Registramos aqui a nossa solidariedade com a família, o assentamento Nova Santa Rita de Cássia II (RS) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) frente ao brutal assassinato dos militantes Adão do Prado e Aírton Luis Rodrigues da Silva. O caso ocorreu na última 5ª feira (30/5)
Exigimos justiça, investigação das causas e punição dos culpados.
“O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Rio Grande do Sul vem a público informar que nesta quinta-feira (30), dois de seus integrantes, Adão do Prado (59) e Airton Luis Rodrigues da Silva (56), foram assassinados no assentamento Santa Rita de Cássia II, localizado em Nova Santa Rita.
O Movimento repudia qualquer ato de violência, pede investigação das causas e punição dos culpados.
Militantes do MST desde 2000, os companheiros Adão e Airton participaram de muitas lutas por Reforma Agrária, marchas e ocupações até chegar na conquista da terra no ano de 2005.
Participaram ativamente da vida comunitária, da produção agroecológica, e sempre foram solidários. O MST se solidariza com familiares e amigos das vítimas e exige justiça.”
Dilma Ferreira deixou um legado inspirador de perseverança na luta em defesa de seus direitos. Lutou até o último dia de sua vida em defesa de seu território e contra o avanço explorador das empresas transnacionais sobre a Amazônia e seus povos. Em 22 de março de 2019, quando é celebrado o dia internacional da água, a maranhense de 48 anos e coordenadora regional do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) em Tucuruí (PA), Dilma, foi brutalmente assassinada. Junto a ela, foram executados também o seu companheiro, Claudionor Costa da Silva, e o vizinho do casal, Milton Lopes.
A violência empregada contra a liderança que era Dilma não vem à toa. Eles são assassinados em um contexto de um Brasil pós golpe de Estado de 2016, que intensificou a agenda neoliberal na economia e a sanha de avançar com grandes projetos na região amazônica. A conjuntura se aprofunda em 2019 com o início da gestão de um governo abertamente fascista liderado por um ex-militar saudoso do período ditatorial mais sangrento da história recente do país.
Quatro dias após o assassinato de Dilma, a Polícia Civil do Pará prendeu o fazendeiro Fernando Ferreira Rosa Filho, conhecido como Fernando Shalom, identificado como mandante do assassinato de Dilma. As buscas foram intensificadas depois que três corpos carbonizados foram encontrados a 20 km do local do triplo homicídio. O fazendeiro tornou-se suspeito de ter assassinado as 6 pessoas.
Dilma era atingida pela construção da barragem de Tucuruí. Na coordenação do MAB no Pará, foi protagonista no debate de mulheres atingidas por barragens no Brasil. Dilma Ferreira é a imagem da mulher atingida que foi reconstituída como sujeito de luta em uma região devastada por um grande empreendimento. Ela estabeleceu um marco na resistência histórica em uma região que não foi devidamente reparada em relação aos impactos da construção da barragem de Tucuruí no rio Tocantins.
A região ainda experincia os efeitos históricos da construção da barragem de Tucuruí. Inúmeras comunidades não foram reparadas devido aos impactos da privação do rio Tocantins. O projeto realizado durante o governo militar durou de 1978 até 1980 e expulsou mais de 32 mil pessoas de suas casas. Muitas famílias ainda vivem próximo, desta que é uma das maiores barragens do país, sem acesso a energia elétrica em suas casa e quando a tem pagam uma das tarifas mais caras do país.
De acordo com a Plataforma Operária e Camponesa para Energia, as contas de luz aumentaram mais de 80% nos últimos dez anos e podem aumentar no mínimo 20% em menos de um ano, caso o plano do governo federal de privatizar a Eletrobrás se concretize. Até hoje, a concessão da barragem é de propriedade estatal. No entanto, há uma forte pressão para que a barragem seja privatizada.
