Crédito da foto: Divulgação MST
A Amigas da Terra Brasil esteve presente no Tribunal Popular O Imperialismo no Banco dos Réus, que aconteceu em 15 de novembro no Rio de Janeiro, no Brasil, com a participação de diversas organizações e movimentos sociais da América Latina e do mundo. A atividade antecedeu a Cúpula do G20, fórum de cooperação econômica internacional entre os países, que, até então, estava sendo presidido pelo Brasil.
Integramos a articulação regional ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe), apoiando a Jornada Continental contra o Neoliberalismo em Defesa da Democracia na construção do Tribunal Popular. Também contribuímos na formulação do caso apresentado no eixo indução à pobreza, que tratou de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio, com análise dos Tratados do Mercosul e União Europeia, mencionando os exemplos de Sri Lanka, Paquistão, Brasil e Argentina. A Amigas da Terra Brasil faz parte da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-União Europeia e EFTA pela qual, com mais de 100 outras organizações sociais do país, lutamos para que esses acordos não sejam assinados nos atuais termos propostos.
No vídeo abaixo, a conselheira da Amigas da Terra Brasil, Lúcia Ortiz, relata o que foi o Tribunal Popular.
Toda essa mobilização popular no Rio de Janeiro ajudou para que o G20, que se reuniu logo após, nos dias 18 e 19 de novembro, não avançasse com as tratativas do Acordo União Europeia – Mercosul, mesmo com a pressão dos líderes dos blocos europeus. “Ainda que exista essa pressão para fechar o acordo ainda neste ano, as condições ainda não estão dadas para que se chegue a esse termo. O fato de não ter acontecido esse anúncio no dia 20 de novembro, por si só já é uma vitória”, defendeu Lúcia.
Nesta semana, de 26 a 29 de novembro, acontece a Cúpula do Mercosul, em que os governos retomam as negociações do Acordo UE-Mercosul. “Vamos seguir na luta para enterrar esse acordo de vez”, completa Lúcia.
Reproduzimos, abaixo, a sentença final do Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus, lida pela juíza Simone Dalila Nacif Lopes:
SENTENÇA
Quatro são os casos submetidos ao “Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus”, a saber:
Genocídio dos povos: tendo por caso-modelo a Palestina e sendo apresentados para contextualização fatos ocorridos no Líbano, Iemen e Sudão.
Indução à pobreza: políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio, com análise dos Tratados do Mercosul e União Europeia, mencionando os exemplos de Sri Lanka, Paquistão, Brasil e Argentina.
Guerra econômica: violação da soberania e da autodeterminação dos povos, tomando-se por paradigma os casos de Cuba e Haiti e sendo mencionada a Venezuela.
Racismo estrutural e ambiental: cujos casos-referências foram o extermínio da juventude negra do Rio de Janeiro e os crimes de Mariana/MG, com menção a Ayotzinapa (México), Haiti, Colômbia, reparações coloniais, Mapuches (Chile e Argentina), Povo Avá Guarani, Bhopal, Honduras, Incêndios no Brasil, Braskem, Chevron / Equador, reparações ao sul global, transição energética.
O libelo acusatório foi apresentado por Sr. Dayron Roque Lazo – Centro Martin Luther King, Cuba e pela Sra Sandra Quintela – Jubileu Sul.
O Sr. Tom Kucharz, da Espanha, atuou como advogado de defesa do Imperialismo e o Dr. Alexandre Ferreira Guedes – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Brasil – produziu a prova da acusação.
Foram ouvidas as testemunhas Rula Shaheed (Palestina), Morgan Ody (Confederación Paysanne / França e Via Campesina), Raiara Pires (Movimento pela Soberania Popular na Mineração/ MAM e Frente Brasileira contra o Acordo Mercosul – UE), Aleida Guevara (Cuba), Henry Boisrolin (PAPDA / Haiti), Marcelo Dias (Movimento Negro Unificado- Brasil) e Vanilda Aparecida de Castro Souza, da Bacia do Rio Doce e do Movimento Atingidos por Barragem.
