As políticas ambientais e climáticas no Brasil

Uma das promessas de campanha de Lula foi a preservação do ambiente natural. Ainda antes da posse, durante a COP27 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), no Egito, afirmou compromissos com o combate ao desmatamento, aos crimes ambientais, à desigualdade social e à violência na Amazônia. Ao se diferenciar dos anos de negacionismo climático do Governo Bolsonaro, afirmou: “Essa devastação ficará no passado. Os crimes ambientais que cresceram no governo passado estão chegando ao fim. Serão agora combatidos sem trégua”.

Cumprindo com sua promessa, no dia 1º de janeiro assinou o decreto 11373/2023, que extinguiu o Núcleo de Conciliação das multas ambientais. O núcleo havia sido criado por Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, por meio do decreto 9.760/2019, que suspendia a cobrança das multas até que fosse realizada audiência de conciliação. Contudo, quase não se estruturou o órgão, levando a uma fila de conciliações que resultaram, na prática, na anistia de multas ambientais no governo Bolsonaro.

Ainda nos primeiros meses de governo, a ministra Marina Silva retomou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O plano havia sido uma das prioridades apontadas pelo Grupo de Trabalho da Transição do governo Lula. Sua aplicação vem sendo conduzida por meio de processos de abertura à participação da sociedade civil, de consultas públicas e de um Conselho Participativo. As metas previstas são bem concretas, com medidas a serem adotadas até os anos de 2025-2027.

Como já temos destacado em colunas anteriores, a preservação ambiental caminha lado a lado com a garantia dos direitos territoriais e à terra, dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais. Por isso, atribui-se também ao bom resultado dos dados a força tarefa organizada pelo governo de combate ao garimpo ilegal dentro dos territórios indígenas, em especial à questão da invasão do território Yanomami. As operações da Polícia Federal já destruíram 10 garimpos ilegais e aplicaram mais de R$ 4,5 milhões em multas.

A retomada da agenda progressista ambiental pelo governo, porém, sofre com alguns entraves, além dos problemas tão suscitados no orçamento. O primeiro deles é a composição conservadora do Congresso Nacional. Nas últimas semanas, assistimos a uma pressão exercida por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, sobre o governo. As ameaças vieram com a necessidade do governo de aprovação da Medida Provisória dos Ministérios (MP 1154/23), enfrentada pela proposta de modificações ao texto apresentadas pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL). As alterações do deputado incidiram diretamente sobre o Ministério do Meio Ambiente e Clima (MMA) e sobre o Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Diante das pressões, o governo cedeu às proposições, apresentando parecer favorável à proposta.

As modificações aprovadas incidem sobre a agenda socioambiental. Isso porque retiram do MPI a competência para a demarcação das terras indígenas, retornando à política anterior dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A medida afeta a autonomia dos povos indígenas; contudo, segundo a ministra Sônia Guajajara, há o entendimento que o governo seguirá mantendo o compromisso com a continuidade do processo demarcatório.

Mas já prevendo que outros mecanismos seriam necessários para barrar as pautas indígenas, a ala conservadora do Congresso partiu para a aprovação do PL 490/2007 na Câmara. O PL trata da tese do marco temporal, defendida por ruralistas; determina que os indígenas só terão direito às suas terras se estivessem na posse das mesmas na data de 5 de outubro de 1988, dia promulgação da Constituição. O texto ignora completamente a expulsão violenta dos territórios a que os povos indígenas foram submetidos historicamente e, também, antes e depois de 1988.  Além disso, libera mineração e exploração econômica em terras indígenas e, na prática, viola o direito dos Povos Indígenas à Consulta Livre Prévia, Informada e de Boa Fé garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Dentre as mudanças aprovadas, impactos na política de proteção ambiental são sentidos. O MMA perde a competência para controlar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que irá para o Ministério da Gestão. O CAR é o registro obrigatório para imóveis rurais e um dos instrumentos utilizados para mapear áreas griladas e desmatadas, além de oferecer um diagnóstico das disputas por terras a partir das inúmeras sobreposições de informações prestadas por grileiros de terra para tentar legitimar sua posse. Ainda, a gestão da Agência Nacional de Águas (ANA) vai para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, e os sistemas de informação sobre saneamento básico e gestão de resíduos sólidos, para o Ministério das Cidades. A manobra é idêntica à utilizada pelo Governo Bolsonaro para esvaziar as competências fiscalizatórias do MMA e fortalecer, política e economicamente, outros ministérios com áreas com orçamento relevante. Preocupa, ainda, o fato de que temas que estão sendo alvo de processos de privatização, como o saneamento básico, e de um modo geral, as águas, fiquem sob ministérios de indicação da direita.

