Nota de solidariedade à comunidade quilombola Vista Alegre (Maranhão). Alcântara é quilombola!

 

A comunidade quilombola Vista Alegre é uma das 150 comunidades residentes no território de Alcântara (Maranhão), reconhecida pelo Estado Brasileiro desde 2004. Há anos, as comunidades da região têm conflitos com a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) pela Aeronáutica, que tem restringido o acesso ao território, disputando a terra com projetos de expansão, e inúmeras ameaças às comunidades. O município de Alcântara integra a região metropolitana de São Luís, sendo a luta das comunidades quilombolas pelos seus direitos territoriais na região um dos casos mais emblemáticos da causa quilombola no país. Isso se deve tanto pelo tamanho do território como pela ancestralidade da ocupação, que remonta o século XVIII.

No último mês, a Polícia Federal realizou uma reintegração de posse violenta, afetando a vida de 50 famílias. O despejo foi resultado da ação movida pela Advocacia Geral da União (autos nº. 1003280.80.2022.4.01.3700, 3ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Maranhão) contra a construção de um pequeno restaurante no local, que estava desativado desde maio de 2022. Não houve qualquer tentativa de construção de mediação do conflito, mesmo se tratando de território quilombola e da previsão expressa na legislação para uso do mesmo.

Representantes das comunidades estiveram em contato com a Casa Civil, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério da Igualdade Racial, Ministério da Justiça e Segurança Pública e secretarias estaduais para intermediar um diálogo, sem que obtivessem resposta até hoje.

As comunidades quilombolas sentiram-se desrespeitadas com a presença da Polícia Federal em suas casas, intensificando as já tensas relações entre as comunidades e a presença da Força Aérea Brasileira (FAB). Ainda que o conflito envolvesse um agente privado, este estava dentro de uma organização coletiva do território, de modo que afetou a todos os membros da comunidade, em desrespeito a seus modos de vida culturais.

A Amigos da Terra Brasil manifesta sua solidariedade às comunidades quilombolas, colocou-se como parceiro na defesa do território étnico quilombola de Alcântara em sua inteireza e plenitude. Afirmamos, em coro com as comunidades, que Alcântara é quilombola! Clamamos ao Estado brasileiro que tome medidas para construir uma mediação do conflito em acordo com os aprendizados da ADPF nº 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). De igual modo, recomendamos o cumprimento das diretrizes estabelecidas na Resolução nº 10/2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos. 

 

Amigos da Terra Brasil (ATBr)

 

HONDURAS: Ao menos oito pessoas defensoras socioambientais assassinadas em um mês

Entrevista com Elsy Banegas, lutadora social e coordenadora da Coordenação de Organizações Populares do Aguán (COPA) 

Uma semana depois do início do ano, Jairo Bonilla e Alí Domínguez foram assassinados enquanto trabalhavam em Concepción, departamento de Colón, a poucos quilômetros de sua comunidade, Guapinol. Ambos eram defensores dos rios Guapinol e San Pedro, e do Parque Nacional Montaña de Botaderos, também chamado Carlos Escaleras, onde nascem 34 fontes de água.

Dez dias depois e na mesma região, Omar Cruz, presidente da cooperativa camponesa Los Laureles e membro da Plataforma Agrária do Vale do Aguán, e seu sogro Andy Martínez tiveram o mesmo destino.

As comunidades ancestrais de Garífuna também foram alvo de perseguição e assassinatos no primeiro mês do ano. Após os primeiros 15 dias de janeiro, três jovens originárias de Travesía, Janahira Aranda, Ana Castillo e Cristy Espinosa, foram assassinadas em sua comunidade, perto de Puerto Cortés, no departamento de mesmo nome. O mês terminou da mesma forma, com o assassinato do líder socioambiental Ricardo Arnaúl Montero, garífuna integrante do Comitê de Defesa da Terra Triunfo de la Cruz, mesma comunidade onde quatro defensores garífunas desapareceram há mais de dois anos, localizada na Departamento de Atlantis.

