Documento assinado por 17 entidades reúne informações e propostas para o enfrentamento dos impactos das enchentes
Por Assessoria da CGY
Durante a situação de calamidade pública causada pelas fortes chuvas no estado do Rio Grande do Sul uma rede de diversos atores vem prestando apoio direto às comunidades atingidas pelas enchentes.
A articulação indigenista no RS tornou pública uma carta direcionada aos órgãos públicos, na qual pressionam o governo a cumprir seu papel institucional e destacam as ações de solidariedade realizadas em rede. O documento foi divulgado na tarde desta quinta-feira (16/5), e reúne informações e propostas para o enfrentamento dos impactos das enchentes enquanto seus efeitos persistirem. (Acesse a íntegra da carta clicando neste link ou leia abaixo).
A carta afirma a necessidade de as demandas emergenciais das aldeias passarem a ser tratadas como parte das políticas assistenciais e de gestão ambiental e territorial contemplando todos os territórios com recursos financeiros, estrutura física e recursos humanos, e o texto remarca que os povos indígenas constituem os povos indígenas constituem “os maiores agentes de enfrentamento à crise climática global”, uma vez que são os primeiros a sofrer com as piores consequências da devastação ambiental.
Se faz necessário, então, que as demandas emergenciais das aldeias passem a ser tratadas como parte das políticas assistenciais e de gestão ambiental e territorial, visando atender a todos os territórios, com recursos financeiros, estrutura física e de pessoal. Sem olvidar que os povos indígenas constituem os maiores agentes de enfrentamento à crise climática global, ao passo em que são os primeiros a sofrerem as piores consequências da devastação ambiental. – Trecho da carta pública da articulação indigenista no RS
A rede é composta por representantes de 17 entidades, dentre elas a CGY, e já articulou esforços para atender as demandas emergenciais das 64 comunidades indígenas afetadas dos povos Guarani, Laklãnõ, Kaingang e Charrua, fazendo chegar doações de comida, água e itens básicos a mais de 1.300 famílias, em 35 municípios.
Na avaliação de Roberto Liebgott, que participa do coletivo enquanto membro do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), “agora é a parte do estado”, ressaltando que a atuação da frente de apoio foi realizada mesmo sem estrutura organizacional nem física, “com nossas limitações, mas muito estimuladas pelas organizações indígenas”.
O coletivo enfatiza a responsabilidade do poder público em implementar medidas concretas e duradouras para garantir a segurança e bem viver das comunidades indígenas na região, remarcando que o papel assistencialista foge ao escopo de atuação das organizações, apesar dos esforços ora catalisados no momento crítico da situação.
Passados apenas oito meses do que se acreditava ter sido a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, voltamos a vivenciar uma situação ainda pior. Chuvas intensas e de altos volumes, que chegaram a mais de 700 mm em algumas localidades, assolaram quase todos municípios do estado a partir de 29 de abril, provocando uma cheia sem precedentes. A chuva acumulada entre 22 de abril e a segunda-feira (6) chegou a igualar toda a média de precipitação prevista para cinco meses. Arroios e rios alcançaram níveis ainda mais altos do que os eventos de setembro de 2023, houveram deslizamentos de terra, destruição de estradas e rodovias, alagamento de cidades, mortes e destruição.
Levantamento da Defesa Civil (08/05) aponta cem pessoas mortas,128 desaparecidas e 372 feridas em417 dos 497 municípios, atingindo uma população de mais de 1,4 milhão de pessoas em todo o Rio Grande do Sul. Estes números ainda devem aumentar, já que há soterramentos em pontos isolados do interior a serem averiguados e cidades da região metropolitana alagadas. Muitos animais domésticos e para subsistência estão mortos. O número de refugiados climáticos divulgado hoje foi de mais de 230 mil pessoas, 66,7 mil em abrigos e 163,7 mil desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos). Exército, Bombeiros, Defesa Civil, polícias militares e civis do RS e de vários outros estados do país, voluntários individuais e militantes de organizações e movimentos sociais, estão há uma semana resgatando vidas por helicóptero, barcos, jetskis e por terra, abrindo estradas mato a dentro. Os prejuízos materiais são bilionários. A reconstrução das cidades, das economias e das vidas levará muito tempo.
Estradas que chegam na capital estão fechadas. O aeroporto está desativado pelo menos até 30 de maio. Mais de 70% da população de 2 milhões de habitantes de Porto Alegre está sem luz e sem água, com dificuldade de comunicação e de abastecimento de itens básicos de sobrevivência. A água potável tem sido um dilema cotidiano para toda a população, e está em falta nas prateleiras de muitos supermercados. Regiões e municípios do interior gaúcho seguem isoladas, sem poder receber ajuda. Muitas famílias não têm notícias uns dos outros.
As regiões atingidas pelas cheias do ano passado, especialmente os vales dos rios Jacuí, Taquari e Pardo e a Serra Gaúcha, sofreram um novo impacto, de maiores proporções. Cidades que nem haviam se reconstruído, entre elas Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Santa Tereza e Estrela, acabaram sendo destruídas totalmente ou parcialmente, mais uma vez. Municípios do litoral Norte, como Maquiné, e nos vales dos rios Paranhana, Caí e Sinos, que foram o foco das inundações em junho do 2023, voltaram a ter prejuízos, especialmente as cidades da região metropolitana, a 5ª mais populosa do Brasil, abrigando cerca de 4,3 milhões de habitantes. Santa Maria e a Região Central também sofreram fortes impactos.
Porto Alegre, vivencia a pior inundação de sua história. Até então, figurava nos registros e nas lembranças dos moradores mais velhos a enchente de 1941, quando o Rio Guaíba atingiu 4,77m e alagou parte do centro e da orla do rio pela cidade. Desta vez, o rio Guaíba, que recebe as águas das regiões norte e centro do Estado, chegou a 5,30m, retomando o que já foi seu leito e avançando em vários pontos da cidade. Porto Alegre segue sitiada. Até mesmo a sede da Amigas da Terra Brasil foi atingida pelas águas após o desligamento de bombas pelo risco de eletrificação, o que fez o rio avançar sobre os bairros da Cidade Baixa e da Azenha, onde está localizada.
Nesta primeira semana, todos os esforços conjuntos seguem no sentido de salvar vidas. Presenciamos uma rede de solidariedade poucas vezes vista, envolvendo todo o país nos resgates, nas doações de alimentos, roupas, materiais de higiene e de limpeza e dinheiro para ajudar os desabrigados e desalojados, instalação de abrigos, fornecimento de marmitas de comida. A Amigas da Terra Brasil esteve junto em solidariedade ativa, colaborando na cozinha comunitária do Morro da Cruz com a Marcha Mundial das Mulheres e Periferia Feminista, e na Cozinha Solidária do MTST da Azenha (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que se uniu a outros movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), fornecendo até 1.800 marmitas de comida por dia para as pessoas afetadas em Porto Alegre e região metropolitana. Nesse momento de luto pelas vidas perdidas, em meio à dor e ao sofrimento, oferecemos nossos corações e braços para ajudar quem necessita do básico para se manter vivo.
No impacto desta tragédia, rememoramos aquilo que defendemos há tempo, que também são pautas históricas de tantos territórios de vida em luta. Aquilo que os povos indígenas do Brasil vem alertando constantemente, e que marcou presença no Acampamento Terra Livre (ATL) mais uma vez neste ano: precisamos enfrentar a crise climática. Essa é uma emergência. E esse enfrentamento não virá com novas tecnologias de mercado, tampouco com a caridade de donos de transnacionais e suas campanhas de marketing sobre sustentabilidade, que maquiam práticas que são a continuidade de um projeto colonial, racista, machista, lgbtqifóbico, destruidor da natureza e da coletividade. A emergência climática é uma realidade imposta sobre as desigualdades estruturais e sistêmicas: as injustiças ambientais recaem sobre os menos responsáveis historicamente pelo problema, que são os mais desamparados para lidar com as consequências. Esta emergência, tão real, é o contexto na qual vivemos. E por mais dura que possa ser, ainda há muita vida para lutarmos por. Aí que habita o sentido de estarmos aqui. É possível puxar o freio de mão de lógicas nefastas que avançam sobre a terra, reduzir drasticamente os impactos e aumentar a capacidade de reconstrução em situações como a que vivenciamos no momento. Isso passa pela política.
