Site da Amigas da Terra Brasil, organização ambiental anticapitalista, em defesa da soberania e dos direitos coletivos dos povos
Categoria: Soberania alimentar
Há mais de 860 milhões de pessoas que passam fome no mundo. A produção tradicional de alimentos, como a agricultura em pequena escala, que se destina a alimentar as populações locais, está sendo destruída e, em seu lugar, está sendo imposta uma agricultura de grande escala, criada por agroempresas transnacionais. Somado a isso, as crises climáticas representam uma ameaça adicional à produção de alimentos. É necessário construirmos sistemas mundiais de alimentação baseados em soluções agrícolas diversas e locais. Deveria ser permitido ao povo decidir e controlar seus próprios sistemas de alimentação. Esta forma de agricultura também ajuda as comunidades a ter mais resiliência às mudanças climáticas. O Amigos da Terra apoia os pequenos agricultores, resistências ao poder empresarial que destrói os sustentos autônomos e traz às comunidades fome e conflitos. Ajudamos a construir pontes entre os povos e seus alimentos, entre aqueles que produzem e consomem os alimentos.
Atenção! Alerta! Plantações de árvores NÃO são florestas.
Para aumentar seus lucros e abastecer o sobreconsumo de papel e aço nas sociedades do Norte e nas elites do Sul, as empresas de celulose e siderurgia expandem seus plantios industriais de eucalipto por todo o Sul global.
No Brasil, ainda nos anos 60/70, as monoculturas de eucalipto tiveram apoio direto da Ditadura Militar. Invadiram terras devolutas, expropriaram territórios tradicionais e substituíram matas nativas. Devastaram o Cerrado, no Mato Grosso do Sul, para produção de celulose e, ainda no norte de Minas Gerais, para produzir carvão e ferro-gusa. Para produzir celulose, devastaram a Mata Atlântica, no norte do Espírito Santo e no extremo sul da Bahia, e tomaram os campos sulinos do Bioma Pampa, no Rio Grande do Sul. Agora, avança sobre a Amazônia no Maranhão.
Também ao longo da Nova República, em seus diferentes governos, as empresas de celulose e siderurgia sempre estiveram no núcleo do poder. Sempre ocuparam ministérios, formaram bancadas, definiram e foram beneficiadas por sucessivos programas de desenvolvimento, planos de aceleração de crescimento e por isenções fiscais. As empresas monocultoras sempre definiram as políticas climáticas e os planos florestais.
Sob o governo ultraliberal e fascista de Jair Bolsonaro, as mesmas empresas seguem apoiando as manifestações golpistas do agronegócio. Estão interessadas na desregulamentação das leis do trabalho e na flexibilização das leis ambientais. A monocultura do eucalipto avança suas fronteiras por sobre novos territórios e biomas, como no Maranhão e no Mato Grosso do Sul, e ainda ameaça o norte do Rio de Janeiro.
Por onde se instala, e já existe a respeito farta literatura, com exemplos concretos, o agronegócio do eucalipto provoca uma tragédia econômica, social e ambiental. Um Deserto Verde!
# Assola e expropria povos tradicionais; # Impede a Reforma Agrária e submete a economia campesina; # Promove a grilagem, concentra e se apropria das terras devolutas; # Desgasta rodovias e incrementa os riscos de acidentes de trânsito; # Precariza as condições de trabalho e a liberdade sindical; # Seca nascentes e lagoas e contamina os córregos e rios, com o uso indiscriminado de seus agrotóxicos; # Extingue a sociobiodiversidade dos territórios; # Destrói a economia local, sem gerar emprego; # Sua estrutura portuária voltada à exportação destrói berçários e manguezais, impede e inviabiliza a pesca artesanal.
Na outra ponta desta cadeia estão as plantas industriais da siderurgia e de produção de celulose, que utilizam grandes quantidades de energia e de água e geram grandes quantidades de efluentes líquidos, emitem ruído, materiais particulados como finos de serragem e fuligem, gases de efeito estufa, gases precursores da chuva ácida e gases odoríferos que causam náuseas, dores de cabeça, ardência nos olhos, nariz e garganta. A longo prazo, que danos podem causar à saúde humana? Além dos impactos diários, são fonte permanente de riscos associados a vazamentos de cloro, emissão de dioxinas e furanos e outros acidentes que podem atingir trabalhadores e comunidades vizinhas. Tudo isso, para exportar praticamente toda a sua produção bruta para fora do país, sem sequer pagar impostos em função da absurda Lei Kandir.
No Dia da Árvore, 21 de Setembro, as empresas monocultoras buscam enganar a sociedade e seus consumidores. Ao longo de seu vasto latifúndio de 10 milhões de hectares, empresas como a Suzano, a Veracel, a Klabin, a Plantar, a V&M e a CMPC, entre outras, manipulam a opinião pública e disseminam suas monoculturas como se fossem “florestas”.
No relatório de sustentabilidade de 2020, a Suzano Celulose, por exemplo, invoca sua monocultura como transição energética, sob o lema de “renovar a vida, a partir da árvore”.
Para transformar seus plantios industriais em florestas, as empresas monocultoras distorcem imagens, deslocam os sentidos das palavras, torcem os números. Engenhosas propagandas, falsa Solidariedade S.A.
Têm o apoio do Estado, de bancos e fundos de investimentos (BNDES, BM/IFC, Fundo do Clima, BEI, BNI), de organismos internacionais (ONU/FAO), conselhos e programas de engenharia florestal, institutos patronais, certificadoras. Também contam com o apoio de organizações e redes do ambientalismo de mercado, como WWF, CI – Conservation International, TNC – The Nature Conservancy. No Dia da Árvore, formam um potente conluio para semear desertos verdes.
Mas atenção! Alerta! Plantações de árvores NÃO são florestas! E dia 21 de Setembro, no Dia da Árvore, em defesa dos direitos humanos e da natureza, enquanto as empresas celebram seus negócios, nós celebramos o Dia Internacional de Luta contra Monocultivos de Árvores.
Esta 3ª feira, 21 de Setembro, é o Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores. Nesta data, povos indígenas e quilombolas, movimentos e organizações socioambientais e sindicais reforçam as denúncias dos impactos provocados pelo plantio massivo de pínus e eucalipto para abastecer as indústrias papeleiras, energia e siderurgias.
Acesse AQUI o manifesto lançado pela Rede Alerta contra os Desertos Verdes
Onde é instalada a monocultura de árvores, um “deserto verde” se espalha, expulsando moradores, agricultores, comunidades tradicionais e animais de seus territórios, acabando com a biodiversidade nos locais e afetando fontes de água como nascentes, córregos e rios. Monocultura não é floresta!
O 21 de Setembro é um dia, também, para chamarmos todos e todas à luta em defesa dos territórios e das populações. Um dia de luta contra a monocultura de árvores e de resistência à destruição gerada pelas indústrias de celulose por lucro.
A articulação brasileira Rede Alerta contra o Deserto Verde está com atividades programadas para este dia, acompanhe em https://alertacontradesertosverdes.org Convidamos todos e todas para o debate virtual nesta 3ª feira (21/09), às 19h, neste link: https://bit.ly/Live21Setembro
NÃO ao deserto verde da monocultura de árvores! Em defesa da vida e da biodiversidade!
