Após o cessar-fogo: seguimos na luta para desmantelar o apartheid e pelo fim do genocídio do povo palestino

O cessar-fogo é um respiro meio a devastação, assim como um passo relevante para pôr fim à perda de vidas e ao sofrimento generalizado que o povo palestino vive, especialmente na Faixa de Gaza. Mas lembramos que o cessar-fogo não marca o fim do genocídio e do ecocídio, tampouco constitui verdadeira justiça. A ocupação israelense segue desapropriando, matando e destruindo. A celebração do cessar-fogo não pode ser sinônimo da normalização do sistema de apartheid imposto pelo Estado de Israel, e urge que este seja responsabilizado por seus crimes. 

A Amigas da Terra Brasil, integrante da Amigas da Terra Internacional, recebeu com alívio a notícia do novo acordo de cessar-fogo. Por mais que este passe por um processo de intensa fragilidade, ameaças e contradições, ele é fundamental para assegurar melhores condições na construção da luta palestina. Expressamos o sincero reconhecimento a todos nossos grupos membros, pessoas aliadas e simpatizantes, por nos apoiarem na defesa dos direitos de pessoas palestinas e por lutarem conosco por justiça na Palestina.  Nos solidarizamos à causa e seguimos no compromisso de fortalecer o apoio à Pengon – Amigas da Terra Palestina e à luta do povo palestino por sua dignidade, soberania e território.  

Apresentamos as nossas mais profundas condolências às inúmeras famílias que perderam entes queridos e às pessoas que foram deslocadas ou feridas. A devastação causada em territórios palestinos foi profunda e afetou todos os aspectos da vida, incluindo o acesso a serviços essenciais, à educação, à alimentação, saneamento, água e à dignidade humana básica. 

O povo palestino denuncia há décadas que vive sob um regime de apartheid imposto por Israel, tanto nos territórios palestinos ocupados quanto dentro das fronteiras do estado israelense. Denuncia, também, a normalização desse cenário por parte do estado sionista e seus aliados. O cessar-fogo não pode levar novamente à invisibilização e normalização da situação.  

Apartheid, conforme definições na Convenção de Apartheid e no Estatuto de Roma, é um crime contra a humanidade que consiste em cometimento de “atos inumanos com intenção de  manutenção de uma dominação racial de fato e institucional sobre outro grupo étnico sistematicamente oprimido”.  Ainda que a opressão de grupos étnicos esteja presente em várias partes do mundo, a situação imposta por Israel hoje se enquadra na definição pois além da opressão de fato, ela é também de direito. Israel se define como um estado judeu em sua constituição, e conta com pelo menos 35 leis discriminatórias contra palestinos, como impedimento à reunião familiar, confisco e limite à obtenção de terras, restrição à liberdade de locomoção com os muros da Cisjordânia e o sítio a Gaza, aplicação de estatutos militares somente a pessoas palestinas, colonização judaica de áreas palestinas por meio da força, e impedimento do direito de retorno dos refugiados palestinos. O sistema de apartheid foi reconhecido em extensos relatórios pela Anistia Internacional, Human Rights Watch e até organizações israelenses de direitos humanos como a B’tselem, e pela Corte Internacional de Justiça em julho de 2024, que declarou a violação do artigo 3o da Convenção contra todas as formas de discriminação por parte de Israel. 

Após 472 dias da intensificação de um genocídio que, na verdade, é um pesadelo real vivido pelo povo palestino há 76 anos, numa Nabka ampliada, foi anunciado um cessar-fogo oficial no início de 2025. Mas é preciso ir além. Lembramos que a memória não pode ser apagada:  Escolas, hospitais, ambulâncias e campos de refugiados palestinos foram bombardeados sem trégua pelo Estado de Israel antes do cessar-fogo. Gaza teve a luz e a internet cortadas. A falta de água e o bloqueio da chegada de alimentos, medicamentos, combustível e suprimentos para a população sangraram o cotidiano no território, onde o povo palestino e muitas crianças lutaram para sobreviver entre lonas e escombros, juntando corpos a sua volta. 

Ao destruir as condições necessárias à vida, o genocídio de Israel, financiando e armado pelo Ocidente colonial, reduziu intencionalmente a Faixa de Gaza, que ocupavam ilegalmente, a uma zona inabitável. Neste cenário de destruição, mesmo após o cessar-fogo, a perda massiva de vidas palestinas pode ter continuidade na fome, na propagação de doenças infecciosas, na falta de estruturas e na tentativa de forçar os palestinos ao exílio. Em Gaza, 19 anos de bloqueio transformaram o local na maior prisão ao ar livre do mundo, onde 2,3 milhões de pessoas não têm acesso a água potável, eletricidade e material médico. 