O paradoxo: defender a vida significa encontrar a morte

Os interesses pelas terras e fontes de água de Honduras são multiplos e todos impactam da maneira mais crua as comunidades que vivem na terra e da terra. O extrativismo com seus projetos de minerários e agroindustriais, a interferência histórica dos Estados Unidos, o turismo de elite que almeja as costas do Mar Caribe, a trama da impunidade e os amigos que o ex-presidente Juan Orlando Hernández deixou antes de sua extradição a processos por tráfico de drogas, se unem no mesmo país e empregam sua violência de diversas formas: perseguições, ameaças, assédio, criminalização e assassinatos a sangue-frio.

A dirigente Elsy Banegas, membro do Sindicato dos Trabalhadores do Instituto Nacional Agrário (SITRAINA) e coordenadora geral da Coordenação de Organizações Populares Aguán (COPA), falou com a Rádio Mundo Real. A COPA é integrada por organizações camponesas, sindicais e de mulheres da região de Aguán, área que quase perdeu a conta de suas mortas e mortos por defender o direito à terra, à natureza e aos direitos humanos.

Banegas vive na própria pele a lógica que a oligarquia hondurenha instalou em sua região para apropriar-se de suas terras. Seu filho, Fernando Alemán Banega, foi assassinado em outubro de 2016. Não é por falta de organização e luta que essas áreas são cercadas por pistoleiros, paramilitares e agentes de segurança de empresas mineradoras ou agroindustriais. É graças a uma estrutura de violência e impunidade cravada na história do país.

A coordenadora da COPA contou que o Vale do Aguán foi incluído em um processo de reforma agrária “que garantisse às famílias camponesas um modo de vida que permitisse justiça social no campo, com regularização fundiária”. Mas, segundo a dirigente, ao longo dos anos os diversos interesses empresariais têm impedido e os governos têm procurado “sempre favorecer a oligarquia nacional”. Desde 2014, a COPA está sujeita a uma medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela violência incessante, mas isso não impediu os assassinatos. Quanto a isso Banegas é assertiva, porque é uma realidade cotidiana para ela e sua organização: as mineradoras e as agroindústrias não param de pressionar os governos e ameaçar o campesinato. “Temos visto vontade política porque se assinam acordos (…), mas a realidade é outra”.

Uma história de impunidade

“Os defensores dos dois rios estão presos e os responsáveis ​​pelos saques e altos índices de corrupção do país andam livres.” Com esta frase, Banegas sintetiza uma história de impunidade. Mas a história não é só de injustiças e corrupções, mas também de lutas e resistências para mudar essa realidade e das memórias que essas lutas guardam.

O Parque Nacional Botadero recebeu a denominação de Carlos Escaleras em 2014, com base em uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que responsabilizou o Estado hondurenho pelo assassinato, em 1997, de Escaleras, ativista que lutou contra o instalação de uma planta de extração de óleo de palma dentro do parque, próximo ao Rio Guapinol. É precisamente lá que hoje se projeta a instalação de uma planta de pelotização de ferro do megaprojeto de mineração Inversiones Los Pinares, ao qual resiste a comunidade de Guapinol. Los Pinares é propriedade de Lenir Pérez, um grande beneficiário do narco-estado que Hernández deixou ancorado.

A empresa faz parte do conglomerado de capital EMCO, que também abriga a ECOTEK, a maior usina de processamento de óxido de ferro da América Central que, segundo denúncia da comunidade organizada de Guapinol, opera sem licença ambiental dentro de área protegida do Parque Nacional Serra Botadero.

Estamos defendendo a água e com ela a vida”, disse Banegas com convicção, e detalhou quais são as ferramentas dos poderes hondurenhos para fazê-los desistir. “Começa com um processo de difamação, depois tentam comprar dirigentes, quando não te compram (…) criminalizam-te, uma criminalização que é reflexo do desvio da aplicação da justiça, com mentiras, invenções, com processos encomendados por empresas mineradoras ou agroindustriais, e se não te matam”.

Como resultado dos primeiros assassinatos do ano, várias organizações nacionais como o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), a Coalizão Contra a Impunidade de Honduras, o Comitê Municipal em Defesa dos Bens Comuns e Públicos, entre muitas outras, e entidades globais como a Anistia Internacional e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, emitiram declarações de solidariedade e exigiram investigações independentes.

Sobre essas petições e reivindicações, Banegas informou que ainda não têm nenhuma resposta concreta, embora já tenham apresentado todas as denúncias nos locais correspondentes e frisou que vão continuar insistindo em sua reivindicação. 