Na agenda ambiental, vale destacar ainda a queda de braço entre Marina Silva e o governo pela exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas pela Petrobras. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) negou o pedido com base no risco à biodiversidade, tendo em vista que a área é composta por manguezais e mamíferos aquáticos. No entanto, o Ministério de Minas e Energia e parlamentares da base do governo, ignorando o compromisso com a consulta e participação social dos povos amazônidas diretamente atingidos pelo megaprojeto de exploração petrolífera, reivindicam um melhor equilíbrio entre a produção de petróleo e a preservação da biodiversidade.

Também na Amazônia, povos têm se reunido para denunciar a continuidade dos impactos dos projetos e programas de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que visam compensar as emissões de gases do efeito estufa, utilizando-se de áreas preservadas, compondo o mercado de carbono e as chamadas “soluções baseadas na natureza”. Esses projetos e políticas, mais recentemente reapresentados como uma estratégia de “bioeconomia”, com a simpatia da base do Governo Federal, além de falsas soluções à crise climática representam, na prática, a emissão de créditos de poluição – da queima de petróleo, do desmatamento e contaminação do agronegócio e da mineração -, enquanto restringem o uso da terra pelos povos que de fato preservam a floresta, seguindo o modelo de “desenvolvimento” baseado na compensação dos danos ambientais sob o viés do mercado.

No Acre, têm sido registradas violações de direitos dos povos pelas políticas de financeirização da natureza há mais de uma década. Assim mesmo, projetos privados e políticas jurisdicionais seguem avançando na Amazônia em geral, em especial nos estados do ParáTocantins e Mato Grosso. Tanto o caso da exploração de petróleo como as soluções da economia verde turvam o campo progressista do governo, reproduzindo um pensamento social que entende a superação das mazelas da realidade brasileira investindo no avanço das forças produtivas sem aprender com e integrar, de fato, a economia dos povos da floresta, respeitando seus direitos, como estratégias para inserção do país no mercado internacional.

Para esse discurso, a Natureza e suas gentes são passíveis de serem compensados numa redistribuição econômica dos lucros dos projetos. Contudo, a questão é muito mais complexa; em geral, as injustiças ambientais permanecem afetando as populações menos responsáveis pela crise climática, cada vez mais presente e emergente. Como os exemplos sugerem, a solução vai muito além de um problema de clima e carbono, pois é sobretudo um problema de modelo de produção, o capitalismo, e as relações sociais que dele decorrem, para as quais os povos originários já apresentam soluções reais e, por isso, seguem sendo atacados.

Assim, a corda do governo, nas questões socioambientais, está esticada entre sua própria base, entre os desafios de uma governabilidade em uma composição de frente ampla e na presença majoritária de conservadores no Congresso Nacional. A bancada ruralista e os conservadores parecem querer seguir consolidando retrocessos socioambientais do governo Bolsonaro, negociando agendas com o governo. Os conservadores no governo pretendem seguir com suas fatias de benefícios às elites brasileiras. E os nossos, parecem ignorar a reprodução da dependência, numa corrida pela repetição do desempenho econômico do primeiro ano do governo Lula.

Porém, depois de tanto aprendizado, nessa nova fase do jogo político, é o povo quem sustentou e segue sustentando a democracia, a mudança dos ares no Brasil, a reconstrução do país, os discursos e narrativas que incluem e valorizam todos os povos e que precisam se concretizar, na prática, também nas políticas por justiça ambiental e climática do governo Lula.

Em meio a todas as disputas, os povos organizados encontram sabedoria para explorar as conjunturas e correlações de forças e seguir na defesa da democracia e na luta por seus direitos. Inclusive nos espaços internacionais que terão a Amazônia como centro, como a reunião dos Presidentes dos países Amazônicos em Agosto deste ano e a COP 30 do Clima em 2025, em Belém do Pará.

Texto publicado originalmente no Jornal Brasil de Fato, no link: https://www.brasildefato.com.br/2023/06/22/as-politicas-ambientais-e-climaticas-no-brasil 

COP 27 encerra com acordo sobre fundo de ‘perdas e danos’, mas sem uma definição formal para reduzir o uso de combustível fóssil

Apoio financeiro para países em desenvolvimento impactados pelas mudanças climáticas é considerado acordo histórico, mas contém cascas de banana.

