Negociações históricas na ONU revelam os vínculos entre a impunidade de empresas transnacionais e o imperialismo

O genocídio em Gaza marca a 9ª Sessão de Negociações nas Nações Unidas (ONU) em torno de um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos. 

24 de outubro de 2023, Genebra: 

Esta semana (do 23 ao 27 de outubro) os Estados membros das Nações Unidas retomam negociações históricas na 9ª Sessão de Negociações nas Nações Unidas (ONU), em Genebra, com o intuito de elaborar um instrumento internacional juridicamente vinculante para regular, no direito internacional dos direitos humanos, as atividades de empresas transnacionais. 

A participação constante de membros de comunidades afetadas pelas atividades de empresas transnacionais, organizações da sociedade civil, sindicatos e movimentos sociais faz com que este seja um dos processos com maior respaldo social na história de negociações de tratados em direitos humanos da ONU. A Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade (Campanha Global | #StopCorporateImpunity), representando mais de 260 milhões de pessoas no mundo que sofrem abusos das empresas transnacionais, voltou a contribuir decisivamente nas negociações que estão ocorrendo em Genebra. 

Durante a abertura da sessão de negociações, um grande número de Estados bloqueou a adoção do programa de trabalho, devido às suas preocupações sobre o fracasso do novo documento em incorporar os seus pontos de vista e abordar o mandato central do tratado de se concentrar nas transnacionais. Esses estados também expressaram preocupações mais amplas em relação a metodologia nada democrática e pouco transparente do presidente do processo, o Equador. 

Especificamente, o grupo africano (representando os 54 estados africanos) tomou a iniciativa e foi apoiado por numerosos delegados de países do Sul Global, como Cuba, Bolívia, Venezuela, Paquistão, Irã e Arábia Saudita. A oposição foi tão forte que o presidente teve que suspender a sessão da manhã em busca de consenso, e só pode continuar depois de aceitar o uso de uma versão do texto com as mudanças que refletiam as propostas prévias dos Estados, que foram eliminadas de maneira injustificada. 

Os delegados da Campanha Global se somaram às preocupações de delegados governamentais durante a reunião. Leticia Oliveira, do Movimento de Atingidas por Barragens (MAB), do Brasil, e da Via Campesina, falando em nome do Instituto Transnacional representando a Campanha Global, disse: “É muito desanimador para todos na sala (e, acima de tudo, para todos que aqui representamos, tanto movimentos sociais quanto Estados), participar de um processo que não é transparente. Ontem, muitas delegações estaduais, que não por coincidência representam os territórios onde ocorre a maioria dos crimes corporativos, manifestaram preocupações sobre o processo e o conteúdo da minuta atualizada.” 

Mohammed Hakech, da Federação Nacional Marroquina de Sindicatos Agrícolas (FNSA), e da Vía Campesina, mencionou: “A presidência não tem autoridade para modificar o mandato deste Grupo de Trabalho se pretende alargar o âmbito de aplicação do projeto de tratado a qualquer tipo das empresa, quando deveria concentrar-se apenas nas empresas transnacionais. Mas, na verdade, foi isso que a Presidência fez. O documento apresentado não terá nenhum impacto na impunidade das empresas transnacionais ou da sua cadeia de valor. Também não contribuirá para a restauração da soberania popular e estatal, prejudicada pelo poder destas entidades, nem para o acesso à justiça para as vítimas.” 

7 delegados [lista abaixo] da Rede Interparlamentar Global (GIN) , uma rede de mais de 200 Membros do Parlamento que apoiam as negociações do Tratado Vinculante da ONU, participaram das negociações e organizaram um evento na ONU expondo os desafios que as empresas colocam ao seu trabalho como representantes eleitos e responsáveis políticos. Em uma declaração compartilhada, eles declararam:  

“O objetivo deste Tratado Vinculante é pôr fim às deficiências jurídicas globais existentes e garantir que as empresas transnacionais sejam responsabilizadas, e acabar com a impunidade que ocorre a nível global e local, direta ou indiretamente, com as suas empresas afiliadas e subsidiárias, que devem responder por atos que ameacem os direitos das pessoas, dos povos indígenas e das comunidades locais, dos territórios e do meio ambiente.”

