A Amigos da Terra Brasil, organização social com mais de 50 anos de atuação nacional por Justiça Ambiental, vem a público, nesse momento vil da história do Brasil, repudiar veementemente os atos golpistas praticados por bolsonaristas de destruição do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto (prédio da administração central do governo federal). Tais atos são antidemocráticos e se configuram como práticas terroristas. As intenções violentas destes grupos foram claramente expostas à sociedade brasileira.
Com enorme pesar e indignação, assistimos aos atos violentos e de depredação, com conivência da segurança pública e inação insubordinada das Forças Armadas, na Praça dos Três Poderes. No mesmo lugar que, há alguns dias, no dia 1° de janeiro de 2023, vivenciamos, com mais de 40 mil pessoas em frente à rampa do Palácio do Planalto, e mais de 300 mil ao total nas celebrações no Eixo Monumental em Brasília, a maior festa popular e democrática de todos os tempos: a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recebendo a faixa presidencial das mãos de representantes do povo brasileiro.
Diante da barbárie, a Polícia Militar do Distrito Federal não agiu, sendo não só negligente, mas sim conivente. Também é condenável a postura do governador do distrito agora afastado, Ibaneis Rocha, que apenas após pressão política exonerou o chefe de segurança pública, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Por isso, é necessário investigar e punir os responsáveis pela governabilidade, pela segurança pública e por não terem exercido seus mandatos e compromissos com os Estado Democrátido de Direito, nem terem resguardado, como responsáveis por lei, os marcos civilizatórios e democráticos de uma nação.
Todos os envolvidos, desde os que estiveram presentes nos atos até os financiadores de tais mobilizações devem ser severamente investigados e punidos pela destruição, mas sobretudo pelo atentado à democracia. Não poderá haver qualquer tipo de anistia a esta barbárie fascista e golpista! É preciso mudar a história e responsabilizar aqueles que usam da violência contra as eleições e as instituições democráticas. Que episódios como este, de avanço fascista, não existam mais no Brasil, na América Latina e no mundo! Chega de tentativas de golpes contra governos democraticamente eleitos pelo povo!
Como pessoas brasileiras e diversas, integrantes de uma organização social comprometida com a justiça ambiental, social, econômica, de gênero e no combate às opressões de classe, raça ou heteronormatividade, não podemos deixar de nos solidarizar com este atentado ao povo brasileiro. Esperamos que este episódio sirva de lição para a construção de caminhos de superação de tantas feridas, violências e dívidas históricas que o país tem a enfrentar com as mulheres, os povos originários, quilombolas e negro, para poder tornar-se uma sociedade dignamente humana e democrática.
Convocamos, com o conjunto de movimentos populares do campo democrático brasileiro, a todas as pessoas que defendem a democracia, a paz, o amor e o respeito; a todos os povos deste país em sua grandiosa riqueza e diversidade, a estarem nas ruas hoje (9/01). Contamos, também, com a solidariedade internacionalista dos movimentos sociais no mundo todo, que atuam na defesa da democracia, contra o fascismo e na construção de sociedade justas e sustentáveis, interdependentes e eco dependentes, livres de todas as formas de opressão, em que os direitos humanos dos povos são respeitados e cumpridos e com a sustentabilidade da vida no centro de sua ação, construção social e política. Faz-se necessária toda a manifestação pública de apoio em defesa desses valores compartilhados e contra os ataques à democracia e aos povos do Brasil!
Por mais nebulosos que sejam os dias que seguem a vitória eleitoral da democracia, não podemos deixar de celebrar a derrota de Jair Bolsonaro. Nesta eleição, o futuro ex-presidente usou toda a máquina do Estado em prol de sua campanha. Convivemos com a presença da compra de votos, com o uso da violência política e coação aos eleitores e com a triste realidade da desinformação operando para a vitória de Jair. Além de atores poderosos em campo, como as milícias, pastores das igrejas e até a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Apesar de tudo isso, vencemos.