As divergências entre países para completar o texto final das negociações impediram que a 27ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, em Sharm El-Sheikh, no Egito, acabasse na sexta-feira (18), data prevista para o encerramento do encontro. A plenária final ficou para a manhã de domingo, dia 20. A dificuldade para definir acordos tem feito com que as discussões sobre o regime climático avancem para além dos dias programados para o evento, e já se tornou uma “tradição” das Conferências. Em 2022, estiveram no centro dos debates agendas há muito reivindicadas pelos países do Sul global, os que menos contribuíram historicamente para as mudanças climáticas e os que mais são afetados por elas: Financiamento, Adaptação, Perdas e Danos. A divergência está em quem paga a conta pelas mudanças climáticas, isto é, os países ricos maiores causadores do problema, ou aqueles que já estão sofrendo com os impactos das mudanças climáticas.

O texto final da COP 27 foi divulgado com progresso sobre perdas e danos. Além de a pauta ter sido incorporada à agenda do evento (uma luta até o último minuto), as nações com altas emissões concordaram com a criação de um fundo de financiamento para perdas e danos. A decisão, considerada histórica, foi recebida sob aplausos na sala de conferências. No entanto, o evento foi encerrado sem informar qual será o valor destinado ao fundo, nem as metodologias que serão usadas para captar recursos e operacionalizar o fundo, o que deve acontecer no próximo ano, quando deve ser apresentada a regulamentação do Fundo. O que, sim, já sabemos é que o documento final prevê um papel especial para a iniciativa privada e para a filantropia climática, em uma articulação com os bancos multilaterais de desenvolvimento e grandes investidores institucionais.

A cooperação oficial internacional para o desenvolvimento, já há muitos anos cambaleante, torna-se definitivamente fora de moda. No horizonte, já não mais estão os empréstimos entre países a juros baixíssimos, muito aquém dos praticados no mercado de capitais, ou mesmo a fundo perdido. Estamos diante de uma transformação da macrofinança global, por meio da qual o desenvolvimento deve se tornar lucrativo para quem o financia. O esforço de reconstrução de países vitimados por eventos climáticos extremos fica refém do sistema financeiro, uma vez que essa agenda histórica (e tão demandada pelos países em desenvolvimento) vai sendo descaracterizada pela entrada de empresas seguradoras e dos grandes investidores cujo interesse está no lucro e não na vida das pessoas. Por isso, fica ambígua a designação de quais países irão realizar repasses para este fundo, se farão esses aportes ou se vão transferir para a iniciativa privada essa responsabilidade, e qual o montante, sinalizando que a definição pode ficar apenas para a COP 28, que ocorrerá em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Outro resultado importante das negociações foi a entrega do arcabouço geral para a implementação dos mercados de carbono, estabelecidos no art. 6 do Acordo de Paris. O grupo negociador conseguiu entregar resultados para os três parágrafos cruciais desse item da agenda: o 6.2, que estabelece os parâmetros para compensação de poluição entre os países por meio de “abordagens cooperativas”; 6.4, que trata dos antigos projetos de desenvolvimento limpo ou sustentável; e o 6.8, que aborda mecanismos de não-mercado. No primeiro item, causa estranheza a possibilidade de que os países definam como sigilosas as informações de compensação de poluição, ferindo o princípio de transparência e abrindo para possibilidades de dupla contagem; no segundo, permanece ambígua a relação entre os mecanismos 6.2 e 6.4, tal qual instituída pela figura da “autorização” necessária, outorgada pela autoridade pública, para o uso do crédito de carbono pelo mercado voluntário, favorecendo, assim, a maquiagem verde de governos e empresas; e, no terceiro item (6.8), a disputa entre a criação de uma plataforma para facilitar a correspondência entre demanda e oferta de meios de implementação (ou seja, financiamento, capacitação e transferência de tecnologia) ou de uma abordagem holística para o instrumento de não-mercado foi decidida em favor da primeira.