A direção da CMPC Celulose anunciou, no início de Agosto, um investimento de R$ 2,75 bilhões em sua fábrica na cidade de Guaíba (RS) nos próximos dois anos. A empresa chilena pretende “modernizar” a planta, que fica a 32 km da capital Porto Alegre, ampliando a capacidade produtiva em 350 mil toneladas por ano – um aumento de 18% em potencial de produtividade.
Tudo isso ocorre sem licenciamento aprovado e com muita propaganda pelo governo do Rio Grande do Sul. Sem qualquer estudo de impacto ambiental ou social (pelo menos, que tenha sido divulgado amplamente à população), o governo anunciou em seu site que“as obras de implantação serão sustentáveis” e que “todos os resíduos gerados na construção serão reaproveitados”. Não aborda, em nenhum momento, prováveis impactos no meio ambiente e na comunidade local. A propaganda do governo estadual é mais chamativa que a da própria empresa CMPC Celulose, enchendo os olhos de quem lê com dados sobre empregos a serem gerados e com o acréscimo de impostos. “Esse é o segundo maior investimento privado da história do Rio Grande do Sul – ficando atrás somente da criação de Guaíba 2, linha de produção de celulose da CMPC que teve a implantação concluída em 2015”, festeja a matéria do governo do estado.
A APEDEMA (Assembleia Permanente de Entidades do Meio Ambiente) enviou ofício ao secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Henrique Viana, criticando a propaganda favorável à empresa e questionando sobre o avanço da obra sem ter licenciamento aprovado pelos órgãos do Estado responsáveis por defender o meio ambiente. Afinal, diz a nota, “É dever do órgão ambiental a defesa constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Defender interesses de obra e/ou atividade, ou mesmo fazer publicidade a elas favoráveis (propaganda) está fora de suas obrigações legais, e fere princípios constitucionais, como da impessoalidade e da legalidade”.
A entidade alertou para a ocorrência de impactos ambientais e sociais gerados pela fábrica de celulose desde que foi assumida pela empresa chilena CMPC: “Cabe registrar que a quadruplicação da planta de produção de celulose da CMPC em meio à zona urbana residencial do município de Guaíba causa, desde suas obras de implantação e o início de sua operação em 2015, impactos socioambientais no entorno da fábrica e em diferentes regiões de Guaíba. A empresa não consegue atingir os níveis de ruído que permitem uma convivência mínima com a comunidade do entorno, dia e noite. Os odores de compostos reduzidos de enxofre, dependendo das condições operacionais e atmosféricas são percebidos fora dos limites da empresa, muitas vezes de maneira intensa e que causam dores de cabeça, náuseas, ardência em olhos e nariz, inclusive em escolas. Materiais particulados (serragem, fuligem, e inclusive espuma da Estação de Tratamento de Efluentes) caem sobre residências. Já houveram acidentes como vazamentos de Dióxido de Cloro (levando funcionários à atendimento médico), o incêndio de grandes proporções na linha de fibras da Fábrica 1 e a perda quase total da caldeira nova. A empresa desde a inauguração da nova planta (2015) já teve mais de uma dezena de autos de infração, Termo de Ajustamento de Conduta com Ministério Público Estadual e 2 processos na justiça por crimes ambientais”.
Essas ocorrências ressaltam ainda mais a importância de fazer estudos sérios e comprometidos e de o Estado atuar na defesa do meio ambiente e do bem estar da população. A situação extrapola a questão simplesmente econômica, assim como o Estado não deveria estar a serviço das empresas privadas, que pensam apenas em aumentar seus lucros.
Mais indústrias de celulose à vista
O avanço do setor da celulose vai além da ampliação da fábrica em Guaíba (RS). Está anunciada a instalação de uma nova planta no Sul do Rio Grande do Sul, provavelmente nas cidades de Pelotas ou Rio Grande. Tanto para a ampliação da fábrica da CMPC em Guaíba quanto para a instalação de nova planta será necessário o aumento do monocultivo de pínus e de eucalipto.
Mas isso não é um problema para as empresas, pois contam com o apoio do governo estadual para efetivar seus projetos rapidamente. A revisão do ZAS (Zoneamento Ambiental da Silvicultura) já tramita no CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente) para garantir as condições necessárias de implantação das fábricas.
Além disso, a silvicultura é uma das atividades que está para ser incluída no LAC (Licenciamento por Adesão e Compromisso), um novo formato de licenciamento aprovado pelo governo do RS na Assembleia Legislativa que “desburocratiza” os processos. As empresas, na prática, quase não precisarão de licenciamento para efetivarem seus projetos.
Relação íntima com os golpes militares na América Latina
Assim como no Brasil, o setor da celulose realiza a sua instalação a partir das ditaduras militares e corporativas. Na América Latina, a CMPC é fundada no governo militar de Pinochet – aliás, a indústria florestal do Chile foi estabelecida nos primeiros anos da ditadura. Um decreto do governo de 1974 subsidiou 70% dos custos da plantação e, nos 40 anos seguintes, inclusive com o retorno à democracia, o setor recebeu cerca de US$ 800 milhões em dinheiro dos contribuintes. Três quartos desse valor foram para as duas empresas que dominam o setor: a Arauco e a CMPC.
No Brasil, não foi diferente e, hoje frente à derrubada da democracia, visualiza-se o retorno do setor, expandindo fábricas e áreas de plantio como um ambiente seguro para sua captura corporativa de governos antidemocráticos e licenciamentos autodeclarados, voluntários, visto muitas vezes como gentilezas do setor aos territórios. Sabemos o que ocorre quando colocamos a raposa para cuidar das galinhas.
Crédito da foto: Fabiano Panizzi / Divulgação / CMPC
Na última segunda-feira, 14 de junho, venceu a Licença Prévia (LP) que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) havia concedido ao Projeto Retiro da empresa Rio Grande Mineração (RGM) S/A. A LP da entidade atesta a “viabilidade ambiental” do projeto e autoriza a localização e concepção da atividade, que visa a extração de minerais pesados como ilmenita (titanato de ferro), rutilo (dióxido de titânio) e zirconita (silicato de zircônio). Os dois primeiros são minerais de titânio, usados na indústria química, metalúrgica e também na bélica. A zirconita é principalmente utilizada nos setores de fundição, cerâmica e como refratário. A empresa afirma que pretende suprir o mercado interno, e também exportar o excedente dos minerais de titânio para a América do Norte, Europa, Oriente Médio e Ásia.
A RGM obteve a licença em 2017, ela é detentora de direitos minerários concedidos pelo Departamento Nacional da Produção Mineral (substituído em 2017 pela Agência Nacional de Mineração), de uma faixa de cerca de 80 quilômetros que vai do Oceano Atlântico à Lagoa dos Patos, no município de São José do Norte, no extremo Sul do litoral do Rio Grande do Sul. A RGM adquiriu esses direitos de outras empresas como Paranapanema, Rio Tinto e Amazônia Mineração.
Segundo as organizações e movimentos que se opõem ao projeto, a empresa já solicitou a renovação da licença prévia. A informação ainda não consta no site do Ibama.
Área geral de lavra do empreendimento (em vermelho). Fonte: EIA do Projeto Retiro (Capítulo 8), disponível no site do Ibama: https://bit.ly/3zJF8Dj
Após a vitória dos moradores da região com a alteração do Plano Diretor do município, que determinou a proibição de grandes projetos de mineração na cidade, comunidade local e organizações se articulam para que a licença prévia não seja renovada. A proibição, determinada pelo novo Plano Diretor, não se aplicou ao Projeto Retiro pois o licenciamento já estava em andamento, e a mudança é válida apenas para projetos futuros.