Mas foram cerca de 57 milhões de votos a favor do atual projeto de destruição. Não podemos olhar esse cenário sem entender a perversidade e a profundidade da desestabilização da democracia para o avanço das políticas neoliberais sobre a vida dos trabalhadores, sobretudo sua subjetividade. Uma pandemia com uma gestão que arrastou milhares de brasileiros e de brasileiras para a fome e a pobreza, intensificou as condições de exploração da força de trabalho, retirou casa, teto, privatizou serviços, trouxe o medo e a insegurança. Corpos e mentes cansadas, alienadas do trabalho e da realidade social são alvos fáceis de instrumentos de despolitização.
Pessoas que se sentem ameaçadas criam teorias conspiratórias surreais e se abraçam a valores conservadores para conferirem um sentido a suas vidas vazias. A carga de violência e raiva não está sendo direcionada a construir melhores condições, pelo contrário, é canalizada em se associar à violência. Como diria o psicanalista Christian Dunker: controlar a gramática do sofrimento é um dos eixos fundamentais do poder. Tal controle vem sendo exercido por meio das redes sociais como WhatsApp, Facebook, Instagram, Twitter – que já foram ferramentas usadas nas eleições de 2018 – nas quais os algoritmos agregam seguidores e constroem uma bolha de notícias falsas personalizadas, criando a impressão de que esta é a realidade. Isso se soma aos discursos proféticos dos messias como Jair, Damares Alves, Michelle Bolsonaro, que usam seu espaço público de poder para conferir visibilidade a situações inexistentes, como a implementação do banheiro unissex e, mais recentemente, a fraude eleitoral. Este caldeirão cria o gado fanático que ocupou, e continua ocupando, as rodovias do país, implorando por uma intervenção militar pela permanência do Messias.
É preciso destacar a perversidade da reta final da campanha de Jair Bolsonaro, que utilizou o Auxílio Brasil como medida populista para ganhar votos. Em agosto deste ano, o Auxílio Brasil foi aumentado para R$ 600,00, e durante o segundo turno, 500 mil pessoas foram incluídas como beneficiárias do programa. A esse público também foi garantido acesso a empréstimos consignados via Caixa Econômica Federal. Diante da falta de políticas populares, Bolsonaro se viu sem recursos para contrapor os 8 anos de Governo Lula e reforçou políticas assistencialistas para taxistas e caminhoneiros, como a redução do preço dos combustíveis e um auxílio de R$ 1 mil, além da previsão de um 13º aos taxistas, o qual foi pago, obviamente ainda durante as eleições, para garantir seus votos. Justamente essas propostas, sem previsão orçamentária para 2023, compõem hoje o rombo de R$ 400 bilhões aos cofres públicos, mas não somente, criam o desafio de como lidar com os beneficiários dessas políticas públicas que estão presos na bolha de fantasias.
Em janeiro, Bolsonaro perderá sua imunidade, e mais ainda, poderá se tornar inelegível com as promessas de campanha de Lula de retirar os 100 anos de sigilo sobre seus atos enquanto presidiu o país. Muitos de seu governo e aliados estão sob risco de irem para a cadeia. Não à toa, vários lunáticos estão ocupando estradas, organizando acampamentos e pedindo a intervenção federal diante das fraudes eleitorais; estão nas cidades ameaçando valores democráticos e as pessoas. Eles estão sendo alimentados pela construção de fake news, como a crise alimentar que se avizinha, a fraude eleitoral detectada pela Rússia e o mandado de prisão de Alexandre de Moraes. Toda essa tentativa de crise social para desestabilizar parece caminhar para o fim. Contudo, a esquerda precisa estar alerta que a derrota do líder está longe de significar o fim do fascismo.
A conjuntura exigirá, mais do que nunca, o desenvolvimento de um trabalho de base formativo com as massas. Se confrontar bolsonaristas com a realidade não tem desconstruído a desinformação, o investimento numa educação popular que possa dar conta das complexidades dos algoritmos do mundo digital e formar um senso crítico, construir valores democráticos e solidários, será uma das mais importantes tarefas políticas do próximo período.
