A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil

Uma rede de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais lança a carta “A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil”, em que denuncia a falsa solidariedade das empresas no contexto de crise sanitária em que o país está imerso.

A carta expõe ações das empresas que aproveitam o momento de crise com a pandemia de Coronavírus para fortalecer a imagem de suas marcas com doações a populações em situação de vulnerabilidade, ao passo que seguem operando em meio a pandemia expondo os próprios trabalhadores ao risco de contaminação, como ocorre em vários municípios ladeados pelas empresas onde se verificou explosão de casos.

A análise feita pelo grupo denuncia que o contexto de crise sanitária e, principalmente, as ações do Governo Federal levam a um fortalecimento das grandes empresas sobre os territórios. As organizações e os movimentos sociais questionam a campanha de marketing empresarial beneficente veiculada pela rede Globo no jornal Nacional, a chamada “Solidariedade S.A.”, em que cita o caso da CMPC, empresa de produção de celulose no estado do Rio Grande do Sul, que doou 70 milhões de reais, o que representa meros 7% do faturamento de 2019. Denuncia, ainda, ação do Governo Federal que permitiu que as empresas de celulose renegociassem suas dívidas e lhes fosse concedido novos empréstimos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que representa um ganho financeiro para as empresas que não aparece para a opinião pública. Verbas que, por outro lado, não foram empregadas para auxílio da população em um momento crucial.

A carta ressalta, ainda, o papel desempenhado pelos movimentos sociais e ONGs que – sem receber o mesmo papel de destaque na imprensa – prestam solidariedade a populações carentes das zonas urbana e rural doando alimentos, produtos de consumo não duráveis e material de limpeza com diversos casos em uma rede de apoio construída de Norte a Sul no país.

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CHAMADO PARA ASSINATURAS
Além disso, conclamamos todas as organizações e movimentos sociais a assinarem esta carta até 21 de setembro, Dia Internacional da Luta Contra a Monocultura de Árvores, para fortalecer nossa luta e resistência aos impactos das corporações nos territórios.

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Revisitando o passado: após a ditadura, segunda onda de militarização da Amazônia se intensifica

Os estados que compõem a Amazônia, em especial o Amazonas, estão em situação de colapso com o sistema de saúde pela pandemia de Covid-19. Em meio a isso, há um projeto de avanço exploratório sobre essa região declarado pelo próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que quer aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, o que significa desregular a legislação ambiental brasileira. 

O momento é visto como oportunidade para colocar em prática ações que já estavam na perspectiva do governo. Em 2019, quando as queimadas e o desmatamento tomaram projeção nos jornais ao redor do mundo, a resposta de Bolsonaro foi a execução de decreto para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que colocou militares para conter as queimadas.  Governando sob decretos, Bolsonaro transferiu, em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) do Ministério do Meio Ambiente, ao qual pertencia desde 1995, para a Vice-Presidência da República a cargo do General Mourão.  O CNAL agora é composto por 19 militares, excluindo Ibama e Funai da participação e sem qualquer presença ou diálogo com a sociedade civil, ou mesmo com os governadores dos estados que abrigam a Amazônia Legal.

CNAL nas mãos da Vice-Presidência e 19 militares, mas sem a participação de representantes do Ibama e da Funai. | Imagem: Reprodução/TVBrasil

A posição de afastamento de representações dos povos indígenas, quilombolas, pescadores e comunidades locais emite um alerta para ações autoritárias de um governo que pouco preza pelo diálogo e pela transparência. Se afastando de instituições que conhecem a fundo a realidade do bioma amazônico, o governo sinaliza que deve seguir com seu projeto desenvolvimentista para a região. Ações que caminham para remontar projetos de exploração realizados durante a ditadura, que apresentou como resultados a expansão do modelo colonizador para a região com violência contra as populações locais, além de uma ampliação da fronteira agrícola e de extração mineral. 

Em janeiro deste ano, Bolsonaro decretou a criação da Força Nacional Ambiental, que estará sob tutela do vice-presidente quando for implementada. A política verticalizada e que ignora as peculiaridades e os modos de vida da região indica uma possibilidade de aumento de conflitos e criminalização de movimentos sociais. O plano de Mourão ao estender a Operação Verde Brasil 2 pelos próximos meses tem a intenção de minimizar a crise de imagem que a gestão tem no exterior. A ação é uma tentativa de liberar as verbas do Fundo Amazônia, financiado por Noruega e Alemanha e suspenso desde 2019, para proteção do bioma. O caminho de militarização para a região não tem apresentado resultados positivos: os focos de queimada na Amazônia neste mês de junho foram os maiores desde 2007, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A ineficácia também se apresenta pelos altos gastos públicos. O valor orçamentário do Ibama é 10 vezes menor que o destinado para o Ministério da Defesa, segundo reportagem do InfoAmazônia, no fundo de R$ 1 bilhão criado para reduzir desmatamento na Amazônia, após acordo da Lava Jato.

