Cúpula dos Povos Rumo a COP30 – Carta Política e Adesão de novas organizações e movimentos

A Cúpula dos Povos vem se organizando desde as bases da luta para marcar presença, construir espaços e incidir na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP30.  O evento está previsto para ocorrer em novembro de 2025, na cidade de Belém, no Pará (Brasil). A Amigas da Terra Brasil participa das reuniões de organização e articulação da Cúpula dos Povos. Como organização, pauta ir à raiz dos problemas que vêm sendo enfrentados pelos povos desde a colonização do Brasil, e que se aprofundam e assumem outras facetas com a emergência climática.

A ATBr assina a carta e convida demais organizações, coletivos, construções de base, territórios, movimentos sociais e iniciativas a assinarem e somarem nessa construção. Leia a carta abaixo e assine aqui!

Cúpula dos Povos Rumo a COP30 – Carta Política e Adesão de novas organizações e movimentos

Movimentos sociais e populares, coalizões, coletivos, redes e organizações da sociedade civil do Brasil vem, desde agosto de 2023, construindo um processo de convergência entre organizações e movimentos de mulheres, sindicais, indígenas, agricultores/as familiares e camponeses, quilombolas, de povos e comunidades tradicionais, de povos tradicionais de matriz africana, negras e negros, juventudes, inter-religiosos, ambientalistas, trabalhadores/as, midialivristas, culturais, estudantes, de favelas e periferias, LGBTQIAPN+, de pessoas com deficiência, de direitos humanos, de defesa da infância, adolescência e intergeracional, das cidades, do campo, das florestas e das águas, rumo a realização da Cúpula dos Povos como espaço autônomo à COP 30 da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), na Amazônia.

Nosso objetivo é fortalecer a construção popular e convergir pautas de unidade das agendas: socioambiental, antipatriarcal, anticapitalista, anticolonialista, antirracista e de direitos, respeitando suas diversidades e especificidades, unidos por um futuro de bem-viver. No contexto atual, mais do que nunca, precisamos avançar em espaços coletivos que defendam a democracia e a solidariedade internacional, enfrentem a extrema direita, o fascismo, os fundamentalismos, as guerras, a financeirização da natureza e a crise do clima.

O clima extremo, as secas, as cheias, os deslizamentos de terras e as falsas soluções climáticas servem como instrumento de aprofundamento da desigualdade e das injustiças ambientais e climáticas, principalmente nos territórios, e atingem de forma cruel aqueles e aquelas que menos contribuíram para a crise climática, ecológica e civilizatória.

A insuficiência de medidas para conter tais crises é alarmante. Países e tomadores de decisão têm se omitido ou apresentado soluções absolutamente ineficientes colocando em risco a meta de 1,5º do Acordo de Paris. Investimentos que alimentam as mudanças climáticas têm crescido nos últimos anos e políticas de proteção aos povos indígenas, populações tradicionais têm sido desmanteladas e suas lideranças, ameaçadas e assassinadas.

Soluções reais são urgentes e a sociedade civil de todo mundo deve ser protagonista em todos os espaços de debate desta agenda. A COP 30 precisa representar um ponto de virada neste cenário, e endereçar as ações necessárias para o enfrentamento da crise climática.

É preciso rever o modelo econômico vigente e eliminar a produção e queima de combustíveis fósseis, responsável por mais de ⅔ das emissões que provocam o aquecimento global, bem como implementar políticas para o desmatamento zero. Urge acordos internacionais por uma transição energética justa, a começar pelos mais ricos, além da responsabilização dos impactos causados pelas corporações transnacionais do agronegócio, da mineração, do setor energético, imobiliário e de infraestrutura, que hoje significam ameaça às populações locais.

É urgente que se intensifique a luta contra o crime organizado, grupos paramilitares e mercadores de carbono, que vem se instalando de forma crescente em diversos territórios. Que combata as ameaças e ofereça proteção e garantia de direitos aos defensores ambientais e de direitos humanos, com atenção a ratificação do Acordo de Escazú e outros de suma importância.