Entre o dito e o feito

A imparcialidade da polícia e da justiça não é garantida em Honduras e há vários motivos para desconfiança. Logo após os assassinatos de Ali e Jairo, a polícia informou que as mortes foram decorrentes de roubo e descartou que o crime tivesse ligação com questões ambientais. Isso gerou forte rejeição da comunidade organizada de Guapinol.

Em 2 de fevereiro, a mesma comunidade emitiu um comunicado no qual afirmava: “não há confiança nem no Ministério Público nem na Polícia de Tocoa para realizar uma investigação independente neste caso. Eles já demonstraram sua parcialidade e são responsáveis ​​por usar provas ilegais para criminalizar os defensores da área, incluindo Ali, e despejar violentamente o acampamento Agua y Vida em Guapinol. Em 19 de janeiro, a família de Alí Domínguez solicitou a transferência do caso para a Promotoria de Crimes Contra a Vida com o apoio da ATIC [Agência Técnica de Investigação Criminal], mas a Procuradoria Geral da República não respondeu”.

Ali Domínguez foi um dos 32 ativistas processados ​​por defender o rio em 2018, quando Los Pinares tentava instalar sua mina de óxido de ferro. Dá para entender que não é coincidência, e a desconfiança aumenta, que o promotor que os mandou para a cadeia naquela época seja o mesmo que hoje tem as causas dos assassinatos.

O mesmo acontece com a Polícia. Banegas conta que em 9 de janeiro, enquanto os seguranças privados da empresa DINANT disparavam gás e balas de borracha contra as famílias da cooperativa El Chile, a Polícia assistia e até ria. Uma informação importante: a empresa DINANT ligada ao agronegócio e alimentos ultraprocessados ​​pertence à família de empresários Facussé, a mesma contra a qual Escaleras lutou nos anos 1990.

Tanto a Procuradoria Geral da República quanto o Ministério Público foram nomeados pelo governo de Juan Orlando Hernández e seus mandatos constitucionais ainda estão em vigor. Sob a proteção da constituição, ambos os poderes agem com total impunidade. Atualmente, Honduras está em processo eleitoral para a formação de uma nova Corte Suprema de Justiça e ainda não definiu a nomeação do novo Conselho Fiscal, o que dá esperança de um sistema judicial melhor.

Ontem e hoje o Aguán resiste, não haverá exceção

“Neste quadro em que temos um novo governo, ainda há esperança de que neste segundo ano possam realmente ser procuradas alternativas, que só se têm manifestado numa vontade política de resolver os diferentes problemas. Ao longo deste ano vimos, sentimos e sofremos a violência dessas empresas”.

A Secretaria de Direitos Humanos do governo nacional estava presente no território quando os assassinatos de janeiro se tornaram públicos. No dia 23 de janeiro, aquela Secretaria concedeu uma coletiva de imprensa no local.

Banegas mencionou que em fevereiro de 2022 foi assinado um acordo entre o Ministério do Desenvolvimento e Inclusão Social, o Ministério da Segurança, o Instituto Nacional Agrário e 29 cooperativas agrícolas, “para a solução do Conflito Agrário relacionado com a Recuperação das Terras do Reforma Agrária em Bajo Aguán”. Em julho do mesmo ano, a Plataforma Agrária, com base nesse acordo, fez uma nova petição para acabar com a violência, ter acesso às suas terras e à justiça.

As comunidades Aguán trabalham em estreita colaboração com a Organização Fraternal Negra Hondurenha (OFRANEH) e as comunidades Garífuna que sofrem a mesma situação de desapropriação e violência, vários quilômetros ao norte.

“Estamos exigindo justiça e esclarecimentos, que se cancelem os megaprojetos como é o caso de Los Pinares, e que se entreguem as terras da reforma agrária aos campesinos que foram espoliados ilegalmente, as quais elas pertencem”, disse Banegas. “Nós temos uma luta pacífica, baseada em direitos legítimos (…), e somos vítimas da grande violência que nos estão impondo”. 