“Essa alteração pra impedir a megamineração de metais pesados no Plano Diretor foi feita a partir de muita mobilização popular”, conta Sabrina Lima, da coordenação do Movimento pela Soberania Popular da Mineração (MAM), que vem atuando junto às organizações locais contra a instalação da atividade de megamineração.
“Com as associações de agricultores, de pescadores, estamos atuando pela via judicial, retomando a questão do Plano Diretor que já está em vigor e que tem que ser levado em consideração para anular o requerimento da empresa. E como a licença venceu, e com a estimativa de alterações no projeto, estamos com essa esperança de que o Plano Diretor do município tenha um peso muito grande em anular qualquer pedido da empresa”, explica Lima.
Pouco diálogo e questionamentos à empresa sem resposta
“O agricultor pode não ser um técnico em meio ambiente, mas ele conhece muito bem a terra em que vive e que trabalha”, diz Cleberson Milão, do Grupo de Agroecologia Econorte, ao falar sobre o fato de os agricultores familiares terem feito questionamentos à empresa durante as audiências públicas e não terem recebido respostas satisfatórias.
“A empresa disse que iria recuperar o solo, ela levaria a areia, separar o minério e depois colocar novamente a areia. Então ficaram muitas dúvidas em relação a essa recuperação do solo, e também sobre o imenso lago que ficaria conforme o buraco que projetam. Mas a empresa não deu conta de explicar como recuperaria o solo”, conta Milão sobre os momentos de audiências públicas.
Pelo modo em que foram levadas a cabo as audiências, a população também ficou insatisfeita com o papel do Ibama.
“No processo como um todo, nem os problemas levantados pelo próprio Ibama foram necessariamente respondidos adequadamente pelo empreendedor. Mas o empreendedor responde e aquela resposta é acatada como verdadeira. E todos os questionamentos realizados pelo Ministério Público Federal (MPF), não são respondidos em nenhum momento durante o processo de licenciamento ambiental. São essas questões que levam aos questionamentos que a população de São José do Norte faz ao papel do Ibama no processo de licenciamento ambiental”, explica Caio Floriano dos Santos, pesquisador do Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil.
O pesquisador conta que em função dos questionamentos, o MPF moveu três ações civis públicas: uma em relação à consulta prévia, livre e informada às populações tradicionais; outra sobre o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), as audiências públicas e o processo como um todo; e um último por improbidade administrativa da presidenta do Ibama na época, Suely Araújo, e os responsáveis do instituto pela licença prévia.
Entre as irregularidades no processo de licenciamento, Caio menciona obstáculos à participação da população nas audiências públicas: como o fato de os horários das audiências serem em momentos em que não há transporte público disponível ou de serem feitas em lugares de difícil acesso para uma parte da população que seria afetada pelo projeto.
A mineradora entrou com pedido de licenciamento de apenas uma das três partes em que dividiu o grupo de direitos minerários chamado de Complexo Minerário Atlântico Sul. Para Caio, que também integra o Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), essa foi uma estratégia para facilitar o processo de licenciamento: “com isso, não se avaliou, por exemplo, no Estudo de Impacto Ambiental os impactos ambientais cumulativos e sinérgicos entre as fases do projeto, o que está previsto na Resolução Conama Nº 001 de 1986”.
Outra das grandes preocupações dos moradores da cidade tem a ver com as fontes hídricas da região. “As escavações seriam de 20, 22 metros de profundidade (ou mais, dependendo da quantidade de minério), mas envolve a remoção de grandes quantidades de areia, de água, de toda uma estrutura no subsolo, e os agricultores ficam chocados, porque abrindo um buraco de 8 metros de profundidade, você já vai dar nas reservas hídricas do município, que depende exclusivamente delas, e não tem outra forma de abastecimento”, explica a integrante do MAM.
“Está colocado em risco todo o processo da própria pesca. Aqui estamos em uma área de reprodução do camarão. E é um município pequeno, mas é produtor de cebolas, de diversas hortaliças orgânicas, e essa cava passaria por todo um território dos camponeses aqui da região, modificando o modo de vida de gerações”.
Entre 40 e 50 famílias seriam removidas das áreas de lavra previstas pelo projeto. Elas poderiam retornar às terras após finalizado o projeto, mais de 20 anos. “Qual o impacto de tirar essas famílias da zona rural e levar para a cidade. As pessoas têm relações e histórias com a terra. ‘Essa chácara era do meu bisavô que passou pro meu vô, e hoje ela tá comigo’; ‘aquela figueira que tá no pátio era árvore que eu me balançava quando era criança. São essas estruturas e lembranças as que serão dragadas pela empresa de mineração”.
O pesquisador continua, afirmando que não basta levar em consideração apenas a recuperação (prometida pela empresa) do “ambiente físico e natural”: “tem outras relações que foram construídas naquele território que vão ser dragados junto com a mineração, e nenhuma dessas relações e modos de vida estão sendo levados em consideração”, lamenta Caio Floriano dos Santos.
Para Cleberson, essa também é uma questão fundamental. Ele explica que, nesse sentido, os impactos do projeto minerador se somariam aos dos provocados pela monocultura de pinus na região: as famílias que vivem em regime econômico de agricultura familiar sofrem esse impacto de desaculturação, porque começa a baixar sua renda e começa a migrar pra empresa de pinus. Então ela sai de um regime familiar pra entrar como um trabalhador assalariado em uma dessas empresas, a desaculturação começa por aí”, explica o integrante do Grupo de Agroecologia Econorte.
O combate à megamineração continua
O rechaço ao projeto da Rio Grande Mineração S/A, ficou evidente na mobilização que levou a mudar o Plano Diretor de São José do Norte. Agora, com o pedido de renovação da licença ao Ibama, as organizações locais, além de tentarem parar o projeto pela via judicial, mantêm a luta política.
“Nós conseguimos aglutinar várias instituições diferentes, de pesquisadores, advogados, de sujeitos da luta social, e tudo no intuito de acrescentar forças para combater os projetos, analisando os EIA-RIMA de cada projeto, as inconsistências, acompanhando as audiências públicas, as assembleias, dando subsídio a todo esse processo de dar à população o direito a conhecer o impacto e o que seria a real estrutura dessas empresas que tentam se implantar de uma forma muito silenciosa”, diz Sabrina sobre o comitê.
São José do Norte foi uma das centenas de cidades que organizaram atos contra Bolsonaro neste 19 de junho: “também participamos das mobilizações nacionais contra Bolsonaro, porque lutar contra a mineração requer lutar contra esses sujeitos que possibilitam a entrada e flexibilização de leis para a entrada dessas mineradoras no município”.
“Aqui é a prova de que quando a organização do povo quer se manter firme na luta podem nascer grandes êxitos”, conclui Sabrina Lima.
Veja outros casos de combate a projetos de megamineração no Rio Grande do Sul na publicação “Do campo à cidade: histórias de luta pelo direito dos povos à terra e à vida”. Leia o trabalho aqui.
É fundamental a mobilização e construção coletiva frente ao avanço das políticas neoliberais que impactam diretamente a vida das mulheres
Desde o início da pandemia, em todo o mundo e especialmente nos países do Sul Global, as mulheres organizadas vêm cumprindo um papel essencial nas ações de solidariedade que visam enfrentar os impactos da COVID19, em vários casos, potencializados por ações e omissões de países governados pela direita e extrema direita dessa região.