É fundamental que ocorra uma transição justa, popular e inclusiva; o direito à terra e território por meio da reforma urbana, agrária e fundiária; a demarcação, titulação e regularização dos territórios indígenas, quilombolas, pesqueiros e tradicionais; o estabelecimento de sistemas alimentares onde a soberania alimentar seja o foco, com fomento à agroecologia, à valorização da produção familiar, camponesa e da pesca artesanal, da economia indígena, solidária e feminista; o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos; a proteção das áreas oceânicas, de terras raras e maretórios; a proteção da biodiversidade; a geração de trabalho decente, emprego e renda e de políticas de cuidado; a consolidação do direito à cidade com políticas urbanas como políticas ambientais; a implementação de políticas específicas para atingidos climáticos; de acesso a água potável e saneamento básico; de prevenção e adaptação climática, em especial nas periferias urbanas e nos territórios indígenas e tradicionais; a erradicação do racismo ambiental e estrutural, e da violência contra as mulheres e meninas, diferentes culturas e visões de mundo; promoção da comunicação livre e da diversidade cultural; políticas para a juventude negra viva; e medidas de reparação e democratização do financiamento climático justo, fora do mercado de carbono e de endividamento, com estruturação de fundos e governança pelas comunidades.

Demandamos que o governo brasileiro exerça papel de liderança na agenda socioambiental adotando essas políticas, indispensáveis para o avanço da justiça climática, a partir do Sul Global.

Porém, nada disso irá ocorrer sem uma ampla pressão e participação efetiva da sociedade civil. Convocamos as organizações, redes, coletivos e movimentos sociais dos mais diversos segmentos para construir a Cúpula dos Povos rumo à COP 30, que seja capaz de mobilizar a opinião pública, fortalecer a democracia participativa e popular, denunciar e barrar retrocessos, bem como pressionar tomadores de decisões no Brasil e no mundo.

Brasília, 02 de agosto de 2024.

Assinam:

Amigas da Terra Brasil

Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

ANA Amazônia

Aliança Amazônia Clima

Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)

Articulação de Mulheres do Amapá

Assembleia Mundial da Amazônia (AMA)

Articulação Nacional dos Coletivos Jovens de Meio Ambiente do Brasil

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)

AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia

Associação Alternativa Terrazul

Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé

Associação dos Povos Indígenas da Terra Indígena São Marcos

A Vida no Cerrado (AVINC)

Campanha Cerrado

Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

Cáritas Brasileiras

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)

Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas

Centro de Cultura Negra do Maranhão

Central de Movimentos Populares (CMP)

Coalizão Nacional de Juventudes pelo Clima e Meio Ambiente (CONJUCLIMA)

Coalizão Negra por Direitos (CND)

Coletivo de Juventudes Guardiões do Bem Viver

Coletivo Pororoka

Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (CONFREM)

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH)

Comitê COP 30

Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente a Mineração

Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)

Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – MALUNGU

Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA)

Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas do Estado do Tocantins (COEQTO)

Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)

Coordenadora Indígena da Amazônia Brasileira (COIAB)

Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)

COP das Baixadas

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)

Engajamundo

FASE – Solidariedade e Educação

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI – PA)

Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (FEPIPA)

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS)

Fórum Carajás

Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (FMAP)

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS)

Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA)

Fórum Paraense de Economia Popular e Solidária

Fórum Paraense de Segurança Alimentar Sustentável

Fórum Social Panamazônico (FOSPA) – Brasil

Frente Brasileira contra o acordo União Europeia Mercosul

Geledés – Instituto da Mulher Negra

Greenpeace Brasil

Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBA)

Grupo Carta de Belém (GCB)

Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB)

Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)

Grupo Resistência Amazônica

Instituto de Estudos Socioambientais (IESA)

Instituto de Estudos da Religião (ISER)

Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA)

Instituto EQÜIT

Instituto Omó Nanã

Instituto Regenera

Instituto Universidade Popular (UNIPOP)

Jubileu Sul Brasil

LACLIMA

Marcha Mundial das Mulheres (MMM)

Mídia NINJA

Movimenta Feminista Negra

Movimento Camponês Popular (MCP)

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB)

Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)

Movimento Escazú Brasil

Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)

Movimento Nacional das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR)

Movimento Negro Unificado (MNU)

Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Movimento Tapajós Vivo (MTV)

Movimento Xingu Vivo para Sempre

Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR)

Observatório da Governança das Águas

Observatório do Clima (OP)

Observatório Nacional de Justiça Socioambiental (OLMA)