É importante ressaltar que tudo isso acontece em um contexto em que os governos aceleram a aprovação de regulações nacionais para os mercados de carbono, muitas vezes, sem escutar os sujeitos políticos mais vulneráveis a esse tipo de falsa solução climática. No Brasil, as florestas entraram para esse mercado, por meio do modelo de concessões, o que significa a contratação por parte do Estado brasileiro de empresas para realizar a gestão florestal. Vale lembrar dos programas já em andamento, como o Adote um Parque e o programa de estruturação de concessões de parques via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Já encontra-se em discussão no Congresso Nacional a aprovação de um projeto de lei que visa “desburocratizar” a concessão florestal no país, com isso, acelerando a transferência de terras da União para a administração privada, que poderá explorá-la economicamente, em particular, por meio de projetos de captura de carbono e serviços ambientais.

Durante a COP 27, o Grupo Carta de Belém, em conjunto com outras redes e movimentos sociais, lançou um posicionamento contrário à inclusão de florestas nos mercados de carbono, por entendermos que esse modelo de comercialização de créditos de poluição abre espaço para graves violações de direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e rurais, em uma conjuntura em que as instâncias de monitoramento e controle contra crimes ambientais foi desmontada pela gestão Bolsonaro-Salles-Leite.

Enquanto as florestas tropicais do mundo vão consolidando a sua posição como instrumentos da política de mitigação climática global por meio da lógica de compensações e net-zero, a posição contrária da comunidade internacional contra os combustíveis fósseis sofre retrocede a olhos vistos. A realização de uma COP no terceiro maior produtor de petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), é símbolo da conjuntura em que vivemos. O documento final peca pela falta de ambição nas ações de mitigação e por não abordar a causa do aquecimento global de maneira significativa: eliminar gradualmente a indústria de combustíveis fósseis. Com a pressão de China e Índia para que os países ricos assumissem um maior compromisso com financiamento para os países em desenvolvimento, em troca, manteve-se a decisão fraca de Glasgow (COP 26).

Em vez de mudar a linguagem adotada naquele momento para uma mais ambiciosa em relação a transição para energias renováveis, o altamente poluente carvão seguiu ocupando a posição de “energia de transição” para diminuir (não eliminar) o uso de combustíveis fósseis. A questão é séria e, como viemos afirmando, o problema não será sanado enquanto seus causadores sentam à mesa para negociar quanto tempo ainda tem para estender seus lucros com uma “compensação” nos países do Sul global. Mais uma vez o distanciamento entre as reivindicações da sociedade civil organizada e as negociações torna a COP um espaço de convergência climática hermética para países e empresas poluidoras.

Já batemos a marca de trinta anos de regime climático e 27 COPs. Até hoje não houve um acordo formal para reduzir o uso de combustível fóssil no mundo. Enquanto isso, as emissões continuam a subir e a meta de limitar as temperaturas a 1,5°C segue distante.  A verdade é que o acordo final ficou aquém do que a emergência exige. A sociedade civil global ainda terá muito trabalho pela frente. Além de continuar pressionando pela eliminação do uso de combustíveis fósseis e a adoção de fontes renováveis de energia, com atenção aos princípios de uma transição justa, será necessário criar capacidades para disputar o novo vocabulário das finanças verdes que entra com tudo na disputa pelo direcionamento do regime climático global.

Uma transição justa precisa contar com a participação de trabalhadores e trabalhadoras e comunidades atingidas

Frente às dificuldades de avançar com uma transição de matriz energética, para enfim eliminar o uso de combustíveis fósseis, é essencial que seja elaborada como se dará a transição no mundo do trabalho, de modo a garantir uma transição justa para todos. O Acordo de Paris, de 2015, menciona o termo “transição justa” como um reconhecimento de que os governos precisam levar em consideração a força de trabalho durante o processo de transição para uma economia verde.

Entre outros pontos que merecem destaque no Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh, se encontra o reconhecimento da necessidade do diálogo social significativo e eficaz para uma transição justa real através da participação das partes impactadas no processo de transição global, entre elas a força de trabalho. É preciso levar em conta que por trás dos números, há pessoas, que hoje desenvolvem trabalhos que poderão entrar em defasagem, mas que precisam ser incorporadas a este novo mundo do trabalho.

A transição justa tem sido a bandeira principal do movimento sindical nas negociações. O texto final ter incorporado a garantia da proteção social para mitigar os impactos do processo é um ganho importante para o mundo do trabalho, que já está sendo atingido pelas mudanças. Um desafio que se aponta agora é o de incorporar a transição justa nos planos nacionais, de forma cada vez mais explícita e com participação de trabalhadores e trabalhadoras e comunidades atingidas.

Artigo publicado originalmente no site do Grupo Carta de Belém, no dia 23 de novembro de 2022.  

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