A Comissão Pastoral da Terra (CPT) torna públicos os dados de conflitos ocorridos no campo no Brasil no ano de 2023

Comissão Pastoral da Terra realiza lançamento nacional do relatório Conflitos no Campo 2023, com os maiores índices de ocorrências em toda a história da publicação

Neste dia 22 de abril, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lança a 38a edição da publicação Conflitos no Campo Brasil, apontando o balanço dos dados da violência ligada a questões agrárias no país ao longo de 2023. No primeiro ano de governo do terceiro mandato do presidente Lula, foram registrados os maiores números desde o início dos levantamentos, em 1985: ao total, foram 2.203 conflitos, contra 2.050 do ano anterior e 2.130 do ano de 2020, até então o ano com o primeiro lugar em conflitos.

A maioria dos conflitos registrados é pela terra (1.724, sendo também o maior número registrado pela CPT), seguidos de ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225). Dentre os estados, o maior número foi registrado na Bahia, com 249, seguido do Pará (227), Maranhão (206), Rondônia (186) e Goiás (167). Dentre as regiões, a região Norte foi a que mais registrou conflitos (810), seguida da região Nordeste (665), Centro-Oeste (353), Sudeste (207), e por fim, a região Sul, com 168 ocorrências.

Os conflitos envolveram 950.847 pessoas, disputando 59.442.784 hectares em todo o Brasil. O número de pessoas envolvidas é 2,8% maior em relação às 923.556 pessoas envolvidas em conflitos no campo em 2022, mas a área em disputa é 26,8% menor, tendo sido 81.243.217 hectares disputados no mesmo período de comparação.

Conflitos pela Terra  Das 1.724 ocorrências registradas neste tipo de conflito, 1.588 são referentes às violências contra a ocupação e a posse e/ou contra a pessoa. No primeiro tipo de violência, se destacam as ocorrências crescentes de invasão, em que foram registradas 359 ocorrências em 2023, afetando 74.858 famílias, contra 349 casos em 2022. Também cresceram os registros de expulsão (37 ocorrências e 2.163 famílias em 2023, contra as 23 ocorrências e 596 famílias, em 2022), transformando este no segundo ano em que mais se registrou famílias expulsas dos territórios, ficando atrás apenas do ano de 2016. Também aumentaram consideravelmente as ameaças de despejo judicial (de 138 para 183) e o despejo judicial concretizado (de 17 para 50).

pistolagem foi o segundo tipo de violência contra a ocupação e a posse que mais teve registros de ocorrência em 2023 (264), um crescimento de 45% em relação ao ano de 2022, sendo o maior número registrado pela CPT nas ocorrências deste tipo de violência contra a coletividade das famílias — um total de 36.200 famílias atingidas. Os sem-terra foram os principais alvos destas ações, com o registro de 130 ocorrências, seguidos por posseiros (49), indígenas (47) e quilombolas (19). Destruição de pertences (101), casas (73) e roçados (66) também foram ações violentas contra a permanência dos povos em seus territórios.

Trabalho Escravo Rural – Em 2023, foram registradas 251 casos de trabalhadores e trabalhadoras em situação de escravidão no meio rural, com 2.663 pessoas resgatadas desta condição, sendo estes os maiores números dos últimos 10 anos. Os destaques de resgates foram para os estados de Goiás (699), Minas Gerais (472), Rio Grande do Sul (323), além de São Paulo, com 243 pessoas resgatadas. Os tipos de atividades que mais tiveram trabalhadores libertos em 2023 foram a cana de açúcar, com 618 trabalhadores; as lavouras permanentes, com 598; as lavouras temporárias, com 477; e, outros tipos de atividades rurais, com 273. Os números poderiam ser ainda maiores, se houvesse uma política mais estruturada de fiscalização e combate ao trabalho escravo especialmente nas regiões Norte e Nordeste.

Conflitos pela Água – Houve estabilidade nos registros (225, contra 228 no ano anterior), mas os dados ainda são altos em relação ao início dos 10 últimos anos, tendo a frente o não cumprimento de procedimentos legais por parte do poder público e empresas privadas (78), seguido da destruição e/ou poluição (56), diminuição e impedimento no acesso à água (48) e contaminação por agrotóxico (26). Fazendeiros, governos estaduais, empresários, hidrelétricas e mineradoras continuam sendo os agentes causadores destes conflitos, que vitimam principalmente indígenas (24,4%), pescadores (21,8%), ribeirinhos (13,3%), quilombolas (12,4%) e assentados (8,4%).