A começar por puxar o freio do agronegócio, especialmente quando no Brasil a alteração do uso do solo é o principal fator emissor de dióxido de carbono na atmosfera, gás que mais tem impacto no aquecimento global. E quando no RS políticas do governo do estado incentivam a prática e a liberação de agrotóxicos, muitos não permitidos em seus países de origem, o que gera uma série de violências e conflitos no campo, além de dificultar e até mesmo desincentivar a agricultura familiar e a agroecologia, que trazem respostas reais às crises deste século. Além disso, o agronegócio nos mantém em uma relação econômica e social de dependência dos países do norte-global, centro do capitalismo, o que gera ainda mais desigualdade e devastação da natureza, tornando bairros, cidades inteiras, zonas de sacrifício. Quando a boiada avança, precisamos reafirmar a que ela veio e que é na luta por soberania popular e pelos territórios preservados que está a resposta para outros caminhos, socialmente justos, ecologicamente equilibrados.
A ofensiva da mineração no estado gaúcho é outro fator que nos traz até o cenário que vivemos. A maior parte do carvão disponível no país está concentrada no estado gaúcho, cerca de 90%, e sua extração é uma ameaça frente à crise climática, podendo potencializá-la. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto, que atingiria território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia, estaria hoje debaixo d’água, gerando drenagem ácida e contaminando as águas doces que temos. Felizmente, a mobilização popular e as denúncias das falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, acarretaram em seu arquivamento. A mina Guaíba também afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí e municípios do entorno atingidos em cheio pelas cheias, além do bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani.
Defendemos que uma das grandes soluções para evitar catástrofes sob emergência climática são os povos nos territórios. Essa solução está na demarcação de terras indígenas, na titulação de comunidades quilombolas. Está na reforma agrária, na reestruturação fundiária nas cidades e na luta por moradia, contra a propriedade privada – é premissa a cessão de imóveis para que as gentes tenham onde habitar, especialmente quando há um número desproporcional destes desocupados, sem uso social, e muita gente sem ter onde morar, situação que se agrava com refugiados climáticos. A expropriação de terras e de propriedades que servem a lógica da especulação imobiliária é imperativo. A resposta também reside no investimento público permanente a partir de políticas construídas junto aos territórios, com participação popular. Com o direito garantido aos povos e comunidades tradicionais de serem e existirem, preservando os seus modos de vida que, comprovadamente, são os que menos causam impactos socioambientais no planeta. Virá com o fim das políticas de austeridade, com a reversão do processo de aprofundamento neoliberal, que na prática privatiza os bens comuns como água e energia para que o poder corporativo e grandes empresários ampliem suas margens de lucro.
É nessas privatizações que vemos que quando o imperativo é o lucro (e não o interesse público do serviço prestado à população), esta é deixada à mercê da própria sorte, podendo passar até uma semana sem luz, como ocorreu em Porto Alegre em janeiro deste ano. Desta vez, 70% de sua população está sem energia e sem água. E aqui, salientamos as privatizações da CEEE e da Corsan, o desmonte das funções estatais de planejamento e o sucateamento do DMAE, a nível de gestão municipal, como processos que nos trouxeram até o colapso vivenciado. No caso de cidades como Porto Alegre, havia um sistema de defesa contra enchentes que falhou por falta de manutenção, mantido por várias gestões e detonado a partir da gestão do ex-prefeito da capital, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e pelo atual prefeito, Sebastião Melo (MDB).
As constantes tragédias que assolam o Rio Grande do Sul mostram que municípios não estão preparados para enfrentar os eventos extremos do clima. Prefeitos ainda demoraram para alertar a população sobre os impactos das fortes chuvas previstas pelos institutos de meteorologia e pela Defesa Civil. Parte dos sistemas de contenção de água, diques e barragens de água extravasaram, obrigando a população a ser evacuada. A maior parte dos alagamentos ocorreram em locais que já sofrem historicamente com problemas de drenagem que não são resolvidos. A grande maioria das pessoas afetadas são empobrecidas e trabalhadoras, que moram nas áreas de várzeas, beiras dos rios e córregos, ou em encostas de morros, desvalidas de políticas concretas quanto a direitos básicos, como acesso a água, habitação popular para que efetivem a saída das áreas consideradas de risco para uma vida mais digna.
Mesmo sendo a 4ª e a pior tragédia climática de grandes proporções que o Rio Grande do Sul enfrenta em menos de dois anos, ainda há governos municipais e parlamentares negacionistas, que ignoram os efeitos das mudanças climáticas. Também há regiões afetadas que não se recuperaram de outras enchentes, como é o caso do Vale do Taquari, que além de uma série de violações de direitos humanos, contam com inúmeros relatos de moradores sobre verbas advindas do Governo Federal terem sido repassadas, sem a implementação por parte das prefeituras.
Pesquisas científicas evidenciam que o desmatamento, inclusive na Amazônia, impacta diretamente na elevação das temperaturas e, por consequência, no aumento da incidência das chuvas e eventos extremos no Brasil e no planeta. No RS, a devastação do bioma Pampa e da Mata Atlântica para dar espaço ao agronegócio e sua sede voraz por terra também desemboca nas fortes enchentes que vivenciamos, assim como nos prolongados períodos de estiagem.
O governo do RS e a prefeitura de Porto Alegre, embora digam estar preocupados com a emergência climática, não o demonstram em ações concretas. E suas práticas vão na direção de uma intensificação das catástrofes. O orçamento estadual proposto para este ano pelo governador Eduardo Leite (PSDB) previa apenas R$ 115 milhões para enfrentar os eventos climáticos em 2024 em todo o RS, incluindo investimentos na Defesa Civil estadual. Tanto a gestão de Leite quanto a de Melo têm atuado no desmonte e na “flexibilização” da legislação ambiental. Isto para beneficiar setores imobiliários de alta classe, as grandes empresas, o agronegócio e atividades econômicas destrutivas, como a mineração. O que provoca mais desmatamento, devastação de biomas naturais, contaminação de recursos de água e ocupação de áreas livres e às margens de rios, como a do próprio Guaíba. Em março deste ano, a Assembleia gaúcha aprovou projeto de autoria do deputado Delegado Zucco (Republicanos), que altera o Código Estadual de Meio Ambiente e flexibiliza regras em Áreas de Preservação Permanente (APP), liberando a construção de barragens e açudes nestas.
No caso de Porto Alegre, a prefeitura lança alertas de evacuação sem orientar como será feita. Às pressas, improvisa abrigos em áreas de risco de alagamento, fazendo com que refugiados climáticos que perderam as casas tenham que migrar outra vez sem segurança alguma de futuro. Não há, sequer, política considerando os trabalhadores e sua locomoção pela cidade via transporte público, o que poderia ser garantido com passe livre e salvar vidas. Extremamente elitista, a recomendação do prefeito e Melo é que a população, ou parte dela a quem se dirige, pegue Uber, ou vá para suas casas de praia.
Pela 1ª vez, vivenciamos refugiados climáticos em massa vagando em meio a água nas cidades do Rio Grande do Sul, vagando sem rumo por ruas e rodovias com os poucos pertences e animais que puderam carregar, esperando dias em cima de telhados por resgate, ficando amontoadas por dias em abrigos porque perderam suas casas, ou sem poder sair de suas casas para se abastecer de água e alimentos e com medo de saques e violências que aumentam diante do caos. O que gostaríamos de evitar para a próxima geração, vivenciamos hoje, aqui e agora.
A solidariedade é premissa. Uma solidariedade de classe. Não a S.A, das corporações no seu lavado de responsabilidade social corporativa. Quem mais está sofrendo nesse momento são as pessoas que estão à margem do sistema, que não conseguem garantir uma dignidade de vida no dia a dia. Que hoje, mais do que nunca, estão mais precarizadas, sofrendo com um processo de empobrecimento, negação de direitos e impossibilidade de sustentação da vida. Se essas famílias já eram consideradas empobrecidas, elas vão ficar mais empobrecidas. Elas vão perder pessoas da família que garantem o cotidiano, em geral sobrecarregando mais ainda as mulheres, a população preta e periférica no trabalho não remunerado de cuidados. A capacidade dessas famílias de se sustentar, de se organizar, vai ser reduzida. Primeiro por perderem pessoas, depois por perderem moradias, por perder trabalho, condições de vida e pelos traumas, que são certos. Todo mundo que passa por uma situação dessas se depara com um trauma imenso, isso é inevitável.
