Animações explicam o que é economia feminista e princípios da sua construção na agenda de movimentos sociais

Está chegando o dia #8M, data que marca globalmente as jornadas de luta do feminismo popular,  construído diariamente nos territórios. De forma propositiva, a @capiremov, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a Amigos da Terra Internacional produziram duas animações que abordam a economia feminista, expondo também os princípios para a construção desta na agenda dos movimentos sociais e na construção de uma mudança de sistema. De forma criativa e lúdica, os vídeos se propõe a explicar o conceito e introduzir alguns princípios feministas, sendo recomendados para o uso de movimentos sociais em suas atividades de formação.

O que é a economia feminista?

 A Economia feminista é uma estratégia política para transformar a sociedade e as relações entre pessoas e pessoas e a natureza. Passa por reconhecer e reorganizar o trabalho doméstico e do cuidado, que dentro do patriarcado recaem com força sobre as mulheres. É, ainda, uma resposta à atual crise econômica, ambiental e social. 

As mulheres são sujeitos econômicos e protagonistas na luta contra o modelo econômico dominante. A economia feminista aponta o trabalho que sustenta a vida e a produção econômica, evidenciando todas as pessoas que o fazem – sendo a maioria delas mulheres, pessoas negras e imigrantes.

 É uma economia que se propõe ainda a reorganizar as relações de trabalho, de gênero e raciais na nossa sociedade, fazendo com que o trabalho de cuidado se torne uma responsabilidade compartilhada entre todas as pessoas e o Estado. Ponto que passa tanto por discussões de políticas públicas, retomada de espaços comuns, frear as privatizações e a atransformação de bens comuns como a água e a energia em mercadorias, revogações de medidas de retirada de direitos de pessoas trabalhadoras, mais direitos, qualidade de vida, educação e saúde públicos gratuitos e de qualidade para todas as pessoas. 

Na economia feminista, a sustentabilidade da vida está no centro. Isto significa priorizar as necessidades dos povos e dos territórios ao invés do lucro. Os cuidados são uma necessidade humana fundamental. Todas as pessoas são vulneráveis e interdependentes. Todo mundo precisa de cuidados ao longo da vida, independente da idade ou do estado de saúde.  E para além disso, os trabalhos conectados a essa esfera são de baixa intensidade ecológica, não exigindo extração de recursos da natureza em larga escala e podendo se aliar a uma transição energética, climática e ecológica realmente justa. 

Economia feminista, sociedade sustentável e sociedade do cuidado 

Para transformar nosso atual modelo econômico, precisamos fazer da solidariedade e da reciprocidade uma prática nas nossas vidas, nos nossos movimentos e nos nossos esforços políticos cotidianos. A economia feminista nos lembra que a biodiversidade é fruto da relação com as povos tradicionais e seus modos de vida. Devemos respeitar o ciclo de regeneração da natureza e repensar nossa relação com a alimentação, valorizando práticas agrícolas e culinárias locais e garantindo que as comunidades tenham meios de cultivar alimentos em seus próprios territórios. A economia feminista propõe uma alternativa de sociedade construída a partir da centralidade da sustentabilidade da vida, da interdependência e ecodependência.

Uma sociedade sustentável precisa ser uma sociedade do cuidado, mas um cuidado fora das amarras do capital. Assinalar a importância do trabalho de cuidado, que sustenta a vida de todas, todes e todos é um passo para a valorização deste e para a construção de outras formas de se relacionar.

A economia feminista apresenta ainda atividades compatíveis com a redução da exploração de recursos, o que aponta uma saída para um crescimento econômico clássico, pautado pelo acúmulo infinito de capital em um planeta finito. Processo que se dá por meio da superexploração do trabalho e da natureza, do ecocídio, da criação de zonas de sacrifício, do racismo ambiental e da extinção.

O modelo capitalista divide a nossa sociedade entre as esferas de produção e reprodução da vida, isso faz com que pareça que pareçam coisas independentes. O trabalho que tem relação com o dinheiro é considerado produtivo e a sociedade o valoriza. Já o trabalho doméstico e de cuidados é considerado reprodutivo. E apesar de ser fundamental para sustentar a vida, é invisível para a sociedade e não é considerado parte da economia. A economia tradicional se constrói dentro desse modelo, privilegiando as experiências dos homens e negando as das mulheres. A Economia feminista torna visíveis todos os trabalhos que sustentam a vida, sendo o trabalho reprodutivo fundamental para que o próprio trabalho produtivo aconteça. Não há separação.

A economia dentro da economia feminista, portanto, é o modo como garantimos a vida. Sem cuidados e sem alimentos, por exemplo, não há economia  e nem  vida possível. Por isso a economia feminista reconhece e valoriza os trabalhos de cuidado como parte da economia. E vai mais além: reorganizando esse trabalho pra que seja de todas pessoas, coletivo, e para que hajam políticas públicas a respeito.

O capitalismo se desenvolveu às custas da exploração da natureza e do tempo das pessoas. Tudo em função do mercado. Na África, Ásia e na América Latina as pessoas foram expulsas de suas terras para dar lugar a monocultivos de alimentos e agrocombustíveis para a exportação. Empresas minerárias contaminam as águas, seguem destruindo a diversidade da natureza e colocam em risco a vida de quem vive em territórios próximos. Não é casualidade que nessas áreas de disputa apareçam conflitos armados e as mulheres enfrentem muita violência.

Nas cidades, grandes empresas construtoras se beneficiam com a especulação imobiliária. Para isso, desalojam pessoas de seus lares e comunidades para construir grandes projetos que afetam sobretudo as populações periféricas, migrantes, negras e indígenas. E quem segura as pontas nas comunidades, garantindo que todo mundo tenha habitação, comida e cuidado, são as mulheres.

Para manter as taxas de lucro das grandes empresas, a exigência é de mais trabalho, com menos direitos e mais vigilância. Na lógica da ganancia transformam os bens comuns em mercadorias e superexploram o trabalho das pessoas. Quando menos esperamos, o que era público vira propriedade privada, o que era de acesso comum passa a ser só para quem pode pagar.

Mulheres estão cada vez mais sobrecarregadas com o trabalho em casa e fora de casa, da reprodução e produção da vida. E com um olhar para a ecomomia feminista, a partir do cotidiano de quem cuida da vida, é evidente que os tempos e as lógicas de vida, da natureza, são incompatíveis com os ritmos do capital.

Além de ser muito  invisibilizado, muitas vezes o trabalho de cuidado é não renumerado ou mal renumerado, trazendo ainda mais violências para o cotidiano de quem historicamente assume essa responsabilidade. Situações como a da pandemia de covid-19 escancaram o quão imprescindível é uma economia que tenha o cuidado em primeiro plano, pautando um modo de vida solidário, com o fortalecimento dos espaços comuns, de escolas, creches, lavanderias, hortas e cozinhas comunitárias.

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 01”:

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 02”:

Fonte: Capire 

 Leia também a nossa última coluna no Jornal Brasil de Fato, que também aborda o tema.

 

Pulverização de agrotóxicos é debatida no Fórum Social Mundial de Porto Alegre

Famílias assentadas, organizações e movimentos sociais debatem problemáticas da pulverização de agrotóxicos no Fórum Social Mundial de Porto Alegre e constroem aliança para garantir a produção de alimentos sem veneno

Importância da solidariedade internacionalista e da articulação entre países da América Latina para combater o avanço dos agrotóxicos é enfatizada nos debates. Foto: Maiara Rauber

Nos dias 23 e 24 de janeiro, as famílias Sem Terra participaram do Fórum Social Mundial de Porto Alegre e debateram sobre as problemáticas da pulverização aérea de agrotóxicos na mesa ‘Povos contra agrotóxicos na República Sojeira’.

Também estiveram presentes representantes do Movimento Ciência Cidadã, em colaboração com Multisectorial Paren de Fumigarnos (AR), Red Nacional de Accion Ecologista (Renace – AR), Instituto de Salud Socioambiental da Universidad de Rosario (AR), Famílias do PA Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST RS), Rede Irerê de Proteção à Ciência, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Terra de Direitos, Amigos da Terra Brasil, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), Comissões de Produção Orgânica (CPORG), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (COCEARGS), Instituto Preservar, Jornal Brasil de Fato RS, Rede Soberania e GT-Saúde/Abrasco.

A mesa, dividida entre dois encontros, contou com troca de relatos e experiências entre companheiros de luta do Brasil e da Argentina. A partilha foi de vivências forjadas pelas desigualdades do capitalismo, que avança com um modelo de produção de alimentos primário exportador (o agronegócio) de alto impacto negativo nos biomas, responsável por danos irreversíveis nos territórios além de inúmeras violações de direitos destes e dos povos. Modelo assinalado ainda por uma relação de dependência econômica do Sul Global em relação ao Norte, que incide no cotidiano de pequenos produtores rurais por meio da violência, destruição da sociobiodiversidade, poluição, envenenamento, falta de incentivo via políticas públicas, desestruturação de suas formas de produção e de vida e perseguição política.

Mas para além do descaso do estado e do desamparo presente nos relatos, o otimismo da vontade foi o horizonte das pautas discutidas. De forma propositiva, também foram elencadas estratégias para barrar a deriva de agrotóxicos, a pulverização aérea de veneno e as violências contra pequenos produtores rurais, propondo o direito à terra, trabalho, comida e à produção de alimentos saudáveis. Na confluência de saberes e realidades, os movimentos e coletivos presentes se fortaleceram, dando início a uma aliança latinoamericana para dar um basta às violações dos corpos, territórios e da natureza imposta por uma minoria muito rica que comanda o agronegócio.

Visita a assentamentos conta com troca de experiências entre Argentina e Brasil e proposição de reivindicações coletivas para barrar as violências dos agrotóxicos nos países

No primeiro dia da atividade ‘Povos contra agrotóxicos na República Sojeira’’, foi realizado um roteiro de reconhecimento dos espaços atingidos pela pulverização aérea nos últimos anos. Inicialmente os participantes reuniram-se no Viveiro Bourscheid, no Assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS). O viveiro é o único com certificado orgânico no Rio Grande do Sul. Espaço que resiste às derivas e as ameaças latentes advindas dos agrotóxicos pulverizados nas proximidades, apontando que outros caminhos para a produção de ervas, temperos, hortaliças e medicinas da natureza, assim como o sonho de uma alimentação saudável, são uma realidade não apenas possível, mas que já vem sendo construído na prática. Realidade que também se traduz na segunda visita do dia, realizada em outra propriedade de assentados da região, muito reconhecida pela produção de morangos orgânicos.