Quando a sessão de segunda-feira (23) chegou ao fim, representantes das comunidades afetadas e ativistas de todo o mundo reuniram-se em frente ao Palácio da ONU, onde ativistas subiram ao topo do lendário monumento Broken Chair (Cadeira Quebrada) para erguer uma faixa gigante com o slogan: “Direitos dos Povos, Regras para Corporações”. Líderes de comunidades em África, Ásia, América Latina e Europa deram voz às suas experiências com empresas transnacionais que violam os direitos humanos, atacam defensores destes e sindicalistas e destroem meios de subsistência. Muitos ativistas expressaram a sua solidariedade com o povo palestino, usando bandeiras ou lenços (Keffiyeh), ligando a luta global contra a impunidade das empresas transnacionais com o genocídio em Gaza.

O genocídio em curso em Gaza foi um tema recorrente e central das negociações da ONU, e tanto os oradores do Estado como da sociedade civil relacionaram as violações dos direitos humanos ocorridas em Gaza com o trabalho para responsabilizar as transnacionais em matéria de direitos humanos.  Wesam Ahmad, do Centro Al-Haq de Direito Internacional Aplicado, apontou durante o discurso de abertura que: “Aos defensores iniciais deste processo de tratado, incluindo muitos no grupo africano e latino-americano, não deve passar despercebido que as mesmas empresas historicamente envolvidas no sofrimento do seu povo, estão hoje desenvolvendo interesses nos campos de gás natural do Mar Mediterrâneo, enquanto os fabricantes de armas lutam para satisfazer a demanda e se desenvolvem novas rotas comerciais”. A devastação em Gaza não é isolada; é um sintoma de um problema maior – um sistema onde as corporações transnacionais se beneficiam da opressão, dos assassinatos e da destruição apoiando ambições imperiais.”

Associações empresariais, representando milhões de transnacionais e o seu poder de influência neste processo, também estiveram presentes nestas negociações.  

Representantes da Câmara de Comércio Internacional, da Organização Internacional de Empregadores e do Conselho dos EUA para Negócios Internacionais participaram nas negociações, apelando a uma abordagem “colaborativa”. No entanto, estas intervenções e participação da indústria no processo foram veementemente criticadas por representantes da sociedade civil que defendem o tratado. Como disse Erika Mendes da Ja!, Amigos da Terra Moçambique e Amigos da Terra Internacional (Foeint): “A interferência corporativa neste processo é um dos principais obstáculos à garantia de um tratado forte que defenda os direitos humanos e as comunidades em todo o mundo. A interferência constante de frentes corporativas neste processo faz parte de uma tentativa de normalizar a captura corporativa na elaboração de políticas – desde as nossas capitais nacionais até aos corredores das Nações Unidas. É por isso que a sociedade civil que apoia este tratado tem sido unânime desde o início do processo sobre devermos proteger estas negociações, e a implementação do tratado, da captura corporativa.”

O que está evidente desde os dois primeiros dias de negociações é que existe uma força crítica crescente, de governos e da sociedade civil, que está empenhada em garantir um tratado que defenda os direitos humanos, que acabe com a impunidade de empresas transnacionais, e que proporcione acesso à justiça às comunidades em todo o mundo.

Com a contínua violação de direitos humanos e destruição do meio ambiente, não há mais tempo a perder.

Confira fotos do ato na Broken Chair na galeria: 

Conteúdo originalmente publicado na página da Campanha Global, em: https://www.stopcorporateimpunity.org/press-release-historical-negotiations-in-the-un-unveil-linkages-between-transnational-corporate-impunity-and-imperialism/  

 

As negociações de um Tratado sobre empresas transnacionais e direitos humanos na ONU

 

Em 1972, Salvador Allende faz um discurso histórico na Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o acúmulo de poder nas mãos de empresas transnacionais. Naquele momento, países reunidos no projeto político do Terceiro Mundo disputavam os sentidos políticos das Nações Unidas e contestavam a presença das desigualdades sociais e do colonialismo, permitindo o avanço de iniciativas para regulação das empresas transnacionais.

Assim como Allende caiu no golpe de 1973, os demais governos progressistas foram sufocados pelo avanço da onda neoliberal no mundo. Na América Latina, a crise da dívida externa foi asfixiando as economias nacionais e estrangulando governos. Com isso, os espaços do multilateralismo foram cada vez mais ocupados pelo imperialismo norte-americano.

