A Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo esteve reunida em Brasília entre os dias 29 e 31 de maio, coincidindo com a reunião de presidentes sul-americanos sediada pelo presidente Lula, no Brasil. Frente à declaração da cúpula dos chefes de Estado, chamada de “Cúpula de Brasília”, a Jornada Continental também lançou uma declaração no final do seu encontro, reforçando a importância da integração e da cooperação a partir dos e entre os povos.
CLIQUE AQUI para acessar a declaração em pdf
Reproduzimos, abaixo, a declaração:
A Jornada Continental pela integração e cooperação a partir dos e entre os Povos
A Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo, articulação de movimentos e organizações sociais, sindicais, camponesas, ambientalistas, feministas, de direitos humanos e pela soberania, reunida em Brasília de 29 a 31 de maio, saúda o retiro convocado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a participação dos presidentes dos governos do sul do continente.
Desde sua criação, em 2015, a Jornada Continental tem centrado sua preocupação e ação frente aos graves riscos e ataques às democracias e aos direitos dos povos da América Latina e do Caribe. A ofensiva conservadora e autoritária que tem atingido a região e o mundo concentra seu ataque na destruição dos direitos coletivos e dos povos, na apropriação dos bens comuns em benefício das corporações transnacionais e do grande capital, na destruição da natureza e dos territórios e na criminalização das comunidades e organizações sociais que defendem seus direitos.
A região se depara mais uma vez com a urgência de atender às necessidades de milhões de pessoas que continuam vivendo na pobreza e na desigualdade, com precariedade, desemprego e informalidade de milhões de trabalhadores, com a destruição dos sistemas públicos de saúde, educação, água e saneamento básico. Uma região onde o avanço do agronegócio gera o deslocamento e a destruição dos sistemas de produção de alimentos e a desapropriação dos territórios de comunidades camponesas, indígenas, negras e quilombolas; com milhões de mulheres e homens e suas famílias sendo forçados a migrar em decorrência da destruição das economias e da falta de oportunidades. Nossas democracias não serão possíveis enquanto milhões de pessoas continuarem a ter seu direito a uma vida digna negado e a riqueza continuar concentrada nas mãos de poucos, o que nos torna a região mais desigual do planeta.
Na tradição solidária de unidade e luta de nossos povos, o internacionalismo e a ação além das fronteiras de nossos países sempre foram uma constante. A integração a partir dos povos é o caminho para a construção de um projeto democrático de soberania que responda à diversidade de histórias, culturas, línguas e tradições de luta que fazem de nós a Pátria Grande. Fortalecer essa visão e referência é fundamental neste tempo complexo para a região e o mundo. Atender às necessidades urgentes de nossos povos e avançar na defesa dos bens comuns para enfrentar crises como a das mudanças climáticas exige o fortalecimento das relações de complementaridade e solidariedade entre nossos países.
O presidente Lula convocou os presidentes da América do Sul para intercambiar ideias e identificar possíveis caminhos para a retomada da integração regional. Coincidimos com o companheiro Lula que nenhum país da região, por maior que seja sua economia e população, conseguirá avançar sozinho, nem superar os graves déficits que têm origem desde o período colonial. Sem ter superado ainda as graves consequências da pandemia, que causou mais vítimas fatais em nossa região do que em qualquer outra do mundo, é urgente enfrentar as crises estruturais que condenam nossos povos a viver na miséria.
A reunião de presidentes emitiu uma declaração denominada “Consenso de Brasília”, que reflete uma ampla gama de assuntos considerados prioritários para a retomada de uma agenda de integração regional que possa dar respostas a questões urgentes, não apenas do sul do continente, mas de toda a América Latina e Caribe. Ressaltamos que o fortalecimento da democracia e a promoção do desenvolvimento econômico e social só serão possíveis se forem superadas as fórmulas de livre mercado e a financeirização da economia e da natureza que prevalecem na região. Também é necessário articular as demandas pelo reconhecimento das dívidas históricas que o Norte global tem com nossos países e do caráter injusto e ilegítimo das dívidas que limitam qualquer possibilidade de desenvolvimento soberano. Há tarefas que devem ser encaradas com necessária prioridade e que, segundo a declaração, serão iniciativas adotadas imediatamente pela cooperação sul-americana, tais como como a luta contra a pobreza, a fome e todas as formas de desigualdade e discriminação.
Desde a Jornada Continental, saudamos o “Consenso de Brasília”, considerando que a partir desse encontros podem abrir-se possibilidades para que os governos posicionem a questão da integração como um assunto que está diretamente relacionado à política nacional e que, cada vez mais, determina questões essenciais da vida concreta. Nesse sentido, chama-nos a atenção a ausência de referência específica às ações dos povos, em suas diversas formas de representação social, como atores concretos da integração. Nesse sentido, respaldamos a afirmação do ex-presidente José “Pepe” Mujica, de que a integração não será possível se não tiver um significado concreto e real para os povos.
Como a Declaração aponta, a integração e a cooperação regional devem ser colocadas a serviço dos problemas urgentes de saúde, educação, trabalho e déficit de infraestrutura em nossos países e entre eles. É possível definir agendas de complementaridade produtiva ao longo e para além de nossas fronteiras, reunindo de forma solidária e cooperativa as capacidades de produção e transformação para gerar formas sustentáveis de economia que atendam às necessidades da população e preservem nossos bens comuns, e para isso é fundamental a participação ativa das comunidades, organizações de trabalhadoras/es, camponeses, povos indígenas, quilombolas e outras formas de organização social.
Consideramos importante retomar a institucionalidade da integração regional, como parte do processo de recuperação após a ofensiva conservadora que tentou destruí-la. No entanto, acreditamos que os problemas do período anterior devem ser resolvidos, especialmente no que diz respeito à presença efetiva dos diferentes setores e organizações sociais que, a partir de diferentes experiências, tem construído a integração a partir dos povos.
A partir da Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo, aceitamos o chamado feito pelo companheiro Pepe Mujica para fazer parte de um novo momento de integração e cooperação regional. As diferentes organizações e movimentos sociais que compõem a Jornada Continental serão mobilizados nessa tarefa nos próximos meses e queremos reafirmar com o ex-presidente Mujica que “não há cúpulas sem montanhas nas quais se apoiar, e essas montanhas são os povos”.
Brasília, 31 de maio de 2023
A Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo é integrada pela Confederação Sindical de Trabalhadoras/es das Américas (CSA), Marcha Mundial das Mujeres (MMM), Coordenadora Latinoamericana de Organizaciones do Campo (CLOC VC), Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC), Capítulo Cubano de Movimentos Sociais, Movimento de Atingidas/os por Barragens da América Latina (MAR), ALBA Movimentos, Alliança Popular pela Justiça Global (GGJ), Jubileo Sul Américas (JSA), CUT Brasil e PITCNT Uruguai.