Uma parte desses problemas têm a ver com o poder exercido pelas grandes empresas sobre os governos para colocar os interesses das elites por cima dos interesses dos povos, em plena crise. No Brasil, um exemplo é a falsa dicotomia imposta entre economia e vidas, que implica, não apenas na pressão pela flexibilização (ou simplesmente, não implementação) de medidas restritivas de combate à pandemia, como também na exigência de um “Estado mínimo” que não utilize seus próprios recursos na defesa das vidas dos mais empobrecidos.
É sempre importante lembrar também, como sempre o faz nossa companheira do povo garífuna, Miriam Miranda, da Organização Fraternal Negra Hondurenha (Ofraneh), o papel central das empresas transnacionais no debilitamento das democracias da região e o interesse direto nos golpes de Estado cometidos nos últimos anos na América Latina.
“Não estamos pensando essa rede de solidariedade para apenas um dia, e sim em curto, médio e longo prazo. Estamos iniciando um projeto de Cozinha Solidária aqui na Ocupação Povo Sem Medo; a gente vai ter comidas saindo de dentro da ocupação para as famílias da ocupação e também de outros conjuntos habitacionais, como o Timbaúva e Senhor do Bonfim”, diz a companheira Juliana Motta do MTST em relação às metas da aliança.
Tanto na Ocupação Povo Sem Medo quanto na Comunidade do Morro da Cruz, a aliança vem trabalhando junto às comunidades na construção de hortas orgânicas como forma de combater a crise imposta pelas medidas neoliberais do governo Bolsonaro. Na atual conjuntura crítica, reafirmamos que nossa luta é pela vacina contra o coronavírus e pela comida contra o vírus da fome.
E não é possível avançar nessa luta sem denunciar e enfrentar as principais causas das crises que vivemos: “É fundamental essa mobilização e construção coletiva frente ao avanço das políticas neoliberais que impactam diretamente a vida das mulheres”, afirma a companheira Any Moraes, da MMM.
Para dialogar sobre a forma em que esse neoliberalismo e as empresas transnacionais vêm impactando a vida das mulheres, também realizamos um diálogo transmitido online com militantes dos movimentos que integram a aliança, no último dia 14.
A solidariedade de classe está entre os principais eixos da nossa organização. “Buscamos incentivar redes de comércio justas, fortalecendo a luta das trabalhadoras e trabalhadores do campo e alimentando de saúde porque o alimento que vem dos movimentos sociais do campo são comida de verdade para o povo organizado nos movimentos sociais da cidade”, afirmou a companheira Letícia Paranhos, da Amigos da Terra Brasil durante a atividade online.
As ações de solidariedade que construímos também apontam para as mudanças que precisam ser implementadas: “é uma solidariedade de mão dupla que fortalece a luta da classe trabalhadora dos movimentos sociais do campo, animando redes de comércio justas, e, alimentando o povo organizado e periférico urbano. Além de contribuir no combate ao problema urgente da fome é uma ação para questionar a reorganização das nossas sociedades: uma reorganização que não seja a partir do mercado, do capital e dos interesses das grandes empresas transnacionais”, disse a integrante da ATBr.
O escândalo da concentração de riqueza em meio à pior crise global das últimas décadas
Não apenas os ricos ficaram mais ricos durante a própria pandemia, como utilizaram a crise para avançar no modelo de concentração de riqueza e das decisões políticas em nível global ainda mais.
Como denunciamos, junto a Amigos da Terra Internacional, TNI e MMM, apesar de a pandemia ter demonstrado a importância dos sistemas públicos de saúde e de Estados que invistam no combate à desigualdade, o que assistimos é novamente a invasão de espaços de decisão que deveriam ser públicos por parte de grandes empresas. É o caso da iniciativa Covax Facility, lançada em 2020 pela Organização Mundial da Saúde.
Durante o Dia de Solidariedade Feminista Internacional Contra o Poder das Empresas Transnacionais, a companheira da MMM, Ana Priscila Alves, explicou os problemas em relação à iniciativa: “ela se apresenta como uma iniciativa da OMS para ‘organizar’ a distribuição de vacinas, mas, na verdade, é um processo que privatizou a gestão das vacinas, medicamentos, instrumentos de diagnósticos da covid. Não são os Estados os protagonistas desse processo, e sim, estão ali de igual pra igual com as fundações e empresas transnacionais, isso que se chama de “múltiplas partes interessadas”. Isso é o que chamamos captura corporativa das organizações multilaterais, e que já vem acontecendo há muitos anos em todo o sistema ONU, e que legitima o predomínio dos interesses das transnacionais sobre as vontades e interesses dos povos”.
Ao mesmo tempo, em nível local e regional, para além do desdém, do negacionismo e da falta de vontade política de vários governos para enfrentar a crise de maneira assertiva , assistimos, em casos como o do Brasil, o foco voltado completamente para o desmonte das políticas públicas que garantem direitos mínimos e históricos para os povos da região.
Na América Latina, a exceção é Cuba. No mesmo dia da ação contra as transnacionais, a ilha caribenha iniciava seu processo de vacinação em massa contra a covid-19, com duas das vacinas desenvolvidas no país (o único da América Latina a avançar na criação de imunizantes contra a doença pandêmica). “Cuba tem sido um exemplo e uma esperança: ter uma alternativa socialista, produzida pela pesquisa e pela ciência voltadas para o povo, é um marco para todos os países do Sul Global, e pode ser um caminho importante para demarcar e ampliar a solidariedade de classe e a possibilidade de cooperação justa entre os povos”, disse Ana Priscila durante a atividade.
A organização e a solidariedade populares no Brasil e na América Latina se mantêm firmes e estão crescendo durante este momento de crise profunda. Todas essas ações fazem parte de um processo conjunto de formação de luta coletiva que deve ser a base do enfrentamento maior ao poder do capital, que também não para de crescer. Nossas alianças visam a transformação da economia para desmantelar o poder corporativo e assegurar que as vidas dos nossos povos estejam no centro do debate, ao contrário do que os representantes do capital querem impor.
As mulheres, e principalmente as mulheres negras, indígenas e periféricas, estão entre as principais afetadas pela crise, mas também são as que estão à frente dos processos de resistência a essa crise e ao modelo neoliberal que a torna muito mais cruel. Como Aliança Feminista Popular nos comprometemos a continuar fortalecendo essa luta em defesa da vida e da dignidade dos povos e contra o poder crescente e impune das corporações transnacionais!
Vacina contra o coronavírus, comida contra o vírus da fome e Fora Bolsonaro!
Confira o vídeo sobre a ação de solidariedade feminista e contra as empresas transnacionais:
Nesta quinta-feira (11) foi deferida medida cautelar garantindo o direito das famílias assentadas em Nova Santa Rita, sob pena de aplicação de multa de R$ 100 mil
Nova Santa Rita é conhecida como a Capital da produção Orgânica e possui 4 assentamentos onde dezenas de famílias de produtores agroecológicos vêm sofrendo com o uso de venenos aplicados por avião em fazendas vizinhas. O assentamento Santa Rita de Cássia II, localizado em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre, denunciou a contaminação, como relatamos em dezembro, devido à deriva de pulverização aérea de agrotóxicos colocados em lavouras vizinhas. Os venenos dispersados atingiram as produções agroecológicas e os moradores da região, localizado próximo ao centro da cidade. Há pelo menos 3 denúncias registradas em casos semelhantes na região desde 2017.