Já em 1999, havia um consenso do papel que as corporações tinham no rumo do desenvolvimento, firmado no Pacto Global. Esse foi apenas o primeiro passo na colonização do imaginário das empresas como atores-chave do desenvolvimento. Dessa forma, expandiu-se a crença de que as empresas transnacionais já não seriam parte do problema das violações aos direitos humanos, mas que teriam as soluções a elas. Por isso, a aposta por mecanismos de voluntariedade ao invés de marcos normativos que responsabilizem as empresas.

Em 2011, esse ideal se consolidou com a edição dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, o chamado Marco Ruggie. Somente em 2014, com a presença de governos progressistas na América Latina no Equador, Bolívia, Venezuela, e na África, especialmente na África do Sul, retoma-se as críticas à atuação das empresas transnacionais. O resultado foi a aprovação da Resolução 26/9 que cria o Grupo Intergovernamental para a construção de um Tratado Juridicamente Vinculante sobre Empresas Transnacionais.

Entre as várias sessões, incluindo ofensivas de boicote, chegamos na 9ª reunião do Grupo de Trabalho, que acontece nesta semana. Dessa vez, é a presidência do grupo, o Equador, que conduz, de maneira arbitrária e sem transparência, para o esvaziamento do conteúdo do texto. Nos últimos anos, o Equador tem cumprindo o papel de retirar conteúdos considerados pelos movimentos sociais e comunidades atingidas como fundamentais para a proposta, tais como a previsão de obrigações diretas às empresas transnacionais pelas violações aos direitos humanos; o foco nas empresas transnacionais; a previsão de uma Corte Internacional. Em sua última movimentação, apresentou um novo borrador para a negociação no qual, de forma antidemocrática, aceita sugestões de determinados países e exclui de outros, sem qualquer justificativa.

Segundo a Campanha Global pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e pela Soberania dos Povos, é preciso focar na atuação das empresas transnacionais, as quais são responsáveis por gerir uma escala global de impunidade, não havendo normas internacionais que as responsabilize. Essas empresas se beneficiam da falta de normativas para promover uma violação estrutural aos direitos humanos. Para a Campanha, é importante inverter a lógica atual do lucro sobre a vida, afirmando a primazia dos direitos humanos frente aos acordos comerciais e de investimento e ao direito econômico. Os anos de voluntariedade não produziram modificações na efetivação dos direitos humanos. Empresas seguem violando, mesmo com suas certificações, relatórios de sustentabilidade, diretrizes e mecanismos de devida diligência. Assim, é preciso equiparar as forças, por isso, avançar para regras para empresas transnacionais.

Movimentos populares e a sociedade civil brasileira estão interessados em visualizar as posições do governo brasileiro. Até agora, o Brasil compôs o Grupo sem apresentar contribuições relevantes às negociações. Inclusive, nos anos pós-golpe e de governo Bolsonaro, a postura foi de cerceamento da presença e atuação da sociedade civil durante as negociações. Além de comentários vexatórios sobre aspectos de gênero no texto. Existem altas expectativas, que durante o Governo Lula, o país possa ter uma postura mais atuante, tanto na abertura para construção com a sociedade civil como num texto que supere a arquitetura da impunidade corporativa efetivamente.

Recentemente, o Ministério das Relações Exteriores recebeu lideranças da Campanha Global e suas propostas para o Tratado. Continua, em aberto, quais delas serão incorporadas nas negociações, e como o ministério dará continuidade aos diálogos com as comunidades, a sociedade civil e os movimentos populares.

No cenário nacional, o Ministério dos Direitos Humanos tem realizado debates sobre o PL nº.572/2022, que versa sobre direitos humanos e empresas, sinalizando a importância de avançar em marcos normativos. Muito embora sua gestão ainda seja marcada por um intenso diálogo com mecanismos como o Pacto Global e empresas. Resta saber qual será a postura do ministério e como influenciará nas negociações do Tratado.

As atuações do governo em espaços internacionais repercute com falas históricas sobre o combate às desigualdades, a preservação do meio ambiente, a proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como a aproximação Sul-Sul. Vale ressaltar, nas últimas semanas, o papel desempenhado pelo Brasil na busca por um cessar-fogo na faixa de Gaza, dentro do Conselho de Segurança da ONU.

E sobre esse tema, não podemos deixar de mencionar que dentre as principais empresas transnacionais está a indústria armamentista, uma das maiores consumidoras de minerais, por exemplo. Há tempos, campanhas como a do Movimento BDS denunciam a atuação dessas corporações nos territórios ocupados. No caso da Palestina, empresas como G4S, de Israel, utilizam o conflito como laboratório de práticas, que depois serão vendidas para gestão de presídios, construção de muros e empresas de segurança privada. Dificilmente, essas empresas são responsabilizadas pelo seu papel nos conflitos.

