Fim dos riscos Mina Guaíba e UTE Nova Seival?

Nota Pública do Comitê de Combate à Megamineração do Rio Grande do Sul (CCM):

Fim dos riscos Mina Guaíba e UTE Nova Seival?

O Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (CCM/RS), articulação formada por diversas entidades ecológicas, socioambientais, sindicais, associativas, movimentos sociais, assim como por grupos de pesquisadores/as das principais universidades do estado, vêm a público esclarecer algumas informações publicadas nos últimos dias na imprensa.

Segundo foi noticiado, a empresa Copelmi teria desistido do empreendimento minerário denominado Mina Guaíba (que seria a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil e faria parte de todo um complexo carboquímico na região do Delta do Jacuí), assim como da Usina Termelétrica Nova Seival (maior termelétrica a carvão mineral nacional, que queimaria 12.600 toneladas de carvão por dia para a produção de 726 MW, na região da campanha). Segundo seu diretor Cristiano Weber “não existe ambiente” e a empresa estaria iniciando um processo de “transição energética”.

Ora, a sociedade gaúcha fica extremamente feliz com a desistência da empresa! Contudo, é importante ressaltar e deixar claro que tal posicionamento não decorre de uma conscientização ambiental ou eventual percepção de que os empreendimentos a serem instalados trariam graves e severos prejuízos à natureza e aos modos de vida das comunidades que seriam atingidas por esses empreendimentos. As comunidades indígenas Mbya-Guarani e camponesas dos assentamentos da reforma agrária, cabalmente ignoradas pela empresa durante os licenciamentos ambientais, foram centrais no processo de resistência a esses dois grandes empreendimentos poluidores. Ou seja, em verdade trata-se de uma importante vitória que é o resultado de um amplo processo de mobilização e articulação popular. Esse movimento foi conduzido pelas diversas entidades que compõem o CCM/RS para combater a destruição da natureza e as agressões aos modos de vida da população gaúcha, que se via ameaçada por projetos de geração de energia  extremamente poluente e pouco eficiente.

Cabe ressaltar que a criação do CCM/RS e toda a mobilização em torno da questão, que atraiu atores sociais de fora do RS, inclusive, foi fundamental para a elaboração de todas as estratégias, pesquisas, seminários, repercussão social na imprensa e ações judiciais que pressionaram a empresa e o poder público, que já estava em vias de licenciar os projetos, alinhados a interesses de governantes do Estado.

Além disso, a empresa “esquece” que esses empreendimentos foram barrados por duas importantes sentenças judiciais, frutos da aliança entre a produção de pareceres técnicos qualificados e a litigância climática estratégica, que mostrou-se, nesses casos, uma importante ferramenta na luta da sociedade civil para buscar impedir e repelir os ataques e violações a direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que os empreendimentos acarretariam.

Ainda, o posicionamento da empresa deixa clara a intenção de esquivar-se de responsabilização pelas diversas inobservâncias à legislação climática, em âmbitos nacional e internacional, já que foram cabalmente ignoradas a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC, Lei nº 12.187/09) e a Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas (PGMC, Lei Estadual 13.594/09), assim como as diretrizes da Convenção 169 da OIT, que garante o direitos à consulta e consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas. Demonstra também a impossibilidade de comprovar a viabilidade ambiental destes empreendimentos, não tendo sido capaz de preencher as inúmeras lacunas e omissões presentes em seus Estudos de Impacto Ambiental, apontados pelo conjunto de pesquisadores e técnicos do CCM/RS.

Por fim, importante mencionar que a Copelmi requereu a extinção dos processos sem a análise do mérito, mesmo já havendo duas sentenças condenando a empresa pelas práticas irregulares no decorrer do licenciamento ambiental da UTE Nova Seival e da Mina Guaíba.

Em síntese, a empresa pretende eximir-se de suas responsabilidades pelas violações e pelos danos causados ao meio ambiente, conforme já reconhecido em sentenças proferidas pela 9ª Vara Federal de Porto Alegre. A Copelmi busca, ao fim e ao cabo, evitar que os seus recursos de apelação sejam devidamente analisados e que as decisões contrárias já existentes contra si não se tornem jurisprudência do TRF4 para, futuramente, talvez viabilizar o licenciamento de outras atividades tão poluentes e agressivas ao meio ambiente quanto estas, o que é inadmissível.