Nos locais os visitantes tiveram uma contextualização histórica sobre o processo de produção de alimentos orgânicos e agroecológicos, assim como das lutas cotidianas travadas pelos assentados. Houve a identificação dos problemas enfrentados, das estratégias adotadas e das implicações das pulverizações de agrotóxicos na vida das famílias afetadas. Também foram apresentadas as articulações com comunidades urbanas e laços estabelecidos com a sociedade local e regional.

O assentado e produtor de mudas Adir Bourscheid, um dos primeiros a relatar a deriva da pulverização de agrotóxicos na região de Santa Rita. Foto: Maiara Rauber

As famílias dos assentamentos de Reforma Agrária Itapuí, Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha relembram os momentos que enfrentaram em 2020 e 2021, nas quais foram atingidos pela deriva de agrotóxicos pulverizados por aviões agrícolas utilizados por grandes produtores de arroz convencional do município de Nova Santa Rita. Os herbicidas afetaram a saúde de agricultores, moradores, culturas orgânicas, animais e agroecossistemas locais, como consequência de voos rasantes de aviões com agrotóxicos sobre e nas proximidades das áreas dos assentamentos, onde se concentram também algumas das áreas de maior produção de arroz agroecológico da América Latina.

Entre os diversos sentimentos presentes, esteve a tristeza pelas violações nos territórios, com impactos traduzidos em estiagens prolongadas, como a de 2020, no envenenamento das águas, e nas ameaças constantes das pulverizações. Foram evidenciados casos de câncer devido ao contato com o veneno, doenças de pele, alergias, bolhas na pele, adoecimento e enfermidades tantas.

A partilha de relatos sobre a realidade da vida no campo, com enfoque na produção agroecológica, contou com falas como a da companheira argentina Flavia Zenotigh, da organização Mujeres Rurales Campo Hardy y Zona. Ela abordou os impactos do modelo do agronegócio e dos agrotóxicos na vida das mulheres argentinas do campo, que muitas vezes passam por situações como abortos espontâneos pelo contato com o veneno, ou nascimento de crianças com doenças e deformações. Além de um cotidiano evidenciado pela perda de suas crianças, revelou ainda que o câncer alcança índices elevados em seu território, afetando drasticamente as companheiras. Contexto situado dentro da conivência do estado Argentino, que como expôs sua fala, adota políticas que dão as costas aos pequenos agricultores. “E a justiça não nos escuta”, acrescentou. Caso semelhante ao do Brasil, e até mesmo de Santa Rita, com fiscalização que em uma das denúncias feitas demorou 15 dias para ser realizada.

Flavia Zenotigh, da organização Mujeres Rurales Campo Hardy y Zona, abordou os impactos do modelo do agronegócio e dos agrotóxicos na vida das mulheres argentinas do campo na Argentina. Foto: Maiara Rauber

O assentado e produtor de mudas Adir Bourscheid, um dos primeiros a relatar a deriva da pulverização de agrotóxicos na região de Santa Rita, comentou: “Em 2015 fomos atingidos pela primeira vez e ninguém dizia que era veneno, era falado que era falta de água. Tinha veneno por cima de tudo, eu denunciei. Chegamos aqui e construímos o que construímos para persistir na terra, persistir em ir contra o veneno. É difícil fazer uma muda orgânica, mas não vamos parar, porque primeiro de tudo vem a saúde”.

Os impactos das derivas também se dão na vida econômica dos produtores, com perdas que podem comprometer a subsistência das famílias, a ida a feiras e o abastecimento com alimentos em regiões inteiras. Adir resgatou ainda a conexão política com a pauta, mencionando a importância do Movimento Sem Terra e das políticas do governo de Lula para que pudessem tocar o projeto do viveiro.

A questão, que como o próprio assentado e produtor orgânico de morangos, Olímpio Vodzik, ressaltou, vai para além da terra. Olympio, além de contar a história de sua propriedade e a importância da produção agroecológica, que garante inclusive a potabilidade das águas e o equilíbrio ecológico dos locais, destacou a importância dessa forma de produção na fertilidade do solo, na diversidade da vida. E o quanto desde que se assentou no local, numa relação afetuosa com o espaço e sem uso de venenos, foi possível perceber melhorias neste.

A questão, que como o próprio assentado e produtor orgânico de morangos, Olímpio Vodzik, ressaltou, vai para além da terra. Foto: Maiara Rauber

A violência permeia os relatos da resistência contra a pulverização de agrotóxicos no Brasil e na Argentina. Mas para além dela, a indignação, na coletividade e construção das lutas, se torna mobilização para seguir. O assentado do MST, João Vitor de Almeida,  insistiu na cooperação, articulação das lutas, e pressão dos de baixo ao poder público e à justiça para garantir o direito à terra, produção, trabalho e vida digna. “A última vez que nós ficamos muito sufocados era cinco horas da manhã e o avião estava passando. E às cinco da manhã é hora que ninguém fiscaliza. E se as famílias não reclamam, elas não se movimentam. O agronegócio vai corrompendo e vai criando mecanismos que tornam tudo possível novamente. Então a lei é importante, mas mais importante é a consciência e a mobilização das famílias, de que não é possível conviver com agroecologia e agronegócio”, relatou. Evidenciando a importância das alianças de luta, João complementou: “ Temos que juntar todas nossas forças possíveis para que a gente possa produzir alimentos saudáveis, cuidar do ambiente, da terra e do nosso trabalho. E é isso que temos feito nos últimos anos, enfrentando todas as dificuldades possíveis. E o que estamos propondo, diante de todas as dificuldades que enfrentamos é que nós precisamos ampliar essa relação para um processo de luta maior a partir das comunidades locais. Porque uma árvore não se planta de cima para baixo, e nós temos que produzir a luta de baixo para cima”.

Encontro na Assembleia Legislativa apresenta reinvindicações das lutas e proposições para frear o agronegócio

No segundo dia (24) do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, o debate da temática, desta vez aberto ao público, teve sequência na Assembleia Legislativa do RS. Lá, trouxe reflexões a nível de América Latina, de Brasil, mas também abordou informações mais específicas dos casos ocorridos em Nova Santa Rita e Eldorado do Sul, assim como em Santa Fé (AR).

Carlos Manessi, da Multisectorial Paren de Fumigarnos (AR), explanou sobre a realidade Argentina. “As condições são as mesmas, temos agora na Argentina  o presidente Alberto Ángel Fernández ,respaldado pelo CEO da Syngenta, principal promotora desse modelo que temos agora em presidência. Falo para que tenham ampla ideia. Manessi acrescentou ainda que em Santa Fé há 20 milhões de hectares cultivados com soja: “Na nossa província, local da qual venho, temos três milhões e meio de hectares, 70% do nosso território está coberto com soja. Isso corresponde a 70% das terras cultivadas. É muitíssimo. É monocultura, monocultivo demais. Demais”, situou.

Em sua fala, abordou os casos de inundações, secas, contaminação de rios e desmontes decorrentes do modelo do agronegócio, diretamente relacionado ao uso de agrotóxicos e transgênicos. “Santa Fé perdeu 50% da colheita. Uma lagoa com 20km de peixes mortos pela seca em grande lagoa que temos. São impactos tremendos que estamos sofrendo”, contou, estabelecendo um paralelo com os impactos na saúde coletiva.  “Os impactos na saúde são muito grandes e não podemos seguir permitindo que nossos vizinhos sofram o que sofrem agora. Então a nossa ideia na Pare de Fumigarnos e esse coletivos de organizações é, para começar, garantir mil metros livres de fumigação… Não podemos permitir mais isso tudo. Vocês no Brasil, nós na Argentina, e paraguaios, uruguaios e bolivianos”.

Manessi também refletiu sobre a importância desse intercâmbio de informações entre organizações e movimentos de luta, inclusive como ação estratégica para frear a emergência climática: “Somos parte do ambiente, a cadeia do sistema agroindustrial é responsável por quase de metade dos gases de efeito estufa de efeito global. A mudança climática que presenciamos e sofremos está fortemente influenciada por esse modelo de produção agroindustrial. Esse sistema de produção agrária com toda cadeia de valor produz mais de 50% por cento dos gases de efeito estufa que nos leva à mudança climática”.

Somando nessa fala, Gabriel Adrian, do Instituto de Saúde Socioambiental da Universidade Nacional de Rosário (AR), elucidou que as articulações de luta reconhecem a necessidade de transformar o modelo do agronegócio, que gera doenças, mortes e consequências socioambientais nefastas. “Nesse século enfrentamos alguns desafios na saúde coletiva que tem a ver com aquecimento global, com surgimento de futuras pandemias. O modelo agroindustrial gera condições para que possam emergir novos microrganismos com potencial pandêmico, com a forma que são criados industrialmente os animais”, explicou, contextualizando que hoje vivemos em ambientes repletos de substâncias tóxicas como nunca ocorreu em outro momento da história. “Frente a todas essas ameaças, o que os companheiros querem reivindicar não se trata de nada mais que uma forma de produzir, um modo de vida.  Entendemos que os modos de vida agroecológicos são reivindicados porque são os modos de vida que nos permitem enfrentar todas essas ameaças e desafios”, sintetizou.

Adrian defendeu ainda que os sistemas agroecológicos são resilientes,  capazes de captar a sociobiodiversidade: “Frente a possibilidade de sofrimento de pandemias, os sistemas agroecológicos são os sistemas que defendem a imunidade coletiva, de toda sociedade. Contra a carga tóxica que há no ambiente, na água, no solo, no ar, os sistema agroecológicos são os que nos permitem recuperar os territórios para vivermos de modo saudável”, demarcou. Em sua exposição, reconheceu a importância da trajetória construída nas lutas, mas questionou quais compromissos  devem ser assumidos desde o setor da saúde para estar à altura histórica do momento em que estamos vivendo. “Por mais que tenhamos ideias e linhas de trabalho, é necessário recuperar desde as vivências que têm as comunidades e povos. É preciso transformar o sistema de saúde atual em um sistema capaz de produzir saúde”, comentou.