Desde que entrou em vigor, no dia 19 de janeiro, o acordo de cessar-fogo é constantemente ameaçado e violado pelo estado de Israel, que obstrui entregas essenciais de ajuda humanitária e suprimentos em Gaza. Além disso, vale lembrar que, dias depois do cessar-fogo, Israel lançou uma operação militar em grande escala na Cisjordânia. Atualmente, estão intensificando sua atividade militar em distintas zonas, principalmente no norte, além de isolar povos e cidades mediante o uso de mais de 898 portões e postos de controle que foram instalados. Os ataques seguem em curso, enquanto Trump fala abertamente de anexar a Faixa de Gaza mediante a expulsão de todas as pessoas palestinas. O que deixa transparecer aquela que sempre foi a intenção de Israel e de seu aliado incondicional EUA: a limpeza étnica, deslocamento forçado total de todo o povo palestino e a expansão do território israelense militarmente e por meio do colonialismo de assentamentos.  

A magnitude da destruição é assombrosa. Infraestruturas vitais foram danificadas, deixando sobreviventes navegarem por uma paisagem de dor, medo e ruína. À medida que as famílias começam a regressar ao que resta de seus lares, elas enfrentam a dolorosa realidade da perda e a difícil tarefa de reconstruir suas vidas a partir das cinzas. Essa era a realidade muito antes do genocídio e agora, mesmo depois do cessar-fogo, as consequências da devastação intensificaram dificuldades do povo palestino, fazendo com que Gaza tenha que suportar limitações ainda maiores. 

A ação, assim como a solidariedade internacional contínua, são urgentes para desmantelar de fato o genocídio e o apartheid social impostos pelo Estado de Israel. Sem uma pressão massiva, a notícia do cessar-fogo pode passar a impressão equivocada de que a paz foi alcançada. Mas a luta não findou. O genocídio pode assumir formas menos visíveis, o que facilita o caminho de desmobilizar a indignação regional e mundial, assim como de fragilizar a perspectiva de boicotes e sanções à Israel, tão fundamentais para alcançarmos a justiça. Essa desmobilização serve aos interesses imperialistas e colonialistas de Israel e dos Estados Unidos, que lucram com a criação de verdadeiros laboratórios de extermínio nos territórios de vida. É preciso despender forças, pressionando para que os culpados sejam responsabilizados pelo genocídio, e para que todas as atrocidades cometidas não caiam em esquecimento e tampouco se repitam.

A liberação da Palestina e o desmantelamento do projeto colonial isralense é uma condição para que nossas lutas pela justiça climática e soberania alimentar sejam vitoriosas. Enquanto o ocidente blinda Israel da responsabilização, suas empresas Mekorot e Netafim, que roubam águas dos territórios palestinos, vendem para a América Latina soluções “verdes” para irrigação e gestão de águas através da privatização, ameaçando comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas e de agricultura familiar. Ao mesmo tempo, a Adama vende grande parte dos pesticidas e agrotóxicos para quase todos os países da região, contribuindo para a destruição ambiental e contaminação de nossa comida. 

Só uma pressão global massiva, especialmente sob a forma de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS), pode verdadeiramente contribuir para acabar com o genocídio de Israel e apoiar a luta palestina para desmantelar o apartheid. 

Para iniciar a mudança rumo uma justiça real, nossas exigências são: 

Solicitamos a todos os governos que: 

  • apoiem economicamente a reconstrução de Gaza baseando-se na soberania do povo palestino;
  • parem a exportação e importação de todos os tipos de armas, assistência militar e peças de reposição para Israel;
  • cumpram suas obrigações de sanções a Israel com base na decisão da Corte Internacional de Justiça e de seus líderes  investigados pela Corte Penal Internacional como primeiro passo para alcançar a justiça e responsabilização de Israel

Fazemos um chamado à comunidade internacional para que tome ações sólidas e tangíveis de apoio ao povo palestino:  

  • pressionando os governos para que apliquem as medidas mencionadas;
  • pressionando as empresas que se beneficiam da ocupação do Estado de Israel para que ponham fim às suas atividades nos nossos territórios, como Mekorot;
  • compartilhando as histórias de pessoas palestinas, de suas lutas e suas demandas por liberdade e pelo fim da ocupação
  • pressionando pelo fim da impunidade de Israel e de suas corporações, exigindo que, pelo bem de toda humanidade,  sejam responsabilizados por seus crimes – o que evita que estados coloniais poderosos possam tornar nações, comunidades, povos e países em zonas de sacrifício para o seu acúmulo de riquezas, 
  • Impedir que União Europeia e Estados Unidos voltem a invisibilizar globalmente o apartheid de Israel e que este normalize suas relações com ditaduras árabes
  • Que se intensifique a pressão pela solidariedade concreta por meio de ações de boicotes, desinvestimentos, sanções e medidas políticas

Seguimos na luta por uma Palestina Livre! 

Amigas da Terra Brasil,
Janeiro de 2025

 

Leia também o posicionamento e demandas da Campanha Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS):

Confira as demandas e posicionamento da Amigas da Terra Internacional 

Saiba mais sobre o nosso posicionamento 

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