Vale sempre relembrar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma garantia constitucional, prevista no art. 225 da Constituição Federal, sendo, portanto, um direito de todos usufruir do ambiente natural, assim como é um dever de toda a sociedade protegê-lo. Em defesa dele, portanto, o CCM/RS reafirma seu compromisso com o povo gaúcho de lutar para que não sejam mais abertos projetos de megamineração e termelétricas movidas a carvão mineral em nosso estado.

A mobilização/articulação popular, a comunicação e disputa do debate público, a construção de análises e pareceres científicos e a litigância climática estratégica nesses casos foram – e ainda são – um importante mecanismo de controle e fiscalização social acerca das potenciais violações a esse direito fundamental.

É importante ressaltar que o momento de atuação da sociedade organizada foi preciso e estratégico, para além da proteção dos territórios de vida ameaçados. Dentro do debate global pela redução do uso de combustíveis fósseis, garantimos a não expansão da cadeia do carvão no Brasil, em um contexto de emergência climática que se agudizou profundamente desde que começamos estas lutas, e que teve sua expressão máxima, até o momento, nas enchentes de maio de 2024 que atingiram todo o estado do Rio Grande do Sul. Caso a Mina Guaíba tivesse sido instalada, a cava da mina teria sido inundada, e a água, além de ter destruído centenas de casas e exposto a população à contaminantes sanitários, teria carreado a drenagem ácida da mina, junto com seus metais pesados, para dentro das casas das pessoas, para as captações de água de abastecimento, para o solo agrícola da região, e para o Parque Delta do Jacuí, causando contaminação e impactos ao ambiente e à saúde de difícil mensuração.

O setor carvoeiro, ignorando os limites climáticos do planeta, segue com um forte lobby para manter as operações das termelétricas de Candiota (as mais poluentes do Brasil, altamente subsidiadas e que são responsáveis pelo encarecimento da nossa conta de luz, pelo consumo de milhares de litros da água da região e pela emissão de altas quantidades diárias de GEE). O setor recebeu, recentemente, inclusive o apoio do governador Eduardo Leite, que havia tentado pintar uma imagem verde, mas parece que agora volta atrás. Sua narrativa usa como desculpa que a região precisa passar por uma transição “justa” antes de encerrar a operação das usinas, cooptando e esvaziando o termo da luta dos trabalhadores. Claro que apoiamos e queremos construir uma transição justa e que esse processo não deixe os trabalhadores para trás. Porém, entendemos que a transição deve ser justa para todos, para os trabalhadores, mas também para as comunidades locais impactadas pela poluição e para a humanidade e a natureza cada vez mais ameaçada pelos imprevisíveis efeitos do clima. Além disso, o que se vê, na prática, não é uma transição para uma economia mais ecológica e justa na região, mas uma tentativa de postergar a queima do carvão no RS até 2040 ou 2050.

Diante disso, seguimos atentos e vigilantes para todas as formas de degradação e poluição ambiental, como meio de garantir e preservar a natureza e os modos de vida das comunidades indígenas, camponesas e tradicionais. Proteger e lutar contra a exploração do carvão significa defender direitos ambientais, econômicos, sociais, culturais e, em primeiro lugar, a vida para esta e as futuras gerações do planeta.

Por fim, gostaríamos de agradecer a todas e todos que se envolveram nos últimos  anos nessas lutas e que evitaram que o Rio Grande do Sul fosse palco de destruição por esses empreendimentos poluidores! Reafirmamos que estamos e seguiremos atentos e vigilantes às narrativas falaciosas da empresa e que seguiremos resistindo à megamineração e aos projetos que insistem em negar a necessidade de mudanças paradigmáticas para evitar o colapso ambiental e climático que se avizinha!

À sociedade gaúcha, o nosso muito obrigado.

Contem conosco e venham reforçar a nossa luta comum!

#CarvãoAquiNão!