Organizações populares e entidades ingressaram com uma medida cautelar para suspender a utilização indiscriminada de agrotóxicos pelos fazendeiros vizinhos ao assentamento. A decisão liminar reconhece o direito dos agricultores assentados de produzir alimentos agroecológicos e determina que os órgãos responsáveis assegurem e limitem esse tipo de pulverização de herbicidas. A decisão também prevê aplicação de multa de 100 mil reais no caso de descumprimento da medida por parte do fazendeiro da Granja Nossa Senhora das Graças e determina que a União e o Estado do Rio Grande do Sul entreguem em 30 dias os laudos conclusivos das amostras coletadas.
A vitória dos agricultores assentados se dá em articulação da Cooperativa Central dos Assentamento do Rio Grande do Sul LTDA (COCEARGS) junto a diversas organizações como Amigos da Terra Brasil, Associação Comunitária 29 de Outubro, Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA), Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente (AGAPAN), Instituto Preservar, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ).
A engenheira agrônoma e integrante da Amigos da Terra Brasil, Lisiane Brolese, aponta que é uma vitória importante “para a agroecologia, para os movimentos sociais e para a agricultura ecológica de base familiar”. Ela avalia a pouca repercussão de casos como esses na grande mídia em relação a ocorrência com outros setores sociais: “Repercute muito quando situações como essas acontecem nos grandes vinhedos, nos latifúndios, mas agora a gente está falando de agricultura familiar, seja a convencional que foi prejudicada também, seja a agricultura ecológica feita em assentamentos de reforma agrária. Então, é uma vitória política importante. Para os agricultores, é uma garantia mínima de que eles possam seguir executando sua forma de fazer agricultura e sua forma de vida, né”. Ela defende ainda que a agroecologia “está para além do sistema de produção”: “As lavouras foram contaminadas, mas as pessoas também. Então, é uma garantia mínima de que eles sigam vivendo com o mínimo de segurança nos seus lotes”.
Relembre o caso
Nos últimos meses, várias famílias assentadas que possuem certificado de produção orgânica, perderam a produção de alimentos agroecológicos. As famílias agricultoras foram vítimas da fumigação aérea de agrotóxicos que atingiu casas, hortas, aquíferos, pastagens, pomares de árvores frutíferas e vegetação nativa. Além disso, os próprios moradores dos assentamentos e do município podem ter sido contaminados, com relatos de mal estar por conta da pulverização.
Na semana do Dia Mundial de Combate ao Uso de Agrotóxicos, no dia 03/12, os moradores do Assentamento Santa Rita de Cassia II se organizaram e entraram com uma denúncia na Câmara de Vereadores do município contra os ataques que vem sofrendo. O município conta com 4 assentamentos onde as famílias são produtoras de alimentos certificados como orgânicos. “As pessoas não se dão conta, por que não tem as hortaliças mortas no chão, mas tem pessoas na cidade que, provavelmente, também foram intoxicadas”, relatou Irma Ostrosky, durante apresentação na Câmara do município, em nome da Associação Comunitária “29 de outubro”.
A pulverização aérea é difícil de estabelecer um controle pela volatilidade do ar. Uma vez disseminadas, as partículas acompanham o movimento dos ventos e podem alcançar quilômetros do lugar onde o veneno foi aplicado. A dificuldade de estabelecer vigilância quanto aos produtos aplicados é outro fator preocupante para as produções orgânicas. Em 2020, a liberação de agrotóxicos bateu um recorde no país com 493 produtos liberados para comercialização. No ano anterior, foram 474 venenos aprovados pelo governo.
No Rio Grande do Sul (RS), uma articulação entre Amigos da Terra Brasil (ATBr), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Frente Quilombola do RS (FQRS), Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP) e o Laboratório de Arqueologia e Etnologia da UFRGS (LAE-UFRGS) garantiu a entrega de cerca de 320 cestas básicas feitas especificamente para oito territórios Guarani do Estado, sendo sete aldeias – Tekoá Yy Rupá (Terra de Areia), Tekoá Pekuruty e Guavyju (Charqueadas), Tekoá Nhundy (Estiva), Tekoá Ka’agüy Porã (Maquiné), Tekoá Jatai’Ty (Cantagalo), Tekoá Yjere (Ponta do Arado) e Tekoá Pindo Poty (Lami) – mais o Centro de Referência Afroindígena do RS, que fica no centro de Porto Alegre.
Os produtos das cestas são agroecológicos e foram selecionados em respeito à cultura Guarani. Cada cesta contém: erva mate, farinha de milho, farinha de trigo, arroz, canjica, fumo, cebola, aipim, batata doce e batata inglesa. Na foto, entrega na aldeia Tekoá Nhundy (Estiva).
Esse ano chegou o momento em que essa Terra de Nhanderu, o criador para os Guarani, reagiu à destruição consumista do homem. A reação? Uma pandemia. E essa prejudicou bastante gente, sabemos. Inclusive aqueles e aquelas que, por sua cultura, vivem de forma mais harmoniosa, conectada e com cuidado e respeito à Terra. A principal fonte de renda dos indígenas Guarani é o artesanato que vendem em feiras e centros urbanos, e, por conta disso, o isolamento interferiu na possibilidade de muitos adquirirem seus mantimentos.
O que não faltou diante de tanta gente prejudicada pela pandemia foram também pessoas dispostas a ajudar através de campanhas de solidariedade, organizações comunitárias e orgânicas. No Rio Grande do Sul (RS), uma articulação entre Amigos da Terra Brasil (ATBr), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Frente Quilombola do RS (FQRS), Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP) e o Laboratório de Arqueologia e Etnologia da UFRGS (LAE-UFRGS) garantiu a entrega de cerca de 320 cestas básicas para 7 aldeias Guarani (as Tekoás) do Estado.
O diferencial das cestas é que não são alimentos produzidos pelo sistema agroindustrial global e pelo agronegócio, os mesmos que destroem nossas florestas e as culturas dos povos que ali vivem. Tanto os alimentos e produtos presentes em cada cesta quanto quem os produziu e de que forma foram considerações levadas em conta para realizar a ação de solidariedade aos Guarani. Tudo que estava na cesta foi produzido em moldes agroecológicos e disponibilizado pela COOTAP, e cada insumo representa alguma parte da história e da cultura Guarani: a erva mate, o fumo, as farinhas de milho e de trigo, o arroz, a canjica, a mandioca, a cebola e as batatas.
Esta ação teve a contribuição de Global Greengrants Fund, que apoia as organizações e movimentos aliadas aos grupos-membros da Federação Amigos da Terra Internacional.
Uma iniciativa em parceria da Amigos da Terra Brasil (ATBr) com a Frente Quilombola do Rio Grande do Sul (FQRS) está destinando cerca de 300 mudas de árvores nativas para plantio nos territórios quilombolas urbanos de Porto Alegre. O projeto busca a recuperação, a médio prazo, da soberania e segurança alimentar, através do fortalecimento dos conhecimentos ancestrais, aliados a ações focadas no desenvolvimento de hortas comunitárias e agroflorestas, bioconstrução de espaços comuns, soberania energética e trabalhos voltados à educação e à saúde para as comunidades.
