Após mais de 20 anos de negociações em segredo, foi anunciado o encerramento das negociações sobre o Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, durante a 65ª Cúpula do Mercosul, em Montevideo (Uruguai). Prejudicial para os povos e o planeta, o acordo seguirá enfrentando forte resistência no processo de ratificação.
Leia o posicionamento da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, da qual a Amigas da Terra faz parte:
Diante da confirmação de conclusão das negociações do Acordo Mercosul-UE
durante a visita de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, à
Cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai, a Frente Brasileira Contra os
Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA declara seu repúdio ao acordo
neocolonial e reforça o perigo que representa para os povos, ao meio ambiente e impacta qualquer estratégia futura de desenvolvimento e comércio mais justo que os países do Mercosul possam buscar.
Negociado a portas fechadas e firmado em 2019, no governo Bolsonaro, o Acordo vinha sendo negociado desde 1999 e ainda pode ser alterado. O texto atual segue sem transparência, uma vez que não foi divulgado para conhecimento da sociedade. Apesar de recentemente terem sido incorporadas algumas exigências do Mercosul, o Acordo segue com problemas centrais, especialmente no que diz respeito ao comércio e uso extensivo de agrotóxicos, à relação desigual entre os países, ao aumento nas emissões de gases do efeito estufa e por zerar a tarifa na exportação de minério de ferro, prata e caulim.
O Acordo reforça padrões históricos de desigualdade entre Norte e Sul Global,
contribuindo para a manutenção dos países do Sul na condição de exportadores de produtos primários.
Agora o Acordo será discutido entre os países da União Europeia sob forte
pressão francesa. Ele será votado pelo Conselho Europeu, pelo Parlamento
Europeu e pelos Legislativos de todos os países da UE e do Mercosul.
Seguiremos em luta e em convergência com nossos parceiros europeus e do
Cone Sul, pressionando pela não ratificação do Acordo.
Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA Nota Frente (1)
Após mais de 20 anos de negociações em segredo, foi anunciado o encerramento das negociações sobre o Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, durante a 65ª Cúpula do Mercosul, em Montevideo (Uruguai). Entretanto, o futuro do acordo segue incerto com a oposição de países como França e Polônia, a perigosa liderança de extrema direita em ambos blocos e a crescente pressão dos movimentos sociais. Considerado um acordo prejudicial para os povos e o planeta, este seguirá enfrentando uma forte resistência no processo de ratificação.
A Amigos da Terra Internacional se mantém firme na oposição ao Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosul, que transfere enormes poderes para grandes empresas transnacionais e mina os direitos fundamentais dos povos ao trabalho, à alimentação, a um ambiente ecologicamente saudável e a um clima seguro.
Segundo Julie Zalcman, ativista da Amigos da Terra Europa: “O Acordo UE-Mercosul é antiquado e agravará as crises do clima e da biodiversidade, uma vez que debilitará os direitos dos povos a uma alimentação saudável, local e justa. As negociações aconteceram no mais absoluto sigilo, apesar de grandes protestos de pessoas agricultoras e da clara oposição de vários governos e Parlamento europeus. Qualquer tentativa de acelerar o processo de ratificação ao fragmentar o acordo será nada mais nada menos que uma apropriação antidemocrática do poder. Necessitamos urgentemente de políticas comerciais que priorizem o clima, a justiça e a cooperação em detrimento da ganância.
Lucia Ortiz, integrante do diretório executivo da Amigas da Terra Brasil e da Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC), complementa: “O fracasso do neoliberalismo foi reconhecido pelo Presidente Lula na Cúpula do G20 no Rio de Janeiro em novembro. Suas políticas e instrumentos, como os Tratados de Livre Comércio, põe em risco as democracias, já que limitam a capacidade dos Estados soberanos para definir políticas sociais nas próximas décadas. Ao favorecer grandes empresas transnacionais e instituições financeiras na privatização de serviços públicos, o Acordo UE-Mercosul perpetua as assimetrias coloniais. Relegando as economias sul-americanas a fornecedoras de matérias-primas, ele concentra ainda mais poder político e econômico em algumas poucas grandes empresas nos setores de mineração e agronegócio”.
Natalia Carrau, integrante de Amigos da Terra Uruguai, assinala que: “Os países do Mercosul não têm tratados de livre comércio como esse. Esse acordo com a UE seria o primeiro compromisso desse tipo e colocaria em risco o avanço do processo de integração regional, já que renunciariam a seus compromissos como bloco a favor da UE. A negociação e implementação de políticas públicas regionais como as compras públicas regionais ou a complementação produtiva aos acordos industriais bilaterais ou regionais específicos será incompatível com o acordo da UE, e será o começo do fim do Mercosul como projeto de integração regional orientado ao desenvolvimento e a justiça ambiental, econômica, social e de gênero para a nossa região”
María Fernanda López, integrante de Tierra Nativa, Amigos da Terra Argentina, expõe: “Este ano, na Argentina, vivemos o impacto de políticas neoliberais que desmantelaram diversas políticas públicas relacionadas com o ambiente, a educação, a saúde, questões de gênero e direitos humanos, deixando mais de 50% da população abaixo do nível da pobreza. O presidente Javier Milei mantém uma postura favorável aos acordos como o da UE-Mercosul, minimizando os efeitos negativos que dito acordo poderá gerar à economia, ao ambiente e ao tecido social do país. No contexto atual, de ajuste feroz, que aprofunda a desigualdade, a pobreza e o desemprego, a assinatura desse acordo comercial poderá agravar ainda mais as crises estruturais que atravessam a Argentina e a região”.
Alerta de Comércio Tóxico: mais de 400 organizações sociais apelam aos tomadores de decisão políticos para rejeitarem o acordo UE-Mercosul devido a preocupações ambientais, de direitos humanos e democráticas
A Amigas da Terra Brasil assinou o manifesto.
Nesta semana, acontecem negociações que antecedem a Cúpula do Mercosul, em que os governos do bloco (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) tratarão, de 5 a 6 de dezembro em Montevidéu, no Uruguai, entre outros temas, do tratado de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Essa é mais uma tentativa dos países europeus e suas grandes empresas transnacionais e de setores econômicos interessados no agronegócio, na mineração e na privatização de serviços públicos, para avançar esse acordo prejudicial à natureza e aos povos, especialmente aos latinoamericanos e à classe trabalhadora e ao setor da agricultura camponesa na Europa. A Amigas da Terra Brasil integra a Frente Brasileira contra o Acordo UE-Mercosul e se soma às mais de 400 organizações e movimentos de todo o mundo no abaixo-assinado em que exige que os formuladores de políticas parem com esse acordo neoliberal tóxico, com impactos devastadores sobre o meio ambiente e os direitos humanos.
O Acordo UE-Mercosul é negociado a portas fechadas há 25 anos, com a falta de transparência e participação social e sem consulta às populações atingidas. Para a Amigas da Terra Brasil, este tratado reproduz estruturas comerciais coloniais, promovendo a exportação de commodities agro-minerais e a importação de produtos industrializados, tais como carros já fabricados no Mercosul e agrotóxicos banidos na Europa. Ameaça, assim, os trabalhadores na indústria brasileira e os serviços públicos essenciais à toda população, afetando desproporcionalmente a vida das mulheres, além de impactar negativamente a produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar e agroecológica em cada bloco.
Na lógica da economia feminista, o comércio justo, solidário e localizado, e a centralidade dos servicos públicos na política de cuidados, são alternativas para combater a crise climática com justica ambiental, evitando o desmatamento e a expulsão de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais de seus territórios.
Na sua declaração, as organizações signatárias também apontam o perigo para a democracia quando o livre comércio avança em negociação entre líderes e governos de ultradireita que negam a crise climática. Num contexto em que o Brasil tem enfrentado inundações e secas sem precedentes, com incêndios devastando florestas e outros biomas em toda a região, trazendo mais desigualdades para o povo trabalhador nas cidades, a conclusão desse acordo tóxico seria desastrosa.