 

O grito Mineração Aqui Não mostra sua força em São José do Norte (RS)

Mineração: Projeto Retiro, iniciativa da empresa Rio Grande Mineração S.A. (RGM) para mineração de titânio, segue colocando em risco territórios de vida em São José do Norte (RS). A comunidade local segue mobilizada pela preservação da agricultura familiar, da pesca artesanal, da qualidade da água, do território quilombola, e pela garantia de seus direitos. 

Em abril deste ano, o Movimento Mineração Aqui Não organizou um ato histórico, narrado no vídeo acima. No momento, uma das pautas defendidas pelo povo em luta era que o Ibama, responsável pelo licenciamento do Projeto Retiro, não sentasse na mesa de negociações com a empresa sem ouvir a população. A organização e pressão popular garantiram uma primeira reunião e a abertura de um diálogo com o órgão federal. 

Apesar da chuva intensa a carreata realizada contou com mais de duas centenas de carros, caminhões e veículos agrícolas, percorrendo cerca de 100 km de extensão (área do município que seria impactada pela mineração em todas as suas fases), chegando na cidade foi realizada uma caminhada e um ato público no centro, onde as vozes da população e de organizações aliadas como Amigas da Terra, MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração e Comitê de Combate à Megamineração no RS ecoaram em defesa da região e de sua diversidade de vida, dizendo não à mineração. O projeto representa forte ameaça à saúde das pessoas, águas, ar, solo, fauna e flora, para produção de alimentos, pesca e cultura local. Além disso, impacta diretamente comunidades tradicionais de pesca artesanal e o Quilombo Vila Nova.

Hoje, novas informações surgem para o povo em luta. A empresa australiana Sheffield Resources assinou contrato que permite a compra de 20% do projeto, de parte que não está em licenciamento, cabe lembrar que o Projeto Retiro é apenas uma parte de um projeto maior chamado Atlântico Sul. Este contrato é considerado pela australiana como parte de sua estratégia de “montar um portfólio” de ativos de projetos de areias de metais pesados. “Há tempos moradores relatam pessoas falando inglês andando por São José do Norte. Em geral, empresas juniores do setor atuam prospectando mercado e vendendo para empresas maiores (majors), que entram na parte de execução dos projetos, pois se desgastam menos no processo. No soslaio histórico de como atuam as empresas nos processos minerários, é possível que a RGM, responsável pelo projeto, fique com pequena fatia deste, vendendo a maior parte para corporações estrangeiras”, analisa o pesquisador Caio dos Santos, do Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil. Novas ameaças aos territórios de vida surgem, que podem afetar a autonomia local e intensificar o cenário de dependência econômica vivida no Sul Global. 

Enquanto a mineração se entranha em comunidades levando a devastação e a morte, das entranhas destes territórios a mobilização popular segue gritando por suas águas e pela vida. Em São José do Norte, a resistência parte de uma coletividade organizada por meio do Movimento Mineração Aqui Não, e representa a voz da maior parte da população urbana e rural do município. Famílias que vivem das águas e do solo da região, do cultivo e da pesca artesanal. Manter estas formas de vida preservadas, assim como as condições que as sustentam, tem valor para todo conjunto da população. Garantir a produção de alimentos, a qualidade das águas, a saúde, e os territórios tradicionais deve ser uma luta de todas, todes e todos.

A luta contra o Projeto Retiro em São José do Norte representa não apenas a defesa de um território específico, mas também a resistência contra um modelo de desenvolvimento predatório, que coloca em risco a vida e os meios de subsistência de comunidades locais, e que afeta o conjunto da classe trabalhadora brasileira que é saqueada pelo atual modelo mineral do país. A mobilização popular é o recurso dos povos para a proteção dos bens comuns e dos direitos das gerações presentes e futuras. Seguimos!

Clique aqui e saiba mais sobre a luta em São José do Norte

A ofensiva do carvão no RS: precisamos mudar o sistema

O carvão é uma ameaça aos nossos territórios, aos direitos humanos e dos povos. Meio a emergência climática e a acelerada exploração da natureza, que se dá por meio do avanço de fronteiras como a do agronegócio e da mineração, se faz urgente a justiça climática, assim como as soluções pensadas a partir da realidade dos povos e territórios em luta. Eduardo Raguse, do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (RS), articulação de mais de 100 entidades da sociedade gaúcha, expõe a grande ofensiva da mineração no estado.