As mudas recebidas, em uma articulação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) junto à Cooperativa de Energia e Desenvolvimento Rural Coprel, ATBr e FQRS, são uma primeira ação de fortalecimento comunitário e serão destinadas aos quilombos de Porto Alegre, além da ocupação Povo Sem Medo, localizada na zona norte da Capital. A arborização dos espaços têm diferentes objetivos, dentre eles a recuperação do solo, trabalho terapêutico através do contato, cuidado e carinho com a natureza — medida de alta necessidade com o contexto de desesperança trazido pela pandemia —, além de contribuir com a soberania alimentar com árvores frutíferas nos territórios. Muitos dos espaços já contam com hortas e pomares para autoconsumo, e sob uma perspectiva agroecológica, a parceria surge como forma de ampliar a relação com o espaço e os conhecimentos passados de geração a geração.
Mesmo sob chuva, as mudas estão chegando e, nos próximos dias, devem entrar em contato com o solo que será sua nova casa. A realização de momentos de mutirão tem, também, um caráter educativo, especialmente para as crianças que aprendem sobre a natureza, alimentação, saúde e cuidado com o espaço. Com o contexto de manutenção da curva de contágio do vírus COVID-19, os cuidados nessas ações seguem redobrados, envolvendo-se apenas algumas pessoas que vivem nas comunidades e com a utilização dos itens de proteção.
Ação violenta do Estado impele a ação popular de solidariedade
[Español abajo // English below]
A Amigos da Terra Brasil expressa solidariedade ao Assentamento Quilombo Campo Grande, localizado no município de Campo do Meio, sul de Minas Gerais, e extremo repúdio às violências sofridas pelas cerca de 450 famílias na sexta-feira, 14 de agosto. A ação de reintegração de posse com uso da força policial comandada pelo governador do estado, Romeu Zema (Partido Novo), e respaldada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, demonstra a mais sórdida face da política de morte do Estado Neoliberal. Além de destruírem a Escola Popular Eduardo Galeano, o barracão coletivo onde moravam três famílias, as plantações de milho, café, pitaia e outros produtos que tornam o assentamento referência em agroecologia na região, a expulsão destas famílias da terra em que vivem há mais de 20 anos os coloca em risco iminente de contaminação pela pandemia de Coronavírus.
Antes da ação de reintegração de posse, nenhum caso de Covid-19 havia sido registrado no assentamento, apesar de o município de Campo do Meio ter 19 confirmações da doença. Como conceber a ideia de que, em meio a uma pandemia que já levou mais de 110 mil vidas no Brasil, o Estado articule uma ação violenta de expulsão de famílias de trabalhadoras/es que vivem nestas terras por não terem sido indenizadas/os com a falência da Usina Ariadnópolis, em 1996, e que por décadas trabalharam sem carteira assinada?
A ação movida por Jovane de Souza Moreira e seu filho, Jovane Jr. — que colecionam relatos de ameaças contra os assentados — tenta reativar a usina falida. A ofensiva começou quando o Governo de Minas Gerais publicou um decreto, em 2015, que atestava as terras da usina Ariadnópolis como interesse social para fins de reforma agrária. No ano passado, o governador Zema revogou o decreto.
Ainda em 2017, Jovane pode quitar as dívidas trabalhistas, após firmar contrato com a empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., prevendo a recuperação judicial da empresa para produção de café. Contudo, ele ainda deve cerca de R$ 400 milhões para a União referentes à contribuições previdenciárias, FGTS e impostos federais. O argumento é de que, se reativada, a usina poderia gerar até 400 empregos. Agora, a decisão judicial favorece os empresários, apesar de o governo do estado negar que a ação fosse ocorrer. Quando expulsam essas pessoas da terra em que vivem sob essa lógica, o Estado fortalece a ideia de que populações campesinas devem ser subordinadas e não autônomas.
Conforme denúncia do MST, a ação violenta extrapola os caminhos legais, uma vez que a área de 26 hectares inicialmente constatadas no processo judicial n. 6105218 78.2015.8.13.0024, que já estavam desocupados, foi ampliada para 52 ha no último despacho da Vara Agrária e a operação policial foi além da determinada pela liminar, destruindo a casa e lavouras de sete famílias.
A política é de morte, pois ceifa vidas, ceifa sonhos, ceifa a possibilidade de outros futuros possíveis para além da lógica coronelista e colonial de concentração de terras histórica no país. Em meio a uma crise de saúde e economia, ao invés de buscar soluções baseadas na solidariedade e na inclusão popular, o governo de Zema comete crime ao comandar a expulsão das famílias com violência, sem nem ao menos preocupar-se com possibilidades de destinos que não sejam a migração para as cidades com a perpetuação e aprofundamento do ciclo de pobreza e desigualdade.
Neste momento as famílias estão se reorganizando. A reconstrução da escola é a prioridade. Para além de um espaço de educação, a importância simbólica de não abrir mão da organização e coletividade se fazem absolutamente necessárias neste momento. Reocupar o espaço, cumprindo a função social da terra e garantindo que a comunidade continue seu caminho de resistência, com organização e produção agroecológica, reafirma a luta pela vida.
Viemos a público reforçar nosso repúdio e responsabilizar o governo do estado de Minas Gerais e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o que venha a ocorrer com estas famílias. Estamos juntas e juntos na defesa destas famílias e para que outras comunidades não sofram este tipo de violência. A ação violenta do Estado impele a ação popular de solidariedade, como medida de apoio em caráter de urgência. Salientamos a importância de mobilização na denúncia nacional e internacional, e no apoio financeiro para que possam reconstruir a escola e estar em segurança neste momento delicado da pandemia que atravessamos.
Apoie a Campanha de Solidariedade para o Assentamento Quilombo Grande!
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Amigos de la Tierra Brasil se solidariza con el Asentamiento “Quilombo Campo Grande”
Acción violenta del Estado impulsa la acción solidaria popular
Amigos de la Tierra Brasil expresa solidaridad con el Asentamiento Quilombo Campo Grande, ubicado en el municipio de Campo do Meio, al sur de Minas Gerais, y rechazo extremo a las violencias sufridas por unas 450 familias en el viernes, 14 de agosto. La acción de recuperación de propriedade con el uso de la fuerza policial comandada por el gobernador del estado, Romeu Zema (Partido Nuevo), y respaldada por el Tribunal de Justicia del estado de Minas Gerais, demuestra la cara más sórdida de la política de muerte del Estado Neoliberal. Además de destruir la “Escola Popular Eduardo Galeano”, la choza colectiva donde vivían tres familias, las plantaciones de maíz, café, pitaya y otros productos que hacen del asentamiento referencia en agroecología en la región, la expulsión de estas familias de la tierra donde han vivido durante más de 20 años los pone en riesgo inminente de contaminación por la pandemia del Coronavirus
Antes de la acción de recuperación de la propiedad, no se había registrado ningún caso de COVID 19 en el asentamiento, aunque el municipio de Campo do Meio tenía 19 confirmaciones de la enfermedad. Cómo concebir la idea que, en medio de una pandemia que ya se ha cobrado más de 110 mil vidas en Brasil, el Estado articule una acción violenta de expulsión de las familias de trabajadores que viven en estas tierras por no haber sido indemnizados con el quiebre de Usina Ariadnópolis, en 1996, y que han trabajado durante décadas sin derechos laborales?
La acción jurídica interpuesta por Jovane de Souza Moreira y su hijo, Jovane Jr., quienes recopilan denuncias de amenazas contra los campesinos, intenta reactivar la planta fallida. La ofensiva comenzó cuando el Gobierno de Minas Gerais publicó un decreto, en 2015, que certifica las tierras de la planta de Ariadnópolis como de interés social a efectos de la reforma agraria. El año pasado, el gobernador Zema revocó el decreto.