Desafios para a construção de uma transição: “democracia contra a barbárie”
Iniciou-se o governo de transição. A palavra ganha tanto destaque, depois de seis anos sombrios de violação da Constituição e de retrocessos de direitos, quanto reerguer a democracia exige um conjunto de ações, estudos, diagnósticos e investigações que possam dar conta dos diversos conflitos internos, das violações sistemáticas de direitos humanos e da violência massiva contra coletividades e indivíduos que foi instalada. Restabelecer condições de governabilidade exigirá uma ampla reestruturação do Estado, da administração pública e, diríamos sobretudo, da responsabilização dos agentes e da retomada dos espaços e de processos de consulta e controle social das políticas públicas.
Devemos começar investigando todas as fraudes eleitorais, julgar os perpetradores de crimes e as graves violações de direitos que cometeram. Se não enfrentarmos aqueles que atentaram contra as instituições e o processo eleitoral nunca nos tornaremos uma democracia respeitada. Assim, Carla Zambelli, Damares Alves, Ricardo Salles, Silvinei Vasques, Sergio Moro, Marcelo Augusto Xavier da Silva, Bolsonaro e sua família, Paulo Guedes precisam enfrentar a justiça.
Queremos a instauração de uma comissão de investigação sobre a gestão da covid-19 para estabelecer a verdade sobre os fatos ocorridos no período. Ainda sobre toda a política anti-indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai) e anti-ambientalista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Registrar, reconhecer e dar visibilidade às multas não aplicadas e isentadas dos crimes ambientais. Muitos povos sofrem pela retirada de direitos e pela violência; eles têm direito à reparação. Deverá haver uma reforma ampla das instituições e de seus gestores que participaram, ou mesmo deixaram de agir para impedir as violações cometidas. E isso não apenas dos últimos 4 anos de governo, mas desde as raízes do golpe de 2016 e da Operação Lava Jato.
Outra importante bandeira, levantada pelo movimento indígena, é promover um grande “revogaço” de decretos e atos normativos que retiraram direitos do povo brasileiro. Também será preciso enfrentar o tema do armamento, o número de licenças para porte de armas (CACs) e de clubes de tiro, que se proliferaram por todo o país.
Ainda na transição, será preciso enfrentar a retomada dos despejos. A decisão do ministro Luis Roberto Barroso sobre a ADPF 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) não manteve a continuidade da suspensão dos despejos, mas determinou que se crie um regime de transição no qual conte com o diálogo com as comunidades e pessoas que habitam esses territórios. O diálogo da equipe de transição com essa construção será fundamental. Além disso, deve estar em consonância com a construção da política pública para reforma urbana e agrária.
Por fim, se o PT dos anos 80 foi construído sobre o projeto democrático popular e nele apresentou uma série de políticas públicas para a inserção da participação popular como os conselhos, as Conferências Nacionais e o orçamento participativo, elas devem agora ser colocadas em prática. Cada política pública e ação governamental deverá ser acompanhada de uma ampla participação da sociedade civil organizada. É urgente que os movimentos estejam presentes na reconstrução da democracia para que suas raízes sejam profundas e férteis.
Vitoriosos e resistentes
Com a alegria que tomou as ruas e as praças no último dia 30 de outubro, devemos começar a substituir os escombros desse país para semear novos horizontes. A tarefa não será fácil numa coalizão ampla, devemos semear os valores e princípios da esquerda na disputa pelo sentido dos próximos anos, intensificando o trabalho de base. Para construirmos um Brasil para todos, todas e todes os brasileiros, e desfazermos as bolhas de ódio e de desinformação, vamos precisar seguir na disputa pelo sentido do novo governo.
Não vamos importar conceitos gringos para descrever nosso processo, tais como resiliência; vamos nos fortificar e frutificar com a palavra que sempre marcou a trajetória da esquerda no mundo, RESISTÊNCIA. Como propõe Amílcar Cabral, vamos resistir na política, isolando nosso inimigo, que perde a estrutura do Estado para si. Vamos nos fortalecer economicamente para construir nossa soberania. E ainda, com mais dedicação que em outros tempos, vamos construir a resistência cultural, romper a educação colonial, ensinar educação digital para as massas e educar para libertar mentes, corpos e corações das bolhas da alienação. Ou como disse o presidente Lula ao se referir ao povo brasileiro, em seu discurso após a vitória eleitoral: “Quer liberdade religiosa. Quer livros em vez de armas. Quer ir ao teatro, ver cinema, ter acesso a todos os bens culturais, porque a cultura alimenta nossa alma”.