A Amigas da Terra Brasil esteve presente no Tribunal Popular O Imperialismo no Banco dos Réus, que aconteceu em 15 de novembro no Rio de Janeiro, no Brasil, com a participação de diversas organizações e movimentos sociais da América Latina e do mundo. A atividade antecedeu a Cúpula do G20, fórum de cooperação econômica internacional entre os países, que, até então, estava sendo presidido pelo Brasil. Integramos a articulação regional ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe), apoiando a Jornada Continental contra o Neoliberalismo em Defesa da Democracia na construção do Tribunal Popular. Também contribuímos na formulação do caso apresentado no eixo indução à pobreza, que tratou de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio, com análise dos Tratados do Mercosul e União Europeia, mencionando os exemplos de Sri Lanka, Paquistão, Brasil e Argentina. A Amigas da Terra Brasil faz parte da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-União Europeia e EFTA pela qual, com mais de 100 outras organizações sociais do país, lutamos para que esses acordos não sejam assinados nos atuais termos propostos.
No vídeo abaixo, a conselheira da Amigas da Terra Brasil, Lúcia Ortiz, relata o que foi o Tribunal Popular.
Toda essa mobilização popular no Rio de Janeiro ajudou para que o G20, que se reuniu logo após, nos dias 18 e 19 de novembro, não avançasse com as tratativas do Acordo União Europeia – Mercosul, mesmo com a pressão dos líderes dos blocos europeus. “Ainda que exista essa pressão para fechar o acordo ainda neste ano, as condições ainda não estão dadas para que se chegue a esse termo. O fato de não ter acontecido esse anúncio no dia 20 de novembro, por si só já é uma vitória”, defendeu Lúcia.
Nesta semana, de 26 a 29 de novembro, acontece a Cúpula do Mercosul, em que os governos retomam as negociações do Acordo UE-Mercosul. “Vamos seguir na luta para enterrar esse acordo de vez”, completa Lúcia.
Reproduzimos, abaixo, a sentença final do Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus, lida pela juíza Simone Dalila Nacif Lopes:
SENTENÇA
Quatro são os casos submetidos ao “Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus”, a saber:
Genocídio dos povos: tendo por caso-modelo a Palestina e sendo apresentados para contextualização fatos ocorridos no Líbano, Iemen e Sudão.
Indução à pobreza: políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio, com análise dos Tratados do Mercosul e União Europeia, mencionando os exemplos de Sri Lanka, Paquistão, Brasil e Argentina.
Guerra econômica: violação da soberania e da autodeterminação dos povos, tomando-se por paradigma os casos de Cuba e Haiti e sendo mencionada a Venezuela.
Racismo estrutural e ambiental: cujos casos-referências foram o extermínio da juventude negra do Rio de Janeiro e os crimes de Mariana/MG, com menção a Ayotzinapa (México), Haiti, Colômbia, reparações coloniais, Mapuches (Chile e Argentina), Povo Avá Guarani, Bhopal, Honduras, Incêndios no Brasil, Braskem, Chevron / Equador, reparações ao sul global, transição energética.
O libelo acusatório foi apresentado por Sr. Dayron Roque Lazo – Centro Martin Luther King, Cuba e pela Sra Sandra Quintela – Jubileu Sul.
O Sr. Tom Kucharz, da Espanha, atuou como advogado de defesa do Imperialismo e o Dr. Alexandre Ferreira Guedes – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Brasil – produziu a prova da acusação.
Foram ouvidas as testemunhas Rula Shaheed (Palestina), Morgan Ody (Confederación Paysanne / França e Via Campesina), Raiara Pires (Movimento pela Soberania Popular na Mineração/ MAM e Frente Brasileira contra o Acordo Mercosul – UE), Aleida Guevara (Cuba), Henry Boisrolin (PAPDA / Haiti), Marcelo Dias (Movimento Negro Unificado- Brasil) e Vanilda Aparecida de Castro Souza, da Bacia do Rio Doce e do Movimento Atingidos por Barragem.
Garantido o contraditório e a ampla defesa com iguais oportunidades de pergunta tanto para a defesa como para a acusação, encerrada a instrução, as partes apresentaram suas Alegações Finais.
O Conselho de Sentença foi composto por Yildiz Temürtürkan, da Turquia (Coordenadora Internacional da Marcha Mundial de Mulheres) – presidenta do Júri, Ousmane Lankoandé Miphal / Burkina Faso (Secretario Geral da organização Balai Citoyen), Lana Vielma Membra da Comuna Maizale da Unión Comunera / Venezuela, Maria Juliana Rivera Vera Representante do Congreso de los Pueblos / Colombia, Beverly Keene / Argentina Coordenadora da organização Diálogo 2000 e do Jubileu Sul – Américas, João Batista – Movimento Negro Unificado / Brasil, Sra. Monica Gurjão Quintão – União dos Negros pela Igualdade – UNEGRO,
Após reunir-se para deliberação, os jurados chegaram a uma decisão e a Presidenta do Júri, Yildiz Temürtürkan, declarou o veredito: à unanimidade, os jurados CONDENARAM o Imperialismo pelos crimes de Genocídio dos povos (Palestina), de indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio (Mercosul e União Europeia), de guerra econômica com violação da soberania e da autodeterminação dos povos (Cuba e Haiti), e de racismo estrutural e ambiental (no Brasil contra a juventude negra do Rio de Janeiro e contra o meio-ambiente pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG).
É O RELATÓRIO. DECIDO.
Ao final do julgamento, a pretensão acusatória restou fartamente comprovada, conforme decidido pelo Conselho de Sentença.
Com efeito, no caso do Genocídio dos Povos,a prova dos autos revela que o povo de toda a Palestina, e particularmente de Gaza, vem sendo submetido ao colonialismo há 76 anos e está sofrendo genocídio há 409 dias abertamente praticado pelo Estado de Israel com a cumplicidade dos Estados Unidos, da Alemanha, do Reino Unido e de outros países europeus e ocidentais.
Como vem sendo televisionado para todo o mundo, Israel bombardeia e ataca casas, hospitais, universidades e escolas, assim como abrigos e prédios da ONU, tendo demolido e danificado 66% da infraestrutura de Gaza promovendo uma destruição em massa. É negado o acesso a água, a alimentos, a combustível, à ajuda humanitária e a necessidades básicas, o sistema de saúde colapsou e o deslocamento forçado sujeitaram a população de Gaza à fome forçada e criaram condições propícias para epidemias.
Desde outubro de 2023, Israel, em sua campanha genocida, promove a destruição deliberada e sistemática do meio ambiente de Gaza. As operações militares israelenses fazem uso intensivo de explosivos em áreas urbanas densamente povoadas, formando imenso acúmulo de detritos e entulho, aniquilando a infraestrutura civil em Gaza, o que abrange a infraestrutura ambiental, como instalações de tratamento de água, sistemas de esgoto, sistemas de coleta de água da chuva e instalações de gerenciamento de resíduos essenciais para o descarte seguro de resíduos médicos e perigosos. O conjunto de ações israelenses, incluindo o deslocamento de 90% da população de Gaza, impacta grandemente o meio ambiente causando poluição sonora, do ar, da água e do solo, prejudicando ou quase extinguindo a capacidade das autoridades palestinas de prevenir ou tentar mitigar danos ambientais.
Entre 7 de outubro de 2023 e 11 de novembro de 2024, mais de 43.603 palestinos foram mortos, incluindo mais de 17.385 crianças. Há outros 10.000 palestinos desaparecidos que se estima-se estarem sob os escombros. Famílias palestinas inteiras são massacradas e têm sua existência apagada. Apresenta-se um cenário cotidiano de corpos queimados, desmembrados e crianças decapitadas. Mais de 109.000 palestinos foram feridos, dos quais 25% possivelmente com ferimentos que impactarão permanentemente suas vidas. Segundo a Lancet, em publicação de julho de 2024, o número de mortos em Gaza poder chegar a mais de 186.000 palestinos, incluindo aqueles mortos sob os escombros e mortes indiretas devido ao colapso do sistema de saúde, fome e doenças.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), em 26 de janeiro de 2024, no caso da África do Sul contra Israel, declarou plausível que Israel esteja realizando genocídio em Gaza e ordenou a Israel a prevenção e a imediata interrupção de todos os atos genocidas.
Novamente, em 29 de março, a Corte Internacional de Justiça emitiu ordem de fornecimento irrestrito de ajuda, suprimentos médicos e necessidades básicas, além do fim de todas as violações à Convenção sobre Genocídio praticadas pelos militares israelenses, salientando a evolução dos fatos “excepcionalmente graves” desde a Ordem de janeiro, em particular a propagação da fome e da inanição.
Em 25 de março de 2024, o Conselho de Segurança das Nações Unidas emitiu Resolução exigindo um cessar-fogo imediato em Gaza.