Aún en 2017, Jovane puede saldar deudas laborales, después de firmar un contrato con la empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., con una previción de la recuperación judicial de la empresa para la producción de café. Sin embargo, todavía debe alrededor de 400 millones de reales al Gobierno Federal en concepto de cotizaciones a la seguridad social, derechos laborales e impuestos federales. El argumento es que, de reactivarse, la planta podría generar hasta 400 puestos de trabajo. Ahora, la decisión judicial favorece a los empresarios, a pesar de que el gobierno estatal niega que la acción se lleve a cabo. Al expulsar a estas personas de la tierra donde viven bajo esta lógica, el Estado fortalece la idea de que las poblaciones campesinas deben ser subordinadas y no autónomas.
Según denunció el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST), la acción violenta va más allá de los caminos legales, ya que el área de 26 hectáreas inicialmente encontrada en el proceso judicial núm. 6105218 78.2015.8.13.0024, que ya estaban desocupadas, se amplió a 52 ha en la última orden del Juzgado Agrario y el operativo policial fue más allá de lo determinado por el amparo, destruyendo la casa y cultivos de siete familias.
La política es de muerte, porque extirpa vidas, extirpa sueños, extirpa la posibilidad de otros futuros posibles además de la lógica coronelista y colonial de la concentración histórica de tierras en el país. En medio de una crisis sanitaria y económica, en lugar de buscar soluciones basadas en la solidaridad y la inclusión popular, el gobierno de Zema comete un delito al ordenar la expulsión de familias con violencia, sin siquiera preocuparse por las posibilidades de destinos que no sea la migración a las ciudades con la perpetuación y profundización del ciclo de pobreza y desigualdad.
En este momento, las familias se están reorganizando. La reconstrucción de la escuela es la prioridad. Además de un espacio educativo, la importancia simbólica de no renunciar a la organización y la colectividad es absolutamente necesaria en este momento. Volver a ocupar el espacio, cumplir la función social de la tierra y hacer que la comunidad continúe su camino de resistencia, con organización y producción agroecológica, reafirma la lucha por la vida.
Vinimos a público para reforzar nuestro repudio y responsabilizar al gobierno del estado de Minas Gerais y al Tribunal de Justicia de Minas Gerais por lo que les ocurra a estas familias. Estamos juntas y juntos en la defensa de estas familias y para que otras comunidades no sufran este tipo de violencia. La acción violenta del Estado impulsa la acción popular de solidaridad, como medida de apoyo de forma urgente. Destacamos la importancia de movilizar denuncias nacionales e internacionales, y brindar apoyo económico para que puedan reconstruir la escuela y estar seguros en este delicado momento de la pandemia que atravesamos.
Apoya la Campaña Solidaria para el Assentamento Quilombo Campo Grande!
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Friends of the Earth Brazil stands in solidarity with the settlement “Quilombo Campo Grande”
We come to public to reinforce our repudiation and hold the government of the state of Minas Gerais and the Court of Justice of Minas Gerais responsible for whatever happens to the families. The violent action of the State impels the popular action of solidarity, as a measure of support on an urgent basis. We emphasize the importance of mobilizing national and international complaints, and financial support so that they can rebuild the school and be safe in this delicate moment of the pandemic that we are going through. Support the Solidarity Campaign for the Quilombo Grande Settlement
Friends of the Earth Brazil stands in solidarity with the Landless Workers Settlement “Quilombo Campo Grande”, located in the municipality of Campo do Meio, south of the state of Minas Gerais, and shows extreme repudiation to the violence suffered by about 450 families on August 14th. The eviction of families with use of the police force – commanded by the state governor, Romeu Zema (of the neoliberal “New Party”) – and supported by the Court of Justice of Minas Gerais, demonstrates the most sordid face of the death policy of the Neoliberal State. In addition to destroying the “Eduardo Galeano Popular School”, the collective shack where three families lived, the plantations of corn, coffee, pitaia and other products that make the settlement a reference in agroecology in the region, the expulsion of these families from the land where they have lived for over 20 years puts them at imminent risk of contamination by the Coronavirus pandemic.
Before the evictions, no case of Covid-19 had been registered in the settlement, although the municipality of Campo do Meio had 19 confirmations of the disease. How to conceive the idea that, in the midst of a pandemic that has already taken more than 110 thousand lives in Brazil, the State articulates a violent action to expel families of workers who lived in these lands for not having been compensated with the bankruptcy of Usina Ariadnópolis, in 1996, and who worked for decades without a formal contract?
The lawsuit filed by Jovane de Souza Moreira and his son, Jovane Jr. – who have several reports of threats against the settlers – tries to reactivate the failed plant of Usina Ariadnópolis. The offensive began when the former Government of Minas Gerais published a decree, in 2015, which attested the lands of the Ariadnópolis plant as a social interest for the purposes of agrarian reform. Last year Governor Zema revoked the decree.
Still in 2017, Jovane could settle labor debts after signing a contract with the company “Jodil Agropecuária e Participações Ltda.”, predicting the judicial recovery of the company for coffee production. However, he still owes around 400 million reais (Brazilian money) to the Federal Government regarding social security contributions and federal taxes. The argument is that, if reactivated, the plant could generate up to 400 jobs. Now, the court decision favors businessmen, despite the state government denying that the eviction would take place. When they expel these people from the land where they live under this logic, the State strengthens the idea that peasant populations should be subordinate and not autonomous.
As denounced by the Landless Workers Movement (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; MST), the violent action goes beyond legal paths, since the area of 26 hectares initially found in the judicial process no. 6105218 78.2015.8.13.0024, which were already unoccupied, was expanded to 52 ha in the last order of the Agrarian Court and the police operation went beyond that determined by the injunction, destroying houses and crops of seven families.
It is a death policy, because it mows lives, mows dreams, mows the possibility of other possible futures besides the colonial logic of historical land concentration in Brazil. In the midst of a health and economic crisis, instead of seeking solutions based on solidarity and popular inclusion, the Zema government commits a crime by commanding the expulsion of families with violence, without even worrying about the possibilities of destinations that let it not be migration to cities with the perpetuation and deepening of the cycle of poverty and inequality.
Right now, families are reorganizing. School reconstruction is the priority. In addition to an educational space, the symbolic importance of not giving up organization and collectivity is absolutely necessary at this time. Reoccupying space, fulfilling the social function of the land and ensuring that the community continues its path of resistance, with organization and agroecological production, reaffirms the struggle for life.
We come to public to reinforce our repudiation and hold the government of the state of Minas Gerais and the Court of Justice of Minas Gerais responsible for whatever happens to these families. We are together in the defense of these families and so that other communities do not suffer this type of violence. The violent action of the State impels the popular action of solidarity, as a measure of support on an urgent basis. We emphasize the importance of mobilizing national and international complaints, and financial support so that they can rebuild the school and be safe in this delicate moment of the pandemic that we are going through.
Support the Solidarity Campaign for the Quilombo Grande Settlement!
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– Visagem? Não tem aparecido visagem na mata, não, moça; é na água, e a visagem toma outras formas, dá sempre jeito de assustar. (Visagem significa, em vocabulário local, “assombração”). Na região do Maicá, sudeste de Santarém, a visagem tem tomado formas bastante concretas, todo mundo vê e se preocupa: é a forma de um porto.