Adalberto Martins, da direção nacional do MST, apresentou em dados a problemática do agronegócio em nosso país, relacionando ao caso argentino. Evidenciou que o Brasil é o maior consumidor de veneno,  assinalando  que grande proporção dos agrotóxicos consumidos aqui são proibidos em seus países de origem.  “No Brasil, nas nossas lavouras temporárias que deveriam ser produção de alimentos, estão destinados em três cultivos: soja, milho e cana. Falamos de cerca de 40 milhões de hectares de soja, outros 22 milhões de milho, nove milhões de cana..  Isso implica para nós uma imensa concentração de riqueza, uma imensa concentração de terra, uma imensa concentração de insumos, e nesse caso os agrotóxicos saltam aos olhos no caso brasileiro. Nós somos o maior consumidor de veneno do mundo”, anunciou.

Adalberto Martins, da direção nacional do MST, apresentou em dados a problemática do agronegócio em nosso país, relacionando ao caso argentino. Foto: Maiara Rauber

A advogada e ouvidora da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Marina Dermmam destacou em sua fala o descaso do poder público em relação a fiscalização de crimes vinculados à agrotóxicos, mencionando a relevância do trabalho jurídico realizado para ajudar as famílias atingidas por pulverização aérea de agrotóxicos em Nova Santa Rita. “Os agrotóxicos podem violar uma série de direitos humanos, em especial os direitos que chamamos de DHESCAs (Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais). A gente tem uma série de legislações muito protetivas aqui no Brasil, especialmente que surgiram na década de 80 e 90: o nosso plano nacional de meio ambiente, a política nacional de meio ambiente, leis de crimes ambientais, de fato são muito protetivas, mesmo no que teve em desregulamentação no último momento que vivemos. Mas é um grande desafio quando vamos no sistema de justiça procurar responsabilidade”, mencionou. Marina manifestou ainda a importância dos polígonos de exclusão, locais em que a pulverização de agrotóxicos deve ser proibida.

Acordo Mercosul-União Europeia: acordo comercial sem participação dos afetados intensifica projeto neocolonial de superexploração dos povos e territórios no Sul Global

Para além das lutas cotidianas nas bases dos territórios, abordadas nos encontros do “Povos contra agrotóxicos na República Sojeira”, foi dimensionada como estas se travam dentro da geopolítica global. Na correlação de forças entre centro e periferia do sistema capitalista, países embobrecidos por esta economia hegemônica, como os da América Latina, são grifados pela violenta situação de dependência escancarada no modelo primário agroexportador do agronegócio. Modelo que privilegia o desenvolvimento dos países colonizadores, como os membros da União Europeia, a partir do subdesenvolvimento e superexploração do Sul Global.

Na prática, um acordo que intensifica o racismo ambiental, o ecocídio, a mercantilização da natureza e o genocídio dos povos indígenas, quilombolas,  ribeirinhos, tradicionais, campesinos e das periferias, que são os mais afetados pela emergência climática. Emergência essa causada pelo capitalismo e diretamente fomentada pelo agronegócio, ainda mais tendo em vista que o maior motivo de emissões de gases poluentes da atmosfera no Brasil é a alteração de uso de solos, via desmatamento para a ampliação da fronteira agrícola.

Exemplos que escancaram essa realidade são acordos como a Alca, barrado pelas lutas anos atrás. Caso que a assentada do MST e atingida pela pulverização de agrotóxicos, Graciela Almeida, trouxe a memória evidenciando a necessidade de uma rearticulação para também vetar o Acordo Mercosul- União Europeia, agora em abertura de diálogo no governo Lula.

Graciela Almeida, trouxe a memória evidenciando a necessidade de uma rearticulação para também vetar o Acordo Mercosul- União Europeia, agora em abertura de diálogo no governo Lula. Foto: Maiara Rauber

Logo, na luta contra a exploração dos corpos, territórios e da natureza na América Latina, este acordo é mais um ponto a ser considerado. Ele se relaciona diretamente com o avanço do agronegócio, que traz o uso de agrotóxicos que poluem águas, solos, afetam a saúde e integram um modelo de produção desigual. Graciela abordou essa situação de dependência econômica prolongada pelo Acordo, assim como o uso de agrotóxicos como armas químicas a qual estão submetidas as comunidades. O Acordo Mercosul-União Europeia a maioria das pessoas  desconhece. Quem conhece um pouco, e um pouco porque nem sequer foi traduzido nas línguas dos países que supostamente estão envolvidos, sabe muito bem que é uma nova exploração dos nossos territórios.  É um aprofundamento da exploração do sistema capitalista nos nossos territórios e nos nossos corpos. E isso significa que a fronteira da soja, a república unida da soja como falava a Syngenta, vai querer se expandir muito além. E isso vai acontecer com todas as monoculturas se nós não paramos, não conversamos e dizemos para esse novo governo que não queremos mais exploração nos nossos territórios”, situou Graciela quanto a necessidade de incidência das lutas neste Acordo.

Encontros fortalecem as alianças entre movimentos e organizações que assumem o compromisso no processo de conscientização da sociedade da América Latina

Leonardo Melgarejo, do Movimento Ciência Cidadã, explicou a importância dessa atividade multi-institucional que envolveu ativistas que lutam contra o agrotóxicos na América Latina, e contou com uma comitiva de quatro instituições da Argentina. “Nós discutimos um fato básico, temos doenças que são as mesmas, que afetam as famílias de todos os países da América Latina, que são causadas por agrotóxicos que são os mesmos comercializados com instituições que são as mesmas. Precisamos estabelecer uma forma de defesa conjunta para atuarmos de uma mesma maneira e não isoladamente, para atuarmos conjuntamente contra este problema que se associa aos avanços das lavouras transgênicas, das lavouras geneticamente modificadas tolerantes agrotóxicos que estão inundando os nossos territórios”, declarou.

Foi concluído no final do debate a importância de superar processos de alienação da sociedade de todos os países da América Latina, pois segundo Melgarejo a água que habita, que dá vida aos territórios da América Latina está sendo contaminada de maneira irreversível sendo que essa água faz parte dos organismos, das crianças, idosos, e também nos rios, lagos e aquíferos. “Uma maneira de tirar esse veneno dos espaços é evitando que ele chegue lá. Para isso temos que estabelecer mecanismos de comunicação que ajudem a sociedade a tomar consciência do problema que está em andamento e esses mecanismos exigem que nós pautamos ações em comum em conjunto nos vários espaços ao mesmo tempo”, reforçou o integrante do MCC.

Um dos exemplos citados por Melgarejo é o documento produzido pelas famílias assentadas de Nova Santa Rita, o qual conta a sua história e as estratégias que vem desenvolvendo para estabelecer essas alianças com as populações urbanas. Para fortalecer o documento estão captando assinaturas de adesão para levar adiante a sociedade do que acontece aqui no Rio Grande do Sul e que por extensão é o que acontece em todo o conjunto da América Latina.

Por fim, Melgarejo encarou o encontro positivamente, ao destacar a relação estabelecida com companheiros de lugares diferentes da América Latina. E novas etapas dessa luta conjunta já estão previstas. Segundo Leonardo, em junho deste ano haverá um momento na Universidade de Rosário, na Argentina, durante o Congresso de Saúde Coletiva e Saúde Ambiental. Outro encontro será realizado em novembro na cidade do Rio de Janeiro, no Congresso Brasileiro de Agroecologia (ABA).

“Nesse meio tempo nós temos um compromisso de apoiar as instituições que trabalham nessa linha e ajudar a proteger esses ativistas que estão envolvidos com essas ações de proteção, pois eles são perseguidos, discriminados e ameaçados. Devemos construir gradativamente esse processo de conscientização da sociedade da América Latina, e tomar medidas em conjunto para superar essa crise”, finalizou Leonardo Melgarejo.

Acesse o documento na integra.

Texto por Maiara Rauber e Carolina Colorio Reck

Confira alguns dos registros das atividades na nossa galeria de fotos: 

 

Créditos: Carolina C.

Não foi possível estar presente? Confira a transmissão ao vivo  da atividade na Assembleia Legislativa, que conta com apresentação da Carta dos atingidos pela deriva de agrotóxicos e debate internacionalista, da sociedade civil, movimentos e organizações sobre a pauta

Transmissão ao vivo

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Saiba mais sobre a luta contra o Acordo Mercosul- União Europeia na matéria “Delegação brasileira faz Jornada na Europa para denunciar os impactos do Acordo Mercosul-União Europeia”

E aqui você confere  o posicionamento da Frente Brasileira Contra o Acordo Mercosul-UE, que foi apresentada ano passado no Parlamento Europeu 

A urgência de um projeto político para as populações marginalizadas das cidades brasileiras

Durante a pandemia os movimentos populares ocuparam espaços deixados pela negligência do Estado – Isabelle Rieger/Arquivo Amigos da Terra Brasil

Somos 213,3 milhões de brasileiros e de brasileiras vivendo nas cidades; destes, 21,9% se encontram concentrados em 17 municípios, que possuem mais de 1 milhão de habitantes. Segundo esses dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2021, chegamos a 49 municípios com mais de 500 mil habitantes.

A inversão de rural para urbano se deu nos últimos 50 anos sem planejamento, a única regra era a da segregação e exclusão criando muros e a periferização das cidades. Esta expansão aconteceu usando o povo empobrecido como ferramenta do setor imobiliário, que por meio desse crescimento também disseminou o seu território, e usou a máquina do Estado para expandir a infraestrutura como demanda social.

Essas áreas que o setor imobiliário deixava descoberto por sua milícia, eram áreas de preservação, córregos, arroios, banhados e áreas do Estado, assim ampliando a disponibilidade de terras e retirando o natural da cidade, canalizando, aterrando e ocupando uma paisagem, concretado e impermeabilizado, sem vento e nem sol. Até o sol nos tiraram, as próprias estrelas com que a sociedade dialoga há milhares de anos, acabou em 50 anos.

Esta é a dimensão do desafio das cidades brasileiras. Como alimentar, fornecer moradia adequada, luz, água, saneamento básico, educação, transporte, saúde, a essa população? E ainda, como adequar tudo isso para reduzir os danos ambientais, promovendo uma transição agroecológica com justiça ambiental e soberania alimentar?

