As ruas de La Plata (Argentina) foram tomadas pelas milhares de pessoas que estiveram participando do 34º Encontro Plurinacional de Mulheres, lésbicas, intersex, travestis, trans, bissexuais e não binário. Foram mais de 400 mil companheirxs marchando em defesa dos seus direitos e por uma sociedade plurinacional, feminista e popular, formando uma verdadeira maré multicolorida. Durante os dias 12, 13 e 14 de outubro de 2019, entre o clima frio e chuvoso, a cidade de La Plata viveu e sentiu o espírito feminista, de cumplicidade e sororidade entre xs companheirxs, compartilhando e reinventando a luta feminista contra o neoliberalismo e o patriarcado.
Em seu 34º encontro, as oficinas autogestionadas abordaram temas que vão desde a precariedade do trabalho para as mulheres e os impactos do capitalismo e do neoliberalismo na vida das mulheres até a saúde sexual e reprodutiva, identidades não binárias, maternidade, urbanismo feminista, feminização da pobreza, autodeterminação dos povos e entre outros. O que perpassa estes temas debatidos no encontro é a ofensiva do neoliberalismo, sustentado pelo racismo e o patriarcado.
É neste contexto de modelo desenvolvimentista predador, que as mulheres estão na linha da frente da luta contra as empresas transnacionais extrativistas que colocam a acumulação de capital sempre acima das vidas das pessoas e do respeito pela Natureza. Organizações financeiras mundiais, como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional, elaboram reformas estruturais para o avanço do neoliberalismo que historicamente envolveram receitas para privatização, desregulamentação e liberalização do comércio. A precificando dos bens comuns, como as terras, as águas e o ar, ocorre em um contexto de convergência de crises, destacando-se as crises alimentares, energéticas, econômicas e climáticas. Para superar as crises gestionadas e o avanço do neoliberalismo, o capital transnacional atravessa os territórios, as atividades humanas, o próprio corpo das pessoas, especialmente das mulheres.
A América Latina é uma das regiões mais hostis para defensoras e defensores dos territórios e dos direitos dos povos, e nesta resistência contra o avanço do extrativismo que viola e ameaça os povos a luta em defesa da vida muitas vezes não é uma opção: é uma necessidade. As mulheres têm sido protagonistas em defesa da vida: em defesa do corpo-território, da vida comunitária, da vida dos seus territórios e da manutenção de seu modo de vida. É neste sentido que as mulheres passam a ser guardiãs dos territórios, sendo co-criadoras para rexistir e reinventar a luta em defesa das vidas humanas e não-humanas.
É neste sentido que o ecofeminismo tem avançado o seu debate, relacionando a dominação e a exploração da Natureza com a questão de gênero, bem como o avanço do capital sob os territórios e a objetificação dos bens comuns, transformados em mercadoria. As opressões entre a exploração da Natureza e as violências contra as mulheres não é uma causalidade, sendo o reflexo da colonização dos corpos e da Natureza, integrado a este modelo de produção e consumo neoliberal. O patriarcado é o sistema de todas as opressões, todas as explorações, toda violência e discriminação que a humanidade vive (mulheres, homens e pessoas intersexuais) e a Natureza, como um sistema construído e objetificado historicamente no corpo sexualizado das mulheres.
Assim, as mulheres debatem o avanço da monocultura da soja e de árvores exóticas, a extração de petróleo, a construção de megaempreendimentos de barragens, financeirização da natureza, a crise climática, onde violam os corpos e registram-se os impactos dos modelos produtivos dominantes exploração. Da mesma forma, as lutas contra os projetos de modelo extrativistas estão associados à violência patriarcal, por isso se faz necessário enfrentar as opressões que, no cotidiano, atravessam os corpos.
Em meio a crise ecológica, a ecologia neoliberal apresenta falsas soluções para superar a crise e as desigualdades de gênero, soluções com base em interesses econômicos e comerciais, para justificar a exploração massiva de recursos naturais e mercantilizar a natureza. A superação das crises impostas pelo próprio capitalismo neoliberal só será possível se for baseada em resistência territorial e comunitária, através da luta para desmantelar todas estruturas de opressão e pelos direitos dos povos e justiça social, ambiental, econômica e de gênero.
É na luta pela autonomia dos povos e descolonização do pensamento e dos corpos, que avançaremos num projeto por uma América Latina plurinacional, popular e ecofeminista. Sabemos que o patriarcado não tem fronteiras. É por isso que as lutas das mulheres e os feminismos organizados também não devem tê-las.