Organização dos Seringueiros de Rondônia

Processo de Articulação e Diálogo (PAD)

PerifaConnection

Plataforma Dhesca Brasil

Processo de Comunidades Negras (PCN)

Rede Amazônica

Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA)

Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)

Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP)

Rede Cerrado

Rede de Fundos Comunitários da Amazônia

Rede de Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade (REJUMA)

Rede de ONGs da Mata Atlântica

Rede dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil (RPCT)

Rede Eclesial Pan Amazônica (REPAM Brasil)

Rede Maniva de Agroecologia

Rede por Adaptação Antirracista

Rede Vozes Negras pelo Clima

Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia (SINFRAJUPE)

Teia Carta da Terra Brasil

Terra de Direitos

350.org

União Nacional dos Estudantes (UNE)

União Nacional por Moradia Popular (UNMP)

Via Campesina Brasil

Para onde vamos com as negociações do clima?

Nas próximas semanas, será iniciada mais uma Conferência das Partes do Clima da ONU (COP 28), em Dubai. A conferência terá como foco quatro eixos: a aceleração da transição energética para redução das emissões de carbono até 2030; avançar no fortalecimento da luta contra as alterações climáticas, cumprindo promessas antigas, dentre elas a concretização do fundo climático; colocar a natureza, as pessoas, as vidas e os meios de subsistência no centro da ação climática; marcar-se como um espaço de inclusão. Como podemos observar, os desafios lançados não foram pequenos; e mais ainda, se pensarmos nas disputas ao redor dela.

Quanto à transição energética, a guerra da Ucrânia acelerou a pressão para redução do uso de combustíveis fósseis, à medida que expôs países europeus a um risco de fornecimento de gás. Frente a isso, países desenvolvidos começaram a acelerar investimentos para transição de energia, com estímulos para produção de eólicas e solares e o uso de veículos elétricos, dentre outras medidas. Ocorre que tais tecnologias, consideradas renováveis, são responsáveis pelo aumento da demanda de metais como lítio, cobre e níquel, os quais pressionam pelo aprofundamento da destruição do extrativismo mineral no Sul Global, dando continuidade ao colonialismo que ataca a justiça ambiental.

Além disso, a transição energética, como vem sendo pensada, confere protagonismo às empresas, especialmente transnacionais, mantendo a concentração dos meios de produção e não repartindo o controle e nem as tecnologias. Muitas empresas do setor petrolífero e mineral têm aderido ao discurso das mudanças climáticas, adotando políticas de “pintando a cara de verde” (greenwashing). Um exemplo são a adesão aos mecanismos de emissão zero (Net Zero), nos quais ao invés de reduzir a produção e emissão de poluentes, as empresas compensam sua cadeia produtiva poluidora com créditos de carbono sujos, violentos, contaminantes e que retiram direitos. Não por acaso, as empresas Vale S.A e Braskem, infelizmente, estarão no Espaço Brasil da COP 28 falando sobre o tema.

Na mesma esteira, na defesa da organização do mercado de carbono, os governadores dos estados brasileiros fundaram o Consórcio Brasil Verde na COP 26, o qual deverá ter uma participação mais destacada na próxima conferência.  Esse Consórcio, que terá também painéis no Espaço Brasil, aponta a necessidade de construir um Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e um padrão nacional de pagamento por serviços ambientais (PSA). Os governadores estão interessados, ainda, no Plano de Ação Climática (PAC 2050) lançado pelo governo federal, com metas para alcançar a neutralidade das emissões até 2050. O Plano descreve várias políticas mitigatórias para setores da economia como transporte, energia e agropecuária, criando oportunidades de negócios aos governos estaduais com a promoção de ações sobre o clima.

Para a COP 28, espera-se ainda que o Brasil se envolva nas discussões sobre a criação de um Fundo de Perdas e Danos, no seguimento ao Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh dos Acordos de Paris. Em 2022, já eleito, porém sem tomar posse ainda, o presidente Lula destacou, na COP 27, seu compromisso com o combate ao desmatamento – principal causa de emissões no país – atrelado ao avanço das políticas de combate à desigualdade. No discurso, o presidente evocou o papel dos povos indígenas para a preservação no país. Resta saber se será mantida essa mesma linha de discussão, quando envolver quem irá acessar os recursos de tais fundos no Brasil. Vale destacar que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima tem empenhado esforços para criação do Fundo Clima.

