma força para que tudo saísse bonito como foi. Muito obrigado! Estamos acumulando, somando forças a cada edição. São muitas as possibilidades. Seguimos!