Militarização não resolve o desmatamento que segue em crescimento | Foto: Exército Brasileiro

O olhar desenvolvimentista e de caráter colonizador para a Amazônia remonta as ações realizadas durante a ditadura militar brasileira. O que mostra que pouco mudou na mentalidade ideológica militar dos anos 1960 para os anos 2020. A perspectiva militar empregada tem raízes no colonialismo europeu e  nas relações com os Estados Unidos. Ela está aliada a um modelo de desenvolvimento que elimina os modos de Bem Viver tradicionais e impõe uma integração pelo modo de vida de produção capitalista. Um projeto  que considera a Amazônia fonte de lucro e não a reconhece como fonte de vida secular para os povos que aí vivem, nem mesmo como berço de toda biodiversidade que engloba.

Entendemos que o único papel das forças armadas seria no apoio às instituições de proteção da Amazônia. Fornecer apoio tático, operacional e logístico aos agentes de fiscalização, de forma subordinada aos técnicos. Quando Bolsonaro transfere para os militares a decisão sobre fiscalizações ambientais na Amazônia, ele subverte a lógica de proteção e impõe tutela. Atualmente, os Comandos Militares do Norte e da Amazônia se negam a fornecer esse apoio e relutam em cumprir a lei, segundo o artigo 111 do decreto 6.514, de 2008, que ordena a inutilização e/ou destruição de equipamentos em situação irregular utilizados para práticas criminosas quando não se pode removê-los, pois são propriedade de garimpeiros e madeireiros ilegais. Ou mesmo a proteção dos próprios agentes contra ataques em casos de flagrante criminosos

A militarização da Amazônia não se relaciona apenas com a entrega da coordenação das operações para autoridades militares, mas também com a militarização dos cargos de chefia das instituições, sobretudo o Ibama. Logo após uma operação do IBAMA para combater garimpos ilegais e impedir a disseminação do coronavírus, assistimos [mais uma vez] a exoneração de funcionários de carreira pelo Ministro do Meio Ambiente e pelo presidente do IBAMA. Os nomeados no lugar dos técnicos que há anos exerciam as funções de coordenar a fiscalização ambiental foram policiais militares da ROTA, conhecida por ser uma das tropas de elite mais violentas do estado de São Paulo. E quais eram as experiências dos militares que agora estarão liderando as operações que deveriam assegurar a repressão a crimes ambientais nas regiões com os mais altos índices de desmatamento? No caso do coordenador-geral, sua única experiência na área ambiental inicia em outubro de 2019 já como superintendente do IBAMA. Ele foi flagrado emitindo licenças de exportação de forma retroativa, o que é ilegal. Fazendo isso, “legalizou” o envio de madeiras da Amazônia de forma irregular. A maior beneficiada nesse processo foi a empresa transnacional de origem britânica Tradelink. Naquela ocasião, o superintendente ainda fez a ressalva de que a ação não contribuiria somente com a Tradelink e que poderia repetir a agilidade na emissão de licenças de exportação para outras empresas quando necessário.

O discurso de Bolsonaro, em julho de 2019, comparando a Amazônia a uma virgem “que todo o tarado de fora quer” deflagra a objetificação tanto do território como das mulheres, e nos traz elementos para pensarmos o projeto de governo que vem sendo implementado em relação à floresta. Por trás de um discurso ufanista de proteção da “soberania nacional” existe uma lógica mercantilista e violadora que vem sendo estabelecida na relação militares-amazônia desde a extração do pau-brasil, durante o período colonial. 

Mourão, o vice e responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia, já na campanha eleitoral, proferia discursos racistas atrelando aos povos indígenas a “indolência” e, ao povo negro, a “malandragem”. Mas antes de Mourão, o que não nos faltam são maus exemplos de ações tomadas pela militarização da proteção à Amazônia. Quando olhamos para o passado, a perspectiva positivista empregada pelos militares com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) é a mesma política higienista e racista apresentada hoje por Bolsonaro quando se refere aos povos originários como quem precisa ser integrado a um modelo de “civilidade”. O que está por trás é um debate sobre como a Amazônia é vista: fonte de sociobiodiversidade incalculável vs fonte de lucro infindável. Além, é lógico, do racismo do presidente, que não está por trás, está escancarado. 