A Embraps (Empresa Brasileira de Portos de Santarém) pretende instalar um porto na Boca do Maicá, entrada do rio que se estica por um braço a partir do Rio Amazonas, retornando ao mesmo rio para então seguir seu fluxo em direção a Macapá (AP) e ao Oceano Atlântico. Suas águas têm rica biodiversidade e banham cerca de 50 comunidades, todas postas em risco caso o projeto do porto avance.
Essa história faz parte da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:
Pois então não é visagem: é a realidade que assombra; e é entre contações de histórias e risadas que Narivaldo dos Santos fala do Estudo de Impacto Ambiental da Embraps – Sabe, eu pesco aqui pirarucu, tambaqui, surubim, pacu, acará, pescada, aracu, carauaci, arauanã, acari, fura-calça, mapará, que é branquinho né… e tem bem mais, porque quando eu falo em acará, tem umas oito espécies só aqui na nossa região: o roxo, o bararuá, o boca-de-pote, o escama-grossa, o tinga, o açu… O tucunaré também: tem o açu, o pinima e o comum, e o surubi cabeça-chata, pinima e pintado e assim por diante. É tanto que a gente pode dizer – Hoje eu não quero esse, aí solta e pega o próximo, é um cardápio rico. Aí no estudo da empresa aparece quase nada de tipos de peixes, e nem de pássaros, jacarés, capivaras, tatus, nem o peixe-boi, que tá em extinção e a gente acha aqui no nosso rio... É, talvez os pesquisadores da Embraps não saibam pescar.
Narivaldo é líder da comunidade quilombola de Bom Jardim, tem 42 anos e não parece: corre rápido pelos troncos de palmeira caídos que servem como caminho até a área onde descansam as canoas e embarcações da comunidade pesqueira – das cerca de 120 famílias, pelo menos 90 pescam no Maicá, algumas para o comércio, outras apenas para a subsistência. Com os passos ágeis, ele faz parecer fácil o que definitivamente não é: mas embora tortuoso, as toras são ainda um caminho, e após cerca de dez minutos de frágil equilíbrio sobre as madeiras chegamos a uma bonita enseada, onde a grama verde encontra as calmas águas do rio, e ali agitam-se com leveza as canoas. A remo, o centro de Santarém está horas distante.
Vez que outra um peixe se aventura num salto, como que a exibir a riqueza do rio – Não precisa nem ir longe pra achar mais que dois tipo de peixe, ri de novo o Narivaldo, antes de voltar a falar sério – Do governo a gente percebe que não estão nem aí pra Amazônia, pros nossos rios. De certa forma, já foi dada a ordem para a construção do porto. Só parou pela ação da FOQS [Federação das Organizações Quilombolas de Santarém], que protocolou o pedido pela consulta prévia junto ao MPF [Ministério Público Federal]. Se depender do governo o porto sai, as comunidades quilombolas querendo ou não: mas o que a gente puder fazer para evitar, vamos fazer. Eles dizem que os impactos podem ser compensados, mas isso não existe: a gente quer viver como vivemos hoje.
A instalação de um porto no Maicá (não só um: existem projetos para cinco portos no rio) vai significar a destruição daquele modo de vida e é um ataque direto às 12 comunidades quilombolas do entorno, a do Bom Jardim entre elas. Em testamento, os antigos donos de escravizados da fazenda local, que não tinham herdeiros, deixaram a terra para as seis famílias que eram exploradas ali. Isso há 142 anos: são quase dois séculos de pertencimento e luta naquele espaço. Agora, em nome do lucro de poucos, tudo pode desaparecer.
Consulta prévia e a Convenção 169 da OIT Contudo, a mobilização popular e jurídica, com o apoio da Terra de Direitos, surtiu efeito e o licenciamento do projeto foi suspenso. A empresa deverá realizar consulta prévia, livre e informada a todas as comunidades atingidas – quilombos, indígenas e pescadores -, em acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Os estudos da Embraps eram tão rasos que sequer consideravam o componente quilombola, tão relevante naquela área, o que também deverá ser acrescentado em um novo estudo a ser apresentado pela empresa. Embora não tenha poder de veto, a obrigatoriedade da consulta às comunidades atingidas pode ser considerada uma vitória: após a decisão judicial favorável, as 12 comunidades organizadas na FOQS apressaram-se para construir seu próprio Protocolo de Consulta, o que também foi feito pelas comunidades indígenas e pesqueiras impactadas.
A suspensão do licenciamento também atrasa o cronograma do projeto, que é de alto impacto, permitindo maior tempo para a disseminação de informação na região. A previsão da Embraps era de que, somente no primeiro ano de funcionamento, 4,8 milhões de toneladas de grãos de soja poderiam ser exportadas pelo porto instalado no Maicá, grande parte vinda da região Centro-Oeste do Brasil por meio da BR-163. Vejam que também a infraestrutura de escoamento causa impactos aos territórios: caso semelhante ao da rodovia BR-163 é o da Ferrogrão, projeto de ferrovia que ligará a cidade de Sinop (MT) até Itaituba (PA) e que também causará danos ao longo de seu trajeto, em especial em unidades de conservação e em terras indígenas.
Um porto onde não pode haver porto Um fato estranho, porém: no mesmo local onde seria instalado o porto da Embraps, um outro empreendimento surgiu – um posto de combustível para embarcações, à revelia de estudos de impacto ou da participação da comunidade. A empresa responsável é a Atem’s, distribuidora de petróleo que opera no Norte do país. Os danos já são sentidos, em especial na pesca, com o derramamento de combustível e o aterramento da área, que mudaram o fluxo de correntes d’água e de peixes. Em março deste ano, o Ministério Público paraense denunciou a empresa, seu sócio administrador e o engenheiro responsável pelo projeto pela prática de crimes ambientais. Para o órgão, a obra avançava sem a licença do órgão ambiental competente, além de ter sido apresentado um licenciamento divergente à Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, que se referia a cargas não perigosas – quando era sabido, desde o princípio, o objetivo de construção e instalação portuária para distribuição de combustível (carga perigosa).
Em resumo, esse é o desenho do cerco do agronegócio aos territórios: expulsão de famílias de suas terras para o plantio da soja, contaminação das terras vizinhas pelo uso do agrotóxico, o transporte dos grãos rasgando territórios – seja via caminhão ou via trem -, sua chegada em portos que destroem os modos de vida tradicionais das redondezas, a exportação para que gere riquezas ao capital internacional. Para resistir a essa engrenagem, é necessária muita união e força. O andamento do projeto da Embraps representa ainda a remoção de famílias e a demolição de casas para a ampliação de vias, a chegada de centenas de trabalhadores de outros estados, uma mudança completa no cotidiano da região: a estimativa é que cerca de 900 carretas diárias passem pelas ruas do bairro Pérola do Maicá no percurso até o porto.
A luta contra a Embraps se dá desde 2013 (nessa linha do tempo, organizada pela Terra de Direitos, veja a cronologia das resistências à construção de portos no Maicá). São ao todo cinco portos planejados para a região, de três empresas – todos voltados para a exportação de grãos e commodities, em especial a soja. Além da Embraps, a construção de outros portos visa favorecer as atividades do Grupo Cevital, da Argélia, que atua no ramo agroalimentar e está envolvido com plantações da região Centro-Oeste do Brasil, e a empresa Ceagro.