“A gente teve que se organizar para fazer frente a essa ofensiva e não permitir que o RS fosse a nova fronteira do atual modelo mineral do país. Dentro dessa luta, nos deparamos com a seguinte situação: 90% do carvão em território nacional existente, das jazidas de carvão, estão no RS. A gente tem essa responsabilidade num debate nacional a respeito do carvão. Entra na pauta energética e na pauta das mudanças climáticas. Parece absurdo a gente ter que falar em carvão ainda hoje, mas a gente tá tendo que fazer esse debate”, revelou.

O carvão é o modo de geração de energia mais poluente, também é uma das fontes de energia que mais gera gases de efeito estufa por unidade de energia gerada. “Comparando, por exemplo, com a energia fotovoltaica, apesar de todos os problemas da cadeia produtiva e dos resíduos, ainda assim a energia fotovoltaica vai liberar entre 30g e 80g de dióxido de carbono por quilowatt hora gerado. O carvão vai liberar entre 600g a 1600g. Só pra gente ter uma ideia da escala em que estamos falando”, explicou Raguse.

Contexto global

A nível global são mais de 4 mil usinas termelétricas movidas a carvão operando hoje, que são responsáveis por ⅓ das emissões globais de carbono. A contribuição do carvão a nível global para o aquecimento do planeta terra ainda é muito significativa. Para além disso, é consenso científico que as causas humanas (no caso, de alguns seres humanos que detém poder político, econômico e social – a classe capitalista/burguesia) estão levando o nosso planeta para um colapso iminente e urgente.

Para tentar limitar esse aquecimento planetário em 1,5 ou 2º, como propõe o Acordo de Paris, nenhum novo investimento em carvão poderia ser feito. Também deveria haver uma acelerada desativação das estruturas das minas e das termelétricas em todo mundo. Tudo isto até no máximo 2030. Mas, infelizmente, os dados demonstram que o cenário é justamente o oposto. “A demanda energética e o consumo de combustíveis fósseis tem crescido no mundo todo, a pandemia deu uma pequena retraída e aí a gente teve uma expectativa de que essa tendência fosse seguir. Mas 2021 já voltou com o carvão crescendo 9% no mundo e batendo o recorde histórico da produção, consumo e queima do carvão da nossa história”, evidenciou Raguse.

O aumento do  preço do gás, em função da guerra na Ucrânia que temos acompanhado, é um dos fatores que amplia o uso do carvão. Países como China, Indonésia, Tailândia e Japão seguem incrementando as suas unidades de geração de energia a partir do carvão. Alemanha e Áustria estão reativando unidades que já estavam desativadas. A Europa toda está importando muito carvão da África, da América do Sul, da Austrália. Aprofundando, também, o impacto da mineração nesses países exportadores de carvão. “Está bastante claro que a gente está longe de superar a dependência dos combustíveis fósseis e eu não estou falando nem de Petróleo, eu estou falando de carvão, que parece ainda mais possível de a gente avançar em ir acabando com essa indústria. Então a gente percebe que há um aumento na oferta de energia gerada a partir das eólicas, das solares a nível mundial, mas, ao mesmo tempo, não há uma retração das fósseis. Então, na prática, essa transição não está acontecendo, o que está acontecendo é uma nova oferta a partir de novas fontes energéticas, mas a nossa demanda energética a nível global só aumenta”, denunciou.

Para além do debate de transição na matriz energética, é imprescindível levar em conta que modelo de sociedade, de produção e de consumo defendemos. De acordo com Eduardo, estes fatores são  uma das chaves para puxar o freio de emergência do colapso da emergência climática – realidade que está cada vez mais escancarada no Brasil devido a fenômenos extremos, sejam secas históricas em algumas regiões ou chuvas sem precedentes em outras, que afetam de maneira desproporcional as populações marginalizadas, negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, comunidades pesqueiras e os povos tradicionais, quem menos causa impacto socioambiental.   ” Para piorar a situação, ainda por cima, esses novos projetos de geração de energia a partir do vento e do sol têm demonstrado atuar a partir da mesma lógica predatória que os próprios investimentos em carvão, em gás e em petróleo. Atingindo as comunidades tanto em função da demanda dos minérios e dos locais das minas, quanto nos locais em que são instaladas essas estruturas”, expôs.