Em meio a pandemia, os riscos são de repetir a história e realizar o genocídio de populações indígenas, em especial aquelas em isolamento voluntário que não tem janela imunológica para sequer outros vírus. Em fevereiro deste ano, o governo assinou projeto que autoriza garimpo em terras indígenas, além de regularizar a exploração para turismo, agricultura, pecuária e extrativismo florestal. Em meio a pandemia, ações de garimpeiros se intensificam na Amazônia e ameaçam as populações originárias, em especial no território Yanomami, maior terra indígena do país, onde vivem cerca de 26 mil membros dos povos yanomami e ye’kwana, distribuídos em 321 aldeias. Neste contexto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) recorre ao STF contra genocídio institucionalizado pelo governo. Bolsonaro foi, também, denunciado no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crime contra a humanidade por sua postura ineficaz no combate ao avanço da Covid-19 no país. 

Nesta quarta-feira (8), o presidente sancionou, com vetos, o PL 1142 que prevê medidas para tentar proteger as populações indígenas e quilombolas. Com os vetos o governo se exime da obrigatoriedade de fornecer acesso a água potável, de distribuir gratuitamente materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias, de instalar internet nas aldeias e distribuir cestas básicas, ainda veta a obrigatoriedade de liberação pela União de verba emergencial para a saúde dos povos tradicionais. Em mais uma ação da necropolítica na gestão Bolsonaro, o Executivo demonstra não se preocupar com a contaminação destas populações e gesta pelo isolamento no acesso a informação destas comunidades. Depois de destinar Cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra o Coronavírus, para os povos Yanomami de Roraima.

Militares distribuíram 13,5 mil comprimidos de cloroquina, medicamento que não tem eficácia comprovada contra a Covid-19 às comunidades indígenas Yanomami, em Roraima. | Foto: Divulgação /Ministério da Saúde

Em 2019, os portais Intercept e openDemocracy reportaram falas do ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo, General Santa Rosa, que se demitiu em dezembro, sobre o projeto Rio Branco, tratando, inclusive de um receio de invasão chinesa pela fronteira com Venezuela e Suriname. O projeto segue em fase de discussão e trata de “integrar a Calha Norte do rio Amazonas”, o que consistiria na expansão da BR-163 até a fronteira com o Suriname, a construção de uma ponte sobre o rio Amazonas no município de Óbidos (AM) e a construção de uma hidrelétrica no rio Trombetas. Os documentos ainda tratam da execução do Plano Nacional de Mineração para os “minerais que impactam o mercado nuclear e a indústria aeroespacial”. O projeto já indicava ideologicamente as ações atuais do Executivo que governa sob decretos e deve, assim, dar continuidade ao plano. A série de reportagens da Amigos da Terra Brasil “A história do cerco à Amazônia” lançada em junho retrata a aplicação de políticas públicas que já vem sendo realizadas no sentido de aplicar um projeto desenvolvimentista para a região do eixo do Tapajós, no Pará, baseada na expansão do agronegócio. 

Pelas ações deste governo, o modelo de desenvolvimento para a Amazônia está posto: desenvolver infraestrutura, aumentar a exploração dos minérios da região, converter a floresta em pasto e monoculturas, densificar a população e a inserir em uma sociedade de consumo mesmo que para isso os modos de vida tradicionais precisem ser exterminados. O lucro? Assim como os impactos da destruição da Amazônia, será em escala global, mas ficarão nas mãos de poucos, aquele 1% da sociedade, representado por instituições financeiras e empresas transnacionais. As perspectivas se cruzam entre passado e presente. Novamente militares em diferentes áreas do poder. Novamente uma perspectiva positivista sobre a Amazônia e seus povos.

É imprescindível a defesa dos povos responsáveis por esta floresta ainda estar em pé, aqueles que sempre estiveram no território cuidando e defendendo, aqueles que possuem relações de interdependência históricas com a natureza e que muito aportam para caminhar na necessária mudança de sistema por uma sociedade justa. É claro que precisamos defender os povos da Amazônia e os movimentos que articulam e organizam a resistência pelos modos de vida tradicionais, mas de que maneira garantir esses modos de vida em um contexto de genocídio declarado, seja pela bala, seja pelo vírus? 