Garantido o contraditório e a ampla defesa com iguais oportunidades de pergunta tanto para a defesa como para a acusação, encerrada a instrução, as partes apresentaram suas Alegações Finais.
O Conselho de Sentença foi composto por Yildiz Temürtürkan, da Turquia (Coordenadora Internacional da Marcha Mundial de Mulheres) – presidenta do Júri, Ousmane Lankoandé Miphal / Burkina Faso (Secretario Geral da organização Balai Citoyen), Lana Vielma Membra da Comuna Maizale da Unión Comunera / Venezuela, Maria Juliana Rivera Vera Representante do Congreso de los Pueblos / Colombia, Beverly Keene / Argentina Coordenadora da organização Diálogo 2000 e do Jubileu Sul – Américas, João Batista – Movimento Negro Unificado / Brasil, Sra. Monica Gurjão Quintão – União dos Negros pela Igualdade – UNEGRO,
Após reunir-se para deliberação, os jurados chegaram a uma decisão e a Presidenta do Júri, Yildiz Temürtürkan, declarou o veredito: à unanimidade, os jurados CONDENARAM o Imperialismo pelos crimes de Genocídio dos povos (Palestina), de indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio (Mercosul e União Europeia), de guerra econômica com violação da soberania e da autodeterminação dos povos (Cuba e Haiti), e de racismo estrutural e ambiental (no Brasil contra a juventude negra do Rio de Janeiro e contra o meio-ambiente pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG).
É O RELATÓRIO. DECIDO.
Ao final do julgamento, a pretensão acusatória restou fartamente comprovada, conforme decidido pelo Conselho de Sentença.
Com efeito, no caso do Genocídio dos Povos, a prova dos autos revela que o povo de toda a Palestina, e particularmente de Gaza, vem sendo submetido ao colonialismo há 76 anos e está sofrendo genocídio há 409 dias abertamente praticado pelo Estado de Israel com a cumplicidade dos Estados Unidos, da Alemanha, do Reino Unido e de outros países europeus e ocidentais.
Como vem sendo televisionado para todo o mundo, Israel bombardeia e ataca casas, hospitais, universidades e escolas, assim como abrigos e prédios da ONU, tendo demolido e danificado 66% da infraestrutura de Gaza promovendo uma destruição em massa. É negado o acesso a água, a alimentos, a combustível, à ajuda humanitária e a necessidades básicas, o sistema de saúde colapsou e o deslocamento forçado sujeitaram a população de Gaza à fome forçada e criaram condições propícias para epidemias.
Desde outubro de 2023, Israel, em sua campanha genocida, promove a destruição deliberada e sistemática do meio ambiente de Gaza. As operações militares israelenses fazem uso intensivo de explosivos em áreas urbanas densamente povoadas, formando imenso acúmulo de detritos e entulho, aniquilando a infraestrutura civil em Gaza, o que abrange a infraestrutura ambiental, como instalações de tratamento de água, sistemas de esgoto, sistemas de coleta de água da chuva e instalações de gerenciamento de resíduos essenciais para o descarte seguro de resíduos médicos e perigosos. O conjunto de ações israelenses, incluindo o deslocamento de 90% da população de Gaza, impacta grandemente o meio ambiente causando poluição sonora, do ar, da água e do solo, prejudicando ou quase extinguindo a capacidade das autoridades palestinas de prevenir ou tentar mitigar danos ambientais.