Violência contra a Pessoa – Foram 554 ocorrências que atingiram 1.467 pessoas, incluindo 31 assassinatos, uma diminuição de quase 34% em relação ao ano anterior, quando foram mortas 47 pessoas no campo. A maior proporção de vítimas foi do estado de Rondônia (com 5 mortes), seguido do Amazonas, Bahia, Maranhão e Roraima,  com 4 vítimas cada. Foram tiradas as vidas de 14 indígenas e 9 sem-terra, sendo estas as populações que mais sofrem deste tipo de violência extrema, seguidos de posseiros (4) e quilombolas (3). Ao longo dos últimos dez anos, trabalhadores sem-terra continuam sendo as maiores vítimas (151), seguidos de indígenas (90), de um total de 420 pessoas assassinadas na luta pela terra. Das vítimas fatais da violência, 7 eram mulheres. O tipo de violência com mais vítimas foi a contaminação por agrotóxico, com 336 pessoas vitimadas, seguida das ameaças de morte (218), intimidação (194), criminalização (160), detenção (135), agressão (115), prisão (90) e cárcere privado (72), todos crescentes em relação a 2022.

Principais Causadores da Violência – Os principais agentes causadores das violências no Eixo Terra foram os fazendeiros, responsáveis por 31,2% do total de violências causadas neste eixo, seguidos de empresários (19,7%), Governo Federal (11,2%), grileiros (9%) e os governos estaduais, com 8,3%. No caso do Governo Federal, mesmo com a pequena diminuição no total das violências causadas e com a maior abertura de diálogo do governo com os movimentos sociais, por meio da reestruturação de ministérios como o do Desenvolvimento Agrário, Direitos Humanos e Justiça, além da criação do Ministério dos Povos Indígenas, isto não se refletiu em avanços na conquista de direitos pelas populações camponesas e tradicionais, como a reforma agrária e a demarcação das terras indígenas.

Já os governos estaduais têm agido com repressão policial intensa contra acampamentos e assentamentos, comunidades quilombolas e terras indígenas, com destaque para Goiás, Bahia, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Maranhão e Rondônia. O mesmo se pode dizer em relação ao poder legislativo federal e estaduais, com o avanço da bancada ruralista, promovendo mudanças em legislações como o Marco Temporal, o Pacote do Veneno, e as leis de terras e liberações para pulverização aérea de agrotóxicos nos estados.

Amazônia Legal – Na região que compreende quase 60% do território brasileiro, houve diminuição no desmatamento, com destaque para as ações de fiscalização da Polícia Federal no combate aos garimpos ilegais. Mas a violência tem crescido em regiões como a da tríplice divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro ou Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira). Dos 31 assassinatos no país, 8 foram nesta região, sendo 5 causados por grileiros. A região prometida como “modelo” de desenvolvimento com foco na sociobiodiversidade, tornou-se epicentro de grilagem para exploração madeireira e criação de gado, com altas taxas de desmatamento, queimadas e conflitos.

Ações de Resistência – Registradas também no relatório Conflitos no Campo, as ações de resistência também tiveram aumento expressivo em 2023, pois incluem 119 ocupações e retomadas, sendo 22 ações conduzidas por indígenas, 3 retomadas quilombolas e outras  94 pelas demais identidades sociais. Também foram registrados 17 acampamentos protagonizados por sem-terra e/ou posseiros, superando 2022, apenas com 5. Estes números passaram a ter novamente um crescimento a partir de 2021, mas ainda inferior aos números da série de dez anos.

Relatório – Elaborado anualmente há quase quatro décadas pela CPT, o Conflitos no Campo Brasil é uma fonte de pesquisa para universidades, veículos de mídia, agências governamentais e não-governamentais. A publicação é construída principalmente a partir do trabalho de agentes pastorais da CPT, nas equipes regionais que atuam em comunidades rurais por todo o país, além da apuração de denúncias, documentos e notícias, feita pela equipe de documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc) ao longo do ano.

Leia e faça download do relatório em:

conflitos_no_campo_2023

Originalmente publicado em: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/6746-conflitos-no-campo-brasil-2023 

9 ações para defender a Amazônia todos os dias

Dia 5/9 é conhecido como Dia da Amazônia. Listamos aqui 9 ações para defendê-la todos os dias!

 

1. Lute pelos direitos dos povos indígenas
É sabido: as terras indígenas combatem o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa. E, sempre que preciso, são os povos da floresta que erguem-se em sua defesa, ocupando o vazio do Estado.

2. Rejeite as falsas soluções do capitalismo “verde”
O capitalismo se alimenta da miséria e, em momento de crise, ressurgirão como solução as políticas de financeirização da natureza, como REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) e PSA (Pagamento por Serviços Ambientais – lê aqui a posição crítica do Grupo Carta de Belém sobre isso). São as falsas soluções do capitalismo verde, que privatizam as terras dos povos e comunidades tradicionais e transformam a natureza em ativos em bolsas de valores, a serem negociados para compensar os danos ambientais causados pelas grandes empresas poluidoras. Se interessou? Entenda mais sobre ”mercado de carbono” e “financeirização da natureza” assistindo ao nosso documentário “Mercado Verde: a financeirização da natureza” – aqui o link pro vídeo completo no YouTube.