Agronegócio e empreendimentos para escoar a produção avançam sobre comunidades tradicionais e ameaçam as relações de interdependência com a natureza. | Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

O caminho para a resposta é árduo e complexo, mas há alguns pontos cruciais para nós da Amigos da Terra Brasil. É necessária uma mudança radical de sistema que coloque a vida no centro da economia e da política. Para isso, seguiremos fortalecendo nossa articulação enquanto membro da Federação Internacional Amigos da Terra e nossas ações locais construindo alianças com movimentos campesinos, indígenas, feministas, sociais, sindicais que possuam um projeto político que nos permita avançar na convergência de pautas e agendas. A mudança de sistema se dará na luta de classes e na construção do poder popular para alcançar a soberania e a autodeterminação dos povos.Com a solidariedade internacionalista, rompendo fronteiras, enfrentamos o ufanismo da soberania nacional que sustenta regimes ditatoriais. 

Em outro momento, quase um ano atrás, quando incidimos contra os incêndios na Amazônia, elaboramos 9 ações para defender a floresta que seguem sendo essenciais. Mas hoje, diante do cenário atual de militarização e sucessivos golpes ou tentativas de golpes na região da América Latina, queremos reafirmar que para defender a Amazônia é preciso lutar pela democracia. É preciso enfrentar Bolsonaro, enfrentar Mourão e a militarização genocida da política que implementam.

O contexto de militarização na Amazônia brasileira repercute, também, junto a Federação Internacional Amigos da Terra, confira a nota divulgada entre os grupos membro em espanhol e inglês.

Dia Internacional das e dos Trabalhadores em meio a crise do Coronavírus e aos ataques da gestão Bolsonaro

O cenário de incerteza, de medo e de insegurança devido ao aprofundamento da crise social e de saúde pública com a pandemia do Coronavírus no Brasil fazem com que esse 1º de maio, Dia das e dos Trabalhadores, seja de reflexão e de organização da luta por direitos. A data foi criada em alusão à greve de 1886, iniciada nos Estados Unidos, quando se reivindicava melhores condições de trabalho. Os trabalhadores organizados conquistaram a redução de 14h para as 8h de trabalho diárias na jornada que temos atualmente a partir de greves por todo país. Hoje, em meio à pandemia, fica ainda mais evidente a necessidade da classe trabalhadora para que a sociedade continue assistida e, na visão das grandes corporações, para que ainda haja lucro. Hoje, em meio a pandemia, vemos que boa parte do mundo segue articulando a resistência por motivos similares ao de gerações passadas: a luta por direitos e pelo reconhecimento de que sem classe trabalhadora não há sociedade. 

Enquanto uma pequena parcela da população pode trabalhar de casa e ter como preocupação uma possível contaminação em ir ao mercado para abastecer a dispensa por um largo período, milhares de pessoas não têm sequer acesso a água para manter higienização. Ao passo que populações de baixa renda têm menor acesso à saneamento básico e atendimento de saúde de qualidade, a população preta é também a que está na linha de frente quando se trata de maior exposição aos riscos de contaminação. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mulheres negras são 50% mais suscetíveis ao desemprego. Seja pelo alto índice de desemprego que torna trabalhos precarizados uma opção, seja por compor a maior parte do índice de trabalhadores de limpeza e manutenção, a população negra está mais exposta aos riscos do COVID-19. A desigualdade no Brasil coloca a maioria de sua população, preta e indígena em especial, no grupo de risco. Podemos entender esta como mais uma das manifestações necropolíticas do racismo institucional.

O medo de perder o emprego é ainda mais forte em um cenário de crise, incertezas, e demissões em massa. De acordo com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a taxa de desemprego do Brasil pode saltar de 11,6% para 16,1% neste trimestre. Isso significa que 5 milhões de pessoas podem entrar na fila do desemprego em apenas três meses, elevando de 12,3 milhões para 17 milhões o número de pessoas sem trabalho no país. Os dados também revelam a precarização do Estado a partir de políticas neoliberais de desmonte de diversos setores públicos que acabam servindo como justificativa para a privatização a partir de um discurso de que “o Estado não funciona, então precisamos colocar a gestão nas mãos de uma empresa privada”. 