Do dia 30 de outubro até 1° de janeiro de 2023, semeamos esperança, trabalhando a terra, o território, as mentes férteis; seguindo nas sementes da organização política, na formação, na ação e mobilização. Vamos edificar, com mais solidez, o Brasil do futuro. E nesse meio tempo, brindemos, com alegria, por vencermos essa batalha. Afinal, atravessamos seis anos, e retornamos! E produziremos, na luta que continua, a vitória final contra o capital e pela Justiça Ambiental.
*Artigo divulgado originalmente em 08/11/2022 no jornal Brasil de Fato RS neste link: www.brasildefato.com.br/2022/11/08/um-brasil-que-voltou-a-sonhar-e-seguira-resistindo
A revelação divina que o movimento de extrema direita evangélica propagava no primeiro turno, na qual o “Messias” estaria eleito, não se concretizou. Nas primeiras semanas de campanha do segundo turno, Bolsonaro foi soterrado pela associação a imagens como maçonaria, a explosão das contradições entre o que anuncia em sua campanha e o que de fato concretizou em seu governo, até a conexão com a pedofilia. Trouxe o desafio à bancada conservadora eleita no 1º turno e aos seus seguidores de como defender o candidato mais frequentemente associado àquilo que criticam. Como apoiar a família Bolsonaro quando essa, cada vez mais na prática, difere dos valores morais que acredita?
Tais fatos levaram o bolsonarismo a afirmar, mais do que nunca, a imagem do “Messias”, aquele herói além do bem e do mal ou, como tanto defende a primeira-dama Michelle Bolsonaro, “que ele não é perfeito”, em síntese, a figura do salvador frente ao demônio Partido dos Trabalhadores (PT), ainda que tal salvador seja bastante contraditório. Isso porque se oportuniza do cenário de tensão social para propagar uma cultura do medo. Até entre a esquerda se compartilha o clima de fim dos tempos, na ideia de uma eleição “tudo ou nada”. Para angariar votos, Bolsonaro aposta na criação de fantasias contra Lula, como a do fechamento de igrejas, tomada da propriedade privada e instalação da ditadura comunista, mesmo que em oito anos de governo do ex- presidente Lula nada disso tenha acontecido. Ao invés de se associar a um grande gestor público com inúmeros feitos, até porque seu governo não os possui, ele se coloca como um enviado divino contra o comunismo.
Nas últimas semanas, o foco tem sido retomar a força do antipetismo com o discurso de combate à corrupção, trazendo para perto velhas figuras como do ex-Juiz Lavajatista Sergio Moro. Em sua campanha, com destaque ao rádio, redes sociais e whatsapp, chovem fake news históricas sobre o candidato Lula. Há um jogo de manipulação na interpretação das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que inocentou Lula, ao constituírem uma narrativa de que foram enfrentados apenas os aspectos técnicos processuais, não as questões de mérito, portanto, não cabe se falar em inocência, entre outros arranjos narrativos.
As mentiras e falsidades programáticas de Bolsonaro
Ao longo dos debates, Bolsonaro buscou defender algumas bandeiras de sucesso da sua gestão. No entanto, com um cuidado de olhar para a realidade concreta e para a história, não encontramos essas informações. Uma delas é a criação do PIX (sistema de pagamento instantâneo); cabe recordar que tal modalidade foi criada durante o Governo Temer, desenvolvida por técnicos do Banco Central. Tampouco o anúncio feito por sua campanha de que os bancos perdem milhões com o PIX tem fundamento, uma vez que o próprio sistema foi desenvolvido para apoiar banqueiros que estavam perdendo espaço para aplicativos de pagamento financeiro.