O urbano 

Nos últimos 4 anos, caminhamos para o desmonte das políticas públicas para as cidades e nos colocamos, ainda mais distantes, da necessária Reforma Urbana. Logo, no dia 1° de janeiro de 2019 foi extinto o Ministério das Cidades, destruindo os 16 anos de construção do planejamento urbano no país.

O Programa Minha Casa Minha Vida foi cancelado em 2021, após ter entregue cerca de 4,5 milhões de casas e apartamentos, num país que vive por volta de 7,9 milhões de déficit habitacional. Em seu lugar, o governo implementou o Programa Casa Verde e Amarela, que suprimiu a FAIXA 1 de acesso ao financiamento, justamente a destinada às famílias de renda mensal inferior a R$ 1.800, o que corresponde a 92% do déficit de moradia. Em setembro deste ano, o governo anunciou o corte de quase 95% do orçamento habitacional previsto para 2023.

Outrossim, a pandemia desvelou uma realidade triste do Brasil: a dos despejos e das remoções. A lógica da propriedade privada e da especulação imobiliária sempre estiveram presentes no país. Ocorre que durante a crise sanitária, a necessidade de um teto para o exercício do isolamento social em condições dignas foi uma prioridade. Assim, movimentos populares e diversas organizações fundaram a Campanha Despejo Zero, que foi responsável pela articulação da ADPF nº.828 (Arguição Descumprimento de Preceito Fundamental), na qual os despejos ficaram suspensos até outubro deste ano.

A decisão proferida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, em 31 de outubro não manteve a suspensão dos despejos, no entanto recomendou que fossem instaladas comissões de mediação coletiva antes da decisão judicial. Apesar da orientação, juízes já começaram a conceder reintegrações de posse, inclusive de áreas que são terras públicas federais ocupadas, as quais caberia perfeitamente um diálogo exemplar. Segundo a Campanha Despejo Zero, quase 1 milhão de pessoas estão em risco de despejo neste momento no país.

Temas candentes 

Os movimentos de moradia, com destaque ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), têm reivindicado a retomada do Ministério das Cidades e da constituição de um debate popular sobre a Reforma Urbana. Em face disso, propõe-se ao novo governo que seja retomado o Projeto Minha Casa Minha Vida Entidades, por meio do qual os movimentos puderam demonstrar ser possível construir moradias, com acessibilidade a hortas, transição energética, casas adequadas para a realidade das famílias e, sobretudo, com uma gestão popular, fora da lógica das grandes construtoras. Assim, a moradia, no Programa, retoma seu lugar como direito necessário à dignidade humana e não na perspectiva de geração de lucros às empresas.

Além dessas, outras propostas são apresentadas. O primeiro eixo envolve combater a mais valia urbana por meio de uma valorização do Estatuto da Cidade e uma radicalização da função social urbana da Constituição. O propósito é de que o Estado use os recursos das zonas mais ricas da cidade para investir em moradia, saneamento público, passe-livre nas zonas que carecem disso, promovendo uma distribuição de riquezas.

Repensar a organização socioespacial da cidade para disponibilizar aos trabalhadores e às trabalhadoras acesso ao transporte, trabalho, saúde e educação nas proximidades de suas casas. A especulação imobiliária, a exclusão das cidades, expulsam as populações de baixa renda do direito à cidade, submetendo-as a viver nas fronteiras distantes sem direitos. É urgente repassar as cidades excludentes e terminar com a segregação social, racial e de classe.

Também garantir o acesso à água e ao saneamento. Nos últimos anos, foram aprovados projetos de privatização do saneamento básico no Brasil, trazendo inúmeras incertezas sobre a concretização do direito à água, além da especulação com tarifas extraordinárias. Muitas ocupações e bairros de periferia ainda não acessam água encanada de qualidade. Sem contar na população em situação de rua, que está completamente privada deste direito. Hoje no Brasil, o direito universal que garante o acesso à água só é permitido a quem tem a posse regularizada, ou seja, ocupações, retomadas e aldeias não demarcadas e quilombos não titulados não têm este direito garantido.

A privatização também caminha para os espaços públicos e coletivos da cidade. Muitas dessas iniciativas são financiadas e desenhadas pelo próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e não estão sendo acompanhadas do adequado processo de participação social. Isso é algo que o novo governo precisará rever. Em Porto Alegre (RS), por exemplo, discute-se a concessão do Parque da Redenção sem a realização de qualquer debate público por parte da prefeitura.

Fernando Campos, integrante da Amigos da Terra Brasil e militante do MTST, destaca que é necessário pensar na importância do retorno dos espaços de participação popular, previstos na Constituição e no Estatuto das Cidades. Para ele, pensar as cidades brasileiras é romper com a lógica do empresariado na gestão dos problemas da cidade e assegurar o caráter deliberativo aos Conselhos Municipais e às Conferências das Cidades, posto que trazem as propostas a partir da realidade dos territórios, sendo capazes de elencar as escalas de prioridades a serem enfrentadas pelo poder público. Assumir um compromisso público e político com a participação popular é tarefa urgente.

Na pandemia, fomos obrigados a repensar nossos valores de cuidados e solidariedade coletivas. Assim nasceu a iniciativa do MTST das cozinhas solidárias, hoje são 31 cozinhas no país, que distribuem refeições diárias, gratuitas, ajudando a combater a fome nas periferias. Pensar no combate à fome, que como anunciou Lula será uma das prioridades do governo, deve ser encarado conjuntamente com outras  políticas públicas como de moradia e de cidade. Bem como estar conectado ao fortalecimento público dessas iniciativas populares, que são promotoras da segurança alimentar e da aliança campo e cidade.

Com propostas concretas e possíveis, marchamos rumo à Reforma Urbana

Diante de um Estado negligente, os movimentos populares organizaram suas forças e resistiram, cumprindo um papel político e pedagógico durante a pandemia que caberia ao poder público. Certamente, esses atores estão plenamente capacitados para opinar e construir soluções às cidades brasileiras porque, ao longo de sua luta histórica, acumularam experiências alternativas, como a Cozinha Solidária, os mutirões de construção e as ocupações urbanas, que educaram e politizaram o povo brasileiro para participar ativamente da construção de sua cidade. O novo governo precisa romper a lógica de que “a cidade é um espaço sem opção” propagada por empresas e assumir a capacidade do povo de se organizar, resistir, ocupar e pensar sobre seus problemas candentes.

* Coluna publicada no site do jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2022/12/06/a-urgencia-de-um-projeto-politico-para-as-populacoes-marginalizadas-das-cidades-brasileiras

COP 27: carta do Grupo Carta de Belém e de movimentos sociais critica “feira do clima” e cobra cumprimento dos compromissos

A primeira semana de negociações climáticas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Sharm El-Sheikh, no Egito, encerrou sem dar indícios de cumprir com a expectativa sobre a “COP da implementação” como vinha sendo chamada essa Conferência. Em vista disso, o Grupo Carta de Belém (do qual a Amigos da Terra faz parte), articulado com organizações da sociedade civil e movimentos sociais, abre a segunda semana da COP 27 com o lançamento da carta “Juntos para ação climática: com quem e para quê?“, em que crítica o que chama de “feira do clima”: a transformação em um balcão de negócios do espaço que traria soluções para o clima. A problemática é séria, os resultados das conferências podem decidir a possibilidade de garantir condições de vida humana a longo prazo na terra, ou estender a possibilidade de lucro sob o argumento da descarbonização.

A carta foi construída e é assinada por uma série de organizações da sociedade civil e movimentos sociais brasileiros que somam a crítica da preponderância do setor privado como ator chave na implementação das ações climáticas, pintando de verde a economia mundial, mas sem aprofundar ações para uma transição justa transformadora. O grupo aponta que a ação prioritária é o cumprimento dos compromissos já adotados pelos países desenvolvidos, principais causadores do aquecimento global pelo acumulado das emissões de carbono historicamente e que a questão climática não pode ser usada como meio para endividamento dos países em desenvolvimento, maiores impactados pelo problema e que carecem de recursos para implementar condições para que suas populações possam resistir às secas mais rigorosas, às chuvas torrenciais e às ondas de calor extremo.

A carta destaca ainda que a ação climática não pode jogar a conta sobre povos originários, comunidades quilombolas e povos tradicionais do mundo para resolver o problema causado pelas grandes corporações, enquanto estas seguem lucrando no mesmo modelo desenvolvimentista que nos trouxe até aqui, propondo como saída a compensação de suas emissões, sem ação real para mudar a situação. “É necessário produzir uma ação climática que seja capaz de reparar os efeitos atualizados da colonialidade, e oferecer soluções de reconstrução contra os efeitos climáticos extremos, sem transferir para povos indígenas e quilombolas, comunidades tradicionais e rurais, o peso de combater as mudanças climáticas, enquanto corporações globais, inclusive produtoras de combustíveis fósseis, se desresponsabilizam pela poluição que as suas atividades econômicas provocaram, historicamente, ao contabilizar carbono florestal nos seus balanços de sustentabilidade.

Leia a carta na íntegra abaixo, ou acesse aqui em português.
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Juntos para ação climática: com quem e para quê?


O lema da COP 27, em Sharm el Sheik, no Egito, é “juntos para implementação” (#together for implementation). Como primeira COP focada na “implementação”, assistimos a uma cacofonia de vozes e propostas que competem para vender oportunidades de negócios, tecnologia, financiamento (e endividamento) para alcançar a descarbonização, a neutralidade climática e um lugar no futuro net-zero (emissões líquidas zero).


Diante desta grande “feira do clima” e considerando aquilo que o termo “ações climáticas” vem apontando na prática, nós, organizações e movimentos da sociedade civil brasileira, entendemos que é fundamental perguntar: juntos com quem e para quê?

O centro das nossas preocupações é em particular a ofensiva dos mercados para participar de ações de mitigação vinculadas à terra, às florestas e a promoção de pretensas Soluções baseadas na Natureza (NbS), uma vez que ações climáticas neste setor vêm se configurando como uma grande oportunidade de investimentos – e portanto, de lucros e de especulação, inclusive financeira – o que não pode ser igualado à verdadeira sustentabilidade e a transição justa que o mundo precisa.