A retirada de direitos conquistados após anos de luta e articulação dos trabalhadores e trabalhadoras também se articula por meio de Medidas Provisórias, como é o caso das MPs 972 e 936, que possibilitam que os patrões antecipem férias, a redução de jornada e salário na mesma proporção, além da suspensão do contrato de trabalho. Na contramão de países como nosso vizinho, Argentina, que proíbe demissões por 60 dias por conta da crise do Coronavírus, ou da Dinamarca, onde o governo se comprometeu a pagar 75% do salário dos trabalhadores de empresas afetadas diretamente pela pandemia e ainda bancar 90% dos salários dos trabalhadores que recebem por hora. As ações políticas dos governos no enfrentamento da crise revelam a importância fundamental da “mão visível do Estado”, capaz de direcionar para onde vão os recursos, com quais finalidades e interesses. Espera-se desse Estado o compromisso com a vida das pessoas em primeiro lugar, mas é justamente em momentos como esse que os governantes mostram o que consideram essencial.

Uma das amostras disso é a Medida Provisória 135/2020, editada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) que inclui a mineração como atividade essencial durante a pandemia. Tão essencial que, sob risco de rompimento de mais uma barragem, a transnacional Vale foi responsável pela remoção de centenas de famílias da cidade de Ouro Preto em plena crise mundial. A pergunta que fica é: O que a produção mineral tem de essencial à população para além do lucro gerado aos seus acionistas? Quantos rios a Vale ainda vai destruir, quantas populações ainda serão removidas de suas casas? Quantas ainda serão atingidas pelos rompimentos das barragens? 

Consideradas indispensáveis pelo atual governo, as grandes empresas são também grande violadoras de direitos nesse delicado momento de pandemia. Um exemplo é a multimilionária JBS, que teve fábrica interditada em Passo Fundo (RS), após se tornar foco de infecção por COVID-19. Passo Fundo é, atualmente, a segunda cidade do Rio Grande do Sul com maior número de casos da doença. A empresa não implementou medidas de segurança e manteve os trabalhadores expostos a aglomeração nas fábricas, sem fornecer materiais de proteção. O Frigorífico Aurora, localizado em Chapecó, SC, é outro que não diminuiu a produção e mantém os cerca de 20 mil trabalhadores da agroindústria expostos a aglomerações tanto nos frigoríficos como nos transportes às cidades vizinhas sem sequer o uso de máscaras de proteção. Casos como esses se multiplicam de norte a sul no país pela falta de política que dê conta de regular a proteção aos trabalhadores.

O país que já vinha atravessando um momento de precarização do trabalho com a ampliação de modelos da chamada ‘uberização’ tende a piorar se medidas para reverter esse quadro não forem tomadas. Na falta de opções, estes trabalhos sem vínculo empregatício, direitos ou remuneração adequada acabam sendo a saída para uma parcela considerável da população. A força do capitalismo digital cresce sem regulação e joga milhares em condições de trabalho análogas à escravidão. O segmento de delivery já movimenta 17 bilhões por ano no Brasil. Com isso, constatamos que a tecnologia pode estar à serviço de uma exploração máxima das e dos trabalhadores. Com situações em que a média é de 12 horas trabalhadas e o retorno financeiro não gera, nem sequer, um salário mínimo. Este modelo é apresentado como caminho de “empreendedorismo” com benefício em uma suposta liberdade para que os trabalhadores façam seus horários. Sem nenhuma garantia ou proteção social, atingindo principalmente a população negra, migrantes e jovens – incluindo menores de idade. Para os donos das plataformas, este momento de pandemia e o isolamento social são uma janela para ampliação dos lucros e agigantamento de seus negócios.

O QUE QUEREMOS?

A solução para estes problemas não parece fazer parte da política do sistema capitalista, onde as pessoas só conseguem obter os meios de sobrevivência e garantir a sua subsistência e de sua família quando vendem a sua força de trabalho em troca de salário. Por isso, um caminho urgente é a criação de renda universal, garantindo renda mínima para a população. Uma solução econômica real seria a tributação dos super-ricos como um dos passos essenciais para diminuir a desigualdade social, defendida inclusive por alguns senadores. Essa ação também visa garantir investimentos no SUS e a proteção social necessária, ainda mais urgente durante a pandemia.

A crise sanitária mundial radicalizou desigualdades de gênero, raça e classe. Aprofundou a crise social, econômica e ambiental que vivemos de forma que não podemos simplesmente voltar à “normalidade”. É urgente e necessária uma mudança de sistema pois está nítido que a lógica capitalista neoliberal conflita não só com o mundo do trabalho, mas com todas as bases da vida. Foi o sistema atual que nos colocou no cenário de maior dificuldade para enfrentar a pandemia. É preciso construir unidade em alianças baseadas na solidariedade internacionalista, na defesa da democracia e na soberania popular para enfrentar as crises: sanitária, política, econômica, alimentaria, ambiental, social… As múltiplas crises, as crises sistêmicas.