Diante dos desmontes do estado nos diversos níveis e da destruição dos serviços e da capacidade de gestão e planejamento no interesse público, emerge a força da unidade. Da diversidade de modos de fazer e se organizar dos movimentos populares do campo e da cidade, conectando os territórios de vida, muitas vezes aqueles também ameaçados e sacrificados pelo sistema que dá origem à emergência climática. Essa solidariedade de classe, real e radical, seguirá em marcha. Reconstruindo e mobilizando o poder popular para retomar o lugar do povo trabalhador na política, enfrentar o clima (que já mudou), e mudar o sistema.
Levantamento feito por organizações indígenas e indigenistas busca cobrar o poder público e apoiar campanha de arrecadação de doações para comunidades afetadas
Os impactos das chuvas e das cheias inéditas no estado do Rio Grande do Sul chegam de forma avassaladora em comunidades indígenas da região. Um levantamento colaborativo indica que mais de 80 comunidades e territórios indígenas foram diretamente afetados, alguns com extrema gravidade.
O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta pelo Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Fundação Luterana de Diaconia, Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD/Comin/Capa), além do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul (Cepi/RS).
O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta:
Comunidades dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua, espalhadas em 49 municípios gaúchos, são as mais impactadas da região. Dentre as comunidades que se encontram em estado de emergência mais grave, todas elas do povo Guarani Mbya, estão Lami e da Ponta do Arado, situadas no município de Porto Alegre, com 18 famílias atingidas; Yva’ã Porã, em Canela, com 16 famílias afetadas; Flor do Campo e Passo Grande Ponte, em Barra do Ribeiro, com 25 famílias impactadas, e as 19 famílias da aldeia Araçaty localizadas no município de Capivari do Sul.
Nessas comunidades, as famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas, dado o risco de alagamento e deslizamento de terra. Na aldeia Pekuruty, localizada às margens da BR-290, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) destruiu as casas e edificações da comunidade, sem qualquer consulta ou justificativa.
As famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas
Segundo Roberto Liegbott, missionário do Cimi Regional Sul, “essa comunidade foi removida para que o DNIT pudesse consertar uma tubulação que passa ali e eles acabaram destruindo toda a comunidade indígena. Eles arrancaram as casas dos indígenas sem que os Guarani sequer soubessem ou tivessem sido comunicados. Os indígenas no momento encontram-se em um abrigo, mas quando retornarem, a comunidade já não existirá mais, porque o DNIT destruiu tudo”, informou o missionário.
A inundação persiste na região metropolitana de Porto Alegre. A situação ainda é preocupante nos municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Guaíba, Eldorado do Sul e Cachoeirinha, além dos bairros de Porto Alegre, especialmente nas zonas Norte e Sul.
O levantamento realizado pelas organizações indígenas e indigenistas ainda está em estágio preliminar e possui o objetivo de auxiliar, nesta fase emergencial, a realização de uma campanha de doação para as comunidades afetadas. “Há um conjunto de entidades e instituições organizadas para ajudar essas famílias não só nesse primeiro momento, mas também depois, na reconstrução de suas casas e aldeias”, explicou Roberto.
As organizações pedem apoio e doação de alimentos, material de higiene e limpeza, lonas, telhas, colchões e cobertores para as comunidades. As doações podem ser feitas na Paróquia Menino Jesus de Praga, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
O Cimi Regional Sul, a ArpinSul e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também disponibilizaram uma conta bancária para receber doações financeiras.
Além de apoiar a campanha de doação em curso, o mapeamento das áreas impactadas também busca subsidiar informações para cobrar, tanto do governo federal como do governo estadual, providências e amparo às comunidades indígenas do Rio Grande do Sul.
“Há também a necessidade que haja a regularização e a demarcação dos territórios, de preferência que se assegure lugares adequados, não degradados, para que essas famílias possam viver tendo um horizonte de segurança e não de vulnerabilização como ocorre hoje”, considera Roberto Liebgott.
Estamos acompanhando as informações acerca das comunidades indígenas, quilombolas e de pesca artesanal que, como toda a população, enfrentam os impactos decorrentes deste último evento climático que bateu recordes no Rio Grande do Sul.
Ontem terminamos um mapeamento das comunidades indígenas que estão sendo mais impactadas pelas águas e identificando os casos mais graves, para posteriormente pensarmos em ações conjuntas de apoio e solidariedade, e subsidiar a tomada de ações pelo Poder Público.
De todas as comunidades indígenas, destacamos três casos Guarani emergenciais:
Comunidade Yjerê da Ponta do Arado, em Porto Alegre (bairro Belém Novo), onde o cacique Timóteo preferiu se manter na área após abandonarem suas casas às margens do Guaíba e se deslocarem para um terreno mais elevado.
Comunidade Pekuruty, em Eldorado do Sul, e Comunidade Pindó Poty, em Porto Alegre (bairro Lami), as quais precisaram deixar suas áreas com apoio da Defesa Civil. No entanto, após a saída das famílias Guarani da comunidade Pekuruty, o DNIT destruiu suas edificações às margens da BR-290, sem qualquer consulta ou justificativa.
As águas ainda seguem subindo na região de Porto Alegre. Nos municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Guaíba e Eldorado do Sul, Cachoeirinha, além dos bairros de Porto Alegre, especialmente nas zonas Norte e Sul, a situação ainda é desesperadora.
Precisamos que as águas baixem para a gente poder atuar no sentido de assegurar habitação, alimentação e todo o apoio na reconstrução das comunidades indígenas.
Além das comunidades já citadas, realizamos um mapeamento preliminar para identificar as comunidades indígenas mais impactadas em decorrência deste evento climático extremo. O mapeamento foi realizado em conjunto pela Comissão Guarani Yvyrupa, Cimi-Sul, FLD/ Comin/Capa e CEPI, a partir do contato com a a diversas lideranças/representantes indígenas e acessando as informações da Funai e Sesai.
Vídeo da Aldeia Tekoa Ñhu Poty, em Passo Grande (RS):
Até o momento, constam as seguintes comunidades indígenas em situação de emergência:
Água Santa: Kaingang Acampamento Faxinal e TI Carreteiro.
Barra do Ribeiro: Mbyá-Guarani Passo Grande Ponte, Flor do Campo, Yvy Poty, Ka’aguy Porã, Guapo’y e Coxilha da Cruz, Tapé Porã.
Cruzeiro do Sul: Kaingang Acampamento TãnhMág (RS-453).
Eldorado do Sul: Mbya Guarani Pekuruty.
Engenho Velho: Kaingang TI Serrinha.
Erebango: Kaingang TI Ventarra, Guarani de Mato Preto.
Estrela Velha: Ka’aguy Poty.
Estrela: Kaingang Jamã Tý.
Farroupilha: Kaingang Pãnónh Mág.
Faxinalzinho: Kaingang TI Kandóia.
Iraí: Kaingang Goj Veso e Aeroporto.
Lajeado: Kaingang , Foxá.
Maquiné: Mbya Guarani Ka’aguy Porã, Yvy Ty e Guyra Nhendu.
Mato Castelhado: Kaingang Tijuco Preto.
Osório: Mbya Guarani Tekoa Sol Nascente.
Passo Fundo: Kaingang Goj Yur, Fág Nor.
Porto Alegre: Charrua Polidoro, Mbyá-Guarani Ponta do Arado e Pindó Poty, Mbya Anhatengua, Kaingang Gãh Ré (Morro Santana), Tupe Pan (Morro do Osso).
Riozinho: Ita Poty.
Rodeio Bonito e Liberato Salzano: TI Rio da Várzea (emergência na Linha Demétrio).
Salto do Jacuí: Kaingang Horto Florestal, Aeroporto e Júlio Borges, Mbyá-Guarani Tekoá Porã.
Santa Maria: Mbya Guarani Guaviraty Porã e Kaingang Kētƴjyg Tēgtū (Três Soitas).
Santo Ângelo: Mbya Guarani Yakã Ju.