Reafirmamos aqui nossa posição de que as florestas devem permanecer fora dos mecanismos de mercado. As florestas são o espaço de enorme biodiversidade e de muitos povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas, agricultores familiares que buscam convivência digna e sustentável com seus ecossistemas, devem ser objetos de políticas públicas e sistemas de governança, transparente e democrática. Tem sido uma posição histórica de negociação do Estado brasileiro – tanto como de vários segmentos da sociedade civil do país reiterada ao longo dos anos – manter as florestas fora dos mercados de carbono. Temos enfrentado e resistido às inúmeras formulações que ao longo das negociações do clima vêm tentando subordinar florestas, terras, territórios e populações do Sul global às lógicas e aos mecanismos vinculados aos mercados e à especulação financeira – mesmo que em nome do clima.

Ao invés disso, defendemos que o financiamento climático internacional para florestas e para combater o desmatamento sejam subordinados a políticas públicas estruturantes e fontes de financiamento no marco do orçamento público, da institucionalidade, da governança pública brasileira e da soberania – seguindo o estabelecido no Art. 5 do Acordo de Paris e o Marco de Varsóvia para REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que prevê pagamentos por resultados efetivos para a conservação e recuperação de áreas de florestas. Defendemos ainda que as doações internacionais relacionadas a estes resultados devem ser desvinculadas do teto de gastos do orçamento.

Esta COP é a primeira após a conclusão do Livro de Regras do Acordo de Paris, finalizado em Glasgow, em novembro de 2021, no qual ficou sacramentada a centralidade do Art. 6, que trata da transferência internacional de resultados de mitigação e para a operacionalização de mercados de carbono na execução dos objetivos do Acordo – ou de como, afinal, os resultados de mitigação serão creditados e computados na planilha global da conta climática. O item 6.4 do Artigo trata especificamente do mercado de carbono no âmbito da UNFCCC, sob a formato do “mecanismo de desenvolvimento sustentável”. As atuais negociações técnicas sobre o Art. 6.4 avançam rapidamente, haja visto o interesse de certos atores de operacionalizar este acesso aos atores do setor privado e financeiro – em detrimento da responsabilidade dos Estados dos países desenvolvidos – e vem sendo promovido como principal via para financiamento e aposta para a mitigação.

Representamos vozes da sociedade civil brasileira que discordam da visão que aposta na centralidade dos mercados de carbono e naturaliza a narrativa de que o setor privado seria o parceiro chave e com papel preponderante no financiamento, na implementação das ações climáticas e na transição de modelo econômico para uma economia ´mais verde´. Ao invés disso, defendemos que os países desenvolvidos e maiores responsáveis históricos pelas emissões causadoras do aquecimento global precisam cumprir com os compromissos assumidos relativos às metas de financiamento e devem disponibilizar os recursos de pagamento por resultados, assim como levar a sério a agenda de perdas e danos.

A ação climática não pode servir ao aprofundamento das injustiças ou à promoção do racismo ambiental e da dívida climática. É necessário produzir uma ação climática que seja capaz de reparar os efeitos atualizados da colonialidade, e oferecer soluções de reconstrução contra os efeitos climáticos extremos, sem transferir para povos indígenas e quilombolas, comunidades tradicionais e rurais, o peso de combater as mudanças climáticas, enquanto corporações globais, inclusive produtoras de combustíveis fósseis, se desresponsabilizam pela poluição que as suas atividades econômicas provocaram, historicamente, ao contabilizar carbono florestal nos seus balanços de sustentabilidade.

Assinam:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Coalizão Negra por Direitos

Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS)
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS)
Grupo Carta de Belém (GCB)

Marcha Mundial de Mulheres (MMM)
Memorial Chico Mendes

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento dos Sem Terra (MST)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
FASE
INESC
Instituto de Referência Negra Peregum
Terra de Direitos
Uneafro Brasil

Acesse os outros textos do Grupo Carta de Belém sobre a COP 27, Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Mudanças Climáticas, que acontece de 6 a 18 de Novembro em Sharm El Sheikh, no Egito :

Grupo Carta de Belém chega ao Egito para a COP 27: saiba porque você precisa prestar atenção nas negociações

Primeira semana da COP 27 encerra sem avanços: pressão deve aumentar sobre os países do norte na segunda semana


* Texto retirado do site do GCB

Jornada na Europa denuncia impactos do Acordo Mercosul-UE: Larissa Bombardi no Parlamento Europeu

Exposição de Larissa Bombardi, professora associada do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em agrotóxicos, durante o debate público realizado no Parlamento Europeu, em Bruxelas (Bélgica), em 8 de Novembro.

A pesquisadora apresentou dados sobre os impactos do uso dos agrotóxicos no meio ambiente e na saúde dos brasileiros e das brasileiras e de povos tradicionais, entre eles os indígenas. Grande parte desse veneno é vendido ao Brasil pelos países europeus. O acordo Mercosul – União Europeia (UE), caso seja assinado, aumentará a exportação de agrotóxicos perigosos da UE para países do Mercosul, incluindo agrotóxicos proibidos na UE em decorrência do risco que apresentam à saúde humana e ao meio ambiente.

O Brasil é o maior importador mundial de agrotóxicos e é um dos que mais usa, em termos de volume, essas substâncias. Mais de 50% dos agrotóxicos vendidos no país é usado nas lavouras de soja, seguido por milho e algodão, produtos do agronegócio brasileiro. “Não são produtos que dizem respeito à alimentação da população brasileira. Em que pese a narrativa que o Brasil é um grande produtor de alimentos, na verdade não é”, argumentou. Mais informações podem ser encontradas na publicação Comércio Tóxico, lançada em Abril deste ano: http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/wp-content/uploads/2022/04/Pesticide-report-POR-V1.pdf

Bombardi encerrou recomendando que a UE pare com a exportação de produtos banidos em seu território para outros países, bem como não seja assinado um acordo que aprofunde a desigualdade entre os blocos envolvidos. Também propõe que se pense um marco regulatório internacional para pesticidas que estabeleça os mesmos padrões de uso, limites de resíduo, as mesmas substâncias, autorização e banimento, além de prever uma redução gradual dessas substâncias até sua extinção. “Caso contrário, nós todos estamos em risco como humanidade”, defendeu.

Veja a íntegra do debate público ocorrido no Parlamento Europeu:

A jornada foi organizada pela Amigos da Terra Europa e a Rede S2B (Seattle to Brussels) e conta com o apoio da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul UE/EFTA. Além da Holanda, a delegação visitará a Bélgica, Alemanha, França e Áustria até o dia 18 de Novembro. Mais informações no site da Amigos da Terra Brasil em https://bit.ly/3UibXAX

Posicionamento da Frente Brasileira Contra Acordo Mercosul-UE é apresentado no Parlamento Europeu

Nessa 3ª feira (8/11), a delegação brasileira que está em jornada na Europa para denunciar os impactos socioambientais do Acordo Comercial Mercosul-UE (União Europeia) para o país participaram de um debate público no Parlamento Europeu, em Bruxelas (Bélgica). Os representantes da Amigos da Terra Brasil (ATBr), da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) e do MST (Movimento Sem Terra) manifestaram-se na atividade, junto com a pesquisadora Larissa Bombardi.

 

Delegação brasileira, junto com a pesquisadora Larissa Bombardi, criticam acordo a parlamentares europeus. Crédito: Julie Zalcman/ AT Europa

Mais fotos da atividade no Parlamento Europeu AQUI

 

A integrante da ATBr, Luana Hanauer, expôs o posicionamento da organização, que é membro da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-União Europeia e Mercosul-EFTA (European Free Trade Association, área de livre comércio formada pela Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein).

As questões colocadas por Hanauer durante o debate no Parlamento Europeu são defendidas pela Frente, que desde 2019 articula mais de 200 organizações da sociedade civil brasileira.

Confira, abaixo, a exposição feita por Luana Hanauer, da Amigos da Terra Brasil, na atividade dessa 3ª feira na Bélgica, durante a Jornada na Europa: 

 

  • SOMOS CONTRA A SEPARAÇÃO DO TRATADO COMERCIAL DO ACORDO!

Com base no conhecimento de outros acordos assinados com o bloco europeu ao redor do mundo, o pilar comercial tem a primazia e os elementos ditos de proteção aos direitos humanos e ambientais ficam em segundo plano. Consideramos que a abertura comercial, nos termos deste acordo, trará impactos socioeconômicos, trabalhistas, fundiários, territoriais, ambientais e climáticos significativos para o Brasil, e os demais países do Mercosul, tendo como maiores beneficiários as empresas transnacionais interessadas na importação de matérias primas baratas, na privatização de serviços e na ampliação de mercado para seus produtos industrializados.

O que está em jogo nos capítulos dos acordos comerciais com a Europa é perpetuar e aprofundar a agenda de violações e retrocessos dos direitos. O acordo acentua a reprimarização da economia brasileira e atualiza os dispositivos coloniais que mantêm a dependência do país em relação à Europa, além de incentivar a violência racista contra povos indígenas, comunidades negras, camponesas e tradicionais. Isto porque o dano ambiental associado à expansão do desmatamento e do agronegócio recai desproporcionalmente sobre os povos negro e indígena (e, em particular, sobre as mulheres).

A separação do tratado comercial do Acordo visa acelerar o processo e restringir o debate nos parlamentos e na sociedade de ambos os blocos. Somos contra a separação do tratado comercial do Acordo pois somos a favor de que este Acordo, assim como as demais políticas públicas que afetam a população do Brasil, seja com debate público, acesso à informação e respeito ao direito de consulta livre, prévia, informada e de boa fé, garantindo o controle social e a participação dos povos, os maiores impactados pelo Acordo!

 

  • PROTOCOLOS AMBIENTAIS NÃO MUDAM O CARÁTER NEOCOLONIAL DO ACORDO!

Do ponto de vista ambiental e climático, o acordo contribui para a devastação do conjunto dos biomas brasileiros. O fim das alíquotas de exportação para variadas commodities agrícolas e minerais, como o minério de ferro, e a ampliação de cotas para carne, etanol e açúcar, por exemplo, vão gerar expansão da produção e dos corredores logísticos da pecuária, do complexo soja e cana-de-açúcar. Nesse sentido, reforça os principais vetores de desmatamento e queimadas que vêm impactando os territórios, o meio ambiente e o clima.

Segundo os dados divulgados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), de janeiro até o dia 21 de outubro de 2022 o acumulado de alertas de desmatamento na Amazônia Legal foi de 9.277 km². Essa é a pior marca da série histórica. E isso se repete nos demais biomas/ecossistemas do Brasil.