Outro tema é a transposição do rio São Francisco, que é bastante caro ao povo nordestino. As obras de infraestrutura começaram em 2007, sofrendo uma redução de orçamento em 2013, o que implicou na entrega da primeira parte da obra em 2015, durante o Governo Dilma. Em 2017, ocorreu uma segunda entrega durante o Governo Temer, e por fim, uma terceira parte em 2020 pelo Governo Bolsonaro. Assim, seu governo assumiu uma obra com quase 84% de partes construídas.
Sobre a grande máquina eleitoral que se tornou o Auxílio Brasil, também é preciso investigar melhor como se chegou ao valor de R$ 600,00 por mês. Primeiro, que as políticas públicas de complementação de renda são bastante antigas no Brasil, e antes de sua gestão, vinha sendo conhecida mundialmente como Bolsa Família. É preciso recordar que uma das propostas lançadas pelo atual governo no início da pandemia, por meio de medida provisória (MP 927), foi a suspensão dos contratos de trabalho por 4 meses sem remuneração. Ainda que posteriormente revogada, a iniciativa do governo deixaria trabalhadores e trabalhadoras sem qualquer rendimento durante a pandemia. Depois disso, a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, era não haver qualquer subsídio às famílias na pandemia tendo, após pressão da oposição, fornecido o auxílio de R$ 200,00. A oposição seguiu atuante para aumentar tal auxílio para R$ 500,00. Somente em agosto deste ano, o governo anunciou o pagamento dos R$ 600,00, numa clara manobra eleitoral. Essa proposta mantém-se no programa de governo dele, mas sem qualquer informação de onde proverá tais fundos para sustentar a política pública.
Em sua campanha eleitoral, anunciou que foi o primeiro a aplicar a vacina contra covid-19, argumento claramente falacioso. A primeira vacina aplicada no país foi em São Paulo, pela compra direta do governador João Doria (PSDB). A situação ficou tão crítica na falta de planejamento do governo federal sobre a aquisição de vacinas, que os estados venderam vacinas ao governo federal para as primeiras aplicações. Além de todo o esquema de corrupção na compra de vacinas apresentado na CPI do Senado e a completa naturalização das mais de 700 mil mortes.
Um recurso utilizado pela campanha de Bolsonaro é afirmar o crescimento do país. Informação que contrasta com os dados, já que o Brasil apresentou 1,14% de crescimento nos últimos 4 anos, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estando entre os piores países em desenvolvimento. Outrossim, amargamos uma inflação galopante na marca de 19,25% acumulados neste ano, levando-nos à primeira posição juntamente com o Chile, conforme dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). As obras que são associadas a esse crescimento, como a BR-163, o corredor da soja, sequer foram construídas em seu governo; são infraestruturas finalizadas em sua gestão.
Em uma análise das propostas do Governo Bolsonaro quando encontramos pautas para os trabalhadores e trabalhadoras, como a regularização do contrato de trabalho para trabalhadores de aplicativos, ou mesmo o Auxílio Brasil, as iniciativas de conciliar preservação do meio ambiente e desenvolvimento, não estão detalhadas as formas de concretização da política. De outro lado, propostas como garantir maior acesso às armas estão bastante detalhadas, inclusive com proposições como projetos de lei para exclusão de ilicitudes para políticas em casos de assassinatos em ações, ou ainda para projetos como escola sem partido e ensino domiciliar. O que nos faz concluir o que é recurso retórico, promessa vazia, e o que é proposta concreta.
No programa de Bolsonaro, o agronegócio e a mineração estão no centro das propostas, com medidas que pretendem ampliar ainda mais o acesso às terras, inclusive as indígenas; a flexibilização ambiental; precarização da mão de obra, envolvendo casos de trabalho escravo. Em um país com 34 milhões de pessoas passando fome, 15,5% da população brasileira, claramente o agronegócio, que recebeu R$ 348 bilhões em investimentos públicos no Plano Safra em 2022, não alimenta o país. Dos 10 maiores financiadores da campanha de Bolsonaro, 9 são do agronegócio, setor que ele beneficiou com a redução das multas ambientais que, segundo ele, são abusivas.