Porém tanto as ordens da Corte Internacional de Justiça como a Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas continuam a ser desconsideradas e violadas por Israel.
Como se vê, é urgente a demanda do povo palestino de imediato e permanente cessar-fogo em Gaza, viabilizando o acesso à ajuda humanitária, a água, alimentos, combustíveis, eletricidade e demais necessidades básicas, além da garantia de estabilidade e manutenção segura do povo palestino em Gaza e o fim do bloqueio de 17 anos.
De acordo com a testemunha Sra. Rula Shaheed, “Este momento deve ser um chamado de despertar necessário para termos a coragem política de abordar as causas básicas da violência. Os eventos atuais que se desenrolam não começaram em 7 de outubro. Os representantes do povo devem reconhecer e abordar a própria fonte da violência, notadamente a realidade do apartheid colonial, que vem causando violência e injustiças por mais de 76 anos. Não tomar isso como um ponto de partida condenará quaisquer esforços políticos ao fracasso.”
2. A respeito da “indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio”,ficou demonstrado que, após a derrota, em 2005, do projeto imperialista da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) pela resistência dos movimentos sociais populares expressada pelo posicionamento dos governos progressistas no início dos anos 2000, o Acordo União Europeia (EU)-Mercosul apresentou-se como alternativa para o atendimento dos interesses das empresas transnacionais e investidores do Norte global a fim de aprofundar as relações coloniais e perpetuar os saques de matérias primas da América do Sul. Reiniciadas as negociações durante os governos Macri, na Argentina, e Michel Temer no Brasil, após o Golpe Civil-Parlamentar-Empresarial de 2016, foi anunciada a conclusão início do mandato de Jair Bolsonaro.
Porém, a Europa escandalizou-se com o retrocesso nas políticas ambientais, com a agenda ultraconservadora e anti-direitos e com os incêndios promovidos pelas forças ruralistas e pela extrema-direita em 2019, interrompendo o processo de ratificação, que foi retomado com a propositura de adendos ao Acordo após a eleição do Presidente Lula, em reconhecimento do retorno das condições democráticas no Brasil.
Em 2024, com o claro avanço da extrema direita, após o processo eleitoral na União Europeia e tendo o ultraliberal Milei da Argentina assumido a presidência do MERCOSUL, o pilar comercial do acordo de associação original foi alçado a um Tratado de Livre Comércio em separado, caracterizado pela liberalização do comércio de bens, com a eliminação ou redução substancial de tarifas e outras barreiras comerciais, além de ser dispensada a ratificação pelos parlamentos nacionais na Europa, bastando uma maioria no Parlamento Europeu para a aprovação.
Como visto, com o Acordo UE-MERCOSUL, já se opera a violação dos direitos democráticos de acesso à informação e à participação cidadã e parlamentar em decisões que afetam o modelo econômico e de desenvolvimento, ou subalternização, dos povos dos países do MERCOSUL, cuja implementação por mais de 30 anos, com cláusulas ad aeternum, violam os direitos humanos econômicos, sociais, ambientais e culturais dos povos latino americanos.
E implicará no aprofundamento da inserção primarizada e subordinada dos países do MERCOSUL que adotariam uma matriz de exportação baseada em matérias-primas e produtos agrícolas associados ao modelo do agronegócio e restringindo a possibilidade de exportação de setores industrializados e/ou de alto valor agregado, além de contribuir para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação do conjunto dos biomas e regiões biodiversas do MERCOSUL, mediante a ampliação da fronteira agrícola, o aumento das áreas de cultivo para produção de carne, cana-de-açúcar e soja, alguns dos principais vetores de desmatamento e queimadas.
A assinatura do Acordo de Livre Comércio contribuirá para a expansão do uso extensivo de agrotóxicos, pois suspende as tarifas alfandegárias de mais de 90% das exportações de produtos químicos da União Europeia, incluindo os agrotóxicos que são proibidos na Europa.
Com a proibição geral de impostos e taxas, crescerão as exportações de minerais base, como ferro e alumínio, para industrialização na Europa, às custas da degradação ambiental no MERCOSUL, o que já está acontecendo como exemplificam as situações climáticas extremas, como enchentes e secas assim como os crimes das empresas Vale, BHP Billiton e HydroNorth no Brasil e seus impactos devastadores para as populações locais.
Além de tudo isso, há o concreto risco de liberalização em setores-chave para a proteção e a realização de direitos, impedindo que o MERCOSUL avance nos seus próprios compromissos regionais e cedendo a seus interesses em favor da UE.
A comunidade afetada demanda a revogação de todos os Tratados de Livre Comércio, que não seja assinado o Acordo de Livre Comércio UE/MERCOSUL e a construção de um novo marco de comércio internacional baseado em outros princípios que tenham a Soberania dos povos em primeiro lugar, garantindo a soberania financeira e democrática dos Estados. Respeitando o direito a participação dos povos e da natureza. Tendo em vista que estes Tratados representam mais falsas soluções para os povos e para a natureza afetando suas políticas e condicionando a uma ação criminosa do imperialismo materializado em imposições de austeridade privatizações, abertura comercial e saque de nossos territórios. Aprofundando a pobreza, as desigualdades, o endividamento e induzindo a uma maior concentração e estrangeirização das riquezas produzidas por nossos povos e natureza.
3. Por sua vez, a respeito da “Guerra econômica: violação da soberania e da autodeterminação dos povos”,verifica-se que o objetivo histórico do bloqueio econômico a Cuba é o de fazer definhar a economia, gerar carências materiais e danos aos serviços públicos, provocar insatisfação e desesperança à população e subverter a ordem constitucional legitimamente estabelecida, tendo por fundamento documentos oficiais dos Estados Unidos, como o memorando interno do subsecretario de Estado Lester Mallory, de 6 de abril de 1960.
As ações do bloqueio dos Estados Unidos visam a identificar e perseguir as principais fontes de renda da economia cubana: a ofensiva contra o turismo, que é a principal fonte de renda no país; a alegação de ataques sônicos a diplomatas norte-americanos como justificativa para classificar Cuba como um país pouco seguro; a perseguição dos convênios de cooperação médica internacional (a venda de serviços médicos é a segunda fonte de renda do país). Todas essas medidas dirigem-se a impedir a entrada de recursos imprescindíveis para atender às necessidades crescentes da população.
Nos últimos anos, ocorreu um agravamento das medidas adotadas no bloqueio econômico, das quais se destaca a inclusão arbitrária e indevida de Cuba na lista de Estados acusados de patrocinarem o terrorismo, como meio de coerção política mediante ameaças de represálias objetivando o reforço do bloqueio e isolamento financeiro de Cuba.
É imenso o impacto do recrudescimento do bloqueio sobre as exportações cubanas, especialmente no setor turístico, da perseguição implacável às operações bancárias e financeiras de Cuba, assim como dos danos ao sistema empresarial cubano, à produção e aos serviços prestados à população.
Os prejuízos causados pelo bloqueio dos Estados Unidos a Cuba, desde seu início, alcançam 1 bilhão 499 mil 710 milhões de dólares, tendo em conta o comportamento do dólar face ao valor do ouro no mercado internacional.
É flagrante que o bloqueio econômico imposto pelo império norte-americano a Cuba configura um crime contra a humanidade na medida em que promove a violação sistemátiva e violenta dos direitos humanos da população cubana.
Aleida Guevara altivamente expressa a demanda de seu povo (em tradução livre): “Cuba tem o direito soberano de construir un futuro proprio, independente, socialista, livre da ingerência estrangeira e comprometida com a paz, o desenvolvimento sustentável, a justiça social e a solidariedade. Cuba tem direito de viver sem bloqueio.”
Por outro lado, no caso do Haiti, após a revolução do povo escravizado, o processo de reconhecimento de sua independencia pela comunidade internacional resultou numa dívida eterna para a França. Demais disso, desde 1915, os haitianos estão sob ocupação do império norte-americano que ocupou o país, assumindo militarmente o controle do território e instalando um sistema neo-colonial cuja decomposição resultou diretamente na crise atual.
A intensa migração, iniciada em 1915, converteram o Haiti fonte de fornecimento de mão de obra barata. Em 2023, mais de 168 mil pessoas de diversas profissões deixaram o Haiti, o que contribuiu para o destruição das instituições haitianas.