Notamos a preocupação da sociedade europeia com as questões ambientais e climáticas com relação ao Acordo. As expressões “prover desenvolvimento sustentável”, “conciliar aumento da produção e mitigação de mudanças climáticas”, “assumir compromissos ambientais” ou “responsabilidade social corporativa” têm sido frequentes. Porém, diante das experiências vividas no sul global, isso não é suficiente para alcançar justiça ambiental e climática.

O crescente desmatamento e degradação socioambiental estão relacionados à violação de direitos humanos e direitos territoriais. Desde 2015, vem aumentando exponencialmente a extensão da terra em conflito, segundo a Comissão Pastoral da Terra. A CPT é uma organização de luta que em todos os anos publica o relatório Conflitos no Campo Brasil onde constam todas as ocorrências registradas.

Em 2022, no primeiro semestre, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 759 ocorrências de conflitos no campo no Brasil, envolvendo um total de 113.654 famílias.

A violência contra a ocupação e a posse através da Contaminação por Agrotóxico, que obteve o maior percentual de aumento de famílias atingidas em relação aos primeiros semestres de 2021 e 2022, com um índice de 161,34%, totalizando 5.637 famílias contaminadas por agrotóxicos.

Destaca-se o quão grave é o aumento dos conflitos por contaminação por agrotóxicos, pois, além de atentar diretamente contra a saúde dos povos e comunidades do campo, ocasiona também a contaminação das águas e dos alimentos saudáveis que abastecem as mesas da sociedade brasileira, como é o caso do Assentamento Santa Rita de Cássia, de Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS), que vem sofrendo prejuízos constantes em suas produções agroecológicas.

O acordo intensificará a crise climática provocada pela agricultura de grande escala através do aumento significativo das emissões globais de gases de efeito estufa, no qual terá um aumento de 8,7 milhões de toneladas por ano nas emissões de gases de efeito estufa (GRAIN, 2019).

Quando se trata de buscar justiça ambiental e climática, os tratados de livre comércio devem ser confrontados. Não será através do tratado comercial que será possível obter garantias sólidas em questões ambientais. Compromissos em relação a acordos multilaterais, incluindo a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, não são suficientes pois essas disposições não são aplicáveis do ponto de vista vinculante.

 

  • DEFENDEMOS A REABERTURA DAS DISCUSSÕES DO ACORDO!


    No mundo em que vivemos, não é mais possível separar as discussões da política internacional dos interesses domésticos e do seu impacto na vida cotidiana da população, povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas nos seus distintos territórios e territorialidades. Por isso, é necessário democratizar a política externa e mobilizar o maior número possível de atores e organizações da sociedade civil para debatê-la. É necessário rediscutir as pautas de comércio necessárias ao nosso povo e nosso tempo histórico, com mais igualdade e menos assimetria.

 

  • POR UM ACORDO COM PARTICIPAÇÃO DOS POVOS! 

Defendemos a participação dos povos para denunciar o desenho de inserção internacional neocolonial proposta para os países do Mercosul e apresentar propostas alternativas de integração entre os povos, onde as relações comerciais respeitem os direitos humanos e o meio ambiente e sejam construídas para atender às necessidades dos povos e não do capital transnacional.

Será com participação social e controle das políticas públicas, inclusive a política externa e comercial, que poderemos possibilitar um Acordo menos injusto e garantia dos direitos dos povos e socioambientais.

Para que haja justiça social, econômica, ambiental, racial e de gênero é importante e necessário lutar contra o poder corporativo das empresas transnacionais. Será através da convergência dos movimentos sociais que vamos resistir ao poder corporativo e continuar na luta anticapitalista, antipatriarcal, antirracista, anticolonialista, antifascista e internacionalista pela garantia do direito e soberania do povo.

 

A jornada foi organizada pela Amigos da Terra Europa e a Rede S2B (Seattle to Brussels) e conta com o apoio da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul UE/EFTA. A delegação visitará a Holanda, Bélgica, Alemanha, França e Áustria de 7 a 18 de Novembro. Mais informações no site da Amigos da Terra Brasil em https://bit.ly/3UibXAX

 

Delegação brasileira faz Jornada na Europa para denunciar os impactos do Acordo Mercosul-União Europeia

Agrotóxicos, mineração e desrespeito aos direitos dos Povos Indígenas

O altamente criticado acordo que pretende expandir o livre comércio entre UE (União Europeia) e Mercosul está prestes a sofrer nova pressão da Comissão Europeia para que seja ratificado pelos parlamentos dos países de ambos os blocos após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial no Brasil no último dia 30 de outubro.

Entre os dias 7 e 18 de Novembro, em uma jornada na Europa organizada por Amigos da Terra Europa e a rede S2B – Seattle to Brussels, representantes de organizações e movimentos sociais brasileiros irão debater com parlamentares, jornalistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil de cinco países (Holanda, Bélgica, Alemanha, França e Áustria) sobre os impactos do Acordo Mercosul-União Europeia sobre os Povos Indígenas, comunidades camponesas e produtoras agroecológicas, ecossistemas e populações atingidas pela mineração no Brasil. A ação tem como ponto alto o debate público com o Parlamento e com a Comissão Europeia na terça-feira (dia 8/11) a partir das 14h de Bruxelas/10 horas da manhã de Brasília, que poderá ser acompanhado online por este link: https://ep.interactio.eu/4jk9-e2nm-p7a1.

Enquanto Lula já anunciou em sua campanha e reiterou em seu discurso como presidente eleito que quer reabrir as negociações sobre o Acordo, a União Europeia, que evitou ter a assinatura do atual presidente de ultra direita, Jair Bolsonaro, no pacto devido aos recordes de desmatamento do seu governo, considera que agora tem luz verde para finalizar o tratado em 2023. Na pressa em garantir suas cadeias de suprimento de energia, agro e minero commodities impactadas pela guerra na Ucrânia, propõe um protocolo adicional com promessas climáticas, que está em elaboração pela Comissão Europeia e cujo  conteúdo é desconhecido  no Mercosul. Defasado historicamente, o acordo tem como eixo central a exportação de matérias-primas pelo Brasil – como grãos, carnes e minérios, cujo modelo de produção gera conhecidos conflitos socioambientais no nosso país – , e a importação de produtos industrializados de transnacionais europeias, muitos que já não são mais utilizados ou são até proibidos na Europa, como os agrotóxicos que tanto afetam a saúde das pessoas e dos animais, a biodiversidade e a qualidade das águas.

Para debater com autoridades e com a sociedade europeia, a delegação brasileira é composta por :

  • Graciela Almeida, agricultora agroecológica atingida pela deriva de agrotóxicos e representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
  • Emiliano Maldonado, da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP) e assessor jurídico da Via Campesina Brasil,que presta suporte a comunidades atingidas por derivas ilegais de agrotóxicos.
  • Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a maior associação de povos indígenas do país.
  • Luana Hanauer, economista e integrante da Amigos da Terra Brasil. Atualmente trabalha na assessoria técnica em casos de violações de direitos humanos relacionados à extração mineral, acompanhando comunidades afetadas pelo desastre-crime da barragem de Brumadinho (MG).
  • Larissa Bombardi, Professora Associada do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em agrotóxicos.

A delegação em Jornada na Europa conta com o apoio da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul UE/EFTA, integrada por mais de 200 coletivos da sociedade civil brasileira que, desde 2020, vêm denunciando o desenho de inserção internacional neocolonial proposta para os países do Mercosul e apresentando propostas alternativas de integração entre os povos, em que  as relações comerciais respeitem os direitos humanos e o meio ambiente e sejam construídas para atender às necessidades dos povos e não do capital transnacional.

A Frente sustenta que protocolos adicionais com promessas climáticas não mudam o caráter neocolonial do acordo e rechaça a tentativa de separá-lo em um simples tratado comercial para acelerar a aprovação e restringir o debate nos parlamentos nacionais em ambos os blocos. No caso brasileiro, o processo de ratificação de acordos internacionais deve passar por discussão no Congresso Nacional para ratificação e, como uma política pública, devem também estar submetidos ao debate com a população e a regras de transparência. A retomada da democracia com a vitória de Lula nas eleições de 2022 demanda a formulação de novas estratégias de desenvolvimento, combativas em relação às múltiplas crises (econômica, política, social,  alimentar, sanitária, dos cuidados, ambiental e climática) e com participação e controle social, em diálogo internacional solidário.

MAIS INFORMAÇÕES >>

Lucrando com Veneno – o lobby das empresas de agrotóxico da União Europeia no Brasil, do informe COMÉRCIO TÓXICO (Larissa Bombardi & Audrey Changoe, 2022):

O Brasil é o maior comprador mundial de agrotóxicos altamente perigosos – aqueles contendo ingredientes com toxicidade extremamente aguda e que acarretam impactos severos à saúde humana e à natureza. Desde 2019, aproximadamente 500 novos agrotóxicos foram aprovados anualmente pelo governo Bolsonaro. Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) alertam que o nível de uso de agrotóxicos no Brasil contraria os direitos humanos, principalmente os de povos indígenas e comunidades campesinas que estão sendo violados pela expansão agrícola e pela pulverização deliberada de pesticidas tóxicos sobre seus territórios e casas, mas também do povo da cidade, que tem seu alimento envenenado. O Brasil é um dos principais destinos para a exportação de agrotóxicos proibidos na UE, uma prática que já foi chamada de abuso contra os direitos humanos por relatores e funcionários da ONU em 2020.

O acordo União Europeia (UE)-Mercosul, caso ratificado, aumentará a exportação de agrotóxicos perigosos da UE para países do Mercosul, incluindo agrotóxicos proibidos na UE em decorrência do risco que apresentam à saúde humana e ao meio ambiente. O acordo também impulsionará a exportação de produtos agrícolas, incluindo soja, cana-de-açúcar e etanol derivado da cana, todos fortemente dependentes de agrotóxicos, além de carnes, como aves, que dependem de ração à base de soja, aumentando ainda mais o uso de agrotóxicos. Esses produtos agrícolas  estão intrinsecamente  ligados ao desmatamento e à destruição da biodiversidade, assim como à violação de direitos indígenas.