Historicamente, a luta dos afetados por Tucuruí tem sido por reconhecimento e Dilma se colocou nessa frente: “Uma mulher consciente não passa despercebida. E no contexto da Amazônia, todos os que lutam e em processo de resistência acabam sendo perseguidos”, define Cleidiane, da Coordenação Nacional do MAB no Pará. Ela pontua que até hoje as pessoas continuam sendo violadas: “os municípios afetados por Tucuruí têm os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil e toda a riqueza gerada não é investida em educação, saúde e melhoria da qualidade de vida, muito menos em infraestrutura para a região”.
No Brasil, construir barragem é sinônimo de violação de direitos humanos. Em 2010, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão ligado à Presidência da República, em um Relatório Nacional, comprovou que há um padrão de violação de direitos em obras de barragens no país. Com foco nisso, o MAB vem pautando a Política Nacional dos Atingidos por Barragens (PNAB), resultado de uma longa luta dos atingidos por barragens, que há décadas denunciam as violações e buscam construir um marco legal que possa garantir direitos às vítimas de barragens. O objetivo principal da PNAB é criar uma base legal para populações atingidas por barragens que prevê a definição do conceito de atingido, formas de reparação e a criação de instituições para a organização dos trabalhos.
Para o MAB, define-se população atingida aqueles que sofrem os impactos provocados pela construção, operação ou rompimento de barragens quando há perda da propriedade ou posse de imóvel; desvalorização de imóveis em decorrência de sua localização próxima ou em nível abaixo dessas estruturas; perda da capacidade produtiva das terras e de elementos naturais da paisagem geradores de renda; e perda do produto ou de áreas de exercício da atividade pesqueira ou de manejo de recursos naturais.
Outro elemento que tem intensificado a violação dos direitos na região é a privatização do rio Tocantins sob a forma da construção de hidrovias. Com a barragem de Tucuruí é possível ter maior controle do rio, o que potencializa os interesses para a construção de hidrovias com a finalidade de transportar até os portos as agrocommodities produzidos na região para exportação. A dragagem, necessária para a construção das hidrovias, assim como o fluxo de embarcações carregados de grãos causará impactos na vida das comunidades que vivem com o rio Tocantins: morte dos peixes, assoreamento dos rios, entre outros reflexos.
Os atingidos por barragens não têm suas condições de melhoria de vida asseguradas no processo de construção das barragens, e acabam se tornando uma população extremamente vulnerável. Soma-se a isso o verdadeiro estado de exceção vigente no Brasil e, em especial, na Amazônia brasileira. Na região em que a Dilma vivia, assim como em grande parte da Amazônia, há um contexto similar: a disputa pela ocupação da terra, conflito entre pequeno agricultores e comunidades tradicionais com os grandes fazendeiros (gado e agrocommodities) e grandes empreendimentos.
O que aconteceu com Dilma é resultado da política sistemática de extermínio dos defensores dos territórios e os direitos dos povos que vem sendo executada no Brasil. As ações são carregadas de injustiça e impunidade contra as/os lutadoras/res. Empresários e acionistas internacionais com o apoio do Estado estão dispostos a exterminar os seres humanos e o patrimônio ambiental para garantir o lucro dentro do modelo de acumulação e desapropriação. Com a ascensão do neoliberalismo sob os territórios se intensifica a luta e resistência em defesa da vida e dos direitos. Consequentemente, a perseguição a todas e todos que se levantam contra esta lógica de extermínio. Todo esse contexto de lucro global, resulta em violências locais, muitas vezes, sanguinárias como o assassinato de Dilma.
“Nós somos as verdadeiras Marias, guerreiras, lutadoras que estão aí no desafio da luta do dia a dia”, disse Dilma Ferreira às mulheres atingidas na ocasião do encontro nacional de 2011 do MAB. Ela deixa um legado da luta da mulher amazônica, que resistiu até o fim de sua vida, que seguiu lutando para garantir os direitos dos povos. Independentemente do tamanho do inimigo, ousou continuar a luta. Mulher aguerrida, Dilma era também mãe, deixou uma filha de 24 anos.
Por Dilma, por sua luta, continuamos lutando!
Águas para vida, não para morte!
Para celebrar a memória da vida e da luta de Dilma, conversamos com Soniamara Maranho, Tchenna Maso e Cleidiane Vieira, companheiras da Coordenação Nacional da Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), sobre a situação dos defensores dos direitos dos povos no Brasil e o contexto atual na região de Tucuruí. Ouça aqui.