São Francisco de Paula: Xokleng Konglui.
São Leopoldo: Kaingang Por Fi Gá.
São Gabriel: Mbya Guarani Jekupe Amba.
São Miguel das Missões: Mbyá-Guarani Koenju.
Tabaí: Kaingang PoMag.
Terra de Areia: Mbya Guarani Yy Rupa.
Torres: Mbya Guarani Nhu Porã.
Palmares do Sul: Mbya Guarani da Granja Vargas.
Viamão: Mbya Guarani Nhe’engatu (Fepagro), Pindó Mirim, Mbya Guarani Jatai’ty TI Cantagalo e Takua Hovy.
Vicente Dutra: Kaingang TI Rio dos Índios.
As Organizações encaminham essa relação, que não é definitiva, pois ainda há informações necessárias a serem acrescentadas, mas através da qual se pede ao Poder Público atenção no sentido de garantir assistência adequada neste tempo de tantas adversidades.
Pede-se também apoio às organizações e entidades da sociedade no sentido de auxiliarem, através de apoios e ações solidárias às comunidades que necessitaram de alimentação, material de higiene e limpeza além de lonas, telhas, colchões e cobertores.
Vídeo da Aldeia Tekoa Ñhu Poty, em Passo Grande (RS):
Assinam esse documento a Comissão Guarani Yvyrupa, o Cepi, Cimi Sul e FLD/Comin/Capa.
Apoios e ações solidárias às aldeias indígenas:
Aldeias necessitaram de alimentação, material de higiene e limpeza além de lonas, telhas, colchões e cobertores.
👉🏽 Ponto de coleta de doações para as comunidades indígenas:
📍Paróquia Menino Jesus de Praga, Rua Dr. Pitrez, 61, bairro Aberta dos Morros, Porto Alegre/RS
Os territórios de vida também sofrem com as fortes chuvas e inundações que atingem o estado do sul do Brasil nos últimos dias. O RS vem sendo atingido constantemente por eventos climáticos extremos, intensificados pela sanha destruidora dos não-indígenas, da nossa sociedade, que interfere e afeta diretamente o clima. Os mesmos que invadem os territórios e espremem os indígenas em lugares insalubres, instáveis e perigosos.
Informações de comunidades indígenas Mbya Guarani que foram impactadas pelas enchentes até agora: Pekuruty (8 famílias), na cidade de Eldorado do Sul; Pindó Poty (12 famílias), na Capital Porto Alegre; Ñhu Poty em Barra do Ribeiro, mais de 20 famílias; Apurity em Barra do Ribeiro; na cidade de Capivari do Sul, 10 famílias.
Avanço das águas em aldeia de Capivari do Sul (RS):
Vídeo da Aldeia Tekoa Ñhu Poty, em Passo Grande (RS):
Os Mbya Guarani de Pekuruty, Pindó Poty e da Ñhu Poty foram acolhidos em abrigos. As famílias da Ñhu Porã, em Barra do Ribeiro, permanecem na área (chamada de tekoa), onde há uma parte mais elevada. Já em Capivari do Sul, a área foi tomada pelas águas, que fica nas margens da RS 040. As famílias estão na tekoa, não foram para abrigos. As aldeias Prainha, em Barra do Ribeiro; Pacheca, em Camaquã, e a do Arado Velho, em Porto Alegre, estão ilhadas neste momento.
Vídeo da Retomada Arado Velho, em Porto Alegre, (RS):
As comunidades perderam tudo o que tinham, como roupas, cobertores, colchões, material de cozinha e alimentos. Até os animais domésticos foram levados pelas águas.
A Retomada Mbya Guarani Nhe’Engatu, em Viamão, e a aldeia Apurity, em Barra do Ribeiro, estão pedindo doações de roupas, cobertores e alimentos. Veja como ajudar em @retomada_nheengatu Apurity também disponibiliza um pix para contribuições em dinheiro (CPF 03371150011), contato é Ariel (51) 99807-7720.
Esta inundação já é considerada a maior tragédia socioambiental do RS. Até o momento, quase 40 pessoas morreram devido a cheias de rios e soterramento, mas outras dezenas estão desaparecidas. Rios ultrapassaram suas marcas históricas de cheias, animais mortos, moradias e estradas destruídas, cidades e populações ilhadas pela água.
Está passando da hora de nos adaptarmos, de forma coletiva, às mudanças climáticas e enfrentarmos esse sistema que coloca o lucro e os ganhos econômicos acima de todas as vidas!
*Com informações de Roberto Liebgott, CIMI SUL, sobre os indígenas
O carvão é uma ameaça aos nossos territórios, aos direitos humanos e dos povos. Meio a emergência climática e a acelerada exploração da natureza, que se dá por meio do avanço de fronteiras como a do agronegócio e da mineração, se faz urgente a justiça climática, assim como as soluções pensadas a partir da realidade dos povos e territórios em luta. Eduardo Raguse, do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (RS), articulação de mais de 100 entidades da sociedade gaúcha, expõe a grande ofensiva da mineração no estado.
“A gente teve que se organizar para fazer frente a essa ofensiva e não permitir que o RS fosse a nova fronteira do atual modelo mineral do país. Dentro dessa luta, nos deparamos com a seguinte situação: 90% do carvão em território nacional existente, das jazidas de carvão, estão no RS. A gente tem essa responsabilidade num debate nacional a respeito do carvão. Entra na pauta energética e na pauta das mudanças climáticas. Parece absurdo a gente ter que falar em carvão ainda hoje, mas a gente tá tendo que fazer esse debate”, revelou.
O carvão é o modo de geração de energia mais poluente, também é uma das fontes de energia que mais gera gases de efeito estufa por unidade de energia gerada. “Comparando, por exemplo, com a energia fotovoltaica, apesar de todos os problemas da cadeia produtiva e dos resíduos, ainda assim a energia fotovoltaica vai liberar entre 30g e 80g de dióxido de carbono por quilowatt hora gerado. O carvão vai liberar entre 600g a 1600g. Só pra gente ter uma ideia da escala em que estamos falando”, explicou Raguse.
Contexto global
A nível global são mais de 4 mil usinas termelétricas movidas a carvão operando hoje, que são responsáveis por ⅓ das emissões globais de carbono. A contribuição do carvão a nível global para o aquecimento do planeta terra ainda é muito significativa. Para além disso, é consenso científico que as causas humanas (no caso, de alguns seres humanos que detém poder político, econômico e social – a classe capitalista/burguesia) estão levando o nosso planeta para um colapso iminente e urgente.
Para tentar limitar esse aquecimento planetário em 1,5 ou 2º, como propõe o Acordo de Paris, nenhum novo investimento em carvão poderia ser feito. Também deveria haver uma acelerada desativação das estruturas das minas e das termelétricas em todo mundo. Tudo isto até no máximo 2030. Mas, infelizmente, os dados demonstram que o cenário é justamente o oposto. “A demanda energética e o consumo de combustíveis fósseis tem crescido no mundo todo, a pandemia deu uma pequena retraída e aí a gente teve uma expectativa de que essa tendência fosse seguir. Mas 2021 já voltou com o carvão crescendo 9% no mundo e batendo o recorde histórico da produção, consumo e queima do carvão da nossa história”, evidenciou Raguse.
O aumento do preço do gás, em função da guerra na Ucrânia que temos acompanhado, é um dos fatores que amplia o uso do carvão. Países como China, Indonésia, Tailândia e Japão seguem incrementando as suas unidades de geração de energia a partir do carvão. Alemanha e Áustria estão reativando unidades que já estavam desativadas. A Europa toda está importando muito carvão da África, da América do Sul, da Austrália. Aprofundando, também, o impacto da mineração nesses países exportadores de carvão. “Está bastante claro que a gente está longe de superar a dependência dos combustíveis fósseis e eu não estou falando nem de Petróleo, eu estou falando de carvão, que parece ainda mais possível de a gente avançar em ir acabando com essa indústria. Então a gente percebe que há um aumento na oferta de energia gerada a partir das eólicas, das solares a nível mundial, mas, ao mesmo tempo, não há uma retração das fósseis. Então, na prática, essa transição não está acontecendo, o que está acontecendo é uma nova oferta a partir de novas fontes energéticas, mas a nossa demanda energética a nível global só aumenta”, denunciou.