As secas na Amazônia e as enchentes no Sul do Brasil são desastres socioambientais exemplificadores das consequências imediatas das mudanças climáticas. Ao analisarmos suas consequências, observamos que os danos se distribuem de maneira desigual entre pessoas mais empobrecidas, mulheres, negras e comunidades rurais e periféricas. Em geral, os danos climáticos são mais graves em comunidades já vulnerabilizadas por contextos de desigualdades sociais e a não garantia dos direitos e investimentos de infraestrutura.

As secas na Amazônia e as enchentes no Sul do Brasil são desastres socioambientais que mostram as consequências imediatas das mudanças climáticas – Alberto César Araújo/Amazônia Real

Frente a essas desigualdades, ao anunciar uma COP que pretende ser realmente inclusiva, precisa haver uma mudança de paradigma para que a centralidade da Natureza, das pessoas, da vida humana, das dívidas históricas e reparações estejam no centro da economia, e não como um adereço de mercado. Sabemos que os espaços da COP têm sido cada vez mais hegemonizados pela visão das grandes corporações transnacionais e suas falsas soluções de mercado mais do mesmo e das mesmas que nos trouxeram até aqui com a economia verde do dólar da Bolsa de Valores e do rentismo. Ao invés de conectarem a soluções dos povos com a efetivação dos direitos humanos, o acesso e permanência à terra e território de povos e comunidades; como ação para a proteção dos bosques, das águas e das florestas, com sua comprovação, ontem e hoje, com os territórios mais preservados, as políticas de mitigação estão reduzindo as métricas de carbono.

Os movimentos populares e organizações da sociedade civil defendem este profundo repensar dos espaços multilaterais do clima. Não podemos seguir construindo respostas para as alterações climáticas que não enfrentam a raiz do problema, ou seja, a forma, profundamente desigual, de como produzimos, geramos, circulamos e comercializamos na sociedade capitalista. Igualmente, é preciso reconhecer que a crise climática não reflete apenas os aspectos físicos do planeta; esta é uma abordagem limitada e limitadora. Na verdade, a crise climática se entrelaça a formas históricas de violência de gênero, raça, classe e à colonialidade. Há uma dívida histórica da degradação ambiental em diversos países que não pode ser reduzida a políticas mitigadoras e, nem mesmo, à indenização financeira por meio de Fundo.

A mudança começa com o olhar da totalidade das causas e consequências das alterações climáticas. Repensar o papel que determinados atores irão ter nas negociações do futuro da humanidade. E nesse sentido, as empresas transnacionais ocupam muito mais o lugar de réu do que de protagonista das soluções. Movimentos populares, mulheres e representantes da sociedade civil estão cada vez mais ausentes dos centros decisórios sobre a governança climática. As negociações seguem regidas pelo crivo do Norte Global para o Sul Global. Reconhecemos que, nos últimos anos, as COPs do Clima estão se tornando espaços improdutivos, nos quais não há avanços concretos na redução da destruição da Terra, justamente pela forma como são organizadas.

E o Brasil? Até agora, o governo federal segue a cartilha da economia verde. Vários ministérios têm trabalhado para a regulação do mercado de carbono, especialmente de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), sem realizar estudos dos impactos aos modos de vida de comunidades. Outras iniciativas, como a bioeconomia, caminham a galope na construção de políticas públicas. Em contrapartida, esforços para titulação de territórios quilombolas, demarcação de terras indígenas e contra a efetivação da tese do marco temporal, avanço das políticas de promoção da agroecologia, andam lentamente.

Enquanto a justiça climática, como ação para enfrentamento das alterações climáticas com centralidade na promoção de políticas públicas efetivas, justa, inclusiva, com respeito aos direitos humanos e socioambientais, não for o foco das negociações do clima, não haverá reparo para o planeta. Enquanto aqueles que destroem o clima forem os donos de sua governança, seguiremos construindo acordos que nos levarão ao fracasso.

Texto originalmente publicado no Jornal Brasil de Fato, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/07/para-onde-vamos-com-as-negociacoes-do-clima 

O que há por trás do termo natureza positiva na Cúpula de Biodiversidade, COP15?

Necessitamos um Marco Mundial da Biodiversidade com políticas ambientais rigorosas, que assegurem que o mundo volte a viver dentro dos limites planetários. 

Imagem de David F. Sabadell

A biodiversidade está em crise em todo o planeta. O número de espécies, e de indivíduos dentro das próprias espécies, diminuiu de forma retumbante nas últimas décadas, e a comunidade científica adverte que nos próximos anos podemos perder um milhão a mais de espécies. Para quem está seguindo o tema de perto é mais evidente que essa crise da biodiversidade é, na verdade, uma faceta a mais da crise sistêmica, causada pelo modelo econômico atual e pelo mantra do crescimento infinito. 

O Convênio sobre a Diversidade Biológica (CBD nas siglas em inglês) iniciou um processo para estabelecer um novo Marco Mundial da Biodiversidade durante a Conferência das Partes das Nações Unidas no ano de 2018, um encontro em que muitas das nações participantes se comprometeram a respaldar um marco para a “mudança transformadora” elaborado pela comunidade científica. Aí então, se abrigava a esperança de que essa decisão fosse uma oportunidade real para mudar o modelo econômico e proteger a biodiversidade. Frente a essa premissa, escrevi para um bom número de amigas, amigos e ativistas ecologistas de todo o mundo para lhes dizer: “você tem que participar desse processo, vai ser transformador”. Enquanto o Convênio sobre a Diversidade Biológica fingia escutar as necessidades da sociedade civil e dos povos indígenas na primeira ronda de consultas, quando veio a luz o primeiro rascunho, tomei um duro golpe: as medidas que poderiam transformar verdadeiramente o sistema econômico que minava a biodiversidade – tais como normas/políticas rígidas e coordenadas para minimizar o dano ambiental – não tinham nenhuma possibilidade de êxito. 

O plano das grandes empresas é seguir devastando a biodiversidade a curto prazo, com a promessa de que compensarão esses danos a longo prazo

Por sua vez, nos demos conta rapidamente de que a participação das grandes empresas nas discussões estava obstruindo qualquer avanço, tal como acaba de demonstrar um novo estudo da Amigos da Terra Internacional. Inclusive empresas criminosas como BP, responsável pelo derramamento de petroleiro de Deepwater Horizon em 2010, ou a Vale, que envenenou centenas de quilômetros de rios com rejeitos tóxicos de suas minas diante do rompimento de duas represas de rejeitos no Brasil. Grandes contaminantes como estas empresas criam coalizões que se apresentam como ‘verdes“ ou “sustentáveis”. Porém, nas salas de negociação, com as portas fechadas,  advogam por medidas voluntárias e de maquiagem verde que simulam uma regulação verdadeira. Está evidente que entendem que qualquer medida eficaz frente a perda de biodiversidade os prejudica e constitui um obstáculo para suas ganâncias.

Durante anos temos visto como os estados participantes e os altos funcionários da ONU recebem de braços abertos essas coalizões empresariais e suas propostas. Isso faz com que os resultados deste convênio- chave sobre a biodiversidade – e as políticas que vão reger a próxima década – estejam repletos de propostas de lavagem verde. Os conceitos de “Natureza positiva” e “soluções baseadas na natureza” são algumas dessas medidas, que colocam em perigo as verdadeiras soluções da crise urgente da biodiversidade. 

O conceito de “Natureza positiva” ou “positivo para a natureza” pode soar bem, mas sua definição é muito confusa. O termo natureza pode ser uma referência a políticas que nada tem a ver com a biodiversidade e “positivo” é, inclusive, mais ambíguo 

Ainda que possa parecer que implique em algo bom, na realidade gera um resultado duvidoso, se seguem destruindo ecossistemas e os processos de restauração são questionáveis.  O plano das grandes empresas é seguir devastando a biodiversidade a curto prazo, com a promessa de que compensarão esses planos a longo prazo. O que esperam aqueles que propõem o conceito de “Natureza positiva” é que no ano de 2030, o resultado possa ser ligeiramente positivo. Porém, quando dimensiono a perda de biodiversidade que vi ao longo da minha vida, fica evidente que não podemos permitir mais perdas. 

Muitos dos projetos baseados na natureza não são mais que plantações de monocultivos de árvores, que não aportam nenhuma biodiversidade. 