Como em toda a América Latina, os golpes de Estado promovidos no Haiti em 1991 e 2004 foram financiados e apoiados pelos Estados Unidos.
Além disso, a fim de barrar o ciclo progressista desenvolvido na América Latina entre 1998 e 2015, em 2001, instalou-se um governo de extrema direita pelo partido haitiano Tèt kale (PHTK) que perdura até hoje dominando a política haitiana.
Frise-se que as políticas de austeridade neoliberal impostas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial desencadearam um processo de destruição da economia campesina, levando à dependência econômica, financeira e alimentar.
Noutro giro, no momento em que o terremoto de 2010 vitimou mais de 300.000 pessoas lançando o Haiti numa profunda crise humanitária, os Estados Unidos aproveitaram para assumir o controle dos setores estratégicos do país, utilizando-se do desastre como degrau para a dominação e exploração capitalista. Mesmo a reconstrução do país foi controlada pelo império, uma vez que a Comissão Interina para a Reconstrução do Haiti (CIRH) foi dirigida diretamente pelo então presidente norte-americano Bill Clinton.
O Haiti está sob o controle do Conselho de Segurança das Nações Unidas desde 2004 até a atualidade, apesar das sérias denúncias contra a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) que ocupou o país por 13 anos e deixou um rastro de 40.000 mortos por cólera, 800.000 infectados, dezenas de milhares de mulheres estupradas e de crianças abandonadas.
Destacou-se que a Minustah foi composta por diversos países da região Latinoamericana, os quais tem uma responsabilidade com o caos instalado no Haiti e por uma urgente política de reparação. A Minustah serviu a uma política imperialista e hoje o Kenia está atuando como polícia no Haiti e segue servindo ao Conselho de Segurança da ONU o qual é manejado diretamente por EUA através do Core Grup. É evidente a urgência para que a ocupação seja imediatamente interrompida.
Tem sido fabricado um caos no país para reforçar a narrativa de insegurança que se relaciona diretamente com os tráficos de armas e substâncias ilícitas, convertendo o Haiti numa passagem para as drogas que entram nos Estados Unidos.
A demanda apresentada é de fim da opressão, exploração e dominação dos povos afrodescendentes no Haiti, revertendo-se o paradigma de poder que impõe prejuízo de gênero, raça e classe. Pugna-se pela instauração de um Tribunal Popular isento, com a presença de diferentes instâncias jurídicas aptas a oferecer garantías de restituição da dívida ilegal pela França, de devolução saqueado pelos Estados Unidos em 1914, de reparação pelos anos de escravidão e a anulação da dívida pública que entorpece todas as posibilidades de desenvolvimento do Haiti.
Segundo o contundente depoimento de Sr. Henry Boisrolin, coordenador do Comitê Democrático Haitiano e dirigente nacional da Plataforma Haitiana de Reivindicação de um Desenvolvimento Alternativo – PAPDA -, em tradução livre, “É necessário denunciar perante o mundo o genocídio que se perpetua contra o povo haitiano. As consequências deste genocídio silencioso, levado a cabo no meio do caos, são enormes e desastrosas para o povo Haitiano. A vida quotidiana tornou-se um pesadelo, milhões de pessoas ficaram feridas, a economia nacional está destruída, provocando o aumento da pobreza e forçando o deslocamento da população.”
4. Por fim, aborda-se o “racismo estrutural e ambiental”, restando evidente a política de extermínio da juventude negra do Rio de Janeiro.
Esse quadro é o resultado da história do escravismo brasileiro que formalmente foi abolido, mas perdura concretamente até os dias de hoje com a segregação velada e, nos casos de violência policial, explícita dos negros.
O tráfico transatlantico e a escravização de pessoas negras são crimes contra a humanidade, assim declarado na Durban da Conferencia Mundial contra o racismo, promovida pela ONU em Durban, na África do Sul. Logo, são crimes imprescritíveis.
A declaração de Durban aponta a escravidão negra e o tráfico negreiro como fontes ainda vivas, embora pretéritas, de racismo, discriminação racial e intolerâncias correlatas.
Em razão desses laços que ligam o passado ao presente é que os movimentos sociais e a sociedade civil continuam a propugnar por REPARAÇÃO HISTÓRICA pelo Estado brasileiro e demais responsáveis por esses graves crimes.
Os agentes de segurança do Rio de Janeiro mataram 1.042 pessoas negras em 2022 (86,98% dos casos com informações completas de cor e raça), sendo o segundo estado com mais mortos pela letalidade gerada por policiais.
A cada oito horas e 24 minutos uma pessoa negra morreu em decorrência de intervenção policial.
Em novembro de 2024, a Rede de Observatórios da Segurança publicou um estudo alarmante sobre a violência policial no Brasil, revelando que, em 2023, 4.025 pessoas foram mortas por policiais no país. Desses casos, 3.169 disponibilizaram dados sobre raça e cor, e, entre essas vítimas, 2.782 eram negras, o que representa 87,8% do total.
Esse dado reflete um padrão persistente de desigualdade racial nas ações de segurança pública.
O boletim *Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão*, em sua quinta edição, foi produzido a partir de informações obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) em nove estados.
No Rio de Janeiro, apurou-se que, em 86,9% das mortes por intervenção policial, as vítimas eram negras.
Esses números mostram uma constante e alarmante violência contra a população negra nas operações policiais.
Além disso, dados de outro estudo, o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apontam que das 6.393 vítimas de letalidade policial no Brasil em 2023, 71,7% eram crianças, adolescentes ou jovens com idades entre 12 e 29 anos, e 82% dessas vítimas eram negras.
A diferença entre a taxa de mortalidade por violência policial de pessoas brancas e negras é de 289%, absolutamente desproporcional: 3,5% para cada 100 mil pessoas negras e 0,9% para pessoas brancas.
São números escandalosos que escancaram o racismo estrutural da sociedade brasileira e que atravessa diferentes áreas como educação, saúde, mercado de trabalho, mas que tem sua face mais letal na segurança pública.
Também revelam que há um perfil de suspeito fortalecido nas corporações, já que nas abordagens, há um tratamento diferente para um jovem branco vestido de terno na cidade e um jovem negro de bermuda e chinelo em uma favela. Ocorre que, na favela, os jovens se vestem de bermuda e chinelo e todos passam a ser vistos como perigosos e como possíveis alvos.
Como visto, é inequívoco o processo de extermínio dos jovens negros que carregam até hoje em seus ombros o peso da opressão histórica trazida nos navios negreiros e marcada em sua pele negra, convertidos que são em alvos para o Estado que os empareda e mata.
A demanda por ações efetivas e políticas públicas voltadas romper com esse ciclo de violência e racismo que está exterminando nossa juventude negra é emergencial.
A comunidade atingida demanda o reconhecimento formal pelo governo brasileiro de sua responsabilidade oficial no crime de escravidão praticado no Brasil oitocentista; o reconhecimento formal pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, em decreto, do envolvimento da Corte Imperial, sediada na Cidade do Rio de Janeiro, no crime de escravidão assim como na prática de crime contra a humanidade e a criação de um Fundo de Reparação e Promoção de Políticas Públicas de Igualdade Racial e Combate ao Racismo pelo Congresso Nacional e pela a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Por fim, o caso do desastre ambiental de Mariana/MG com o rompimento da barragem do Fundão e a destruição do Rio Doce/Uatu.
Segundo Antônio Hilário Aguilera Urquiza e Adriana de Oliveira Rocha no artigo intitulado “O desastre ambiental de mariana e os Krenak do Rio Doce”, o desastre ambiental ocorreu em 5 de novembro de 2015 com o rompimento da barragem do Fundão contendo rejeitos de minério pertencente à mineradora Samarco S.A. localizada em Mariana, Minas Gerais. A ruptura liberou o equivalente a 20.000 piscinas olímpicas de água e lama tóxica, ou cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Imediatamente, 128 residências, no distrito de Bento Rodrigues foram atingidas. Depois disso, o mar de rejeitos, lama e água percorreu mais de 600 quilômetros, atingindo uma área de cerca de 10 mil quilômetros quadrados, no litoral capixaba – equivalente a mais de seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Afirmam os mencionados pesquisadores que o desastre é considerado o maior do gênero na história mundial nos últimos 100 anos, quanto ao volume de rejeitos despejados – 50 a 60 milhões de metros cúbicos.