Conteúdo traduzido da página da Rádio Mundo Real,  publicado no dia 24 de fevereiro de 2023, no endereço/link: https://rmr.fm/entrevistas/honduras-al-menos-ocho-defensores-as-socio-ambientales-asesinados-as-en-un-mes/

Vozes à prova de bala: conheça a história do ativista Guilherme Pérez

Conforme dados do Sistema de Informações de Agressões a Defensores de Direitos Humanos (SIADDH) da organização Somos Defensores, de 2016 a setembro de 2018 295 defensoras e defensores dos direitos humanos foram assassinados e outros 1046 sofreram ameaças na Colômbia.

Em função disso, a melhor forma de proteger aqueles que estão ameaçados neste momento é os transformando no centro das atenções e compartilhando suas ideias com o mundo, para que todos possam entender que suas lutas transcendem as suas comunidades, porque eles simplesmente têm “vozes à prova de bala”.

Este é o nome da campanha que toma os discursos de 11 defensoras e defensores dos direitos humanos que estão ameaçados na Colômbia. Com trechos de suas falas e ilustrações que remetem a elas e eles, busca-se que as vozes destas mulheres e homens cheguem a todo o mundo para que suas ideias tomem vida e possamos compreender que suas lutas cotidianas beneficiam ao país e ao continente latino-americano como um todo.

Esta iniciativa, realizada pelo programa não governamental de proteção a defensores de direitos humanos “Somos Defensores”, com apoio de artistas e meios de comunicação, mostra a diversidade de defensores de direitos humanos, ressaltando os defensores comunitários, regionais, dos direitos ambientais, de mulheres, de jovens, dos trabalhadores, das comunidades campesinas, indígenas, quilombolas, LGBTQ, entre outros.

A Amigos da Terra Brasil, em parceria com a Rádio Mundo Real, somam-se a difusão desta campanha para dar voz aos defensores do campo e da cidade que lutam cotidianamente, superando o medo, a falta de garantias, riscos e agressões iminentes a que estão expostos. Hoje conhecemos a história de Guilherme Pérez.

“Sou o representante da Associação de Campesinos e Comunidades Sem Terra da província de César. Desde então, viemos trabalhando pela defesa dos direitos campesinos, a restituição de terras e a defesa do território.

Desde o ano 2015 venho denunciando as capturas ilegais de líderes campesinos da serra de Perija (no norte do país) por parte da fiscalía (organismo independiente relativo ao poder judiciário da Colombia) e do exército com o plano de enfraquecer a luta pela defesa do território.

Também venho acompanhando as comunidades do corredor de mineração da província de César que se opõe a expansão da exploração de carbono, os danos ambientais e a desapropriação de terra por parte das multinacionais DRUMMOND e PRODECO.

Acompanhamos as assembleias campesinas pela restituição e a qualidade de vida em sua luta para que les restituiam suas terras desapropriadas por milicias e hoje dadas a concessão minera.

Recebi ameaças por diferentes meios de ligações telefônicas, emails em nome da organização Autodefensas Gaitanistas da Colômbia. Enviaram-me panfletos [com ameaças] para minha casa. Em várias ocasiões sujeitos armados encapuzados em motocicletas me entimidaram me acusando de guerrilheiro ‘filho da puta’ e que iriam me assassinar. Além disso fui perseguido em meus deslocamentos e também as minhas filhas. Também recebi ameaças de judicialização e intimidação da institucionalidade”.

Ouça o áudio original aqui.

 

Vozes à prova de balas: conheça a história da colombina Marta Lopez Guisao

Conforme dados do Sistema de Informações de Agressões a Defensores de Direitos Humanos (SIADDH) da organização Somos Defensores, de 2016 a setembro de 2018 295 defensoras e defensores dos direitos humanos foram assassinados e outros 1046 sofreram ameaças na Colômbia.

Em função disso, a melhor forma de proteger aqueles que estão ameaçados neste momento é os transformando no centro das atenções e compartilhando suas ideias com o mundo, para que todos possam entender que suas lutas transcendem as suas comunidades, porque eles simplesmente têm “vozes a prova de bala”.

Este é o nome da campanha que toma os discursos de 11 defensoras e defensores dos direitos humanos que estão ameaçados na Colômbia. Com trechos de suas falas e ilustrações que remetem a elas e eles, busca-se que as vozes destas mulheres e homens cheguem a todo o mundo para que suas ideias tomem vida e possamos compreender que suas lutas cotidianas beneficiam ao país e ao continente latino-americano como um todo.