Quando vasculhamos as propostas de Bolsonaro para encontrar os temas ambientais, encontramos a economia verde com propostas de ampliação do pagamento por serviços ambientais, incentivos ao hidrogênio verde e a expansão de eólicas modelos offshore. Propostas que mascaram o país de verde enquanto os danos socioambientais se propagam com as políticas de promoção do extrativismo, seja na mineração ou no agronegócio.
O programa de Jair Bolsonaro, à luz dos quatro anos de gestão, parece uma carta de intenções à medida que suas propostas se contradizem: como promover uma reforma tributária para simplificar o sistema e assegurar investimentos no Auxílio Brasil? Como irá promover investimentos públicos com a permanência do “teto dos gastos”? Tendo como proposição a continuidade do processo de privatização e o estímulo às parcerias público privadas, como tal Estado irá melhorar a vida dos trabalhadores? Assim, suas propostas são claramente panfletárias para o povo e sólidas para certos setores da economia. Não à toa se apela a elementos subjetivos imagéticos para fornecer pão às massas, já que em concreto suas medidas são extremamente antipopulares.
Que opostos se enfrentam
No próximo dia 30 de outubro, o povo brasileiro irá às urnas tendo que tomar a decisão entre um ex-presidente, que em seus dois mandatos construiu a maior quantidade de programas sociais da história desse país, saldou a dívida pública externa e transformou o Brasil na sexta maior economia do mundo, expandiu as universidades e reformulou a saúde públicas. Tais feitos não levaram o país à abolição da propriedade privada, à adesão ao comunismo e nem ao cerceamento da liberdade religiosa e sexual.
No outro extremo, encontramos a debilidade de uma gestão que não foi capaz de conter 700 mil mortes por covid, cortou recursos que estrangularam a universidade pública, reduziu gastos com saúde em plena pandemia; demitiu, exonerou e submeteu servidores públicos a processos administrativos por fazerem seu trabalho, propagou xenofobia contra o Nordeste, a comunidade LGBTQI+, ambientalistas, jornalistas, moradores de comunidades periféricas. Em sua administração, voltamos ao mapa da fome, aos piores índices de desmatamento, à chacota internacional nos espaços multilaterais, às piores taxas de inflação.
O que está em jogo no voto dos eleitores é a opção por um modelo civilizatório entre um futuro Brasil ainda mais racista, sexista, desigual, fascista, e um Brasil democrático, inclusivo. Mais uma vez na história, a corrupção é usada como véu que oculta realidades, e neste ano, associada a uma desinformação possibilitada, contraditoriamente por um maior acesso a meios de comunicação.
O Brasil se depara em seus 200 anos de “independência”, novamente, com um projeto civilizatório. Estiveram em disputa nessas eleições a construção da identidade do povo brasileiro, da nação. Os candidatos disputaram valores e princípios desse projeto, resta saber com os quais o povo estará identificado. A batalha não é justa, o debate é rebaixado, mas há, todavia, uma esperança numa estrela vermelha de outrora.
*Artigo divulgado originalmente em 25/10/2022 no jornal Brasil de Fato RS neste link: https://www.brasildefators.com.br/2022/10/25/da-desinformacao-a-realidade-o-desafio-nas-urnas
Nesta quarta (28), às 19h, aconteceu a roda de conversa “Riscos às estratégias populares de combate à fome, defesa dos serviços públicos e cuidado dos territórios”. O encontro foi presencial na sede do Sintrajufe/RS, em Porto Alegre (RS) e teve transmissão ao vivo pelo Facebook da Amigos da Terra Brasil e Ong Fase.
A atividade integrou o Curso Regional Sul e Sudeste da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul – União Europeia/EFTA, e foi coorganizado por uma articulação de instituições que integram a Frente: Amigos da Terra Brasil, FASE-RJ, REBRIP e CONTRAF. Estiveram presentes ainda companheiras e representantes do Jubileu Sul, Conaq, Movimento Atingidos por Barragens (MAB), produtoras e produtores de assentamentos como o de Nova Santa Rita, advogados populares, Marcha Mundial das Mulheres, MTST e Aliança Feminismo Popular.