A realidade de violações de direitos enfrentada por comunidades do mundo todo foi o destaque do evento “Direitos dos Povos e Defesa dos Territórios: Resistências no Brasil e no Mundo”, organizado na noite de quinta-feira (16), no Clube de Cultura, em Porto Alegre, pela Amigos da Terra. A atividade aberta também integrou o encontro internacional de representantes da organização.
Com os territórios impactados por grandes projetos de mineração e de infraestrutura, a ofensiva pelos bens comuns têm provocado a perda de direitos das populações tradicionais, que diante do poderio econômico das empresas transnacionais frente ao estado, ficam ainda mais vulneráveis.
Presidente da Amigos da Terra Internacional, a uruguaia Karin Nansen manifestou solidariedade ao povo brasileiro pelos ataques conservadores que vêm retirando direitos no país.
O primeiro debate também contou com a presença do representante do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS), Júlio Alt, e da advogada Consuelo da Rosa. Consuelo destacou que com a conjuntura atual, a proteção aos ativistas de direitos humanos será cada vez mais necessária. O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a ter um Programa Defensores e Defensoras de Direitos Humanos por decreto, mas a política foi encerrada em 2014. Para Júlio, o contexto pós-golpe acentuou os ataques sobre bens e terras públicas: “Me parece que as terras públicas é o que está em jogo hoje, vide o sucateamento do Incra e da Funai, para impedir as demarcações”.
De acordo com Karin, essa é uma ofensiva sistêmica que não corresponde somente a um país. “O capital quando avança sobre os territórios, seja onde for, avança com muita violência. Por isso, é importante construirmos ainda mais a solidariedade internacional”.
Da Vila Nazaré a Brumadinho, de Mariana a Moçambique
A solidariedade internacional construída para visibilizar o caso da Vila Nazaré, em Porto Alegre, que será removida por conta das obras de ampliação do aeroporto, foi lembrada por Eduardo Osório, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Na Alemanha, país sede da empresa que assumiu a administração do Salgado Filho, a articulação com a Amigos da Terra Alemanha permitiu que uma denúncia fosse lida durante uma reunião para acionistas da Fraport. “Graças à parceria com a Amigos da Terra Internacional essa luta está sendo ressonada”, disse. Parte da comunidade, que corresponde a 15%, será removida para um condomínio com 364 apartamentos. Para o restante, o futuro é incerto.
Daiane Machado, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), relatou que os rompimentos de barragens ocorridos em Mariana e Brumadinho (MG) foram crimes ambientais, sociais e trabalhistas, já que ficou evidente a escolha da Vale em instalar o refeitório e o alojamento dos funcionários abaixo da barragem, em Brumadinho. Em Mariana, após três anos, nenhuma casa foi reconstruída. “Isso exemplifica a extrema violação dos direitos humanos e a exploração dos nossos bens comuns pelo capital”.
A expulsão das populações dos territórios por empreendimentos da Vale também foi ressaltada por Érika Mendes, da Amigos da Terra Moçambique. A Vale explora carvão no país desde 2009. No início da operação, mais de 1.300 famílias foram reassentadas, divididas em duas categorias, rurais e urbanas, segundo critérios que não ficaram claros. As famílias perderam infraestrutura e serviços de educação e saúde. “Elas nem sabiam que direitos tinham, porque as empresas sempre chegam com algum representante do estado junto, e as pessoas acham que devem sair”, contou.
Tratado Vinculante
Para tentar limitar o poder das corporações transnacionais, Letícia Paranhos, da Amigos da Terra Brasil, destacou a ação de mais de 250 organizações que se uniram para a campanha global em defesa da criação de um tratado vinculante no âmbito das Nações Unidas para responsabilizar as empresas transnacionais que cometam crimes ambientais e sociais e violem direitos humanos. O objetivo é construir uma nova legislação internacional. “A luta contra as transnacionais é urgente. É preciso acabar com a arquitetura da impunidade que existe hoje, para se ter justiça ambiental”, afirmou.