Esta iniciativa, realizada pelo programa não governamental de proteção a defensores de direitos humanos “Somos Defensores”, com apoio de artistas e meios de comunicação, mostra a diversidade de defensores de direitos humanos, ressaltando os defensores comunitários, regionais, dos direitos ambientais, de mulheres, de jovens, dos trabalhadores, das comunidades campesinas, indígenas, quilombolas, LGBTQ, entre outros.

A Amigos da Terra Brasil, em parceria com a Radio Mundo Real, somam-se a difusão desta campanha para dar voz aos defensores do campo e da cidade que lutam cotidianamente, superando o medo, a falta de garantias, riscos e agressões iminentes a que estão expostos.

Na sequência, a história de Marta López Guisao, representante de comunidades vulneráveis en Urabá Chocoano e Antioqueño (no noroeste da Colombia), vítima da ação de milícias e do controle do exército na Comuna 13 de Medellín durante a operação Orión. Sua irmã Alicia López foi assassinada em 2017 com seis disparos.

“Meu nome é Marta Lopez Guisao, sou de origem campesina. Meu envolvimento como líder social e defensora dos direitos humanos iniciou ainda muito jovem no município de Apartadó; ali iniciei uma sequência de ações. Fui professora voluntária de 150 meninas e meninos que não tinham este direito garantido. Em 1992, sofri meu primeiro despejo por ameaças e atentados contra minha vida.

Na cidade de Medellín, segui meu trabalho de liderança no bairro em que vivia. Um bairro que se formou a partir da recuperação de terra, e onde, por isso, não havia investimentos do Estado. Nesta comunidades começamos a resolver nossas próprias necessidades e garantir os nossos direitos. Foi assim que construímos o colégio em que fui professora voluntária. Construímos um posto de saúde, escoamento de esgoto, um parque e uma cancha poliesportiva. Infelizmente, fomos surpreendidos pela Operação Mariscal e pela Operação Orión, em que nos declararam como alvo militar, cujo fim era assassinar toda a nossa família, pois todas somos líderes sociais e defensores de direitos humanos.

Saímos de Medellín. Fui trabalhar nas comunidades do sul de Bolívar na zona mineira. Ao sul, por San Pablo, uma incursão do exército junto a milícias sequestraram uma família. Os encontramos em dois acampamentos de milicianos onde nos maltrataram e me apontaram um fuzil. Em Bogotá também sofri perseguições, o que me levou a sair do país por vários anos.

Quando voltei, fui trabalhar com as comunidade em Chocó. Depois de 15 anos longe de Medellin e do bairro em que fomos despejada, assassinaram minha irmã Alicia López Guisao, em 2 de março de 2017. Novamente somos ameaçados e sou obrigada a sair de Chocó. Minha luta seguirá ainda que me persigam”.

Ouça o relato e leia a reportagem original no site da Radio Mundo Real!

Direitos Humanos: entidades pedem reparação a povos indígenas que sofreram violações no RS durante a Ditadura

Entrega de documento ao Ministério Público Federal foi realizada no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos

Representantes indígenas e um grupo de organizações, no qual a Amigos da Terra participa, protocolaram no dia 10 de dezembro junto à Procuradoria dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, uma representação apontando as violações sofridas pelos indígenas no Rio Grande do Sul durante à Ditadura Militar no Brasil e pedindo a reparação para essas populações.

O documento foi redigido pela Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP) e apresenta vídeos, fotos e relatos que demonstram como os indígenas foram tratados pelos militares no estado.

“O objetivo da ação é a busca pela reparação desses povos, de violações que tem desdobramentos até hoje, como torturas, tomadas de territórios, territórios esses que ainda buscam demarcação em um tamanho menor do que eram antes, por exemplo”, explica Rodrigo de Medeiros, advogado membro do RENAP.

No interior gaúcho, com a intensificação de exploração da madeira, trabalhos forçados e apropriação de terras contribuíram para expansão do agronegócio. Há ainda os mortos e desaparecidos.

Após o fim do trabalho da Comissão Nacional da Verdade, a própria comissão ressaltou que as violações em relação aos indígenas precisavam de aprofundamento.

Segundo Rodrigo, ações parecidas como essa foram feitas também em Minas Gerais e Roraima, apontando casos que ocorreram em reservas nesses estados.

As megaempresas e os interesses que atravessam a reintegração de posse do Quilombo do Lemos

Texto de Douglas Freitas

Potente a matéria da Débora Fogliatto no Sul21 em cima das declarações racistas do Presidente do Asilo Padre Cacique. Absurdo o que fala Edson Brozoza.

Na matéria, ele diz que o dinheiro oriundo do aluguel de 33 imóveis que o Asilo possui não é suficiente para sustentar o local. Nós, como Revista Bastião, temos que prestar contas por acreditar na transparência financeira; por que não exigimos isso de uma instituição como o Asilo Padre Cacique?

Quais são os interesses no terreno em frente à Orla do Guaíba? A área mais perto do Gasômetro foi recém reformada, e agora tem a administração da manutenção feito pela empresa estadunidense Uber. Ali perto está o Anfiteatro Por do Sol, um dos principais espaços públicos pensados, um palco enorme, a céu aberto, na beira do rio, em que a Samsung prepara seu segundo grande festival de música dos últimos meses. Samsung, da Coreia do Sul, uma das empresas que mais vende celular e provavelmente pensa a inteligência artificial.

Nas ruas centrais, na beira do rio, a Heineken, marca de cerveja holandesa, promoverá uma exibição da corridas de carros da Fórmula 1. Pelas ruas do centro da cidade. As ruas estão trancadas, algumas coms entido invertido, vários agentes da EPTC – Empresa Pública de Transporte e Circulação (oficial) mobilizados nestes últimos dias. Trânsito prejudicado. Faz dois dias que ruas calmas estão congestionadas, com motoristas apressados. Seguirão assim nos próximos dias. Onde estão os repórteres que alertam para o transtorno no trânsito que um protesto provoca? Onde estão as pessoas que diz que o mais significativo de uma manifestação é o seu impacto no trânsito? E a Heineken e o Marchezan? O que a Heineken está investindo na Prefeitura de Porto Alegre?

Em uma área há alguns metros do Somos Quilombo Lemos, existe o Pontal do Estaleiro. Área em frente a Fundação Iberê Camargo, na beira do Rio. Ali surgirá um dos três Hub de Saúde. Parceria da Hospital Moinhos de Vento, Grupo Zaffari, Construtora Melnick Evens, em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre. Shopping Borboun e hospital no mesmo espaço. Vai ser mais fácil cuidar dos seus velhos no hospital podendo comer um Big Mac entre uma dormida e um horário da visita. Quantos terrenos o Grupo Zaffari possui na cidade? E, pensando no Hub de Saúde, você acha que você vai poder pagar por esse atendimento? Se cortarem o SUS tu acha que as empresas privadas vão construir hospitais para os pobres ou classe média? Vão construir é para os ricos, como esse Hub de Saúde. A não ser que achem um jeito de lucrar ainda mais com as nossas doenças. Ou usar corpos em situação de vulnerabilidade para seus experimentos, como a empresa Bayer (aglutinada com a maior empresa de agrotóxicos do planeta, a Monsanto), que fechou um convênio com a Prefeitura de Porto Alegre para doar medicamentos ultraconceptivos de longa duração (processo de esterilização?!?) para mulheres que vivem em abrigos de Porto Alegre. Considerando que a maioria das mulheres nesta condição são negras, seria essa ação uma ação de eugênia? De evitar que pessoas negras nasçam? É um absurdo testar fórmulas químicas em qualquer ser vivo, principalmente quando se usa a força o aparato do Estado e a situação de vulnerabilidade das pessoas – que se for a fundo, se vê que também é provocada pelo Estado e pelos seus tentáculos (latifundiários, milícias, empresas multinancionais, racismo estrutural).

O processo de reintegração de posse do Quilombo do Lemos começou em 2008, anos antes antes da Copa de 2014 (o terreno do Quilombo fica quase em frente ao Estádio Beira Rio, estádio que sediou jogos da Copa na cidade). Copa, megaevento produzido pela FIFA que arrasou vilas inteiras de Porto Alegre, jogando comunidades para ocupações vulneráveis ou para vilas mais periféricas, ignorando condições de trabalho, exposição a toda uma nova dinâmica de deslocamento. Fora todo transtorno de uma vida expulsa pelo Estado, sem nenhuma consideração, planejamento ou dignidade.

É nessa cidade, é na influência dessas empresas, é legitimado pelas ideias e exposições públicas do presidente Bolsonaro, com esse contexto, que o Presidente do Asilo diz que os moradores da Família Lemos devem sair. Ele está dizendo que os quilombolas, descendentes de quem construiu aquele Asilo e cuidou da manutenção do lugar por anos, não merecem estarem ali. Pessoas descendentes de pessoas mais velhas, negras, que dedicarm seu tempo, sua vida, para cuidar dos idosos brancos. E hoje o Asilo quer colocar os mais velhos dessa família na rua.

O Asilo Padre Cacique diz que negros não podem estar na Beira do Rio, principal área de interesse especulativo na cidade. Quais os interesses na encosta do Morro Santana? Quantos condomínios cabem no Mato atrás do Quilombo e do Asilo Padre Cacique? O interesse, ao fim e ao cabo, é racista e é territorial. Contra isso que temos que nos opor e fincar pé.

Leiam o que diz o presidente do Asilo para a repórter Débora Fogliatto:

“Segundo ele, funcionários foram ameaçados com facão e houve também ameaças por parte dos moradores de invadir o asilo. Brozoza disse que irá dormir no local e que, se houver invasão por parte da família, “vai dar morte”. “Eles só vão entrar no asilo passando por cima de mim. Uma dezena pelo menos, eu levo pro inferno. Não vão explorar o asilo, tomar conta do patrimônio do asilo”. Embora de início tenha falado que os moradores eram “invasores”, depois contou a história de como a família chegou ao local. “Na marra, no tapetão, ninguém vai ganhar, e esses invasores vão sair daí nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida, de qualquer jeito. E se invadirem nosso lar, vai dar morte”, colocou.

Negociações sobre corporações transnacionais e direitos humanos registram participação recorde em Genebra

Ocorreu esta semana em Genebra, na Suíça, a quarta rodada de negociações sobre um tratado internacional que responsabilize empresas transnacionais por violações de direitos humanos ao redor do mundo. Com contribuições poderosas de populações atingidas, a participação construtiva dos Estados e dissociação da UE das conclusões, uma nova sessão, a quinta, foi confirmada para 2019, quando será negociada uma versão revista.

20 de outubro de 2018, Genebra: na sexta-feira, dia 19, as negociações foram concluídas após a discussão de importantes propostas: os Estados reconheceram que o diálogo se concentrava no conteúdo do esboço zero de um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre corporações transnacionais e outras empresas na área de direitos humanos e observou as contribuições recebidas por um número sem precedentes de atores relevantes.

Representantes de 94 países e cerca de 400 delegados de organizações da sociedade civil, incluindo representantes de 20 países da Amigos da Terra Internacional, juntaram-se em Genebra para a quarta sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental (GTI4), resultando na confirmação de uma quinta sessão de negociações baseada numa versão revista do texto do tratado.

Representantes das populações atingidas por violações sistemáticas de direitos humanos perpetradas por corporações transnacionais partilharam detalhes sobre as ameaças às suas vidas e meios de subsistência, na sua luta por justiça. Estas são as pessoas que estão a reformular a lei de direitos humanos, desde a base.

A Amigos da Terra Internacional continuará ativamente envolvida, a trabalhar com os movimentos sociais e os membros da sociedade civil que fazem parte da Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, as coalizões nacionais que formam parte de uma crescente Aliança pelo Tratado e outros atores importantes incluindo parlamentares e autoridades locais de todo o mundo, de forma a continuar a submeter propostas construtivas.

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Representantes de 94 paísese cerca de 400 delegados de
organizações da sociedade civil, incluindo representantes de 20 países da Amigos da Terra Internacional, juntaram-se em Genebra para a quarta sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental (GTI4), resultando na confirmação de uma quintA sessão de negociações baseada numa versão revista do texto do tratado
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Como explicou Lúcia Ortiz, Coordenadora do Programa de Justiça Econômica da Amigos da Terra Internacional, “continuaremos a participar ativamente, e aguardamos ansiosamente pelas futuras sessões necessárias para cumprir com o mandato da Resolução 26/9 – regular, com uma lei internacional de Direitos Humanos, as atividades das corporações transnacionais e outras empresas. Foi decepcionante que as recomendações do Presidente do GTI não fizessem referência aos debates vitais dos últimos quatro anos, tal como os contidos no Documento de Elementos, bem como a falta de participação construtiva de alguns estados que não puderam ainda se associar às negociações nesta fase avançada que inclui questões procedimentais e substanciais. O que é essencialmente necessário para regular as grandes empresas que controlam complexas cadeias globais de produção são regras concretas para essas empresas, baseadas em obrigações diretas para que as corporações transnacionais respeitem os direitos humanos. Este é o caminho para acabar com as violações de direitos humanos que afetam milhões de pessoas e os seus meios de subsistência em todo o mundo.”