Muitas das corporações europeias são grandes exportadoras de agrotóxicos proibidos, altamente perigosos, incluindo as gigantes alemãs Bayer e BASF. Essas empresas lucram com legislações mais frágeis e isenções fiscais generosas no Brasil. O comércio de produtos químicos entre a UE e o Mercosul está atualmente avaliado em €6,3bi anualmente. A indústria química europeia apoia veementemente a ratificação do acordo EU-Mercosul, com o argumento de que promoverá o crescimento constante do comércio entre as duas regiões.

A diretriz “Do Campo à Mesa” da União Europeia visa reduzir significativamente o uso de agrotóxicos na UE. Apesar disso, a exportação pesada desses produtos perigosos para países do Sul global continua a ser promovida pelo tratado UE-Mercosul, destruindo florestas, deslocando camponeses, comunidades e povos indígenas, além de envenenar as populações locais. O comércio promovido pelo Acordo UE-Mercosul contraria os objetivos ambientais da UE. Em 2020, a Comissão Europeia comprometeu-se a “liderar pelo exemplo e, alinhada aos compromissos internacionais, assegurar que produtos químicos proibidos na União Europeia não sejam produzidos para exportação”. Dois anos depois, a planejada proibição à exportação não consta no programa de trabalho da Comissão Europeia para 2023, claramente, não sendo prioridade.

Os movimentos brasileiros por soberania alimentar e agroecologia defendem práticas agrícolas mais sustentáveis. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) demonstra que é possível um modelo alternativo de vida no campo, que proporciona o sustento próspero para agricultores, a restauração do solo e a produção de alimentos de alta qualidade e baixo custo para a região. Ainda assim, essas práticas estão ameaçadas pelo acordo comercial, que colocará em risco os meios de subsistência e a saúde das pessoas e do meio ambiente na região do Mercosul.

* Comunicado da Frente Brasileira Contra o Acordo UE – Mercosul

Dia de luta pela Soberania Alimentar: Alimentação popular e cidadã

Hortas comunitárias e as cozinhas solidárias são mais uma forma de lutar para minimizar o problema histórico da fome e reivindicar o direito à soberania alimentar

Hoje, 16 de outubro, é marcado por movimentos populares como o Dia Internacional de Ação Mundial pela Soberania Alimentar contra as Empresas Transnacionais. A data é marcada pela luta histórica contra a fome, no país em que 33 milhões de pessoas passam fome e cerca de 125 milhões de brasileiros vivem sob algum nível de insegurança alimentar. Esse que é também o país da supre safras e de um Produto Interno Bruto (PIB) baseado no agronegócio, é incongruente que o Brasil seja  um dos grandes exportadores de alimentos do mundo, mas não alimente sua própria população. Não há outro motivo, senão escolhas políticas. Políticas estas que se traduzem em falta de apoio em termos de políticas públicas para a agricultura familiar, com o enfraquecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criados com o objetivo apoiar o desenvolvimento da agricultura familiar nas redes locais e contribuir para o combate da pobreza no campo e nas cidades, além do esvaziamente dos estoques públicos de alimentos, política essa fundamental para garantir a renda para quem produzir, além de regular o abastecimento interno, comercializando os estoques na entressafra para atenuar as oscilações de preço, como vemos acontecer a cada vez que se vai ao mercado. O contexto de fome que vemos se aprofundar não surgiu do nada, é um projeto de ampliação das desigualdades em curso.

Frente a isso, muitas articulações tem assumido a lacuna deixada pelo Estado e lutado como é possível para atenuar o contexto de fome que vivemos. As ações das Cozinhas Solidárias são um exemplo com a ação de militantes e voluntários e com o apoio da sociedade civil que doa alimentos e suporte finaceiro, já somam 31 cozinhas, em 14 estados do Brasil servindo de segunda a sexta mais de 150 almoços para população em situação de vulnerabilidade social. Em Porto Alegre, a Cozinha Solidária da Azenha, localizada no número 608 da Avenida que leva seu nome, Azenha, possui uma sede alugada, após ter recebido um despejo durante a pandemia, período de maior vulnerabilidade da população. Situação que demonstra a falta de compromisso do atual governo com o contexto difícil que enfrenta seu povo, sem que hajam políticas públicas para atender o aumento da desigualdade social, do desemprego e da fome.

Militantes do MTST e voluntários compõem a equipe responsável pela manutenção e organização da Cozinha. Foto: Isabelle Rieger/ATBr

Além dessas iniciativas, na região metropolitana de Porto Alegre crescem iniciativas das denominadas hortas comunitárias. Espaços coletivos de produção agroecológica urbana que possibilitam a subsistência e a popularização de conhecimentos sobre alimentação, com uma reconexão com esses saberes, distanciados do cotidiano de quem vive na cidade pela escala industrial de produção alimentar. Esse tipo de projeto gera o cultivo de hortifrutigranjeiros, educação  ambiental, promove a reflexão sobre o desperdício, sobre a importância do aproveitamento integral dos alimentos e gera renda para quem precisa. A iniciativa dialoga com o conceito de direito à cidade, o qual defende a preservação da cidade como um bem público, de livre acesso, utilização e circulação pelos cidadãos, isso em oposição à mercantilização dos territórios urbanos e de sua natureza e população.

No  Brasil, com o aumento no uso de agrotóxicos após a liberação em massa destes produtos, a comida limpa se tornou uma forma de resistência, principalmente dentro das cidades, tomando forma por meio das hortas comunitárias. Tal forma de resistir  vai muito além do tema da subsistência e soberania alimentar, seu “carro chefe”, pois a iniciativa também promove a ocupação dos espaços públicos urbanos pelo cidadão, o qual defende assim seu direito à cidade. “Primeiro essa questão de morar na periferia e as pessoas acharem que tem que ser um espaço feio. Logo que eu vim morar aqui, muitas pessoas tem esse estigma de ser um espaço que não pode ser bonito, que não pode ser aproveitado, que a gente tem que sair daqui pra poder ocupar esses espaços públicos de convivência de uma forma bacana”, explica a residente do Morro da Cruz, rosto da horta comunitária e militante feminista pela Marcha Mundial de Mulheres e pela Aliança Feminismo Popular, Any Moraes.

Any Moraes, militante feminista pela Marcha Mundial de Mulheres e Aliança Feminismo Popular, na horta comunitária do Morro da Cruz, em Porto Alegre. Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

As hortas surgem como uma forma de manifestação da urgência da soberania alimentar para o país. O conceito trata do direito de que a população produza, cultive e adquira seu próprio alimento, de forma saudável, com sua cultura e hábitos alimentares, com sistemas locais e com respeito ao meio ambiente. Os movimentos sociais defendem que uma nação soberana só é dona de seu próprio destino, quando tem alimentação suficiente para todo o seu povo comer hoje e possui reservas estocadas para anos de baixa produção. Ou seja, tratar da fome, do modelo de produção que respeite o meio ambiente caminha lado a lado. Trata-se também da construção de relações entre homens e mulheres, em que o machismo e o autoritarismo masculino não prevaleçam e não reforcem a divisão sexual do trabalho, que tanto oprime historicamente mulheres do campo e da cidade.

Frente à fome, a autonomia na alimentação e a possibilidade de autogerência se tornaram ainda mais importantes em uma sociedade marcada pela avalanche da inanição. A fome é muito mais do que a falta de alimento, é um estado de espírito. Quem não se alimenta não têm energia e portanto, não tem saída para a sua condição, pois dificilmente consegue correr atrás de alguma fonte de renda. Por essa razão, a Aliança Feminismo Popular (AFP), articulação em que integram a Amigos da Terra Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e a Marcha Mundial de Mulheres, desenvolveu o projeto de uma horta comunitária no Morro da Cruz. “Queremos que o máximo de gente participe, porque para além do abastecimento de alimento para quem participa, também é pra ser um espaço desse debate da questão da alimentação saudável, da possibilidade das pessoas plantarem nas suas próprias casas, da compostagem, que a gente tá iniciando esse processo aqui também né, de fazer esse diálogo com a população que mora aqui e também da possibilidade de não gerarmos tanto lixo, e o lixo orgânico ser destinado para um espaço e poder produzir o próprio composto pra gente poder ampliar a horta.” O projeto que teve início com a distribuição de cestas básicas para a comunidade, mediante a uma inscrição prévia, hoje abarca também a horta comunitária, responsável por trazer maior soberania para cerca de 20 famílias atualmente.

Na foto de agosto de 2021, durante mutirão na horta, as crianças participaram de oficina de identificação de plantas e plantio. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

    A iniciativa é mais uma entre a junção de forças e habilidades que os movimentos  sociais e as organizações populares têm feito para garantir aquilo que o governo não disponibiliza, independente de ser ou não um direito de todos. “A gente pensou em alternativas que pudessem sanar essa insegurança alimentar de alguma forma, mas também pensando que isso fosse feito não de uma forma assistencialista só distribuindo as cestas, mas de a gente poder pensar modos de geração de renda dentro da própria comunidade e a produção desses alimentos”, explica Any. Além da horta e da distribuição de cestas, o projeto engloba oficinas em prol do aprendizado de produtos a partir dos próprios insumos colhidos na horta, de forma a proporcionar para as mulheres que  participam, um conhecimento que lhes possa gerar algum tipo de renda. “A partir da horta, a gente fez oficinas de sabão ecológico com as mulheres, oficina de sal temperado, tudo pensando em alternativas que pudessem gerar renda para essas famílias também. Coisas que elas pudessem fazer nas suas residências.”  Os feedbacks de resultados do projeto são visíveis principalmente na voz das crianças do Morro da Cruz. Any conta que muitas delas participam dos mutirões e apresentam interesse em aprender, participar do cuidado com a horta e levar mudinhas para suas casas. Além disso, as mulheres criaram uma relação com o espaço: “Teve uma vez que mesmo com chuva a mulherada veio, trouxeram mudas de casa! Então também tem essa troca entre as mulheres que participam e o interesse também de estar nesse espaço. Porque para elas também é algo relacionado à saúde mental. Muitas delas já relataram isso, de ser um momento terapêutico, um momento de elas pensarem em outras coisas e ser um momento delas aqui, então isso tem sido bem bacana.”