Inclusive, a Palestina é uma das nações mais aguerridas na defesa dos direitos dos povos nas negociações do Tratado. Em 2022, a representação Palestina defendeu firmemente a participação da sociedade civil e a continuidade das negociações sobre o texto acumulado ao longo dos anos. Em meio à grave situação de violência humanitária de Israel contra a Palestina, certamente este será um tema que virá à mesa na 9ª Sessão; esperam-se manifestações de solidariedade internacionalista das organizações presentes, assim como as discussões das transnacionais de segurança na Palestina.

Recordamos a Resolução 31/36 do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que determinou um estudo sobre a atuação de empresas na faixa de Gaza, e os resultados corroboram com sua cumplicidade com esse crime contra o povo palestino. No entanto, o sistema internacional de proteção aos direitos humanos segue fazendo vista grossa à Israel, por pressão dos EUA (Estados Unidos).

Regular o poder corporativo é uma necessidade para continuidade das formas de vida na Terra, sejam humana, animal, vegetal. As corporações, em sua regulação privada, não conseguiram superar os problemas que elas mesmas causam. Esse caminho já foi experimentado e não deu resultados. É hora e momento de experimentarmos uma via de controle e de responsabilização, sob pena de nos aprofundarmos ainda mais nas mazelas do capitalismo.

Direitos para os povos, regras para as empresas!

Edição: Rodrigo Durão Coelho

* Artigo publicado originalmente em https://www.brasildefato.com.br/2023/10/25/as-negociacoes-de-um-tratado-sobre-empresas-transnacionais-e-direitos-humanos-na-onu

Tratado Vinculante internacional na ONU e PL 572/2022 no Brasil: a luta para responsabilizar empresas transnacionais por seus crimes


Nas últimas décadas, o neoliberalismo impôs ao mundo uma profunda desregulamentação,
promovendo o desmonte de políticas públicas sociais gestadas pelo Estado para as populações mais empobrecidas, e a ampliação dos negócios das empresas transnacionais do centro do sistema capitalista, no Norte global, para todos os continentes. Comunidades, as populações nos países e trabalhadores tiveram direitos retirados e são constantemente desrespeitados; territórios e meio ambiente foram e ainda são explorados e, muitas vezes, destruídos. Tudo para que as grandes corporações continuem lucrando muito.

Esse processo foi intenso em países da periferia do sistema capitalista, os do Sul Global, onde está o Brasil, que sofre com a superexploração e genocídios em larga escala, enquanto os países centrais seguem enriquecendo. Para atender aos interesses das transnacionais, criou-se uma série de mecanismos econômicos, jurídicos e governamentais que protegem as operações dos investidores. Entre eles estão os acordos de livre comércio, tratados de proteção ao investimento e mecanismos de resolução de litígios entre investidores e Estados. Ao mesmo tempo, não existem marcos normativos internacionais e nem no Brasil que responsabilizem as grandes corporações pelos crimes e violações que cometem. Essa engrenagem é o que chamamos de arquitetura da impunidade, criada para proteger os lucros das empresas transnacionais (ao custo da vida das pessoas e do meio ambiente saudável) e evitar que as corporações sejam punidas em sua busca incessante por dinheiro e poder.

Por isso se discute, desde os anos 1970, junto à Organização das Nações Unidas (ONU), a proposta de um Tratado Vinculante de Direitos Humanos e Empresas que responsabilize as empresas transnacionais, faça a reparação integral às comunidades e povos atingidos e promova garantias para evitar que as corporações repitam seus crimes. Mas somente em 2014, após décadas de luta da sociedade civil articulada na Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade, conseguimos que o Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) criasse um Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta (OEIGWG) para negociar e redigir um Tratado Vinculante internacional para responsabilizar, de fato, as empresas transnacionais.

É verdade que a ONU já tinha dado alguns passos nesse debate sobre Direitos Humanos e Empresas três anos antes, em 2011, quando adotou os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, mas consideramos insuficientes. Essa diretiva é baseada no voluntarismo empresarial. Ao longo dos anos, foram se consolidando, nos países, marcos baseados nesses princípios, como os Planos Nacionais de Ação e, mais recentemente, a devida diligência, processo em que as próprias empresas devem tomar medidas para evitar (e, caso ocorram, para mitigar) danos ambientais e às comunidades em consequência de suas atividades econômicas. O que não acontece, e quando ocorre, é de forma injusta, sem reparar os prejuízos das populações e dos países atingidos.