A Roda de Conversa teve como proposta dialogar com candidaturas do Rio Grande do Sul sobre os acordos. Na ocasião, organizações e movimentos sociais membros da Frente requisitaram compromisso de que o Acordo UE-Mercosul seja debatido com a sociedade como prioridade na agenda política do próximo governo. Reivindicaram também que haja consulta com os povos e populações atingidas para elaboração da política externa brasileira.
O encontro ocorreu em um momento estratégico, pré-eleições, em que é fundamental dialogar com candidaturas e firmar compromissos para o próximo período. No momento de diálogo com as candidaturas no RS foi tratado o aprofundamento de análises e de posicionamentos sobre as tendências relacionadas à possível reabertura das negociações do Acordo em 2023.
Também foi debatida a arquitetura da impunidade e a aprovação do PL 572/2022, sobre empresas e direitos humanos, ferramenta construída nas lutas. Dentro de um cenário de assimetria de poder entre comunidades atingidas por corporações e corporações, que saem ilesas de processos extremamente violentos às quais condicionam os territórios, a PL é uma ferramenta de resistência e garantia dos direitos humanos e dos povos. Seja desde a prevenção até a reparação dos danos. Além dela, mobilização popular é fundamental.
No encontro entre movimentos sociais e parlamentares foram ainda debatidos os impactos dos acordos na vida cotidiana da população. Foram pautadas situações práticas nos territórios em luta, com exemplos latentes como a privatização da água no Rio de Janeiro, medida que mercantiliza um bem comum limitando o seu acesso em um país em que uma parcela considerável da população não tem direito básico a saneamento. Ou o impacto de grandes projetos, como no caso Fraport, em que para expandir um aeroporto para Copa do Mundo, em Porto Alegre, a Vila Nazaré, comunidade com mais de 60 anos de história, foi extinta do mapa urbano. Outro caso apresentado foram as lutas no Rio Grande do Sul, como nos assentamentos de Nova Santa Rita, que em levante contra políticas de expansão do agronegócio e de liberação de agrotóxicos, que colocam em risco os meios de vida e de produção de produtoras e produtores de alimentos sem veneno, pautam outro horizonte político. Na luta os produtores que denunciam a pulverização aérea de agrotóxicos, que afeta suas lavouras, resistem e se levantam contra políticas de morte, reavivando um projeto político que coloca a vida no centro.
A partir de relatos dos territórios em luta, o debate trouxe a conexão entre Acordos Internacionais e incidência desses na realidade cotidiana das pessoas, expondo ainda demandas para resistir e construir soberania popular. Os desafios dos próximos anos, que passam tanto pelas lutas da política institucional quanto da luta dos povos e movimentos, numa construção coletiva que pauta soberania, foram expostos. Tanto medidas como Dossiê de denúncia a Ricardo Salles e que aponta o desmonte de legislação ambiental no Brasil, até construção de alternativas de coligação de forças, com perspectivas anticoloniais e antirracistas entraram na conversa.
O aprofundamento do capitalismo, via neoliberalização e avanço da iniciativa privada, impacta negativamente os biomas, sabedorias ancestrais e formas de organização social. E com acordos que fomentam o avanço da multinacionais e megacorporações na América Latina, como é o caso do Acordo Mercosul-UE, se intensificam lógicas como a das privatizações, desestatizações e incidência de maior militarização da vida e armas de guerra, como é o caso da liberação de agrotóxicos, expansão da mineração e do agronegócio e mercantilização e financeirização da vida, que resultam em mais ruptura no metabolismo ecológico sob emergência climática.
Na esteira da neoliberalização, com políticas de estado que se traduzem nas violações de políticas econômicas, com privatizações e concessões, é imprescindível assumir compromissos para a conjuntura que se abre a partir da eleição de domingo, dia 02. Tendo isso em vista, a Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul – EFTA entregou carta compromisso para as candidaturas, visando a necessidade de participação social e controle social da política externa. Medidas que se contrapõe a uma ofensiva do acordo, que intensifica a precarização da vida e das relações de trabalho, o avanço da mercantilização dos bens comuns e o aumento exponencial da violência e dependência econômica dos países da América Latina na relação política geoglobal.
Confira como foi o evento na íntegra acessando a nossa transmissão online: