A COP16 alcança avanços históricos para os povos indígenas mas a crise da biodiversidade se agrava meio a lavagem verde das empresas

Sábado, 2 de novembro de 2024, Cali, Colômbia – A COP 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) terminou esta madrugada sem soluções reais para deter a perda de biodiversidade, e  sem que as causas profundas desta crise tenham sido abordadas, é uma nova oportunidade desperdiçada para regular os impactos das grandes empresas sobre a natureza.

Após uma sessão que durou toda a noite, em que a COP adotou decisões importantes, a reunião foi suspensa por falta de quórum. Ficaram sem resolução decisões como a relativa a mobilização de recursos e um mecanismo financeiro, fundamentais para os países em desenvolvimento que necessitam de segurança em termos de financiamento para a implementação, assim como o Marco de Planejamento, Monitoramento, Relatórios e Revisão, essencial para garantir uma aplicação correta do Marco Global para a Biodiversidade.

A Amigos da Terra Internacional celebra que houve uma grande vitória para os povos Indígenas e para as comunidades locais, que agora terão um grupo de trabalho específico no âmbito da Conferência . A federação ecologista também parabeniza a aprovação de um novo plano de trabalho por parte da CDB que reforçará ainda mais o papel dos Povos Indígenas, comunidades locais e povos afrodescendentes na conservação e uso sustentável da biodiversidade. 

Contudo, ao mesmo tempo, as corporações encontraram formas de não serem reguladas e pressionaram fortemente a favor de falsas soluções, especialmente de compensação da biodiversidade. 

Nas palavras de Nele Marien, co-coordenadora de Florestas e Biodiversidade da Amigos da Terra Internacional: 

“As empresas têm pressionado muito para que se adotem todos os tipos de soluções, especialmente de compensação por biodiversidade, que tem muito apoio. Elas acreditam que podem seguir entrando em novos ecossistemas, novos territórios, e os destruindo, e simplesmente prometem que vão compensar. Isso é simplesmente impossível, porque não temos espaço no mundo para isto. A compensação da biodiversidade é um mecanismo que perpetua ainda mais a destruição, mina os direitos humanos e prejudica a justiça ambiental”.

O financiamento da biodiversidade e os mecanismos para o alcançar também tiveram lugar destacado na agenda. Argumenta-se que o financiamento ao Sul Global, manifestamente insuficiente, se completará com fundos privados procedentes de interesses empresariais e com a compensação da biodiversidade, como expresso em muitos eventos paralelos.  No entanto, o verdadeiro desastre financeiro – os 7 bilhões de “inversão” em atividades destrutivas ao ano – esteve ausente nos debates. 

A Amigos da Terra Internacional também está muito preocupada com o “ciclo negativo” entre as crises do clima e da biodiversidade. A biodiversidade está sofrendo imensamente os impactos do clima e, no entanto, os responsáveis por políticas climáticas seguem projetando a biodiversidade como fonte de compensação de carbono. Além do mais, a CDB não avalia  todos os impactos negativos de muitas políticas climáticas que prejudicam a biodiversidade. 

Em relação ao Órgão Subsidiário aprovado e ao grupo de trabalho para os Povos Indígenas, as comunidades locais e os povos afrodescendentes, Isaac Rojas, co-coordenador de Florestas e Biodiversidade da Amigos da Terra Internacional, enfatizou:  

Graças a este novo órgão e à aprovação do plano de trabalho, as futuras COPs trabalharão, entre muitas outras questões importantes, sobre posse da terra, os conhecimentos tradicionais e a governança dos Povos Indígenas. É um marco na luta dos Povos Indígenas por seus direitos. Os parabenizamos e compartilhamos o sentimento de alegria.  Mas temos que permanecer vigilantes, porque essas conquistas podem resultar em palavras vazias tendo em vista o impulso dado a várias falsas soluções”. 

Justamente sobre o  impulso dado às falsas soluções na COP 16, Mariann Bassey, de ERA – Amigos da Terra Nigéria e Food Affairs, lamentou: 

“Sempre esperamos ver ações reais, mas o que estamos vendo são falsas soluções. 

Estamos cansadas que as pessoas venham aqui, COP atrás de COP, e as coisas sigam iguais. Estamos cansadas de que as corporações se apoderem dos espaços onde deveriam falar os povos”. . 

Por último, Linda González, de CENSAT Água Viva – Amigos da Terra Colômbia, disse:

“As soluções para a crise da biodiversidade não são os créditos de biodiversidade. As soluções estão no reconhecimento da dívida histórica e ecológica que há com o Sul Global, e nas ações urgentes de reparação. Isso não foi abordado na COP 16”. 

A Amigos da Terra Internacional seguirá mobilizando-se com seus aliados em todo o mundo para assegurar que a vitória dos Povos Indígenas, comunidades locais e dos povos afrodescendentes nesta  COP seja totalmente respeitada. E para que assim seja, as corporações não podem seguir destruindo o planeta e oferecendo compensações em troca. 