Aqui no Brasil, vivenciamos situações que comprovam que o voluntarismo empresarial não funciona. Em Novembro, completará 8 anos do rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana, em Minas Gerais, e os atingidos brigam até hoje pela devida responsabilização das mineradoras e empresas envolvidas na atividade. Além disso, as mineradoras não revisaram suas medidas de prevenção e de segurança, e a tragédia de Mariana, em 2015, repetiu-se quatro anos depois com o rompimento da barragem de rejeitos na cidade de Brumadinho (MG), que teve impacto ainda maior. Os dois crimes envolvendo as empresas VALE, Samarco e BHP Billiton resultaram em quase 300 pessoas mortas e comunidades e meio ambiente destruídos. Outras situações também são marcadas pela impunidade, como o despejo forçado de moradores para a ampliação do aeroporto em Porto Alegre (RS) pela empresa alemã Fraport e os inúmeros casos de trabalho precarizado em todo o país praticado por empresas que, inclusive, integram o Pacto Global da ONU no Brasil.

A Campanha Global e nós, Amigas da Terra Brasil, apostamos no Tratado Vinculante internacional junto à ONU para responsabilizar as empresas transnacionais por seus crimes socioambientais, garantindo as indenizações necessárias e resguardando os direitos das comunidades atingidas em todo o mundo. Apenas um mecanismo sério e efetivo de cobrança, que convoque as partes envolvidas a responder por seus atos, pode impedir que os direitos dos povos sejam desrespeitados, promovendo a vida.

A Campanha Global construiu uma proposta de texto para o Tratado Vinculante, o Tratado Azul, que foi entregue ao GT Intergovernamental da ONU em 2017, o qual se contrapõe aos marcos voluntaristas por priorizar os direitos humanos acima de qualquer acordo de comércio ou de investimento (o que se chama de primazia no Direito Internacional). A proposta da sociedade civil aborda essa questão diretamente na economia, no que se refere às cadeias globais de produção das indústrias e empresas, e na Justiça nos tribunais dos países, sugerindo até mesmo a instituição de um Tribunal Internacional de Corporações Transnacionais e Direitos Humanos com a competência para receber, investigar, julgar e executar decisões.

As organizações da Campanha Global também buscam o apoio de parlamentares de seus países para o estabelecimento do Tratado Vinculativo junto à ONU. Até o momento, conseguiram a adesão de 246 parlamentares; desses, 14 são brasileiros.

No final de Outubro, entre os dias 23 a 27, estaremos participando da 9ª Sessão de Negociações na sede da ONU em Genebra, pressionando para que o tratado avance realmente. Acompanhe o site e as redes sociais da Amigas da Terra Brasil para mais informações 

Um Tratado Vinculante internacional poderia até mesmo contribuir em responsabilizar as empresas transnacionais que financiam e acabam perpetuando a violação de direitos humanos em território palestino, como explica Andressa Soares, do Movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções):


PL 572/2022 quer responsabilizar empresas nacionais e estrangeiras por direitos violados no Brasil 

Ao mesmo tempo em que pressionam pelo Tratado Vinculante em nível internacional, as organizações que compõem a Campanha Global articulam a criação de leis nacionais para reforçar o tratado junto à ONU. No Brasil, foi protocolado, no ano passado, o Projeto de Lei 572/2022, que cria a lei marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas e estabelece as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. O PL foi apresentado pelos deputados federais na época Helder Salomão (PT/ES), Áurea Carolina (PSOL/MG) e Fernanda Melchionna (PSOL/RS), articulado com organizações e movimentos sociais, pesquisadores, universidades, assessores jurídicos populares, ambientalistas e comunidades atingidas, especialmente de Mariana e Brumadinho (MG). 

Atualmente, o PL 572/22 tramita na Câmara dos Deputados. Se aprovado no Congresso Nacional, será a primeira lei com este teor em todo o mundo. A lei marco avança para a responsabilização de empresas nacionais e estrangeiras com atuação no país por violações aos direitos humanos, reconhecendo obrigações ao Estado e às mesmas, e estabelecendo, ainda, medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas.