Do ponto de vista socioambiental, ocorreu uma destruição de 663 km, com lixo se acumulando nos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce até chegar na foz do Rio Doce, onde adentrou 80 km2 ao mar, arrasando com as cidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Gesteira, a cidade de Barra Longa e outros cinco povoados no distrito de Camargo, em Mariana, causando morte na barragem e em Bento Rodrigues, totalizando 19 pessoas mortas ou desaparecidas, na grande maioria trabalhadores terceirizados pela Samarco S.A. e moradores de Bento Rodrigues. 1.200 ficaram desabrigadas.
Os efeitos do desastre trágico e devastador seguem sendo produzidos. Dentre os graves efeitos dessa catástrofe está a afetação da vida e da economia dos indígenas Krenak, além de Tupiniquins e Guarani, dada a piora geral de índices econômicos nos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, onde essas etnias habitam.
Afirmam os pesquisadores que “ o Rio Doce que banha a Terra Indígena Krenak é muito mais que um simples recurso aquífero, se impregnando de valor simbólico, cosmológico e religioso para os Krenak.”
Em entrevista, Ailton Krenak afirmou:
“Não foi um acidente. Quando eu ouço perguntarem sobre ‘o acidente’ de Mariana, eu reajo dizendo que não foi um acidente. Foi um incidente, no sentido da omissão e da negligência do sistema de licenciamento, supervisão, controle, renovação das licenças, autorização de exploração. O Estado e as corporações constituíram um ambiente promíscuo e delinquente, em que ninguém controla ninguém e no qual os engenheiros e os chefes de segurança, que informam os relatórios, também sabem que não tem consequência nenhuma se eles matarem um patrimônio inteiro, uma vila inteira ou, eventualmente, se matarem uma comunidade inteira. […] Watu, que é como nós chamamos aquele rio, é uma entidade; tem personalidade. […] O Rio Doce, o Watu, pode ser pensado como um lugar onde, na primeira metade do século XX, até a década de 1920, os Krenak viviam ainda com a inocência de ter um rio sagrado, carregado de significado, de símbolos, onde os espíritos da água interagiam com as pessoas – de onde as famílias tinham certeza de que podiam tirar comida, remédio”
Tristemente, o rompimento da barragem Samarco em Mariana, no caso específico dos índios Krenak, produz consequências maléficas para sua cultura, para sua existência, sua religiosidade. O vínculo ancestral dos Krenak com Uatú é profundo. Era em suas margens seus rituais e festas eram realizados, batizavam as crianças e tiravam ervas para remédios e material para o artesanato.
O envenenamento do Rio Doce, para os Krenak matou seu ancestral, eles consideram que Uatú morreu, como a perda de um familiar cujo corpo segue putrefato diante de todos.
Seu modo de vida, suas crenças, suas produções, sua filosofia, toda a complexidade de existência do povo Krenak foram profundamente comprometidas de uma forma que, dificilmente poderão retornar ao que eram na origem.
Os atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão em Mariana seguem buscando responsabilização penal, civil, ambiental e administrativa. E o povo Krenak busca, além de tudo isso, a reparação histórica e espiritual.
A responsabilidade das mineradoras, em relação aos Krenak, ultrapassa o aspecto simplesmente reparatório, ante a necessidade de restauração dos Direitos Humanos violados, uma vez que a contaminação e a morte, ainda que temporária, do “Uatú” compromete a própria existência física e espiritual daquela população.
Portanto, o desastre de Mariana apresenta-se como um crime contra a humanidade praticado pelo imperialismo em diversas dimensões: ambiental, social, econômica, filosófica e, especialmente para o povo Krenak, existencial.
Diante do exposto, considerada a soberana decisão dos Jurados, JULGO PROCEDENTE o pedido, DECLARO ILEGÍTIMAS as falsas soluções apresentadas pelo sistema capitalista e CONDENO O IMPERIALISMO pelos crimes de Genocídio dos povos (Palestina), de indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio (Tratado de Livre Comércio Mercosul e União Europeia), de guerra econômica com violação da soberania e da autodeterminação dos povos (Cuba e Haiti), e de racismo estrutural e ambiental (no Brasil contra a juventude negra do Rio de Janeiro e contra o meio-ambiente pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG):
Intimados os presentes. Traduza-se, publique-se e divulgue-se.
CONVOCO todos os povos, a classe trabalhadora organizada nos Movimentos Sociais, as mulheres, os indígenas, os negros, a comunidade LGBTQIA+, os habitantes do Sul Global, enfim, todos os povos subalternizados a se manterem permanentemente em LUTA contra o imperialismo e seus efeitos destrutivos sobre nossas vidas exigindo reparações até que o sistema neoliberal seja extinto e construamos uma sociedade baseada na solidariedade, caminhando a passos firmes com os olhos fixos no horizonte socialista.
Encerrada a Sessão do Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus.
Rio de Janeiro, 15 de novembro de 2024
Simone Dalila Nacif Lopes Juíza do Tribunal Popular
7 de dezembro, Rio de Janeiro, Brasil – Após mais de 20 anos de sua proposição, o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia não conseguiu chegar à 63ª edição da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul com uma conclusão das complexas tentativas de renegociação. Com um novo presidente argentino de extrema-direita eleito e com as eleições da União Europeia no próximo ano, agora é a hora de abandonar de vez com esse acordo comercial fracassado e ultrapassado.
Organizações membros da Federação Amigos da Terra Internacional na América Latina e na Europa se opõem ao acordo comercial UE-Mercosul porque ele transferiria enormes poderes para as corporações transnacionais e minaria os direitos fundamentais das pessoas ao trabalho, à alimentação, a um meio ambiente saudável e a um clima seguro.
Segundo Maria Fernanda Lopez, de Tierra Nativa – Amigos da Terra Argentina, “O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, é caracterizado como defensor do neoliberalismo e declara abertamente posições que afetam negativamente o meio ambiente e os direitos humanos. Sua posição discursiva integracionista é semelhante ao que observamos no passado com o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Se a União Europeia interrompeu o Acordo UE-Mercosul por causa das políticas anti-ambientais de Jair Bolsonaro, agora com Milei deve abandonar definitivamente as negociações desse acordo neocolonial”.
O acordo exige obrigações de liberalização em uma ampla gama de áreas, incluindo serviços, compras governamentais e propriedade intelectual. Esses compromissos restringem o direito dos governos de regular nos países do Mercosul, colocam os serviços públicos em risco de serem privatizados e minam a possibilidade de avanços em soluções reais para construir sociedades sustentáveis.
Para Lúcia Ortiz, da Amigas da Terra Brasil: “É uma grande vitória para as organizações e movimentos sociais do Mercosul que as tentativas complexas de renegociar o acordo comercial com a União Europeia não tenham sido concluídas este ano. Como organização latinoamericana e integrante de uma frente brasileira que rechaça esse tipo de acordo neoliberal e neocolonial, celebramos também o retorno dos processos regionais de integração dos povos e de participação social. Assim mesmo, continuamos aguardando o anúncio oficial do abandono definitivo desse acordo, cujas bases obsoletas e assimétricas não podem ser remendadas. É hora de dar lugar a outras relações birregionais, baseadas nos princípios da democracia, da cooperação, da complementaridade, da solidariedade e da soberania dos povos”.
Segundo Julie Zalcman, de Amigos da Terra Europa, “O acordo UE-Mercosul está podre até a medula. Nenhum documento adicional de sustentabilidade pode evitar os efeitos desastrosos que ele teria sobre o clima, as pessoas e a natureza, caso seja ratificado. Isso apenas Impulsionaria o uso de pesticidas tóxicos e os lucros corporativos, aumentaria as emissões de carbono e o desmatamento às custas do meio ambiente e das comunidades locais e perpetuaria o poder corporativo do agronegócio. À medida que a COP28 se desenrola, os líderes devem priorizar nosso planeta e nossas vidas em detrimento dos lucros e pôr um fim definitivo a essas políticas comerciais destruidoras do clima.”
Nos dias 22 e 23 de Junho, acontece a Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Internacional, a ser realizada em Paris, na França. Na ocasião, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Emmanuel Macron, se reúnem para discutir o acordo de liberalização comercial que está sendo negociado entre a União Europeia e os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).
Frente a pressão para que este acordo avance, a Frente Brasileira Contra os Acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul, Collectif Unitaire Stop CETA Mercosur (www.collectifstoptafta.org), a coalizão francesa “Solidarité Brésil” (https://lebresilresiste.org/) e a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) emitiram uma declaração de posicionamento, que divulgamos abaixo:
Nos quatro últimos anos, chegamos a 33 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome. Esses números revelam uma situação mais grave do que a encontrada pelo presidente Lula em 2001. E apontam para a urgência de estruturação de políticas públicas que tenham na soberania alimentar seu centro. Um país que não é capaz de produzir alimentos saudáveis e acessíveis à sua população não consegue avançar para qualquer projeto de nação digna.
A principal bandeira de ação de Lula sempre foi o combate à fome. Já em sua posse, o governo lançou a retomada do Programa Bolsa Família e o retorno do Ministério do Desenvolvimento Social. Em fevereiro, Lula reinaugurou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), fechado em 2019 por Bolsonaro. O Conselho é um importante espaço de participação popular na construção do direito à alimentação adequada. Dentre suas atividades, destacam-se o controle de estoques de alimentos; programas de cisternas para agricultura familiar, com articulação entre campo e cidade; rotulagem de alimentos; monitoramento de ações e políticas públicas. Vale recordar que o direito à alimentação faz parte dos direitos sociais previstos no art. 6 da Constituição.
Embora sejam fundamentais as medidas emergenciais do combate à fome e o estabelecimento de programas de renda básica, enquanto a soberania alimentar não for tratada como pauta estruturante da política agrária brasileira, seguiremos recaindo em ciclos de retorno ao mapa da fome. A soberania alimentar envolve um olhar mais sistêmico ao modelo de produção no campo, que prioriza a produção da agricultura familiar de base ecológica. No Brasil, os alimentos que são disponibilizados em nossa mesa provêm da agricultura familiar que, no entanto, recebe menos incentivos e ocupa menores proporções de terras. As monoculturas do agronegócio não produzem a diversidade de alimentos nutricionais de que precisamos.
Nesse caminho, o governo Lula dá passos lentos. Sufocado pelo orçamento apertado, tenta encontrar caminhos para a retomada de políticas públicas em apoio à produção camponesa. Durante o Governo Bolsonaro, a reforma agrária foi paralisada, e sofreu duros golpes. Um deles foi a edição da normativa que autoriza a titulação individual dos lotes aos assentados da reforma agrária. Antes, o assentado possuía o direito de uso, sendo as terras de propriedade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o que implicava que o Estado mantinha sua responsabilidade com a função social da terra, tendo o dever de assegurar políticas públicas. Agora, estimula-se a mercantilização das terras, tornando possível que áreas destinadas à Reforma Agrária sejam incorporadas ao mercado e se destinem à especulação financeira ou ao agronegócio.
Outro efeito é a explosão de acampados que esperam acesso à terra. Segundo o Movimento Sem Terra (MST), são por volta de 100 mil pessoas que aguardam, em mais de 360 projetos de assentamentos congelados. Muito embora o orçamento de R$ 2,4 milhões seja irrisório para a compra de terras, outros mecanismos precisam ser explorados como a regularização e destinação das terras públicas, o cumprimento real da função social da propriedade e o questionamento da produtividade da monocultura, seja na geração de trabalho como de alimento. Todo esse desafio recairá no presidente do INCRA, nomeado apenas em março.
No último mês, o governo anunciou a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O PAA realiza a compra direta de alimentos da agricultura familiar, e em sua nova modalidade, incluirá comunidades indígenas e quilombolas. No anúncio realizado no dia 23 de março, o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Edegar Preto, comunicou: “Vamos comprar, a preço de mercado, os alimentos dos agricultores familiares de todo o Brasil e ajudar a colocá-los na mesa dos brasileiros, garantindo renda a quem produz e uma alimentação de qualidade aos consumidores”. Outra prioridade no programa é a compra de alimentos das mulheres: está prevista a cota de que ao menos 50% das compras sejam das produtoras. Também foi reinstalado o Comitê de Assessoramento do programa, assegurando a participação popular na gestão da política.
Outro passo importante foi o retorno da titulação dos territórios quilombolas. Em março, o governo assinou a titulação de três territórios: Brejo dos Crioulos (MG), com 630 famílias; Serra da Guia (SE), com 198 famílias; e Lagoa dos Campinhos (SE), com 108 famílias. Já tendo titulado tanto quanto o Governo Bolsonaro em quatro anos. A medida faz parte do Programa Aquilombar Brasil, lançado pelo Ministério da Igualdade Racial. O governo ainda comunicou a destinação de 513 milhões de reais para demarcação de territórios indígenas.
Barra do Turvo/SP: intercâmbio de comunidades quilombolas e mulheres da agroecologia / Vanessa Silva/Amigas da Terra Brasil
O acesso à terra e ao território são condições primeiras para que indígenas, quilombolas, agricultura familiar e camponesa possam produzir alimentos saudáveis para o Brasil, garantindo também preservação e justiça ambiental. Mas as necessidades não se limitam a isso, é preciso fortalecer as redes de troca e comercialização de sementes, reconhecer os saberes e as práticas diversas dos povos do Brasil, incluir grupos informais de produção e cultura agroecológica ancestral que, ainda mais durante a pandemia, realizaram e encurtaram circuitos solidários entre campo e cidade no combate à fome e à violência. Com soluções que também respondem à crise climática, mas principalmente à garantia de renda e autonomia para as mulheres, redes como a Rede de Agroecologia de Mulheres Agricultoras da Barra do Turvo (RAMA), em São Paulo, em articulação com movimentos sociais e organizações da sociedade civil, como a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e com grupos de consumos na cidade de São Paulo, as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira realizaram, em março, um intercâmbio com coletivos de mulheres do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, promovendo uma integração por meio do diálogo campo e cidade, construído na prática pela organização.
Para Lúcia Ortiz, das Amigas da Terra Brasil, “a potência dos saberes e fazeres das mulheres, solidárias no cuidado umas com as outras e generosas no trabalho em mutirão, fortalecem seus conhecimentos ancestrais e sua luta por direitos, fazendo chegar à cidade não apenas alimentos saudáveis, mas também valores de dignidade e de organização popular”.
Frutos das trocas de sementes e saberes quilombolas sobre a sociobiodiversidade e o feminismo popular / Clarissa Silveira, Sítio Libélula/Grupo Sal da Terra, em Rolante (RS)
A soberania alimentar e as políticas públicas envolvem, ainda, os desafios e atravessamentos da biotecnologia. Recentemente, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIO) liberou a produção de trigo transgênico no país. O trigo liberado envolve a modificação genética em 62 genes de DNA, uma quantidade muito superior à soja de 4-5 mil, sendo que uma das modificações é realizada para resistir ao agrotóxico glufosinato de amônio, o qual pode causar danos ao sistema nervoso. Sem a devida segurança ambiental e à saúde humana, o trigo transgênico poderá chegar à mesa dos brasileiros rapidamente. Na Europa, a espécie não foi autorizada diante da falta de comprovação. Segundo Naiara Bittencourt, coordenadora do Programa Iguaçu na organização Terra de Direitos, “o processo de liberação da farinha e, agora, do cultivo de trigo transgênico no Brasil apresenta inúmeros vícios e ilegalidades que implicam a sua nulidade. Propagandeado como resistente à seca, o trigo também é modificado para resistir ao glufosinato de amônio, agrotóxico mais perigoso que o glifosato e é considerado potencial cancerígeno pela OMS [Organização Mundial da Saúde]”.
No mês do Abril Vermelho, recordamos os 27 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará; saudamos a memória de todos os filhos e de todas as filhas desta nação que lutam pelo acesso à terra e permanência no território; que plantam e semeiam a comida de nossas mesas; esses trabalhadores e essas trabalhadoras que sonham que um dia haja um governo que governe para eles e elas. Esperamos ansiosos e ansiosas pelos dias de ousadia, quando a erradicação da fome, a reforma agrária, a biodiversidade, a igualdade racial, a dignidade dos povos deste país sejam o centro, e que no projeto político de nação seja priorizada a soberania alimentar, porque é por meio dela e com ela que ergueremos a soberania popular.
Edição: Thalita Pires
Divulgamos, abaixo, depoimento de Nilce Pontes, da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos ) sobre a importância de políticas de compras públicas, entre elas o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), para a agricultura camponesa e quilombola e os riscos que correm com o Acordo UE-Mercosul (União Europeia):
Na sua campanha, o presidente brasileiro falou da revisão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE), aceito por Bolsonaro após 25 anos de negociações. A transformação proposta pela UE contra uma mudança profunda que melhoraria as perspectivas da região. Pobreza, indústria e extrativismo no centro das atenções.
Por Lucia Ortiz, Viviana Barreto e Natalia Carrau (*)
No processo eleitoral altamente polarizado do Brasil, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, deixou algumas pistas que mais tarde retomou no seu discurso na noite do segundo turno das eleições, quando a sua vitória já era conhecida, em 30 de Outubro de 2022. O seu discurso foi marcado pelas prioridades do governo, tanto na política interna como internacional. O foco foi fortemente orientado, por um lado, para a luta contra a fome e a pobreza e, por outro, para o reposicionamento do Brasil como um ator importante nos debates regionais e internacionais.
Segundo o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e conselheiro de Lula para os assuntos internacionais, um dos pontos da agenda internacional proposta refere-se à necessidade de rever o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, cujas negociações começaram há quase um quarto de século sem nunca terem sido ratificadas ou debatidas publicamente. Após a derrota da proposta de Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) como uma vitória regional popular que marcou a história dos governos progressistas no início dos anos 2000, o acordo UE-MERCOSUL foi negociado durante mais de duas décadas a portas fechadas, sem grandes progressos, até ser anunciado como fechado e acordado durante o governo de extrema-direita de Bolsonaro em 2019.
É especialmente importante analisar a perspectiva do acordo UE-MERCOSUL no novo contexto geopolítico e à luz dos compromissos do novo governo para garantir a participação social efetiva na formulação de políticas públicas internas e externas. E em termos regionais, é essencial considerar os riscos e oportunidades de uma forma integral, avaliando a região como um território comum onde comunidades, povos e bens comuns de grande importância coexistem.
A situação global, com as vulnerabilidades dos países e regiões – destacadas pela pandemia de COVID-19 e aprofundadas pelos impactos da guerra na Europa, localizada em territórios-chave para o fornecimento de energia e matérias-primas para a agroindústria – deve chamar a atenção para a discussão sobre as relações econômicas internacionais e o poder e controle que as empresas transnacionais têm para determinar os fluxos comerciais e de investimento e os desenhos produtivos dos países e territórios. É momento de colocar as necessidades sociais em primeiro lugar e enfrentar um modelo de comércio neoliberal obsoleto e neo-colonial, impulsionado pela oferta e exigências de mercado das empresas europeias.
A guerra comercial e tecnológica EUA-China, o desenvolvimento do projeto “Belt and Road” pelo gigante asiático, a construção do conceito de autonomia estratégica como orientação para a política internacional da UE, são exemplos claros das ações dos principais atores globais na busca de assegurar as melhores condições e os melhores recursos para a sua inserção internacional. Isso não é novidade. A evolução da UE reflete uma tendência crescente para a aplicação e exportação de regras e regulamentos protecionistas para si própria e extremamente liberalizadora e aberta a outras regiões. O conceito de autonomia estratégica pode ser interpretado como uma versão renovada e complexa do que foi outrora o lançamento da “Europa Global”. A guerra comercial e tecnológica entre os EUA e a China também não é nova, mas é agora que a UE está mais claramente a tentar sair na frente a fim de assegurar a sua quota-parte de recursos e mercados.
Na América Latina, este é um tempo de processos de mudança política num quadro de crises e tensões. Por um lado, o impacto devastador do último período do neoliberalismo, expresso em termos de aumento da desigualdade, um novo ciclo de concentração da riqueza com um recuo nas políticas públicas de bem-estar social e o avanço e reconfiguração do capital transnacional na região. Por outro lado, cenários de mudança política para a esquerda em vários países da América Latina num contexto de profunda polarização política, expansão da cultura do ódio e do conservadorismo e a deterioração das condições democráticas na vida pública.
Particularmente significativos são os movimentos e sinais dos governos do México, Argentina, Chile e Colômbia para reavivar a discussão sobre o regionalismo latino-americano e caribenho e as bases econômicas e políticas estratégicas sobre as quais a nossa relação com o mundo deve assentar. Este cenário é completado especialmente com a vitória eleitoral de Lula da Silva no Brasil, que tem sido fundamental na construção do diálogo político e no reforço institucional da integração regional e da solidariedade.
Desafios e riscos
Com os novos cenários políticos surge a necessidade de reposicionar velhos desafios e ponderar novos riscos. Em termos de inserção internacional e no contexto do MERCOSUL, o principal desafio para o movimento pela justiça ambiental reside em poder introduzir o debate sobre o modelo de produção à luz da insustentabilidade do modelo baseado no agronegócio e na exportação de minerais e agro-produtos. E este é um desafio partilhado com projetos políticos que promovem e lutam pela transformação social e por outros movimentos sociais, como os que lutam pela justiça social, trabalho digno e digno, soberania alimentar, justiça de gênero, igualdade racial, direitos dos povos indígenas e quilombolas, entre outros.
Responder à insustentabilidade do modelo implica pensar numa inserção internacional diferente. O principal perigo pode residir em continuar a desenvolver uma inserção internacional que aprofunde ainda mais a insustentabilidade do modelo. Avançar com o acordo entre a UE e o Mercosul sem abrir um debate com participação social sobre o seu conteúdo é, do nosso ponto de vista, um enorme risco.
Durante a campanha eleitoral, o Partido dos Trabalhadores (PT), na voz do próprio Lula, levantou em várias ocasiões a necessidade de renegociar o acordo de comércio livre assinado pelo Mercosul e pela UE. Embora no anúncio da assinatura do acordo fosse evidente que não existiam condições políticas para uma conclusão efetiva, nos últimos três anos foram levantadas objeções devido a desacordo na UE por razões centradas em políticas de proteção do setor agrícola ou preocupações sobre o impacto da política ambiental criminosa do governo de Jair Bolsonaro.
Apesar das numerosas perspectivas críticas desenvolvidas a partir de vários setores do movimento social e da esquerda latino-americana, a definição programática do PT no âmbito da campanha gerou, pela primeira vez, as condições reais para uma avaliação aprofundada dos impactos do tratado e não apenas uma leitura de alguns dos seus aspectos mais sensíveis.
A posição de Lula em relação à renegociação baseia-se no argumento central de que o tratado, tal como assinado, não respeita as necessidades de desenvolvimento do Brasil. Alguns elementos são particularmente preocupantes para o PT: restrições à implementação de políticas de reindustrialização, o impacto da abertura dos contratos públicos, maior regulamentação dos direitos de propriedade intelectual, comércio de serviços, negociações sobre tecnologia e os impactos do comércio bi-regional no ambiente.
O entusiasmo pela conclusão do acordo que vem da UE colide com a proposta de renegociação de Lula. Embora a intenção da UE tenha se concentrado na incorporação de alguns capítulos ou protocolos complementares que poderiam supostamente remediar as “fraquezas” do acordo em matéria ambiental, a nova correlação de forças estabelecida no Mercosul afirma a necessidade de mudanças profundas, mesmo em elementos que fazem parte da espinha dorsal do acordo assinado, tais como o espaço para a política industrial na região.
De uma perspectiva regional, isso deve ser visto como uma grande oportunidade para desenvolver uma discussão verdadeiramente ampla sobre alguns dos conteúdos do acordo que podem ter impactos mais prejudiciais para o nosso desenvolvimento em termos de justiça social e ambiental. Também nos oferece a oportunidade de discutir que outros modelos comerciais são hoje necessários para os povos e países da região, no contexto atual.
O texto do tratado impõe uma ampla liberalização sobre o comércio, que por parte do Mercosul é superior a 90% do total de mercadorias. Várias análises do impacto no comércio bi-regional mostram o efeito que teria no aprofundamento da matriz de intercâmbio com base na atual divisão internacional do trabalho. Segundo o estudo de impacto encomendado pela Comissão Europeia à London School of Economics, os setores econômicos que ganhariam no caso do Mercosul estariam concentrados na carne, soja e derivados, celulose, alguns produtos da indústria alimentar, tais como sucos, e outros alimentos processados, enquanto os perdedores seriam os setores industriais da produção automóvel, química e farmacêutica. A que devemos acrescentar as plantações de cana de açúcar e a indústria associada à produção de etanol, cujas quotas de exportação do MERCOSUL são consideravelmente aumentadas, principalmente a partir do Brasil. Para além de já ser uma produção altamente transnacional e agroquímica intensiva, mantém as características de enorme concentração fundiária e más condições de trabalho herdadas do período colonial, com graves impactos nos biomas da Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal e nos seus povos nativos. Do mesmo modo, e a uma escala diferente, no caso do Uruguai, há também possíveis impactos negativos na indústria leiteira e na produção de bebidas.