Para além do debate de transição na matriz energética, é imprescindível levar em conta que modelo de sociedade, de produção e de consumo defendemos. De acordo com Eduardo, estes fatores são uma das chaves para puxar o freio de emergência do colapso da emergência climática – realidade que está cada vez mais escancarada no Brasil devido a fenômenos extremos, sejam secas históricas em algumas regiões ou chuvas sem precedentes em outras, que afetam de maneira desproporcional as populações marginalizadas, negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, comunidades pesqueiras e os povos tradicionais, quem menos causa impacto socioambiental. ” Para piorar a situação, ainda por cima, esses novos projetos de geração de energia a partir do vento e do sol têm demonstrado atuar a partir da mesma lógica predatória que os próprios investimentos em carvão, em gás e em petróleo. Atingindo as comunidades tanto em função da demanda dos minérios e dos locais das minas, quanto nos locais em que são instaladas essas estruturas”, expôs. Carvão e o contexto brasileiro
No contexto do Brasil, o Anuário Estatístico da Energia Elétrica de 2023 revela que apenas 1% da nossa geração de energia elétrica veio do carvão. Em contraponto, o carvão foi responsável por 32% das emissões de gás de efeito estufa do setor elétrico brasileiro. Quanto a matriz energética brasileira, mais de 80% já vem das hidrelétricas, da solar e das eólicas. Ou seja, o Brasil tem condições em termos de segurança energética para abrir mão do carvão. Não é feito devido aos interesses das empresas ligadas ao setor, assim como pela ineficiência do governo de conseguir apresentar alternativas económicas para as regiões carboníferas. É preciso pautar a redução da demanda energética.
“Também trazendo os dados de energia do Brasil. A geração eólica já, desde 2015, ultrapassa a geração do carvão. No ano passado, a energia fotovoltaica já passou também o volume de energia gerada do carvão. Gerou o dobro do que o carvão gera. Então essa questão de energia de base, que sempre foi a desculpa do setor carvoeiro para o Brasil, hoje já está caindo por terra em função do efeito portfólio da distribuição das usinas eólicas e solares pelo país, que consegue superar essas variações sazonais que esse tipo de energia tem”, comentou.
A baixa eficiência da geração de energia a partir do carvão, aliada as suas altas taxas de emissão de gás de efeito estufa, já são motivo suficiente para a perspectiva de ir encerrando essas cadeias.
Contexto do carvão no Rio Grande do Sul
Dois projetos emblemáticos foram propostos no Rio Grande do Sul nos dois últimos anos, e os grandes impactos locais que esse tipo de estrutura gera também ficam evidentes. “Analisando do âmbito do Comitê de Combate à Megamineração, os estudos de impacto ambiental de uma grande mina de carvão que foi proposta a 15km de Porto Alegre, um projeto chamado Mina Guaíba, que seria a maior mina de carvão a céu aberto do país, a gente percebeu que os estudos ambientais deixavam muito a desejar. Não traziam nenhum pouco de segurança quanto aos impactos que geraram, bem como, um projeto de uma nova usina termelétrica em uma outra região do Rio Grande do Sul, na região de Candiota, que da mesma maneira, analisando os estudos, a gente percebeu uma série de impactos que estavam subdimensionados, lacunas, uma série de problemas nesses relatórios. Também percebemos nas Audiências Públicas como as empresas vendem esses projetos de uma maneira que é um grande marketing. Há um cerceamento ao direitos das comunidades de entenderem, de fato, como funcionariam esses projetos no futuro. E aí, muitas vezes vendem a ilusão de que os impactos não vão vir, somente o desenvolvimento. E a gente percebe que é justamente o contrário. O desenvolvimento que eles tanto prometem parece que nunca chega, mas os impactos com certeza”, explicou Raguse.
Para além disto, a questão do carvão também tem um outro ponto bastante sensível, que são os problemas relacionados aos impactos à saúde, seja humana, seja ambiental. Há uma série de estudos que correlacionam o carvão a problemas de saúde em rebanhos bovinos, decorrentes do flúor. Também há análises quanto à minação de ovos de galinha com chumbo, cádmio e o flúor. A genotoxicidade em amostras de carqueja, uma planta que existe no Rio Grande do Sul muito utilizada como uma planta medicinal, também são alarmantes. “Se encontrou genotoxicidade em uma planta que a pessoa toma para de repente se curar da dor de barriga. Também se encontrou genotoxicidade em células sanguíneas, fígado e rim de roedores nativos, um pequeno roedor que existe no sul que se chama tuco-tuco. Se identificou em trabalhadores de Candiota significativo aumento de danos em células linfócitas e bucais. Tem estudos que avaliam comunidades que vivem nos municípios da região de Candiota, e já se conseguiu correlacionar a influência do material particulado do carvão a problemas hematológicos entre os residentes, com alterações nos parâmetros hematológicos em 43% da população, e em função do fígado em 30% da população. Sendo que a população mais atingida, segundo esse estudo, é o município de Pedras Altas, que sequer tem a Mina e Termelétrica que geram esse dano para o município, ou seja, que sequer recebem os impostos e tudo mais que deveriam receber”, expôs Raguse.
Visado como novo setor minerário do Brasil, o estado do Rio Grande do Sul segue em mobilização e em luta para barrar as atrocidades minerárias e garantir direitos básicos, para além da preservação ecossistêmica. Através da atuação do Comitê de Combate à Megamineração, projetos como essa termelétrica e essa mina de carvão foram interrompidos até o momento.
“Nós estamos, literalmente, como dizemos no Sul, segurando o carvão a unha. Nesse entendimento de que já que insistem em propor esses projetos, nós vamos fazer um empate. A gente percebe que o lobby carvoeiro segue forte. Existem dois projetos de lei hoje tramitando no Congresso, um deles a gente tem chamado de PL do Carvão, que visa incluir o Rio Grande do Sul nesta lei de Santa Catarina, que se autointitula de Lei de Transição Energética Justa, mas que na nossa leitura está esvaziando esse conceito, porque ela basicamente aumenta a vida útil das termelétricas a carvão subsidiadas até 2040. E não estabelece metas para de fato uma transição, que por exemplo se vincule prazos ao acesso aos subsídios, por exemplo. E existe um outro PL, que é o PL das Eólicas Offshore, que também está buscando ser regulamentado. E tem um jabuti no artigo 23 que justamente inclui também, até lá, a priorização da energia do carvão até 2050 nesse projeto de lei que nós também precisamos debater. E só lembrando, o subsídio anual do carvão tá em 800 milhões por mês e isso quem paga somos nós né, porque encarece a nossa conta de luz”, denunciou Raguse.
Como relata Eduardo: “Não tem saída dessa crise a partir de um sistema que está em crescimento infinito e que também então vai ter uma demanda energética infinita. Sem a redução na demanda, as energias ditas renováveis se tornam apenas mais um elemento de pressão sobre as comunidades. Temos que avançar com uma radicalidade e com um senso de urgência nesses próximos dez anos para buscar a descarbonização de nossa economia, um decrescimento também. Temos que falar sobre isso e superar esse paradigma do desenvolvimento sustentável. E isso tudo facilitado por uma distribuição de riquezas. As mudanças climáticas são inevitáveis, mas temos que atrasar, ou reduzir ao máximo o aquecimento da Terra. E que a gente possa caminhar o máximo possível na superação do capitalismo, afinal de contas, é disso que a gente tá falando: mudar o sistema e não o clima”.
Confira a fala de Eduardo Raguse, do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (RS), sobre o carvão no Brasil e no RS:
Conheça as pautas do Comitê de Combate à Megamineração:
O abandono do carvão como fonte de energia, já na próxima década, com o impedimento de novos empreendimentos de mineração e queima;
Que se estabeleçam prazos claros para a desativação gradual das estruturas existentes;
Que se cumpram tais prazos e que os mesmos sejam vinculantes ao acesso aos subsídios que o setor recebe, que parte desses subsídios bem como recursos desses países que se desenvolveram a partir das energias fósseis que nos colocam nesse colapso, possam ser justamente investidos nessa transição energética justa real que a gente quer ver para esses territórios;
A Política Nacional sobre Mudanças Climáticas precisa ser revista, visando colocar uma data para o fim do carvão;
O arquivamento por esse projeto de lei que quer incluir o Rio Grande do Sul nesta lei de Santa Catarina, bem como, tirar esse jabuti do PL das Offshore
Incluir nos licenciamentos ambientais de todos tipos de atividades que gerem gases de efeito estufa, esse critério de licenciamento, e que isso possa ser considerado para os deferimentos ou indeferimentos desses empreendimentos
Redução da demanda energética. Sem isso não tem saída. Mudar o sistema e não o clima.