A aprovação do PL 572/22, um projeto constituído a partir dos atingidos pelas violações de direitos, também questionaria a arquitetura da impunidade e o poder corporativo das grandes empresas, que precisam urgentemente ser desmantelados.

A presidenta da Amigas da Terra Brasil, Letícia Paranhos, participou de um seminário virtual promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) sobre o PL. E em breve estará nas negociações da ONU, em Genebra, sobre o Tratado Vinculante. Confira sua manifestação no seminário no vídeo abaixo e saiba mais sobre a importância do projeto de lei e de um Tratado Vinculante para garantir direitos para os povos e regras para as empresas: 

Amigas da Terra Brasil

Seminário PL 572/22 debaterá a relevância da Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas

Pautando a primazia dos direitos humanos, o projeto de lei visa responsabilizar o poder corporativo pelas violações que causa a natureza, aos povos e aos territórios  

Nesta quinta-feira (08/10), às 15h, acontecerá virtualmente o “Seminário PL 572/22”. O encontro tem como finalidade debater a relevância do Projeto de Lei, a primeira Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas. O Seminário é Organizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), e contará, em sua abertura, com a presença do  Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida Lual, além do Deputado Federal Helder Salomão, e do Coordenador-Geral de Direitos Humanos e Empresas, Luiz Gustavo Lo-Buono.  

Manoela Carneiro Roland, Professora Associada da Universidade Federal de Juiz de Fora e Pesquisadora do Homa- Instituto de Direitos Humanos e Empresas dará sequência explicando a importância do PL 572/22 como marco legal. A partir da defesa da vida e dos direitos humanos, o debate contará com exposições como as de Letícia Paranhos, Presidenta da Amigas da Terra Brasil e Coordenadora Internacional do Programa de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Federação Amigos da Terra Internacional, de Leandro Scalabrin, do Coletivo de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens, de Jandyra Uehara, Secretária Nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da Central Única de Trabalhadores (CUT), e de Thales Cavalcanti Coelho, Procurador da República do Ministério Público Federal e Coordenador do Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

A defesa dos direitos humanos e dos povos acima dos interesses econômicos das empresas transnacionais orienta a atuação da Amigas da Terra Brasil e das demais organizações que compõem a Federação Amigos da Terra Internacional (Foei). 

Há mais de 10 anos, integramos a Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade, uma coalizão com mais de 200 organizações, movimentos, sindicatos e comunidades atingidas de todo o mundo. Juntos, acompanhamos as reuniões anuais do Grupo de Trabalho Intergovernamental junto à ONU (Organização das Nações Unidas), que negocia um Tratado Vinculante internacional para responsabilizar, de fato, as empresas transnacionais por seus crimes.

Em âmbito nacional, nós da Amigas da Terra Brasil participamos da articulação com organizações e movimentos sociais, pesquisadores, universidades, assessores jurídicos populares, ambientalistas e comunidades atingidas que resultou no protocolo do Projeto de Lei 572, no ano passado. Este PL cria a Lei Marco sobre Direitos Humanos e Empresas no Brasil e estabelece as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. 

Se for aprovado no Congresso Nacional, será a primeira lei com este teor em todo o mundo. A lei marco avança para a responsabilização de empresas nacionais e estrangeiras com atuação no país por violações aos direitos humanos, reconhecendo obrigações ao Estado e às mesmas, e estabelecendo, ainda, medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas.

Estaremos falando mais sobre a importância do PL 572/2022 no seminário virtual promovido pelo MDHC nesta 5ª feira (5 de outubro), com a participação da presidenta da Amigas da Terra Brasil, Letícia Paranhos. 

#RegrasParaAsEmpresas #DireitosParaOsPovos

Confira a programação completa:

-Você também pode baixar a programação aqui

-Se inscreva no Canal Do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania no Youtube e confira a Transmissão do Seminário Ao Vivo

O que é o PL 572/22

O poder das transnacionais sobre o mundo é cada vez maior. Elas têm expandindo o poder de controle sobre os alimentos, a água, a energia, os minérios, as florestas, os campos e as cidades. Tudo isso afeta, e muito, a qualidade de nossas vidas aqui no Brasil, desde o acesso aos serviços mais básicos até as possibilidades e condições do futuro de nossas existências. 

O Projeto de Lei 572/22 foi construído a partir dos territórios e movimentos sociais brasileiros, e atualmente está em discussão no Congresso Nacional. Ele prevê, de forma inédita, a criação da Lei Marco de Direitos Humanos e Empresas, uma ferramenta relevante na luta por acesso à justiça por parte das pessoas trabalhadoras e populações atingidas. Estabelece, ainda, as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. 