3. Apoie organizações e movimentos que lutam juntos aos povos e comunidades
A luta pelos direitos coletivos e dos povos sempre foi criminalizada – e a violência tem aumentado no atual cenário político de ascensão fascista: aqui uma matéria bacana do Brasil de Fato sobre o assunto. E não só apoie: some-se à luta, participe e construa o poder popular desde baixo!

4. Valorize as instituições ambientais e de pesquisa
Os investimentos em educação pública, pesquisa e tecnologia devem ser amplamente defendidos. Somente assim a soberania e controle de nosso próprio território são possíveis – ora, não por acaso Bolsonaro elegeu a ciência e as instituições ambientais como inimigos. Uma candidatura (e agora governo) baseada em notícias falsas e desinformação jamais se manteria firme frente a dados científicos e apurações aprofundadas. Assim que Ibama, ICMBio, universidades públicas e institutos federais sofrem com sucateamento e recorrentes cortes em seus orçamentos. Por exemplo: “Governo corta R$ 187 milhões do MMA“; “Corte de recursos do Ibama ampliará desmatamento“; “Corte de R$926 milhões na Educação foi para pagar emendas parlamentares, diz ministro“; “Reitores de universidades federais do RS falam em ‘desastre’ e ‘atraso’ após cortes de verbas de pesquisa“.

5. Apoie a Reforma Agrária
Os assentamentos da Reforma Agrária trazem trabalho e futuro para famílias antes sem acesso à terra. São desses locais que vêm muitos dos produtos agroecológicos depois consumidos nas cidades. Vale lembrar: se o campo não planta, a cidade não janta! Aqui outro material bacana do Brasil de Fato, falando de como a agroecologia é contraponto às queimadas na produção agrícola.

6. Não vote na bancada ruralista
O governo Bolsonaro obedece cegamente aos interesses ruralistas: “Esse governo é de vocês”, afirmou ele. O agronegócio é um dos principais causadores e interessados na queima da Amazônia, em especial das áreas de proteção e terras demarcadas. Assim, podem avançar seus latifúndios, monoculturas e pasto, ganhando território – com a garantia de que, mais tarde, essa invasão será “legalizada” por este governo que os obedece (e não seria a primeira vez que isso ocorreria: é a legalização da grilagem). Também os madeireiros lucram: a terra queimada para a expansão do agronegócio foi antes ilegalmente desmatada. Aliás: quem é bancada ruralista? Descubra.

7. Responsabilize as empresas
Não é desastre nem acidente: por trás de cada tragédia ambiental está a ação de transnacionais multimilionárias que lucram com a devastação que deixam para trás. Brumadinho e Mariana nunca mais! Por isso é importante que avance um Tratado Vinculante na ONU que responsabilize as transnacionais, a maioria do Norte Global, por seus crimes, normalmente cometidos no Sul Global. Mais sobre a luta por um Tratado Vinculante você encontra no site da Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo. Hoje, os Estados do Sul têm pouco poder frente às fortunas ostentadas pelas empresas, que compram o que precisarem (da mídia ao sistema judiciário, de políticos a associações civis) para saquear as riquezas que lhes interessarem.

8. Combata o patriarcado (e, em consequência, o neoliberalismo)
O combate deve ser contra as estruturas que mantém há séculos o poder nas mãos brancas e masculinas que queimam a Amazônia: um dos pilares que sustenta a lógica entreguista e colonial desse governo é o patriarcado. Assim, são leiloados os bens comuns dos povos brasileiros, pondo em risco todos os territórios – desde os corpos até as espiritualidades e terras em sentido estrito. Sobre isso, olha que legal esse texto da Marcha Mundial das Mulheres: “Desde o nosso feminismo, reafirmamos que é preciso fazer uma crítica integral ao sistema capitalista, patriarcal e racista. O desafio é conectar as lutas por autonomia sobre o corpo, a sexualidade e a vida, com as resistências às novas estratégias de colonização dos nossos corpos e territórios”.

9. Acredite e lute!
A desesperança e o sentimento de impotência não ajudam nem constroem nada! São muitos os exemplos de lutadoras e lutadores nos territórios que nos inspiram: as resistências indígenas, negras, feministas, campesinas! A luta contra o capitalismo e a devastação que esse sistema injusto causa nas relações sociais e ambientais são históricas, e o embate seguirá sendo travado: cabe a nós acreditar num outro mundo, fazendo aquilo que estiver ao alcance, pouco que pareça. Por isso terminamos aqui com o manifesto construído na Marcha das Mulheres Indígenas, que reuniu mais de 130 povos indígenas em agosto, em Brasília: “Somos totalmente contrárias às narrativas, aos propósitos, e aos atos do atual governo, que vem deixando explícita sua intenção de extermínio dos povos indígenas, visando à invasão e exploração genocida dos nossos territórios pelo capital. (…) Por isso, o território para nós não é um bem que pode ser vendido, trocado, explorado. O território é nossa própria vida, nosso corpo, nosso espírito”.

plugins premium WordPress