Representantes da Amigos da Terra Internacional contribuíram com propostas técnicas ao lado de especialistas, acadêmicos, advogados e representantes de populações atingidas, enraizadas em contextos nacionais e regionais e em experiências de resistência de base comunitária.

Kwami Kpondzo, Amigos da Terra Togo em nome da Amigos da Terra África, relatou, “tenho orgulho de ver os estados Africanos – 54 no total, representados pelo Togo – unidos por um compromisso de apoiar este tratado urgentemente necessário, como uma forma de corrigir os erros de décadas de impunidade corporativa. Fiquei inspirado pela liderança da África do Sul como co-patrocinadora da resolução 26/9 e uma inspiração para um crescente número de estados que apoiam o processo do tratado, defendem o mandato do GTI e apresentam contribuições incisivas para preencher as lacunas existentes na regulação das corporações transnacionais”.

Mageswari Sangaralingam, Amigos da Terra Malásia, afirmou: “a Amigos da Terra Ásia e Pacífico sente-se encorajada pelo apoio contínuo de países como a Indonésia e as Filipinas num tratado vinculativo que responsabilizará as corporações transnacionais e as suas cadeias de suprimento pelos seus crimes ambientais e violações de direitos humanos. Acreditamos firmemente que este tratado vinculativo é um instrumento para os países em desenvolvimento e para as populações. Apelamos a todos os países e sociedade civil da região da Ásia e Pacífico que se envolvam mais neste tratado para que possamos efetivamente respeitar, proteger e fazer cumprir os direitos das nossas populações e meio ambiente”.

Ike Teuling, Amigos da Terra Europa, comentou: “apesar da notável presença da sociedade civil Europeia em Genebra, a UE não participou de forma substancial no processo, ignorando descaradamente uma resolução recém-adotada pelo Parlamento Europeu em apoio ao tratado vinculativo. Com a exceção de uma única intervenção da França sobre o conteúdo, eles permaneceram em silêncio durante a maior parte das negociações e até saíram da sala durante as discussões em torno das conclusões do grupo de trabalho. Numa declaração final, a UE dissociou-se das conclusões, isolando-se assim do consenso alcançado por todos os outros países. É claro que a UE está a alinhar-se com as empresas e não com as populações cujos direitos estão a ser violados por corporações transnacionais Europeias”.

Alberto Villarreal, da Amigos da Terra América Latina e Caribe, acrescentou: “as populações afetadas devem estar no centro deste processo. Esperamos, portanto, uma nova versão mais ambiciosa, uma que corresponda às suas expectativas e grite por justiça e pelo fim da impunidade. Exigimos também uma garantia de que os ativistas e defensores de direitos humanos continuarão a ser bem-vindos no Conselho de Direitos Humanos. Ficámos altamente preocupados com o questionamento de alguns estados em relação aos direitos das vítimas e dos representantes da sociedade civil de apresentarem os seus depoimentos. Por outro lado, muitos países congratularam a nossa paixão, depoimentos e contribuições substanciais para o texto do tratado e para o processo no geral”.

Para a Amigos da Terra e para a Campanha Global, os aspectos chave que devem ser incluídos na próxima versão e durante as consultas informais antes da quinta sessão incluem: o foco nas corporações transnacionais e em empresas com atividades transnacionais, conforme estabelecido pela resolução 26/9; obrigações diretas e responsabilização criminal, civil e administrativa pelas violações de direitos humanos por parte de corporações transnacionais; um tribunal internacional de corporações transnacionais e direitos humanos; a primazia dos direitos humanos sobre os acordos de comércio e investimentos; a proteção do processo do tratado de influência indevida por parte das corporações e seus representantes; e a garantia de uma participação segura da sociedade civil em todo o processo.

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