O caos que Porto Alegre (RS) e o estado vivem é um projeto político. De bolsos cheios, o empresariado, que quer ser dono da cidade e interfere inclusive nas atuais Eleições do Conselho do Plano Diretor, promove uma série de catástrofes e impõe o desamparo à população. Ao lado dele, Sebastião Melo (MDB) e Eduardo Leite (PSDB), que governam para os ricos. Essa junção nefasta se traduz no cotidiano das pessoas por meio da fome, da falta de acesso à moradia, à água e à luz – direitos básicos que são violados, especialmente com eventos extremos da emergência climática.
Após o último temporal em Porto Alegre (RS), que ocorreu na terça-feira (16), já são mais de 48h sem luz, água, dignidade ou perspectiva. Porto Alegre vive um dos momentos mais dramáticos resultantes da crise climática, que escancarou o racismo ambiental e os efeitos na vida da classe trabalhadora. Milhares de famílias estão em situação de emergência, algumas desalojadas, outras sem moradia, grande parte aguardando o poder público enquanto alimentos estragam em suas casas rodeadas de escombros. As situações de risco à saúde e integridade física são alarmantes, decorrentes desde fios desencapados, que podem levar a choques e incêndios, até desabamentos de prédios, ou contaminação. Tudo isto sem sequer ter amparo e atendimento por parte do poder público.
As privatizações fazem parte deste projeto de violação de direitos. São sobre entregar algo precioso como a água, um bem comum fundamental a toda forma de vida na Terra, para ricos reduzirem a uma mera mercadoria e extraírem o máximo possível de taxas de lucro. Neste cálculo, a exploração é da água, dos territórios de vida e do suor do dia-a-dia de quem trabalha e luta para sobreviver. Uma exploração que nos leva ao colapso planetário, pois extrai da natureza em um sem fim toda a pulsão que garante o equilíbrio ecossistêmico. Sabemos que o que as empresas buscam é acumular riquezas. Se aquilo que importa é lucrar, o que resta à população quando a cidade colapsa após um temporal? Ficar à mercê da própria sorte, para além de pagar as contas de um serviço que não chega.
Melo e Leite brincam com a vida da população e seguem defendendo a Equatorial, mesmo com o péssimo serviço prestado à cidade. O prefeito também pretende privatizar o DMAE, comprometendo o tratamento de água. A privatização de empresas públicas está entre as principais causas do aumento da desigualdade social no mundo. A venda de companhias estatais, como ocorreu com a CEEE, faz com que empresários fiquem cada vez mais ricos enquanto lucram prestando serviços cada vez mais caros à população, que vai ficando mais empobrecida. Além disso, o projeto privatista tem em seu cerne o racismo. Quando faltam itens básicos de sobrevivência, ou direitos básicos são violados, quem mais sente são as comunidades negras, indígenas e periféricas, também conhecidas por serem as que menos causam os impactos que promovem as mudanças climáticas.
O que está acontecendo deixa evidente o real interesse do empresariado e do setor privado, que passa longe das necessidades dos povos e seres que aqui coabitam. Para as empresas, e para quem governa para elas, a gente é um mero produto. A luz e a água são meros produtos. Acontece que, para nós, isto tudo é sobre a vida. E a gente precisa lutar para que a vida seja para todas, todes e todos. Para que essa lógica do empresariado, dos que governam para ele, de ditarem as regras dilacerando os nossos cotidianos e violando direitos fundamentais, seja interrompida. E isso só é possível com mobilização popular.
O descaso com a população é inadmissível e Leite e Melo precisam ser responsabilizados. Enquanto o prefeito de Porto Alegre frequenta bar com colete de salva-vidas, criando a narrativa de que algo está sendo feito pelo povo, estaremos mais uma vez nas ruas, assim como estamos em ações de solidariedade por todos os territórios, fazendo o que deve ser feito. Vamos ocupar canto a canto da cidade e gritar por nossos direitos.
Exigimos o fim da privatização dos serviços básicos que garantem direitos fundamentais. Queremos a CEEE Pública, a Corsan Pública e o DMAE autônomo da política do Governo Melo. Exigimos mudanças radicais e reivindicamos a construção de soluções junto à população, para além do retorno urgente de luz, água e de atendimento a quem precisa.
As mudanças climáticas atingem a todos, mas a uns mais que a outros.
É preciso agir, vem pra luta! Hoje, 17h, em frente a prefeitura.
A transição energética é um dos temas que move as discussões climáticas no cenário internacional. Muitos países têm avançado na adoção de medidas para promover uma transição energética pautada na redução do uso de energias não renováveis, como o carvão e a queima de combustível fóssil. O Brasil sempre se posicionou à margem de tais discussões por sua matriz energética centrada na geração hidroelétrica. Contudo, o que pouco se menciona são os crescentes interesses na expansão de termelétricas no país.
Nos últimos anos, no Brasil, há um crescimento em 77% da produção de energia por meio de termelétricas, as quais são abastecidas por carvão. Isso fez com que a energia termelétrica passasse de 9% para 14% da representação no sistema nacional, segundo dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) de 2021. A ampliação do uso de energia proveniente da queima de combustíveis fósseis vai na contramão das metas de redução de gases do efeito estufa. Além disso, o uso de tal energia demanda grande quantidade de água, podendo intensificar o estresse hídrico.
Durante sua participação no Seminário Nacional Emergência Climática e Violações de Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em dezembro passado, em Brasília, o integrante do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul Eduardo Raguse, que compõe a equipe da Amigas da Terra Brasil, afirmou que o uso do carvão é uma das formas de geração de energia mais poluentes tanto pela produção de gases do efeito estufa como pelos impactos locais. Segundo ele: “comparando, por exemplo, com a energia fotovoltaica, apesar de todos os problemas da cadeia produtiva e dos resíduos, ainda assim a energia fotovoltaica vai liberar entre 30g e 80g de dióxido de carbono equivalente por quilowatt hora gerado. O carvão vai liberar entre 600g a 1600g. Só pra gente ter uma ideia da escala em que estamos falando”.
De acordo com Eduardo, existem mais de 4 mil usinas termelétricas movidas a carvão no mundo, e embora haja um aumento no uso de energia solar e eólica, renováveis, este movimento não é acompanhado de uma redução do uso de energia oriunda da queima de carvão. “A gente percebe essa situação de que sim, mundialmente há um aumento na oferta de energia gerada a partir das eólicas, das solares, mas, ao mesmo tempo, não há uma retração das fósseis. Então, na prática, essa transição energética não está acontecendo, o que está acontecendo é uma nova oferta a partir de novas fontes, mas a nossa demanda energética ao nível global só aumenta”, explica Eduardo.
Além dos efeitos no clima, a demanda por carvão faz eclodir conflitos socioambientais. A maioria do carvão disponível no país está concentrada no estado do Rio Grande do Sul, cerca de 90%, com algumas reservas em Santa Catarina e Paraná. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto atingia território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia. Fato que, juntamente às diversas falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, ensejou seu arquivamento. Além do território indígena, a mina Guaíba afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí, bem como os municípios do entorno, além de estar localizado no bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani.
A paralisação da abertura de mais uma mina de carvão no RS só foi possível pela organização popular. As mais de 100 entidades organizadas no Comitê de Combate à Megamineração no RS elaboraram estudos, levantaram dados, construíram vários materiais informativos, articularam e mobilizaram o debate público que puderam para pressionar o governo no estado e o judiciário pela não aprovação da obra. A demanda dos movimentos populares é pela paralisação da cadeia do carvão no país, tendo em vista os impactos ambientais e sociais e a baixa eficiência do carvão para geração de energia, e pela garantia de direitos dos trabalhadores do setor, com a construção de alternativas econômicas para as regiões carboníferas.