Pensando neste 1º de maio em meio ao Covid-19, duas questões saltam aos olhos. De um lado a perversidade das empresas transnacionais e do governo #ForaBolsonaro #ForaMourão quando declaradamente não se importam com as nossas vidas e colocam a economia, seus lucros e privilégios, acima de tudo. Economia essa que não funciona sem as mãos das e dos trabalhadores. O momento é fértil para uma maior consciência em relação à exploração e opressão que sofremos enquanto classe social e, principalmente, de entender o poder que temos, o nosso poder quando organizados, frente aqueles que nos veem apenas como mecanismo do seu lucro. 

Seguiremos lutando para que a vida esteja no centro da economia e das políticas. Viva a luta da classe trabalhadora!

A Crise da COVID-19 é um sinal de alerta para mudarmos o sistema

A crise do Coronavírus só pode ser enfrentada com a soberania dos povos e com justiça ambiental, social, de gênero e econômica

Amigos da Terra Internacional expressa sua profunda consternação e solidariedade neste momento em que o mundo enfrenta a crise da COVID-19, que já está afetando tantos povos ao redor do mundo, especialmente daqueles que sofrem o impacto das desigualdades estruturais. A perda dramática de vidas humanas nos comove profundamente, em um mundo que não estava preparado para enfrentar uma catástrofe como esta. Essa é uma crise que vai muito além dos incontáveis impactos sanitários da pandemia, revelando injustiças ambientais, sociais, de gênero e econômicas que são sistêmicas, além de causas e consequências políticas absolutamente nocivas.

Esta crise é alimentada pelo atual sistema político-econômico, que exacerba seus impactos e impõe obstáculos significativos para respostas estruturais. As horríveis consequências do Coronavírus são o resultado da crescente concentração de riqueza e da imposição de uma doutrina neoliberal que sacrifica a preservação da vida. Hoje está mais evidente do que nunca que a economia baseada no livre mercado é o problema, não a solução.

O neoliberalismo conduziu à privatização e ao sucateamento dos sistemas de saúde pública, seguridades social e dos serviços públicos, ao desmantelamento dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores e à precarização dos empregos e à maior exploração do trabalho das mulheres. Além disso, outorgou poderes e privilégios extraordinários às empresas transnacionais, ao mesmo tempo em que reduziu o papel e a posição do Estado, aumentando a vulnerabilidade de nosso mundo ante impactos da crise.

A pandemia está desvelando e agravando as violentas desigualdades do capitalismo entre e dentro dos países. Está debilitando nossas necessidades humanas básicas e deixando milhões de pessoas vulneráveis a uma perda repentina de acesso aos meios de sobrevivência. Muitas pessoas simplesmente não podem se isolar, cumprir o distanciamento social ou deixar de trabalhar. Os despejos serão a norma quando as pessoas não puderem pagar seus aluguéis ou prestações do Minha Casa, Minha Vida. As mais afetadas serão as classes trabalhadoras rurais e urbanas, as populações indígenas, as mulheres, os povos que sofrem com o racismo, as/os imigrantes, refugiadas/os, os povos em zonas de guerra e conflitos e os que vivem em países que sofrem com bloqueios econômicos. Será cada vez maior o número de trabalhadores que perderão seus empregos e de imigrantes que enfrentarão uma negação criminosa de seus direitos humanos, bem como muros mais altos e largos.

A COVID-19 está revelando a magnitude da crise do cuidado em nossas sociedades: uma crise que vem sendo gestada há séculos pela incapacidade do sistema patriarcal, racista e capitalista de cuidar dos povos, da natureza e dos territórios, por um lado, e porque se sustenta sobre o trabalho e os corpos das mulheres para compensar e reparar os danos provocados pelo sistema de exploração capitalista neocolonial, por outro. Por meio da divisão sexual do trabalho, as mulheres têm sido e continuam sendo socialmente responsáveis pelo trabalho de cuidado e suportando em seus ombros essa carga. As mulheres, mães solteiras e famílias da classe trabalhadora são forçadas a escolher entre o confinamento em suas casas ou trabalhar para alimentar suas famílias, sob risco de serem infectadas pelo vírus. Isso é particularmente verdadeiro para mulheres que sofrem com o racismo. Profissionais de saúde na linha de frente do combate ao Coronavírus, que são em sua maioria mulheres, estão encarando uma exploração ainda maior, com compensações financeiras inadequadas aos riscos que correm e às responsabilidades que têm pelos outros.

A globalização do sistema de livre mercado, no qual empresas transnacionais exercem um papel-chave, tem conduzido a uma ruptura devastadora entre nossas sociedades e a natureza. A crise do Coronavírus está desmascarando a real extensão do quanto o controle corporativo da alimentação, da energia, das florestas e da biodiversidade é a causa principal da destruição dos ecossistemas que está facilitando de patógenos que afetarão cada vez mais nossa saúde. O agronegócio e a produção de commodities agropecuárias geram enormes problemas de saúde pública mediante a destruição de habitats naturais e/ou a intensificação da criação de gado e outros animais. Aqueles que sofrem com problemas respiratórios ou imunológicos devido à energia suja e outras poluições industriais estão particularmente sob risco de infecção.

Os impactos devastadores das indústrias extrativistas nos territórios indígenas estão os tornando ainda mais vulneráveis à COVID-19. Seus sistemas e práticas de conhecimentos tradicionais, que incluem cuidados de saúde e de produção, armazenamento e consumo de alimentos estão sendo enfraquecidos. Eles continuam sendo excluídos dos sistemas de saúde e não se está disponibilizando informações culturalmente apropriadas sobre a crise.

A pandemia está agravando as consequências de décadas de inação dos países ricos frente as mudanças climáticas, assim como às suas políticas nocivas. Os olhos do mundo estão postos com razão sobre a crise sanitária atual; mas as catástrofes relacionadas com a injustiça climática, tal como o recente ciclone que atingiu Vanuatu, repetem-se sem parar e é necessário encará-las. Os povos do Sul Global mais fortemente atingidos pelos impactos climáticos estão agora extremamente vulneráveis a contrair e disseminar a COVID-19 e carecem de acesso a sistemas de saúde robustos.

Avizinha-se uma crise alimentar profunda, principalmente em países que dependem de importações e onde as terras têm sido destinadas à produção de commodities agropecuárias. À medida que os povos perdem suas fontes de renda e seus meios de sobrevivência, não poderão acessar economicamente os alimentos, que por sua vez estão cada vez mais expostos à especulação financeira. Em muitos países, o fechamento dos mercados locais impede que os alimentos da produção campesina familiar e artesanal cheguem à população, ao mesmo tempo em que privilegia grandes empresas que priorizam seus lucros acima do direito a uma alimentação saudável.

Fazemos frente a esta pandemia num contexto em que a democracia já vinha sofrendo ataques, com eleições manipuladas mediante o controle empresarial de nossos dados e dos meios de comunicação e, inclusive, com golpes de Estado em alguns países. A ascensão da extrema direita e do neofascismo, com seus discursos e políticas misóginas, xenofóbicas, militaristas e racistas, resulta em um ataque frontal a direitos duramente conquistados pelas classes populares e pelo movimento feminista. Muitos governos já começaram a silenciar vozes que defendem uma democracia real e o poder e a participação dos povos pela criminalização e tentativa de desmantelamento de organizações e movimentos sociais.

As mulheres estão enfrentando um aumento brutal da violência e dos feminicídios em todo o mundo. Orientações para ficar em casa estão aprisionando muitas mulheres e seus filhos em lares inseguros, na companhia de agressores e criminosos, sem qualquer lugar para onde ir, nem possibilidade de receber ajuda.

Em tempos em que o escrutínio público e a capacidade de mobilização e protesto se reduzem, enfrentamos ameaças ainda maiores de um incremento dos ataques criminosos contra defensoras/es dos territórios e dos direitos dos povos, assim como a imposição de novos projetos empresariais prejudiciais. Os países com pouca ou nenhuma soberania para produzir muitos insumos fundamentais estão vulneráveis. O risco de que corporações lucrem com essa crise é muito grande – especialmente por meio do controle sobre os sistemas de saúde, alimentação e produção de medicamentos. Soma-se a isso o perigo real de que se usem fundos públicos para salvar grandes empresas, tais como empresas de combustíveis fósseis, que destroem o clima e a biodiversidade.

Nossas Demandas

Para fazer frente a essa crise e suas causas estruturais, Amigos da Terra Internacional se soma ao movimento feminista, campesino, sindical, aos Povos Indígenas e a outros movimentos sociais para exigir que os governos cessem imediatamente a repressão, abandonem as políticas de austeridade, detenham os despejos e incrementem os orçamentos públicos, a justiça fiscal e a distribuição de renda. Fazemos eco, ainda, ao chamado para anulação da dívida externa.

A centralidade da vida e do trabalho de cuidado deve ser reconhecida, com regulações ambientais mais fortes, com o fim da divisão sexual do trabalho e com uma resposta sistêmica para a crise direcionada à justiça ambiental, social, de gênero e econômica e a uma economia feminista.

Governos devem assegurar que os direitos fundamentais à saúde, previdência social, moradia, energia, água, educação, transporte, alimentação e cuidados serão garantidos por meio de serviços públicos providos pelo Estado. Eles devem apoiar financeiramente as classes trabalhadoras e as comunidades. Qualquer dinheiro público deve ser utilizado para colocar os trabalhadores, o clima e a saúde de nosso planeta e nossos povos a longo prazo em primeiro lugar.

Os pacotes de estímulo e recuperação econômica e financeira internacionais e os governos nacionais devem mirar na criação de milhões de empregos decentes que contribuam para impulsionar uma transição justa que nos liberte do capitalismo e da economia dependente de combustíveis fósseis e assegurar a autonomia das mulheres. Os governos não podem oferecer salvamentos incondicionais para grandes poluidores, como empresas de combustíveis fósseis e de aviação. Não podemos retornar aos negócios de sempre após esta crise. Nós devemos estabelecer as fundações de um mundo melhor. Não podemos permitir mais um ciclo de capitalismo agressivo e políticas neoliberais que destroem as vidas dos povos e nosso planeta.

Os governos devem indispensavelmente fortalecer os sistemas alimentares locais, os mercados locais descentralizados e os programas de compras públicas diretas que contribuam para garantir a venda da produção campesina familiar e artesanal e a disponibilidade de alimentos para aqueles que mais necessitam. Os programas públicos direcionados à infância, às pessoas com deficiência e a todas as pessoas que sofrem com a fome devem ser melhorados e ampliados radicalmente.

Precisamos reverter imediatamente a tendência atual de aumentar o poder, os lucros e a impunidade das grandes corporações, o que inclui pôr fim a todas as negociações comerciais e investimentos que dão ainda mais poder às empresas transnacionais, assim como garantir um tratado juridicamente vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos no âmbito da ONU.

Devem-se abolir urgentemente os mecanismos arbitrais de solução de controvérsias entre investidores e Estados, que permitem que corporações transnacionais processem governos por tomarem ações que protejam a vida, argumentando que essas ações de interesse público são discriminatórias ou uma expropriação indireta de seus investimentos.

Os meios médicos de enfrentamento ao Coronavírus, incluindo uma futura vacina, devem ser acessíveis a todas e todos, com uma suspensão imediata de qualquer direito de propriedade intelectual sobre suprimentos, equipamentos e tratamentos médicos, incluindo medicamentos e vacinas.

Nossas Ações

Nossas ações agora darão forma ao que virá após a crise. Amigos da Terra Internacional e nossos aliados conhecem o caminho a seguir. Nós devemos usar essa oportunidade para lutar e construir uma mudança de sistema, por meio do desmantelamento do patriarcado, bem como outros sistemas de opressão e poder corporativo. Nós precisamos fortalecer nossos esforços para avançar rumo à soberania dos povos e à justiça ambiental, social, de gênero e econômica.

Este é um momento de reafirmar a esperança, alimentando e fortalecendo novos paradigmas ecológicos e emancipatórios, centrados na justiça e na sustentabilidade da vida e em uma nova relação com os trabalhos de cuidado.

A solidariedade internacionalista entre os movimentos e através das fronteiras é fundamental, a medida que construímos uma resposta coletiva a esta crise, organizando e mobilizando nossas comunidades, organizações e movimentos para fortalecer nossas próprias iniciativas e lutar por nossas demandas.

Nossos grupos membros estão organizando e se somando a comitês locais de solidariedade para apoiar as/os mais afetadas/os. Estão somando-se, também, a plataformas políticas de movimentos sociais, junto a sindicatos, organizações campesinas e feministas, para lutar por respostas sistêmicas adequadas frente a esta crise e às múltiplas crises inter-relacionadas que enfrentamos – ambiental, climática e social. Nós seguiremos unidos aos nossos aliados para combater as injustiças que a COVID-19 tem revelado e exacerbado e para construir o mundo que necessitamos.

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