Conheça também a Cartilha Popular sobre o PL Nº.572/2022: uma ferramenta educativa na luta pelos direitos humanos  


Baixe a Cartilha aqui 

A lei marco avança para a responsabilização de empresas nacionais e estrangeiras, com atuação no Brasil, por violações aos direitos humanos, reconhecendo obrigações ao Estado e às mesmas. Ela também estabelece medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas. Esta lei poderia ser aplicada em situações de desrespeito às pessoas e ao ambiente, seja na área da mineração, em ocorrências de trabalho análogo à escravidão (como o caso envolvendo vinícolas na Serra Gaúcha), em casos de despejos forçados de ocupações de moradia, entre tantos outros.

Este projeto de lei foi apresentado em 14 de Março de 2022, pelas deputadas federais na época Áurea Carolina (PSOL/MG), Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Helder Salomão (PT/ES) e Carlos Veras (PT/PE). Foi articulado com organizações e movimentos sociais, pesquisadores, universidades, assessores jurídicos populares, ambientalistas e comunidades atingidas, especialmente pelo rompimento das barragens de rejeito de mineração nas cidades de Mariana (2015) e de Brumadinho (2019), em Minas Gerais. 

Confira artigo da Amigas da Terra Brasil sobre o PL 572/2022 publicado no jornal Brasil de Fato clicando aqui

Veja no vídeo a fala de movimentos sociais e parlamentares sobre o Projeto de Lei 572/22, que cria um marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas: 

Em março de 2022, aconteceu o “Seminário Direitos Humanos e Empresas – O Brasil na Frente”,  na qual o PL 572/22 foi debatido por uma série de organizações e movimentos sociais. Confira a cobertura do evento e fique por dentro do que foi debatido: 

Encerramento do Seminário Direitos Humanos e Empresas conta com o lançamento de cartilha popular sobre o PL 572/22

Material aborda a arquitetura da impunidade praticada por empresas e explica a importância do PL 572/22 na primazia dos direitos humanos sob a lógica dos negócios

A violação de direitos humanos, dos povos e da natureza é uma prática constante e estrutural das transnacionais e das empresas. Para obterem lucros, elas externalizam os custos para a realidade cotidiana das pessoas, via a exploração de seus trabalhos e territórios. Processo que se intensifica na relação geopolítica global, fazendo com que países da periferia do sistema capitalista, o sul global, lidem com a superexploração, o etnocídio, o ecocídio e o genocidio em larga escala. E nessa relação desigual, os países do centro do sistema capitalista acumulam historicamente riquezas. Do lado de cá, se contam os corpos. Sejam de entes queridos, de amigos, de companheiros de luta, sejam os corpos dos rios e das florestas. 

Os impactos socioambientais da impunidade corporativa são alarmantes. Situação que fica evidenciada por casos como o do afundamento de cinco bairros de Maceió, devido à mineração de sal-gema da Braskem. Cerca de 60mil pessoas atingidas, milhares em situação de deslocamento obrigatório. O que chamavam de lar, já não pode mais ser. Os vínculos com o território foram dilacerados pela ganância da empresa, que impôs o risco de morte como imperativo diário de quem morava na região. Há ainda os crimes da Vale, BHP e Samarco, com inúmeras violações de direitos no rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Situações que traduzem a falta de responsabilização das empresas, de ação efetiva do estado, e, principalmente, a violação dos direitos das comunidades atingidas. Situação exposta também no recente caso de trabalho escravo em três vinícolas da Serra Gaúcha: Salton, Aurora e Garibaldi. 

É evidente que existe uma assimetria de poder entre pessoas e transnacionais. Enquanto grandes empresas e transnacionais seguem aumentando os lucros, ano a ano, não há uma casa sequer construída para as comunidades atingidas pelo rompimento das barragens citadas. E a violação também é da memória, agora marcada pelas imagens de um desastre minerário anunciado há muito na história do Brasil. 

Os povos atingidos têm seus direitos violados antes mesmo de projetos entrarem em seus territórios. Como é o caso da violação do direito à informação, ou à consulta livre, prévia e informada, conforme dispõe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). E para complementar, as empresas e transnacionais que lucram com as violações de direitos, ainda se promovem com propagandas trazendo uma imagem de sustentáveis, éticas e responsáveis. 