Outro aspecto chave levantado pelas organizações diz respeito aos impactos à saúde. Raguse aponta que estudos têm identificado aumento de danos às células linfócitas e bucais de trabalhadores da indústria do carvão, com alterações em exames de sangue que vêm sendo identificados também nas populações residentes no entorno das minas e das termelétricas. Além disso, destaca que já foram identificados impactos em ovos de galinha, rebanhos animais, na flora e fauna nativas, e na água.
Ademais, a incorporação de energia termelétrica no sistema nacional é um dos principais fatores para o aumento das contas de energia, por ser um setor altamente subsidiado. Se observarmos, como consumidores, os custos da bandeira vermelha que aparece em nossas contas de luz quando está acionado o sistema termelétrico, também entenderemos porque não é uma energia viável.
A realidade dos conflitos socioambientais ocasionados pelo carvão no RS desvela as contradições da promoção de uma transição energética. Isso porque, enquanto se promove a redução das emissões por um lado, estimula-se o uso de termelétricas por outro. Bastante revelador desse cenário é o PL n.º 11247/2018, que visa regular o uso das eólicas offshore (alto mar). Ele estabelece, dentre seus dispositivos, a obrigatoriedade da contratação de energia termelétrica até 2050. O projeto foi um dos exemplos apontados, pelo Congresso Nacional, de transição energética brasileira na COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), realizada em 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Tal como propõem as organizações do Comitê de Combate à Megamineração no RS, ao problematizar a continuidade da cadeia produtiva do carvão, caminhamos no sentido de repensar o uso de tal modelo de produção de grandes impactos social, ambiental e financeiro, em um cenário de crise climática que demanda ação urgente, ainda nos próximos 10 anos. Trazendo um chamado para pensarmos uma transição energética no Brasil que seja verdadeiramente justa e igualitária.
A COP28 mantém a hipocrisia dos espaços multilaterais internacionais do clima. Enquanto Estados tentam redesenhar os Acordos de Paris, manipulando a contabilidade das reduções das emissões e a polêmica sobre o financiamento do clima, empresas transnacionais hegemonizam as discussões com as propostas de solução “verde”. Tais propostas envolvem investimentos do capital financeiro no uso de hidrogênio verde, em geração de energia eólica e solar e em eletrificação de carros, todas respostas pensadas nos termos de uma economia extrativa com impactos desproporcionais no Sul Global, aprofundando desigualdades e injustiças ambientais.
Enquanto isso, o Brasil acumula muitas contradições ao seguir mantendo sua subordinação às empresas transnacionais. Na própria COP 28, a tenda Brasil, organizada pelo governo, com o lema “Brasil unido em sua diversidade a caminho do futuro sustentável”, contava com painéis das empresas Vale S.A e Braskem, duas mineradoras responsáveis pelos maiores crimes socioambientais do país. Além delas, o Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas), mecanismo promotor da responsabilidade social corporativa, teve seu espaço na tenda. O que corporações conhecidas nacionalmente pela violação aos direitos humanos e ambientais dos povos, e o instrumento corporativo de “lavagem verde e social” têm para construir e agregar à nossa nação?
A Vale S.A, BHP Billiton Brasil Ltda. e Samarco Mineração S.A são responsáveis pelos rompimentos das barragens de Fundão, na cidade de Mariana, e Córrego do Feijão, em Brumadinho, ambas no estado de Minas Gerais – afora outras diversas barragens de rejeitos em risco de rompimento no país. Por anos, a empresa vinha sendo alertada pelos órgãos de fiscalização da necessidade de reforço da segurança das minas. Inclusive, especialistas apontam para o risco do uso de determinadas tecnologias no manejo do rejeito. Nenhuma das políticas corporativas conseguiu conter a destruição. E vale ressaltar que, nesses oito anos do desastre de Fundão, as vítimas seguem buscando indenização. O que os casos revelam é a reprodução de uma arquitetura da impunidade corporativa.
No caso da Braskem, a história se repete. Desde os anos 80, a sociedade civil e pesquisadores da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) alertam para as consequências da expansão da extração de sal-gema em Maceió, em Alagoas. Por décadas, a empresa extrai sal-gema, transformando o subsolo da cidade em várias crateras. Moradores da região atingidos denunciam rachaduras nas casas, cuja responsabilidade a empresa negava. Em 2018, quando ocorreu o terremoto na cidade, bairros vieram abaixo. A mineradora iniciou sua atividade instalando em um santuário ecológico estuarino; não havia dúvidas de que a destruição ambiental começava ali.
Importante destacar que os setores corporativos do agronegócio, mineração, construção civil, imobiliário e de energia têm flexibilizado a legislação. Temos tido eventos climáticos extremos resultantes das alterações do clima em função dos impactos gerados pelas corporações nos últimos séculos. A diferença entre os crimes de Brumadinho, Mariana, Maceió e das enchentes na região de Maquiné e do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul; em Teresópolis, no Rio de Janeiro; em Santa Catarina e em Minas Gerais é o tempo. Alguns demoram centenas de anos para recuperar, ainda que parcialmente, a qualidade de vida das pessoas e a integridade dos ecossistemas e outras dezenas; o certo é a impunidade dessas empresas e a violação dos direitos dos povos, que estão no plano de negócios. Não é acidente, é parte do plano. Sabiam que aconteceria e que o lucro seria maior em não fazer nada do que investir em soluções reais. Assim, a impunidade segue do lado das corporações e dos Estados capturados.
Quanto ao tema da energia, no regresso da COP28, o governo brasileiro, via ANP (Agência Nacional do Petróleo), decidiu disponibilizar em leilão 603 blocos para exploração de petróleo e gás, em regiões que incluem a afetação à Amazônia brasileira. O leilão de poços irá permitir que mais empresas transnacionais venham ao país determinar os rumos de nosso desenvolvimento e reduzindo, também, a capacidade do Estado em construir, com participação popular, uma política necessária de transição energética justa para a classe trabalhadora, incluindo perspectivas da justiça ambiental e do feminismo popular. Ao invés disso, mais destruição e impactos anunciados, na contramão de um movimento de redução dos combustíveis fósseis, que foi a tônica desta COP depois de 28 conferências realizadas desde 1992.
Movimentos populares e organizações feministas têm denunciado o avanço dos aerogeradores para produção de energia eólica no Nordeste e sua relação com a violência de gênero. No polo da Borborema, na Paraíba, a instalação de parques eólicos têm alterado toda a dinâmica de produção camponesa. No litoral do Ceará, a instalação de eólicas em alto mar atrapalha a produção pesqueira, afetando pescadores e ribeirinhos. Evidenciando a contradição entre o uso de soluções tecnológicas e a sua aplicação concreta, que segue causando conflitos socioambientais.
Não podemos deixar de mencionar o papel do Congresso Nacional. O Senado Federal, como alavanca da modernização conservadora no país, aprovou, ao final de novembro, o PL 1459/2022, que flexibiliza, ainda mais, a liberação de agrotóxicos no país. Apesar dos inúmeros estudos científicos, posicionamento de Conselhos e órgãos de classe, como CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), que alertam para as perdas da biodiversidade e do risco de aumento das doenças, como câncer, relacionadas ao uso intensivo de agrotóxicos no país. O Congresso aprova, e a Presidência tem dificuldade de veto.
Nesse cenário, observamos que as soluções para a crise climática são pensadas pelos mesmos agentes causadores delas: as grandes corporações. A história ambiental nos revela como a intensificação da destruição ambiental está relacionada ao avanço da industrialização capitalista, na promoção de um desenvolvimento desigual. No qual, países do Norte Global saíram na frente na corrida imperialista, destruindo comunidades, territórios, escravizando populações e colonizando a natureza, cujos efeitos profundos são sentidos pelas atuais gerações. São os países do Norte Global e organismos multilaterais que promovem a atuação das empresas transnacionais, facilitando seu processo de acumulação por dependência.
Desse modo, qualquer solução pensada nos termos atuais das relações sociais internacionais, e de sua base, as relações sociais de produção capitalista, são mecanismos para seguir mantendo a ordem de destruição socioambiental.
Seguimos nos desencontrando, enquanto promovemos um discurso internacional avançado, e não sabemos transcender as políticas internas desenvolvimentistas apoiadas pela burguesia nacional. Dessa forma, terminamos fazendo um grande pacto de mediocridade, concedendo continuamente nossa soberania às corporações.