Entre 7 de outubro de 2023 e 11 de novembro de 2024, mais de 43.603 palestinos foram mortos, incluindo mais de 17.385 crianças. Há outros 10.000 palestinos desaparecidos que se estima-se estarem sob os escombros. Famílias palestinas inteiras são massacradas e têm sua existência apagada. Apresenta-se um cenário cotidiano de corpos queimados, desmembrados e crianças decapitadas. Mais de 109.000 palestinos foram feridos, dos quais 25% possivelmente com ferimentos que impactarão permanentemente suas vidas. Segundo a Lancet, em publicação de julho de 2024, o número de mortos em Gaza poder chegar a mais de 186.000 palestinos, incluindo aqueles mortos sob os escombros e mortes indiretas devido ao colapso do sistema de saúde, fome e doenças.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), em 26 de janeiro de 2024, no caso da África do Sul contra Israel, declarou plausível que Israel esteja realizando genocídio em Gaza e ordenou a Israel a prevenção e a imediata interrupção de todos os atos genocidas.
Novamente, em 29 de março, a Corte Internacional de Justiça emitiu ordem de fornecimento irrestrito de ajuda, suprimentos médicos e necessidades básicas, além do fim de todas as violações à Convenção sobre Genocídio praticadas pelos militares israelenses, salientando a evolução dos fatos “excepcionalmente graves” desde a Ordem de janeiro, em particular a propagação da fome e da inanição.
Em 25 de março de 2024, o Conselho de Segurança das Nações Unidas emitiu Resolução exigindo um cessar-fogo imediato em Gaza.
Porém tanto as ordens da Corte Internacional de Justiça como a Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas continuam a ser desconsideradas e violadas por Israel.
Como se vê, é urgente a demanda do povo palestino de imediato e permanente cessar-fogo em Gaza, viabilizando o acesso à ajuda humanitária, a água, alimentos, combustíveis, eletricidade e demais necessidades básicas, além da garantia de estabilidade e manutenção segura do povo palestino em Gaza e o fim do bloqueio de 17 anos.
De acordo com a testemunha Sra. Rula Shaheed, “Este momento deve ser um chamado de despertar necessário para termos a coragem política de abordar as causas básicas da violência. Os eventos atuais que se desenrolam não começaram em 7 de outubro. Os representantes do povo devem reconhecer e abordar a própria fonte da violência, notadamente a realidade do apartheid colonial, que vem causando violência e injustiças por mais de 76 anos. Não tomar isso como um ponto de partida condenará quaisquer esforços políticos ao fracasso.”
2. A respeito da “indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio”, ficou demonstrado que, após a derrota, em 2005, do projeto imperialista da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) pela resistência dos movimentos sociais populares expressada pelo posicionamento dos governos progressistas no início dos anos 2000, o Acordo União Europeia (EU)-Mercosul apresentou-se como alternativa para o atendimento dos interesses das empresas transnacionais e investidores do Norte global a fim de aprofundar as relações coloniais e perpetuar os saques de matérias primas da América do Sul. Reiniciadas as negociações durante os governos Macri, na Argentina, e Michel Temer no Brasil, após o Golpe Civil-Parlamentar-Empresarial de 2016, foi anunciada a conclusão início do mandato de Jair Bolsonaro.
Porém, a Europa escandalizou-se com o retrocesso nas políticas ambientais, com a agenda ultraconservadora e anti-direitos e com os incêndios promovidos pelas forças ruralistas e pela extrema-direita em 2019, interrompendo o processo de ratificação, que foi retomado com a propositura de adendos ao Acordo após a eleição do Presidente Lula, em reconhecimento do retorno das condições democráticas no Brasil.
Em 2024, com o claro avanço da extrema direita, após o processo eleitoral na União Europeia e tendo o ultraliberal Milei da Argentina assumido a presidência do MERCOSUL, o pilar comercial do acordo de associação original foi alçado a um Tratado de Livre Comércio em separado, caracterizado pela liberalização do comércio de bens, com a eliminação ou redução substancial de tarifas e outras barreiras comerciais, além de ser dispensada a ratificação pelos parlamentos nacionais na Europa, bastando uma maioria no Parlamento Europeu para a aprovação.
Como visto, com o Acordo UE-MERCOSUL, já se opera a violação dos direitos democráticos de acesso à informação e à participação cidadã e parlamentar em decisões que afetam o modelo econômico e de desenvolvimento, ou subalternização, dos povos dos países do MERCOSUL, cuja implementação por mais de 30 anos, com cláusulas ad aeternum, violam os direitos humanos econômicos, sociais, ambientais e culturais dos povos latino americanos.
E implicará no aprofundamento da inserção primarizada e subordinada dos países do MERCOSUL que adotariam uma matriz de exportação baseada em matérias-primas e produtos agrícolas associados ao modelo do agronegócio e restringindo a possibilidade de exportação de setores industrializados e/ou de alto valor agregado, além de contribuir para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação do conjunto dos biomas e regiões biodiversas do MERCOSUL, mediante a ampliação da fronteira agrícola, o aumento das áreas de cultivo para produção de carne, cana-de-açúcar e soja, alguns dos principais vetores de desmatamento e queimadas.
A assinatura do Acordo de Livre Comércio contribuirá para a expansão do uso extensivo de agrotóxicos, pois suspende as tarifas alfandegárias de mais de 90% das exportações de produtos químicos da União Europeia, incluindo os agrotóxicos que são proibidos na Europa.
Com a proibição geral de impostos e taxas, crescerão as exportações de minerais base, como ferro e alumínio, para industrialização na Europa, às custas da degradação ambiental no MERCOSUL, o que já está acontecendo como exemplificam as situações climáticas extremas, como enchentes e secas assim como os crimes das empresas Vale, BHP Billiton e HydroNorth no Brasil e seus impactos devastadores para as populações locais.
Além de tudo isso, há o concreto risco de liberalização em setores-chave para a proteção e a realização de direitos, impedindo que o MERCOSUL avance nos seus próprios compromissos regionais e cedendo a seus interesses em favor da UE.
A comunidade afetada demanda a revogação de todos os Tratados de Livre Comércio, que não seja assinado o Acordo de Livre Comércio UE/MERCOSUL e a construção de um novo marco de comércio internacional baseado em outros princípios que tenham a Soberania dos povos em primeiro lugar, garantindo a soberania financeira e democrática dos Estados. Respeitando o direito a participação dos povos e da natureza. Tendo em vista que estes Tratados representam mais falsas soluções para os povos e para a natureza afetando suas políticas e condicionando a uma ação criminosa do imperialismo materializado em imposições de austeridade privatizações, abertura comercial e saque de nossos territórios. Aprofundando a pobreza, as desigualdades, o endividamento e induzindo a uma maior concentração e estrangeirização das riquezas produzidas por nossos povos e natureza.
3. Por sua vez, a respeito da “Guerra econômica: violação da soberania e da autodeterminação dos povos”, verifica-se que o objetivo histórico do bloqueio econômico a Cuba é o de fazer definhar a economia, gerar carências materiais e danos aos serviços públicos, provocar insatisfação e desesperança à população e subverter a ordem constitucional legitimamente estabelecida, tendo por fundamento documentos oficiais dos Estados Unidos, como o memorando interno do subsecretario de Estado Lester Mallory, de 6 de abril de 1960.
As ações do bloqueio dos Estados Unidos visam a identificar e perseguir as principais fontes de renda da economia cubana: a ofensiva contra o turismo, que é a principal fonte de renda no país; a alegação de ataques sônicos a diplomatas norte-americanos como justificativa para classificar Cuba como um país pouco seguro; a perseguição dos convênios de cooperação médica internacional (a venda de serviços médicos é a segunda fonte de renda do país). Todas essas medidas dirigem-se a impedir a entrada de recursos imprescindíveis para atender às necessidades crescentes da população.
Nos últimos anos, ocorreu um agravamento das medidas adotadas no bloqueio econômico, das quais se destaca a inclusão arbitrária e indevida de Cuba na lista de Estados acusados de patrocinarem o terrorismo, como meio de coerção política mediante ameaças de represálias objetivando o reforço do bloqueio e isolamento financeiro de Cuba.
É imenso o impacto do recrudescimento do bloqueio sobre as exportações cubanas, especialmente no setor turístico, da perseguição implacável às operações bancárias e financeiras de Cuba, assim como dos danos ao sistema empresarial cubano, à produção e aos serviços prestados à população.
Os prejuízos causados pelo bloqueio dos Estados Unidos a Cuba, desde seu início, alcançam 1 bilhão 499 mil 710 milhões de dólares, tendo em conta o comportamento do dólar face ao valor do ouro no mercado internacional.
É flagrante que o bloqueio econômico imposto pelo império norte-americano a Cuba configura um crime contra a humanidade na medida em que promove a violação sistemátiva e violenta dos direitos humanos da população cubana.
Aleida Guevara altivamente expressa a demanda de seu povo (em tradução livre): “Cuba tem o direito soberano de construir un futuro proprio, independente, socialista, livre da ingerência estrangeira e comprometida com a paz, o desenvolvimento sustentável, a justiça social e a solidariedade. Cuba tem direito de viver sem bloqueio.”
Por outro lado, no caso do Haiti, após a revolução do povo escravizado, o processo de reconhecimento de sua independencia pela comunidade internacional resultou numa dívida eterna para a França. Demais disso, desde 1915, os haitianos estão sob ocupação do império norte-americano que ocupou o país, assumindo militarmente o controle do território e instalando um sistema neo-colonial cuja decomposição resultou diretamente na crise atual.
A intensa migração, iniciada em 1915, converteram o Haiti fonte de fornecimento de mão de obra barata. Em 2023, mais de 168 mil pessoas de diversas profissões deixaram o Haiti, o que contribuiu para o destruição das instituições haitianas.
Como em toda a América Latina, os golpes de Estado promovidos no Haiti em 1991 e 2004 foram financiados e apoiados pelos Estados Unidos.
Além disso, a fim de barrar o ciclo progressista desenvolvido na América Latina entre 1998 e 2015, em 2001, instalou-se um governo de extrema direita pelo partido haitiano Tèt kale (PHTK) que perdura até hoje dominando a política haitiana.
Frise-se que as políticas de austeridade neoliberal impostas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial desencadearam um processo de destruição da economia campesina, levando à dependência econômica, financeira e alimentar.
Noutro giro, no momento em que o terremoto de 2010 vitimou mais de 300.000 pessoas lançando o Haiti numa profunda crise humanitária, os Estados Unidos aproveitaram para assumir o controle dos setores estratégicos do país, utilizando-se do desastre como degrau para a dominação e exploração capitalista. Mesmo a reconstrução do país foi controlada pelo império, uma vez que a Comissão Interina para a Reconstrução do Haiti (CIRH) foi dirigida diretamente pelo então presidente norte-americano Bill Clinton.
O Haiti está sob o controle do Conselho de Segurança das Nações Unidas desde 2004 até a atualidade, apesar das sérias denúncias contra a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) que ocupou o país por 13 anos e deixou um rastro de 40.000 mortos por cólera, 800.000 infectados, dezenas de milhares de mulheres estupradas e de crianças abandonadas.
Destacou-se que a Minustah foi composta por diversos países da região Latinoamericana, os quais tem uma responsabilidade com o caos instalado no Haiti e por uma urgente política de reparação. A Minustah serviu a uma política imperialista e hoje o Kenia está atuando como polícia no Haiti e segue servindo ao Conselho de Segurança da ONU o qual é manejado diretamente por EUA através do Core Grup. É evidente a urgência para que a ocupação seja imediatamente interrompida.
Tem sido fabricado um caos no país para reforçar a narrativa de insegurança que se relaciona diretamente com os tráficos de armas e substâncias ilícitas, convertendo o Haiti numa passagem para as drogas que entram nos Estados Unidos.
A demanda apresentada é de fim da opressão, exploração e dominação dos povos afrodescendentes no Haiti, revertendo-se o paradigma de poder que impõe prejuízo de gênero, raça e classe. Pugna-se pela instauração de um Tribunal Popular isento, com a presença de diferentes instâncias jurídicas aptas a oferecer garantías de restituição da dívida ilegal pela França, de devolução saqueado pelos Estados Unidos em 1914, de reparação pelos anos de escravidão e a anulação da dívida pública que entorpece todas as posibilidades de desenvolvimento do Haiti.
Segundo o contundente depoimento de Sr. Henry Boisrolin, coordenador do Comitê Democrático Haitiano e dirigente nacional da Plataforma Haitiana de Reivindicação de um Desenvolvimento Alternativo – PAPDA -, em tradução livre, “É necessário denunciar perante o mundo o genocídio que se perpetua contra o povo haitiano. As consequências deste genocídio silencioso, levado a cabo no meio do caos, são enormes e desastrosas para o povo Haitiano. A vida quotidiana tornou-se um pesadelo, milhões de pessoas ficaram feridas, a economia nacional está destruída, provocando o aumento da pobreza e forçando o deslocamento da população.”
4. Por fim, aborda-se o “racismo estrutural e ambiental”, restando evidente a política de extermínio da juventude negra do Rio de Janeiro.
Esse quadro é o resultado da história do escravismo brasileiro que formalmente foi abolido, mas perdura concretamente até os dias de hoje com a segregação velada e, nos casos de violência policial, explícita dos negros.
O tráfico transatlantico e a escravização de pessoas negras são crimes contra a humanidade, assim declarado na Durban da Conferencia Mundial contra o racismo, promovida pela ONU em Durban, na África do Sul. Logo, são crimes imprescritíveis.
A declaração de Durban aponta a escravidão negra e o tráfico negreiro como fontes ainda vivas, embora pretéritas, de racismo, discriminação racial e intolerâncias correlatas.
Em razão desses laços que ligam o passado ao presente é que os movimentos sociais e a sociedade civil continuam a propugnar por REPARAÇÃO HISTÓRICA pelo Estado brasileiro e demais responsáveis por esses graves crimes.
Os agentes de segurança do Rio de Janeiro mataram 1.042 pessoas negras em 2022 (86,98% dos casos com informações completas de cor e raça), sendo o segundo estado com mais mortos pela letalidade gerada por policiais.
A cada oito horas e 24 minutos uma pessoa negra morreu em decorrência de intervenção policial.
Em novembro de 2024, a Rede de Observatórios da Segurança publicou um estudo alarmante sobre a violência policial no Brasil, revelando que, em 2023, 4.025 pessoas foram mortas por policiais no país. Desses casos, 3.169 disponibilizaram dados sobre raça e cor, e, entre essas vítimas, 2.782 eram negras, o que representa 87,8% do total.
Esse dado reflete um padrão persistente de desigualdade racial nas ações de segurança pública.
O boletim *Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão*, em sua quinta edição, foi produzido a partir de informações obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) em nove estados.
No Rio de Janeiro, apurou-se que, em 86,9% das mortes por intervenção policial, as vítimas eram negras.
Esses números mostram uma constante e alarmante violência contra a população negra nas operações policiais.
Além disso, dados de outro estudo, o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apontam que das 6.393 vítimas de letalidade policial no Brasil em 2023, 71,7% eram crianças, adolescentes ou jovens com idades entre 12 e 29 anos, e 82% dessas vítimas eram negras.
A diferença entre a taxa de mortalidade por violência policial de pessoas brancas e negras é de 289%, absolutamente desproporcional: 3,5% para cada 100 mil pessoas negras e 0,9% para pessoas brancas.
São números escandalosos que escancaram o racismo estrutural da sociedade brasileira e que atravessa diferentes áreas como educação, saúde, mercado de trabalho, mas que tem sua face mais letal na segurança pública.
Também revelam que há um perfil de suspeito fortalecido nas corporações, já que nas abordagens, há um tratamento diferente para um jovem branco vestido de terno na cidade e um jovem negro de bermuda e chinelo em uma favela. Ocorre que, na favela, os jovens se vestem de bermuda e chinelo e todos passam a ser vistos como perigosos e como possíveis alvos.
Como visto, é inequívoco o processo de extermínio dos jovens negros que carregam até hoje em seus ombros o peso da opressão histórica trazida nos navios negreiros e marcada em sua pele negra, convertidos que são em alvos para o Estado que os empareda e mata.
A demanda por ações efetivas e políticas públicas voltadas romper com esse ciclo de violência e racismo que está exterminando nossa juventude negra é emergencial.
A comunidade atingida demanda o reconhecimento formal pelo governo brasileiro de sua responsabilidade oficial no crime de escravidão praticado no Brasil oitocentista; o reconhecimento formal pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, em decreto, do envolvimento da Corte Imperial, sediada na Cidade do Rio de Janeiro, no crime de escravidão assim como na prática de crime contra a humanidade e a criação de um Fundo de Reparação e Promoção de Políticas Públicas de Igualdade Racial e Combate ao Racismo pelo Congresso Nacional e pela a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Por fim, o caso do desastre ambiental de Mariana/MG com o rompimento da barragem do Fundão e a destruição do Rio Doce/Uatu.
Segundo Antônio Hilário Aguilera Urquiza e Adriana de Oliveira Rocha no artigo intitulado “O desastre ambiental de mariana e os Krenak do Rio Doce”, o desastre ambiental ocorreu em 5 de novembro de 2015 com o rompimento da barragem do Fundão contendo rejeitos de minério pertencente à mineradora Samarco S.A. localizada em Mariana, Minas Gerais. A ruptura liberou o equivalente a 20.000 piscinas olímpicas de água e lama tóxica, ou cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Imediatamente, 128 residências, no distrito de Bento Rodrigues foram atingidas. Depois disso, o mar de rejeitos, lama e água percorreu mais de 600 quilômetros, atingindo uma área de cerca de 10 mil quilômetros quadrados, no litoral capixaba – equivalente a mais de seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Afirmam os mencionados pesquisadores que o desastre é considerado o maior do gênero na história mundial nos últimos 100 anos, quanto ao volume de rejeitos despejados – 50 a 60 milhões de metros cúbicos.
Do ponto de vista socioambiental, ocorreu uma destruição de 663 km, com lixo se acumulando nos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce até chegar na foz do Rio Doce, onde adentrou 80 km2 ao mar, arrasando com as cidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Gesteira, a cidade de Barra Longa e outros cinco povoados no distrito de Camargo, em Mariana, causando morte na barragem e em Bento Rodrigues, totalizando 19 pessoas mortas ou desaparecidas, na grande maioria trabalhadores terceirizados pela Samarco S.A. e moradores de Bento Rodrigues. 1.200 ficaram desabrigadas.
Os efeitos do desastre trágico e devastador seguem sendo produzidos. Dentre os graves efeitos dessa catástrofe está a afetação da vida e da economia dos indígenas Krenak, além de Tupiniquins e Guarani, dada a piora geral de índices econômicos nos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, onde essas etnias habitam.
Afirmam os pesquisadores que “ o Rio Doce que banha a Terra Indígena Krenak é muito mais que um simples recurso aquífero, se impregnando de valor simbólico, cosmológico e religioso para os Krenak.”
Em entrevista, Ailton Krenak afirmou:
“Não foi um acidente. Quando eu ouço perguntarem sobre ‘o acidente’ de Mariana, eu reajo dizendo que não foi um acidente. Foi um incidente, no sentido da omissão e da negligência do sistema de licenciamento, supervisão, controle, renovação das licenças, autorização de exploração. O Estado e as corporações constituíram um ambiente promíscuo e delinquente, em que ninguém controla ninguém e no qual os engenheiros e os chefes de segurança, que informam os relatórios, também sabem que não tem consequência nenhuma se eles matarem um patrimônio inteiro, uma vila inteira ou, eventualmente, se matarem uma comunidade inteira. […] Watu, que é como nós chamamos aquele rio, é uma entidade; tem personalidade. […] O Rio Doce, o Watu, pode ser pensado como um lugar onde, na primeira metade do século XX, até a década de 1920, os Krenak viviam ainda com a inocência de ter um rio sagrado, carregado de significado, de símbolos, onde os espíritos da água interagiam com as pessoas – de onde as famílias tinham certeza de que podiam tirar comida, remédio”
Tristemente, o rompimento da barragem Samarco em Mariana, no caso específico dos índios Krenak, produz consequências maléficas para sua cultura, para sua existência, sua religiosidade. O vínculo ancestral dos Krenak com Uatú é profundo. Era em suas margens seus rituais e festas eram realizados, batizavam as crianças e tiravam ervas para remédios e material para o artesanato.
O envenenamento do Rio Doce, para os Krenak matou seu ancestral, eles consideram que Uatú morreu, como a perda de um familiar cujo corpo segue putrefato diante de todos.
Seu modo de vida, suas crenças, suas produções, sua filosofia, toda a complexidade de existência do povo Krenak foram profundamente comprometidas de uma forma que, dificilmente poderão retornar ao que eram na origem.
Os atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão em Mariana seguem buscando responsabilização penal, civil, ambiental e administrativa. E o povo Krenak busca, além de tudo isso, a reparação histórica e espiritual.
A responsabilidade das mineradoras, em relação aos Krenak, ultrapassa o aspecto simplesmente reparatório, ante a necessidade de restauração dos Direitos Humanos violados, uma vez que a contaminação e a morte, ainda que temporária, do “Uatú” compromete a própria existência física e espiritual daquela população.
Portanto, o desastre de Mariana apresenta-se como um crime contra a humanidade praticado pelo imperialismo em diversas dimensões: ambiental, social, econômica, filosófica e, especialmente para o povo Krenak, existencial.
Diante do exposto, considerada a soberana decisão dos Jurados, JULGO PROCEDENTE o pedido, DECLARO ILEGÍTIMAS as falsas soluções apresentadas pelo sistema capitalista e CONDENO O IMPERIALISMO pelos crimes de Genocídio dos povos (Palestina), de indução à pobreza através de políticas de austeridade e Tratados de Livre Comércio (Tratado de Livre Comércio Mercosul e União Europeia), de guerra econômica com violação da soberania e da autodeterminação dos povos (Cuba e Haiti), e de racismo estrutural e ambiental (no Brasil contra a juventude negra do Rio de Janeiro e contra o meio-ambiente pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG):
Intimados os presentes. Traduza-se, publique-se e divulgue-se.
CONVOCO todos os povos, a classe trabalhadora organizada nos Movimentos Sociais, as mulheres, os indígenas, os negros, a comunidade LGBTQIA+, os habitantes do Sul Global, enfim, todos os povos subalternizados a se manterem permanentemente em LUTA contra o imperialismo e seus efeitos destrutivos sobre nossas vidas exigindo reparações até que o sistema neoliberal seja extinto e construamos uma sociedade baseada na solidariedade, caminhando a passos firmes com os olhos fixos no horizonte socialista.
Encerrada a Sessão do Tribunal Popular: o imperialismo no banco dos réus.
Rio de Janeiro, 15 de novembro de 2024
Simone Dalila Nacif Lopes
Juíza do Tribunal Popular