Com a lógica de que o lucro vale mais que a vida, se articulam em redes bem estruturadas para saírem impunes: negam seu envolvimento, evitam a responsabilidade com acordos em tribunais de arbitragem internacional, manipulam pesquisas científicas, disseminam falsas informações, criminalizam e perseguem defensores dos direitos humanos e enfraquecem comunidades.

É preciso frear o poder das corporações e pautar o debate a partir dos direitos humanos e da vida. Trazendo o protagonismo de pessoas trabalhadoras, atingidas pelas violações de direitos e de minorias sociais. E é com essa premissa que o “Seminário Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente” apresentou ferramentas, acúmulos e como avançar na luta pela garantia dos direitos humanos. 

Cartilha Popular sobre o PL Nº.572/2022: uma ferramenta educativa na luta pelos direitos humanos 

Organizações civis, sindicais e movimentos sociais realizaram, de 14 a 16 de março, em Brasília, o Seminário Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente – Lei Marco no caminho global de mais regras para as empresas. Nos encontros, foi debatida a importância de regulamentar a atuação de empresas nacionais e estrangeiras no Brasil. Assim como a relevância da aprovação do PL 572/22 – Lei Marco Sobre Direitos Humanos e Empresas, projeto de lei de autoria coletiva que tramita atualmente na Câmara dos Deputados. 

A divulgação de informações sobre a realidade dos atingidos deve ser de conhecimento de toda a sociedade. Assim como a compreensão a respeito da forma com que as empresas e transnacionais se organizam para seguirem impunes. Evidenciar estes pontos é imprescindível para assegurar direitos e garantir que a vida venha antes do lucro. Tendo isso em vista, o encerramento do Seminário contou com o lançamento da “Cartilha Popular sobre o PL Nº.572/2022” , uma ferramenta para fortalecer a articulação das lutas. Apresentando os pontos centrais do projeto de lei, o material adentra a arquitetura da impunidade e propõe como é possível se engajar na construção do Projeto de Lei.


CARTILHA POPULAR PL 572

A cartilha explica como surgiu o PL 572/22, que frente a tantas desigualdades vem para criar um marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelecer diretrizes para a promoção de políticas públicas no tema. O objetivo da lei é garantir a primazia dos direitos humanos sob a lógica dos negócios. Assim como proteger mais adequadamente os direitos fundamentais das comunidades atingidas, o que perpassa prever recursos que garantam os protagonismos destes grupos, superando o desequilíbrio entre os direitos das empresas e dos povos. 

São apontadas ainda porque uma lei marco nacional é necessária, o que há de inovador no PL e que outras iniciativas de normas podem fortalecê-lo, como é o caso da Política Nacional dos Atingidos por Barragem (PNAB), PL nº. 2788/2019. 

Apesar de muitos direitos estarem reconhecidos em outras leis, o texto da PL 572/22 apresenta de forma sistematizada um conjunto de ferramentas tanto para prevenir como para mudar o desfecho de violações. 

O Seminário Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente, aconteceu no prédio da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares), no Núcleo Bandeirante, no Distrito Federal. A atividade foi organizada pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), entidade ambientalista Amigas da Terra Brasil,  Fundação Friedrich Ebert (FES – Brasil), Centro de Direitos Humanos e Empresas (Homa),  Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Oxfam Brasil.

Além das entidades promotoras, estiveram presentes no seminário o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida; a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL/RS), uma das propositoras do PL;  a organização quilombola CONAQ; o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e CPT (Comissão Pastoral da Terra); órgãos judiciários, entre eles o MPF (Ministério Público Federal), o MPT (Ministério Público do Trabalho) e a DPU (Defensoria Pública da União); CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos); a ONG Justiça Global e o veículo de comunicação Repórter Brasil, especializado em denunciar situações de trabalho análogo à escravidão. 

O seminário faz parte da “Campanha Essa Terra Tem Lei – Direitos para os Povos e Obrigações para as Empresas”. Em três dias de atividades e muita articulação das lutas, parlamentares, pesquisadores de universidades e representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil elaboraram sobre a importância de responsabilizar as empresas por suas violações de direitos humanos.  Foram propostos, ainda, os próximos passos e incidências para a aprovação do PL/572/2, que é o primeiro projeto nacional de obrigações para as transnacionais para complementar o Tratado Vinculante da Organização das Nações Unidas (ONU).  

 

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