É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis
Na construção de um Brasil novo, que seja o país do seu povo, não um país sustentável, mas um país ecológico e com justiça ambiental, é preciso aprender com as nossas práticas cotidianas, povos do campo, águas e florestas e, também, com as periferias das cidades, para manter a terra viva, suas culturas e biomas, onde estão as soluções para a crise climática. É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis. São as Terras Indígenas demarcadas, convivendo com outras relações de produção da vida no território, assim como as terras quilombolas, os territórios de povos e comunidades tradicionais.
A nossa história não permite aceitarmos que as corporações sejam soluções, um mundo dirigido pelo crescente poder corporativo que só tem nos levado às múltiplas crises e aos desastres socioecológicos. Precisamos, com urgência, responsabilizar as corporações pelos seus crimes corporativos. São 37 anos de impunidade do empreendimento de sal-gema em Maceió; são séculos de impunidade das mineradoras e das grandes plantações transnacionais no solo brasileiro. Em face disso, a responsabilização das empresas e a regulação estatal do setor é fundamental. Por isso, a proposta do PL n.º 572/2022 deverá ser uma pauta prioritária dos povos para 2024.
Um Brasil livre e soberano, construindo um projeto político de libertação para si e para os povos da América Latina e Caribe, é a nossa urgência. Chega de falsas soluções! Chega de impunidade corporativa.
Há pelo menos cinco anos moradores de Maceió (AL) vivenciam o terror e a iminência da morte impostos pela Braskem. Cinco bairros já afundaram devido à mineração de sal-gema da empresa, que causou o deslocamento obrigatório de ao menos 60 mil pessoas. São cerca de 200 mil vidas humanas afetadas pela ganância da empresa, responsável pelo maior crime socioambiental urbano em curso do planeta.
Hoje, o medo se torna mais agudo com novos tremores que abalam a cidade e localidades próximas. A Defesa Civil afirmou que “o desastre está em evolução”, e que a região passa por um risco iminente de colapso. A cada ano o número de bairros e de famílias diretamente impactadas pelas atividades da Braskem aumenta. A informação de que a mina M18D está na iminência de dolinamento acentua o horror, e seu possível desmoronamento expõe a subserviência da Defesa Civil de Maceió e da Prefeitura à Braskem, colocando a população em risco desnecessário – o que poderia ter sido evitado se os dados e informações fossem transparentes, disponibilizadas à população com regularidade.
A Amigas da Terra Brasil chama a sociedade a tomar ações frente à dor e ao sofrimento da população. Que divulguem, colaborem e participem nesta luta das afetadas pela Braskem e não permitam que este crime passe impune, seja colocado de lado e assumido por quem vive na pele os seus impactos.
Denunciamos que as indenizações articuladas pelas grandes empresas são, na maior parte das vezes, mero pretexto para ampliar seu monopólio com a compra de áreas nas cidades. A Braskem, em sua sanha por poder, que violenta as vidas em bairros inteiros, às custas da população e de seus direitos, do território e da natureza que colapsam com as suas atividades, está se tornando proprietária de cada vez mais espaços, numa lógica que almeja controle territorial. Uma empresa não deve e nem pode ser a dona de uma cidade. A Braskem não é e nem pode ser dona de Maceió.
Nos solidarizamos com companheiras, companheires e companheiros que fazem a luta para barrar a impunidade dessas corporações, que são as mesmas responsáveis pela devastação que nos traz a um cenário de mudanças climáticas. Ressaltamos, ainda, que a violação de direitos faz parte do projeto de grandes empresas e de seu plano de negócios. Enquanto famílias realizam protestos em Maceió e lutam por seus direitos e vidas, representantes da Braskem estavam participando da Conferência Internacional do Clima da ONU (COP28), em Dubai. A empresa petroquímica estava no pavilhão brasileiro ao lado de Vale, Petrobras e Syngenta, para divulgar ações supostamente ambientais realizadas pelo grupo.
Embora na propaganda que fazem de si mesmas (com lavagem verde e uma série de selos de sustentabilidade e responsabilidade social) digam que é um acidente, se passem por surpresas com o que chamam tragédia, a realidade prática é que suas ações nada mais são que crimes socioambientais de proporções catastróficas. Em nome do lucro e da mercantilização da vida, a Braskem e poder corporativo impõe violações como rotina ao povo, já fragilizado há anos por suas atividades e sem reparação justa.
O que chamam de acidente é um projeto político. É mais barato pagar as indenizações, pagar pouco ou até mesmo não pagar, do que fazer o que é necessário: cuidados, reforços, sistemas, ações para a redução de impacto. A violação de direitos é uma escolha das corporações, faz parte do seu plano de lucros. É algo premeditado, assim como fica evidente nos crimes da Vale, BHP Billiton e Samarco, com inúmeras violações de direitos no rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho (MG). Situações que traduzem a falta de responsabilização das empresas, de ação efetiva do estado, e, principalmente, a violação da natureza e dos direitos das comunidades atingidas.
Vivemos uma série de desastres conectados com as mudanças climáticas. Estas, causadas por impactos de uma série de atividades, seja o desmatamento via avanço da mineração e do agronegócio, seja por empresas poluidoras, processos de contaminação de águas e do solo. Há um conjunto de ações que nos levam ao colapso, a maioria delas está dentro da responsabilidade das empresas, que saem ilesas se abrigando na arquitetura da impunidade.
Exigimos uma rápida resposta do Estado e uma intervenção emergencial deste. A Braskem não pode ser a responsável, em nenhuma medida, por cuidar do desastre que ela mesma causou. O descaso que ocorreu em Minas Gerais, quando a Vale com a Renova foram as responsáveis por (não) garantir os processos de reparação frente aos seus crimes, não pode se repetir. Esta é mais uma violação.
É necessário que o Estado afaste a empresa e garanta os direitos dos povos, impedindo que haja vínculo da Braskem com as pessoas atingidas e garantindo que quem sofreu as violações escolha como será reparada. O poder corporativo visa o lucro, não importa o rastro de destruição e sangue que deixa no caminho. E, historicamente, sabemos que as grandes corporações seguem lucrando com tragédias. Sendo assim, não são elas que devem ditar como reparar a situação, e sim quem é afetado por suas ações. Que a Braskem pague as indenizações, que vão muito além do que ela própria estipula. E que o Estado, em diálogo permanente com a população, ouça quem foi impactado e dê cabo às soluções: de moradia, de saúde, de como serão as indenizações, de danos morais e de tudo que as famílias têm direito.
A construção do poder popular, assim como iniciativas para garantir a primazia dos direitos humanos sob a lógica dos negócios são fundamentais. Em esfera nacional, lembramos da relevância da aprovação do PL 572/22, projeto de lei brasileiro que atualmente tramita na Câmara dos Deputados. Ele cria a lei marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas e estabelece as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. Avança para a responsabilização de empresas nacionais e estrangeiras com atuação no Brasil por violações aos direitos humanos, reconhecendo obrigações ao Estado e às mesmas, e estabelecendo medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas.
Internacionalmente, atuamos como membras da Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade (Campanha Global) e apostamos na construção de um Tratado Vinculante internacional para responsabilizar as empresas transnacionais por seus crimes socioambientais, garantindo as indenizações necessárias e resguardando os direitos das comunidades atingidas em todo o mundo. De 23 a 27 de outubro deste ano, estivemos em Genebra, na 9ª sessão de negociações sobre o tema, momento que representou um marco importante na luta. Movimentos sociais, sindicatos, povos indígenas, comunidades afetadas e organizações da sociedade civil, juntamente com muitos estados do Sul Global, deram o recado de que estão comprometidos em proteger o processo de negociações dos interesses capitalistas. Erguemos os punhos e alçamos voz por: direitos para os povos e regras para as empresas!
Para que Maceió, conhecida como cidade do sorriso, não se torne a cidade da destruição da Braskem, exigimos justiça. Seguimos atuando, em todas as esferas que nos cabem, pela reparação justa das famílias e a sua centralidade na tomada de decisões. É na luta do povo organizado que se constroem as condições para uma sociedade ecologicamente sustentável e socialmente justa. A vida vale mais que o lucro. Toda solidariedade aos afetados.