Conteúdo originalmente publicado na Amigas da Terra Internacional

Informe “A natureza dos negócios” defende o fim da cooptação empresarial na COP15 do Convênio sobre a Diversidade Biológica (CDB)

A cooptação empresarial se infiltra e influencia a COP15 do Convênio sobre a Diversidade Biológica (CBD) e tenta fazer da natureza um negócio. Quem mais perde e perderá com isso são os povos e o meio ambiente. O novo informe da Amigos da Terra Internacional, intitulado “A natureza dos negócios”, convoca a UN Biodiversity a salvar a biodiversidade e a resistir à Captura Corporativa. Confira o material na íntegra: 

Informe “A natureza dos negócios”

A cooptação empresarial infiltra-se e influencia a COP15 da Convenção sobre Diversidade Biológica e tenta fazer da natureza um negócio.  Quem mais perderá com esse fato são os povos e o meio ambiente. 

De acordo com o informe de avaliação global da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e o relatório das Nove Fronteiras Planetárias, a biodiversidade está em perigo e o mesmo acontece com a vida na Terra.

Embora se saiba que as grandes empresas são um dos principais motores da crise da biodiversidade, muitas destas empresas afirmam que são parte da solução e estão à mesa das negociações; infiltram-se nos processos da ONU para assegurar que os seus interesses permaneçam protegidos e para que não existam “soluções” que prejudiquem os seus lucros.

A influência empresarial não é nada de novo, mas tem aumentado nos últimos anos. Tem sido estimulada pela necessidade de parecer responsável perante os consumidores e investidores interessados nas questões ambientais, pela sedutora possibilidade de lucros “verdes”, e pela atitude acolhedora do sistema das Nações Unidas em geral e especialmente da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Nestes fóruns, as grandes empresas são vistas como um interveniente necessário, em linha com a ideia de que sem as empresas (e o seu dinheiro) não podemos resolver os  problemas ambientais

Este informe com o título “A Natureza do Negócio”: A influência empresarial na Convenção sobre Diversidade Biológica e no “Marco Mundial da Diversidade Biológica”, estabelece as estratégias e táticas utilizadas pelas entidades empresariais na CDB. Também analisa em detalhe as muitas coligações empresariais e os seus membros, bem como as propostas de maquiagem verde (greenwashing) que eles elaboram.

Táticas e estratégias utilizadas pelas empresas para influenciar ou cooptar agências e processos da ONU

As grandes empresas utilizam uma variedade de táticas e estratégias para alcançar os resultados pretendidos nos processos da CDB. Em particular, formam coligações com nomes promissores para defender (e fazer lobby com) soluções sustentáveis que protegem os seus interesses comerciais, mas não fazem nada pelo meio ambiente.  Mecanismos de compensação (tais como “nenhuma perda líquida”, “ganho líquido”, “natureza positiva” e “soluções baseadas na natureza”), auto-relatórios, auto-regulação e auto-certificação são alguns exemplos.

Salvar a biodiversidade requer uma mudança transformadora, não uma cooptação empresarial

O envolvimento das grandes empresas na CDB é revelador de um conflito de interesses fundamental: como poderiam os principais responsáveis pela perda da biodiversidade – as mesmas empresas que têm de pagar dividendos aos seus acionistas – promover a transformação radical de que necessitamos? Será que aceitariam um espaço operacional restrito e receitas reduzidas como resultado?

A resposta curta é não; eles não o farão. E o impacto da influência empresarial na CBD COP15 já é evidente no projeto do Marco Mundial da Diversidade Biológica. Longe de ser transformadora, não aborda métodos de produção insustentáveis e permite que o negócio continue como de costume, que sigam fazendo os seus negócios como sempre. 

Recomendações do informe

Este informe é dirigido à ONU e aos seus estados membros para lhes lembrar que a sua prioridade máxima deve ser servir ao interesse público – incluindo todas as pessoas e seres não humanos do planeta – e abordar urgentemente a cooptação corporativa da CDB. Convida a ONU a:

– Rejeitar a pressão das grandes empresas
– Fortalecer a transparência em torno do lobby
– Limitar o papel do setor empresarial e  colocar um limite à sua participação
-Divulgar todas as relações e  vínculos existentes com o setor privado
– Estabelecer um código de conduta para as/os funcionárias/os da ONU
– Encerrar todas as parcerias existentes com grandes empresas e entidades comerciais
– Estabelecer um quadro juridicamente vinculativo de obrigações que possa responsabilizar as empresas pelas leis ambientais, de direitos humanos e de direitos laborais.

Acesse o informe na íntegra aqui! 

Conteúdo publicado originalmente no site da Amigos de la Tierra Internacional, em 05 de dezembro de 2022, em: https://www.foei.org/es/publicaciones/cooptacion-empresarial-naturaleza-negocios-informe/ 

 

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