Carvão e o contexto brasileiro

Eduardo Raguse participou da mesa “Transição energética Justa” durante o Seminário Direitos Humanos e Emergência Climática, que ocorreu em dezembro de 2023, em Brasília.

No contexto do Brasil, o Anuário Estatístico da Energia Elétrica de 2023 revela que apenas 1% da nossa geração de energia elétrica veio do carvão. Em contraponto, o carvão foi responsável por 32% das emissões de gás de efeito estufa do setor elétrico brasileiro. Quanto a matriz energética brasileira, mais de 80% já vem das hidrelétricas, da solar e das eólicas. Ou seja, o Brasil tem condições em termos de segurança energética para abrir mão do carvão. Não é feito devido aos interesses das empresas ligadas ao setor, assim como pela ineficiência do governo de conseguir apresentar alternativas económicas para as regiões carboníferas. É preciso pautar a redução da demanda energética.

“Também trazendo os dados de energia do Brasil. A geração eólica já, desde 2015, ultrapassa a geração do carvão. No ano passado, a energia fotovoltaica já passou também o volume de energia gerada do carvão. Gerou o dobro do que o carvão gera. Então essa questão de energia de base, que sempre foi a desculpa do setor carvoeiro para o Brasil, hoje já está caindo por terra em função do efeito portfólio da distribuição das usinas eólicas e solares pelo país, que consegue superar essas variações sazonais que esse tipo de energia tem”, comentou. 

A baixa eficiência da geração de energia a partir do carvão, aliada as suas altas taxas de emissão de gás de efeito estufa, já são motivo suficiente para a perspectiva de ir encerrando essas cadeias.

Contexto do carvão no Rio Grande do Sul

Dois projetos emblemáticos foram propostos no Rio Grande do Sul nos dois últimos anos, e os grandes impactos locais que esse tipo de estrutura gera também ficam evidentes.  “Analisando do âmbito do Comitê de Combate à Megamineração, os estudos de impacto ambiental de uma grande mina de carvão que foi proposta a 15km de Porto Alegre, um projeto chamado Mina Guaíba, que seria a maior mina de carvão a céu aberto do país, a gente percebeu que os estudos ambientais deixavam muito a desejar. Não traziam nenhum pouco de segurança quanto aos impactos que geraram, bem como, um projeto de uma nova usina termelétrica em uma outra região do Rio Grande do Sul, na região de Candiota, que da mesma maneira, analisando os estudos, a gente percebeu uma série de impactos que estavam subdimensionados, lacunas, uma série de problemas nesses relatórios.  Também percebemos nas Audiências Públicas como as empresas vendem esses projetos de uma maneira que é um grande marketing. Há um cerceamento ao direitos das comunidades de entenderem, de fato, como funcionariam esses projetos no futuro. E aí, muitas vezes vendem a ilusão de que os impactos não vão vir, somente o desenvolvimento. E a gente percebe que é justamente o contrário. O desenvolvimento que eles tanto prometem parece que nunca chega, mas os impactos com certeza”, explicou Raguse. 

Para além disto, a questão do carvão também tem um outro ponto bastante sensível, que são os problemas relacionados aos impactos à saúde, seja  humana, seja ambiental. Há uma série de estudos que correlacionam o carvão a problemas de saúde em rebanhos bovinos, decorrentes do flúor. Também há análises quanto à minação de ovos de galinha com chumbo, cádmio e o flúor. A genotoxicidade em amostras de carqueja, uma planta que existe no Rio Grande do Sul muito utilizada como uma planta medicinal, também são alarmantes. “Se encontrou genotoxicidade em uma planta que a pessoa toma para de repente se curar da dor de barriga. Também se encontrou genotoxicidade em células sanguíneas, fígado e rim de roedores nativos, um pequeno roedor que existe no sul que se chama tuco-tuco. Se identificou em trabalhadores de Candiota  significativo aumento de danos em células linfócitas e bucais. Tem estudos que avaliam comunidades que vivem nos municípios da região de Candiota, e já se conseguiu correlacionar a influência do material particulado do carvão a problemas hematológicos entre os residentes, com alterações nos parâmetros hematológicos em 43% da população, e em função do fígado em 30% da população. Sendo que a população mais atingida, segundo esse estudo, é o município de Pedras Altas, que sequer tem a Mina e Termelétrica que geram esse dano para o município, ou seja, que sequer recebem os impostos e tudo mais que deveriam receber”, expôs Raguse. 