Veja mais fotos da Horta Comunitária do Morro da Cruz, em Porto Alegre (RS):

Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

 

Em Porto Alegre (RS), Grupo Carta de Belém (GCB) entrega propostas sobre meio ambiente a candidatos na eleição de 2022

O Grupo Carta de Belém (GCB) promoveu uma atividade regional no último sábado (24/09) em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Durante o dia, ocorreram debates sobre os impactos já sentidos nos territórios e pelas comunidades que vivem neles com o avanço da entrega da gestão de áreas protegidas (unidades de conservação e de parques naturais) à iniciativa privada.

À noite, foi a oportunidade de debater o assunto com candidatos nas eleições gerais deste ano e com parceiros convidados. Estiveram presentes a candidata a deputada federal Cláudia Ávila (PSOL/RS), a também deputado federal Eduardo Ruppenthal (PSOL/RS) e os assessores dos candidatos a deputado federal Elvino Bohn Gass (PT/RS) e a deputados estadual Jeferson Fernandes (PT/RS), Matheus Gomes (PSOL/RS) e Stela Farias (PT/RS).

Esta atividade foi transmitida ao vivo no canal de Youtube do Grupo Carta de Belém. Acesse o debate abaixo:


O espaço de conversa foi apresentado pelo advogado popular Pedro Martins, da organização Terra de Direitos, e por Fernando Campos Costa, da Amigos da Terra Brasil (ATBR), entidades que compõem o grupo. Eles apontaram o retrocesso ambiental promovido em todo o país, efetivado por legislações que beneficiam atividades econômicas predatórias, especialmente o agronegócio e a mineração, o sucateamento dos órgãos de fiscalização e o corte de políticas e de investimentos públicos para a proteção dos biomas e do desenvolvimento econômico-sustentável das comunidades locais e povos tradicionais.

Como impulsionadores desse processo, Pedro Martins destacou dois programas que privatizam as unidades de conservação e parques naturais: o Adote um Parque, do governo federal, e o Programa de Concessão dos Parques Naturais, instituído por governos estaduais, assessorados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Aqui no Rio Grande do Sul, por meio do programa federal, já foram entregues as concessões das florestas nacionais (FLONAS) das cidades de Canela e de São Francisco de Paula à iniciativa privada. Pelo programa do RS, o governador licenciado que concorre à reeleição, Eduardo Leite (PSDB), repassou o Aparados da Serra, na Serra Geral, o Parque do Caracol, em Canela, e o Parque Estadual do Turvo, mas ainda estão sendo estudadas  as concessões do Parque Estadual do Delta do Jacuí (PEDJ) e do Jardim Botânico. Costa lembrou que embora não tenham um programa específico para isso, parques e áreas da Capital gaúcha também estão listadas pela prefeitura para serem administradas pela iniciativa privada, entre eles os parques Redenção e Marinha e novos trechos da Orla do Rio Guaíba no Centro e no bairro Lami, extremo sul da cidade.

Os integrantes do GCB apresentaram brevemente as propostas do grupo para o debate eleitoral e para a reconstrução da política socioambiental brasileira. No documento distribuído durante a atividade, constam oito iniciativas defendidas pelas entidades ambientalistas e movimentos sociais que se articulam no Carta de Belém para que o país retome um desenvolvimento sustentável e promova a justiça ambiental, aliando a defesa dos biomas e do meio ambiente a uma vida mais justa e sem miséria da população. São elas: revogação da “boiada” (das políticas e programas, como o Adote um Parque e o programa de concessão estadual via BNDES, que transformam a natureza e os modos de vida em mercadoria); garantia de participação social, da terra e do território e dos modos de vida; refutar a lógica do mercado financeiro na promoção de políticas ambientais, como as propostas do mercado de redução de emissões de gases de efeito estufa e dos Pagamentos por Serviços Ambientais; recompor o orçamento da política ambiental; reafirmar o meio ambiente como bem comum e rejeitar as privatizações verdes.

Acesse as propostas do Grupo Carta de Belém (GCB) na íntegra AQUI.

Os candidatos e assessores presentes endossaram o apoio às propostas do GCB. Algumas manifestações expressaram que o repasse da gestão das unidades de conservação e dos parques naturais à iniciativa privada é uma das etapas do processo de desmonte das políticas e dos serviços públicos ambientais. Com as áreas de conservação abandonadas e trabalhadores que cuidam dos locais com um trabalho precarizado, o discurso da privatização ganha força frente à ineficiência proposital do Estado.

Também foi destacado, pelos participantes, que a lógica dessa concessão é puramente capitalista, com o objetivo de empresas lucrarem via a exploração do meio ambiente. Dessa forma, retira a função de proteção da flora e da fauna que as áreas naturais têm, além de elitizar o acesso a esses locais, já que os ingressos cobrados pelas empresas para entrar nos parques são caros. Além disso, as áreas colocadas para a concessão são as consideradas mais atrativas para as empresas por já terem uma infraestrutura inicial (necessitando, portanto, de menos dinheiro para investimento) ou por abrigarem as belezas e paisagens naturais consideradas de maior beleza ou mais chamativas aos olhos dos visitantes, sem prever qualquer tipo de investimento ou cuidado nas demais unidades e parques do RS e do país. Ou ainda como o Parque Estadual do Turvo, que além de ser belíssimo e conter espécies de mata e de animais nativos, protege, junto com comunidades locais mobilizadas, o único trecho do Rio Uruguai que ainda não está tomado por usinas hidrelétricas. É justamente neste trecho que governos e empresas planejam a instalação da usina de Garabi/ Panambi, na fronteira com a Argentina.

Outra preocupação é que independente de se reelegerem, os governos Bolsonaro e Leite ainda terão três meses, até o final do ano, para avançarem com mais projetos prejudiciais ao meio ambiente e às comunidades locais e tradicionais. As organizações e movimentos sociais precisam seguir organizados e vigilantes a fim de impedir mais retrocessos.

* Texto publicado no site do Grupo Carta de Belém em https://www.cartadebelem.org.br/em-porto-alegre-rs-grupo-de-carta-de-belem-gcb-entrega-propostas-sobre-meio-ambiente-a-candidatos-na-eleicao-de-2022/

Aberta Consulta Pública sobre casos de pulverização de agrotóxicos por aeronaves

A chamada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) é direcionada a qualquer cidadão e organizações que queiram se manifestar.

 

Até o próximo sábado (27) o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), do qual a Amigos da Terra Brasil integra, estará coletando contribuições sobre casos de pulverização de agrotóxicos por aeronaves para prevenção e reparação de violações de direitos humanos. A ação deverá resultar em proposta de Resolução do CNDH. A consulta é fruto de uma série de denúncias que se replicam pelos estados do Brasil. Para participar basta acessar o formulário nesse link e responder com as suas sugestões.

O avanço das denúncias têm demonstrado a gravidade dos casos de contaminação por agrotóxicos resultantes de pulverização aérea. É o que reforça o advogado popular do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Emiliano Maldonado: “É algo que tem gerado danos ambientais, à saúde e econômicos aos agricultores orgânicos. Especialmente aos orgânicos, mas de modo geral, já que é pulverização aérea acaba atingindo distâncias muito grandes de onde ela deveria ser, em tese, aplicada”.

A iniciativa ocorre em um contexto de aumento da liberação de agrotóxicos no Brasil, país que já é considerado o 2º maior comp2º maior comprador de agrotóxicos proibidos na Europarador de agrotóxicos proibidos na Europa. Além disso, pesquisa da Amigos da Terra Europa mostrou que as empresas Bayer, Basf e Syngenta já gastaram cerca de 2 milhões de euros para apoiar o lobby do agronegócio no Brasil. Desde o início da gestão Bolsonaro foram liberados 3748 produtos agrotóxicos comercializados em todo o Brasil, segundo dados da Agência Pública e da Repórter Brasil que monitoram os registros no Diário Oficial da União.

A participação é aberta a qualquer cidadão e organizações que queiram se manifestar. Emiliano lembra que “é importante que se conte com uma boa participação para mostrar que a população brasileira está contrária e que defende uma regulamentação que proíba esse tipo de método de pulverização, como já é proibido em vários países europeus e no Ceará”. A Lei 16.820 veta a pulverização área de químicos naquele estado desde 2019, sob forte pressão de representantes do agronegócio, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que alegam prejuízos às lavouras dos fazendeiros, a matéria foi questionada e tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2009, por meio do Parlamento Europeu, a União Europeia proibiu o método por entender os possíveis prejuízos à saúde humana e ao meio ambiente devido às derivas, ocasionadas pelo alastramento da pulverização pelo vento.

Prazo: de 27 de julho a 27 de agosto de 2022.

Envie propostas em: https://bit.ly/3vhNVfe

Acesse a resolução do CNDH em: https://bit.ly/3oFcP4o

Relembre o caso de deriva por pulverização de agrotóxicos em Nova Santa Rita

Nova Santa Rita é conhecida como a Capital da produção Orgânica e possui 4 assentamentos onde dezenas de famílias de produtores agroecológicos estão sofrendo com o uso de venenos aplicados por avião em fazendas vizinhas. Desde 2017 já contabilizam 5 denúncias registradas em casos semelhantes na região. Em 2020, após a deriva da pulverização de plantio convencional em uma fazenda vizinha ao assentamento Santa Rita de Cássia II atingir todo a comunidade pelo uso reiterado da pulverização aérea de agrotóxicos, culminou na decisão da Justiça Federal de suspensão de uso de agrotóxicos por um dos arrendatários da fazenda vizinha ao assentamento, sob pena de aplicação de multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão.

Em 2021, após nova decisão da Justiça determinar que os donos e arrendatários da fazenda vizinha se abstivessem de realizar a pulverização aérea de agrotóxicos nas lavouras de arroz e determinou que a União, o Estado e a FEPAM elaborem, executem e apresentem planos de fiscalização desta decisão. Após essa decisão ocorreu um novo caso de deriva de pulverização aérea de agrotóxicos, onde as famílias relataram sofrer intimidação por, pelo menos, 3 horas ininterruptas de aviões de pulverização que pulverizaram herbicidas na área limítrofe do assentamento.

Em fevereiro deste ano, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a decisão liminar sobre a suspensão da pulverização de agrotóxicos na propriedade rural Granja Nossa Senhora das Graças, também conhecida como Granja Nenê, localizada em Nova Santa Rita (RS). A decisão também reafirma que a União, o Estado do RS e a Fepam implementem um plano de pulverização de defensivos agrícolas nas áreas da propriedade rural, para não impedir o desenvolvimento de produção orgânica nas áreas vizinhas.

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