Este tratado ata as mãos dos países do Mercosul em relação à possibilidade de desenvolver políticas públicas para a transformação produtiva. A UE negou expressamente a possibilidade de introduzir cláusulas de proteção para o desenvolvimento de setores industriais ou disposições para a transferência de tecnologia em investimentos. Além disso, a entrada em vigor do tratado significa a abertura das compras estatais, a nível nacional e subnacional, a empresas europeias que poderiam competir em igualdade de condições com as empresas do Mercosul. E embora alguns países, como o Uruguai, tenham protegido os contratos públicos, as negociações de comércio livre avançam no sentido de uma maior liberalização, pelo que é de esperar que esta proteção seja condicionada ao longo do tempo ou que se exija a sua liberalização total. Desta forma, o Mercosul priva-se de uma importante política de promoção industrial, dando às empresas da UE altamente competitivas um mercado atrativo.
A preocupação com o impacto no ambiente não foi acompanhada de propostas eficazes para o seu tratamento, bem pelo contrário. O esquema comercial estabelecido por este acordo terá impacto na expansão da fronteira agrícola e extrativa primária – incluindo o setor da extração de energia – com um impacto profundo e bem documentado na justiça ambiental em termos de desmatamento, apropriação de terras, efeitos na biodiversidade, qualidade da água e contaminação dos alimentos por agroquímicos, violência e deslocação contra os direitos coletivos das comunidades. Segundo o relatório elaborado por Tom Kucharz para a ala esquerda do Parlamento Europeu, o comércio com a UE está diretamente relacionado com o desmatamento anual de cerca de 120.000 hectares no Mercosul.
A afirmação da Europa de que tem a intenção, os conhecimentos e os instrumentos para forçar os países do Mercosul a cumprir as suas quotas de exportação sem causar desmatamento ou contribuir para as alterações climáticas está, pelo menos historicamente, fora do contexto. Como o presidente argentino Alberto Fernández salientou durante uma cúpula do bloco sul-americano, a UE utiliza a Amazônia como desculpa para o protecionismo da sua própria economia e, podemos acrescentar, para os interesses das suas corporações transnacionais. Apesar da insustentabilidade das cadeias de produção destas empresas e do padrão de consumo crescente de recursos externos numa sociedade desenvolvida, insiste que a solução para o acordo seria um misterioso anexo ambiental elaborado pela Comissão Europeia, a ser aplicado unilateralmente ao Mercosul.
Tendo superado o desconforto de ter assinado um acordo em 2019 com o presidente fascista e antiambiental Jair Bolsonaro, a UE coloca nas mãos de Lula a expectativa de resolver os problemas que supostamente afligem o bloco europeu, sem medir as consequências das assimetrias abismais – desde as originárias da exploração colonial até ao mais recente e não menos brutal desmantelamento dos direitos humanos e da proteção ambiental e das próprias instituições democráticas do Brasil desde o golpe de Estado de 2016 contra a Presidente Dilma Rousseff.
Demorará muito mais de seis meses ou um ano para construir políticas ambientais e de participação social no Brasil. O governo de Lula já começou nos seus primeiros três dias com a revogação dos decretos anunciados pela equipe de transição durante o mês de Novembro de 2022. Entre os mais de 200 decretos presidenciais anunciados para serem revogados estão os que fazem da monitorização, controle e proteção dos biomas brasileiros e dos seus povos uma promessa impossível de cumprir, tais como a militarização, a presença de garimpo e tráfico, o armamento de milícias em grandes propriedades fundiárias, o esvaziamento total dos orçamentos/recursos e da participação social em organismos como o Conselho Nacional do Ambiente (Conama).
As fórmulas normativas apresentadas no processo de negociação são falsas soluções porque não resolvem, mas sim aprofundam o problema estrutural acima mencionado.
Uma verdadeira solução seria limitar a exportação de agrotóxicos produzidos pelas principais indústrias químicas europeias (BASF e Bayer-Monsanto), proibidos de serem comercializados na Europa, mas exportados para utilização na produção agrícola do Mercosul, que é exportada para a UE.
A incorporação de capítulos sobre objetivos de “desenvolvimento sustentável”, ou a implementação de políticas mais próximas dos interesses do protecionismo comercial do que de uma vocação de profunda justiça ambiental, não são soluções reais nem respeitáveis. Aparentemente, a UE está a trabalhar num “documento adicional” ao tratado, aplicável a ambas as partes, que detalharia ainda mais os compromissos relacionados com a “sustentabilidade ambiental e a luta contra as alterações climáticas”. Qualquer que seja o conteúdo deste documento, é difícil prever uma solução em profundidade sem um quadro completo de renegociação do tratado.
O tratado também antecipa as obrigações relativas à proteção privada da propriedade intelectual. Isso está claramente expresso na proteção dos direitos de autor, em que o prazo de proteção previsto pelas obrigações da OMC (Organização Mundial do Comércio) é ampliado. Além disso, é possível prever os progressos nas possibilidades de patentear sementes e variedades vegetais a partir da referência às duas versões da Convenção Internacional sobre a Protecção das Obtenções Vegetais (UPOV) de 1978 e 1991. A versão de 1991 é mais exigente do que a versão em vigor para os países do Mercosul.
No capítulo sobre o comércio de serviços, o tratado permite incorporar os serviços públicos no mercado bi-regional porque a exclusão é limitada aos serviços que são prestados no exercício dos poderes governamentais e em condições de não concorrência com os prestadores privados. Este é outro aspecto que deve ser reconsiderado numa eventual renegociação do acordo, tendo em conta a valorização social da educação pública e dos serviços de saúde durante a pandemia (como o Sistema Único de Saúde do Brasil), bem como a água e o saneamento básico. Estas questões, que são consideradas mercadorias na negociação, contradizem as declarações de Lula sobre o fim da privatização dos serviços no país a partir de 1 de Janeiro de 2023. Ao mesmo tempo, no processo de atualização dos respectivos tratados da UE com o México e o Chile, tem havido uma clara vocação para incorporar os padrões mais avançados nas negociações dos serviços.
Finalmente, foi revelada a intenção de algumas autoridades europeias de separar a negociação e assinatura do acordo comercial das relacionadas com o diálogo político e a cooperação, a fim de evitar a necessidade de ratificação pelos parlamentos nacionais de todos os estados membros da UE e do Mercosul. Com esta manobra, a máscara da política externa da UE caiu finalmente, e é evidente que a sua política externa é uma política neoliberal de comércio livre muito afastada das supostas preocupações sobre transparência, democracia, direitos humanos e cooperação para o desenvolvimento conjunto bi-regional e os processos pioneiros da integração regional.
Os desafios que enfrentamos na região são enormes e podem ser todos resumidos na análise das múltiplas crises baseadas na injustiça e na opressão. É num momento como o atual que temos de apostar em políticas de conteúdo renovado, de expansão num sentido democratizante e profundamente participativo.
Este compromisso deve também estar presente na reflexão sobre a inserção internacional e as formas em que os países da região – que continua a ser os mais desiguais do mundo – se integrarão e construirão um espaço político comum. Para tal, é essencial compreender que as agendas do livre comércio são contraproducentes para projetos políticos de transformação social, que a justiça deve estar no centro desses projetos e que a defesa da democracia deve ser um tema transversal comum em todas as políticas.
Num contexto em que a experiência atual continua a ser de negação da construção da democracia e do desmantelamento dos direitos dos povos por meio do uso extremo da violência, é necessário defender o valor da política e contestar as políticas públicas com princípios e orientações construídas por organizações e movimentos populares. A política de inserção internacional deve também responder aos princípios democráticos, deve ser alinhada com um projeto transformador inclusivo, baseado na justiça. Uma política de inserção internacional que responde às necessidades do povo e que está orientada para a sustentabilidade da vida e não para a reprodução do lucro.
*Lucia Ortiz (Amigos da Terra Brasil); Viviana Barreto (REDES – Amigos de la Tierra Uruguay); Natalia Carrau (REDES – Amigos de la Tierra Uruguay) Foto principal: Agencia NA / Telam