Visado como novo setor minerário do Brasil, o estado do Rio Grande do Sul segue em mobilização e em luta para barrar as atrocidades minerárias e garantir direitos básicos, para além da preservação ecossistêmica. Através da atuação do Comitê de Combate à Megamineração, projetos como essa termelétrica e essa mina de carvão foram interrompidos até o momento.

“Nós estamos, literalmente, como dizemos no Sul, segurando o carvão a unha. Nesse entendimento de que já que insistem em propor esses projetos, nós vamos fazer um empate. A gente percebe que o lobby carvoeiro segue forte. Existem dois projetos de lei hoje tramitando no Congresso, um deles a gente tem chamado de PL do Carvão, que visa incluir o Rio Grande do Sul nesta lei de Santa Catarina, que se autointitula de Lei de Transição Energética Justa, mas que na nossa leitura está esvaziando esse conceito, porque ela basicamente aumenta a vida útil das termelétricas a carvão subsidiadas até 2040. E não estabelece metas para de fato uma transição, que por exemplo se vincule prazos ao acesso aos subsídios, por exemplo. E existe um outro PL, que é o PL das Eólicas Offshore, que também está buscando ser regulamentado. E tem um jabuti no artigo 23 que justamente inclui também, até lá, a priorização da energia do carvão até 2050 nesse projeto de lei que nós também precisamos debater. E só lembrando, o subsídio anual do carvão tá em 800 milhões por mês e isso quem paga somos nós né, porque encarece a nossa conta de luz”, denunciou Raguse. 

Como relata Eduardo: “Não tem saída dessa crise a partir de um sistema que está em crescimento infinito e que também então vai ter uma demanda energética infinita. Sem a redução na demanda, as energias ditas renováveis se tornam apenas mais um elemento de pressão sobre as comunidades. Temos que avançar com uma radicalidade e com um senso de urgência nesses próximos dez anos para buscar a descarbonização de nossa economia, um decrescimento também. Temos que falar sobre isso e superar esse paradigma do desenvolvimento sustentável. E isso tudo facilitado por uma distribuição de riquezas. As mudanças climáticas são inevitáveis, mas temos que atrasar, ou reduzir ao máximo o aquecimento da Terra. E que a gente possa caminhar o máximo possível na superação do capitalismo, afinal de contas, é disso que a gente tá falando: mudar o sistema e não o clima”.

Confira a fala de Eduardo Raguse, do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (RS), sobre o carvão no Brasil e no RS:

O audiograma é registro de participação de Raguse durante o Seminário Direitos Humanos e Emergência Climática, que ocorreu em dezembro de 2023, em Brasília.

Conheça as pautas do Comitê de Combate à Megamineração: 

  • O  abandono do carvão como fonte de energia, já na próxima década, com o impedimento de novos empreendimentos de mineração e queima;
  • Que se estabeleçam prazos claros para a desativação gradual das estruturas existentes;
  • Que se cumpram tais prazos e que os mesmos sejam vinculantes ao acesso aos subsídios que o setor recebe, que parte desses subsídios bem como recursos desses países que se desenvolveram a partir das energias fósseis que nos colocam nesse colapso, possam ser justamente investidos nessa transição energética justa real que a gente quer ver para esses territórios;
  • A Política Nacional sobre Mudanças Climáticas precisa ser revista, visando colocar uma data para o fim do carvão;
  • O arquivamento por esse projeto de lei que quer incluir o Rio Grande do Sul nesta lei de Santa Catarina, bem como, tirar esse jabuti do PL das Offshore
  • Incluir nos licenciamentos ambientais de todos tipos de atividades que gerem gases de efeito estufa, esse critério de licenciamento, e que isso possa ser considerado para os deferimentos ou indeferimentos desses empreendimentos
  • Redução da demanda energética. Sem isso não tem saída. Mudar o sistema e não o clima.  

 

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