Tanto o conceito de “natureza positiva” quanto o de “soluções baseadas na natureza”, o SBN, se baseiam em compensar, sejam as emissões atuais de CO2 ou os ecossistemas que querem destruir, o que supõe que um tipo de ecossistema possa ser compensado com outros, sem levar em conta a sua capacidade de absorção de CO2, a complexidade de organismos que existe em cada ecossistema, o caráter único de cada espécie ou o território sagrado para os povos indígenas. Tal compensação é uma “solução” para as empresas que querem manter seus benefícios e seguir minando a biodiversidade com a desculpa de que sua destruição é sustentável porque se compensará em outro lugar. O conceito não só é totalmente errôneo, como não é realista. Na realidade, compensar dessa forma requer grandes extensões de terras para capturar carbono, que excedem a superfície de terras disponíveis a nível mundial. 

Permitir a compensação de emissões dá para as empresas um passe livre para seguir arrasando o meio ambiente apesar da emergência climática e da perda exacerbada de biodiversidade. Muitos dos projetos baseados na natureza não são mais que plantações de monocultivos de árvores, que não aportam nenhuma biodiversidade. Reservar terras para compensar emissões de carbono também compete com a demanda de terras de cultivo do agronegócio.  

Porém, alguns poucos projetos pontuais de soluções baseadas na natureza que incluem práticas agroecológicas e a participação de Povos Indígenas e comunidades locais são apresentados em folhetos atrativos, em todas as cores, e afirmam falsamente que as soluções baseadas na natureza representam uma mudança de significado para o clima e a biodiversidade. 

Ao mesmo tempo, ambos conceitos empresariais representam uma grande carga para os Povos Indígenas e para as comunidades locais. Muitos projetos de compensação acontecem em suas terras e frequentemente os expulsam de seus territórios. As empresas tendem a afirmar que o uso da terra feito pelas comunidades nativas prejudica a biodiversidade, ainda que seja demonstrado o contrário. Cerca de 80% do remanescente de biodiversidade terrestre se preservou graças aos povos indígenas e comunidades locais, apesar das violações de seus direitos e o assassinato de defensores e defensoras ambientais. 

Embora a destruição de ecossistemas faça parte de uma crise mundial que temos que resolver, não é apenas uma questão técnica, como também de justiça. Necessitamos um Marco Mundial da Biodiversidade com políticas ambientais rigorosas que garanta que o mundo volte a viver dentro de limites planetários. As empresas têm que ser submetidas a uma regulamentação rigorosa, ao invés de ser permitido que criem as suas próprias medidas para evitarem as responsabilidades.  Mas, antes de qualquer coisa, é preciso proteção aos direitos dos povos indígenas e comunidades locais, que são os verdadeiros guardiões que protegem a biodiversidade. 

*Artigo de opinião de Nele Marien, Coordenadora do Programa Bosques e Biodiversidade da Amigos da Terra Internacional. Publicado originalmente no site El Salto, no dia 14 de dezembro, em: www.elsaltodiario.com/opinion/cumbre-de-biodiversidad-cop15 

 

O cerco explicado em um mapa

No vídeo abaixo, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), Manoel Edivaldo Santos Matos, o Peixe, explica, a partir de um mapa da região do Tapajós, o cerco do capital à Amazônia:

Santarém: um Plano Diretor sob medida para a expansão do capital na Amazônia
Na última sessão legislativa de 2018, ignorando por completo toda a participação popular que havia acontecido até ali, os vereadores de Santarém – sem vergonha alguma – aprovaram a Lei nº 20534, que institui um novo Plano Diretor para a cidade: um plano feito sob medida para sojeiros, ruralistas em geral, grileiros, investidores de megaprojetos, garimpeiros e para a indústria do turismo.

Essa é a primeira história da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) [você está aqui] O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio

De um lado, ampliou-se a área portuária, convenientemente envolvendo toda região do Lago Maicá, onde há planos para a construção de cinco portos privados voltados ao escoamento da soja. De outro, cresceu a zona urbana, o que permite a construção de prédios e empreendimentos turísticos à beira do Rio Tapajós. Isso envolve toda a área em direção a Alter do Chão, considerada uma das praias mais bonitas do Brasil e que foi foco das queimadas em 2019. Ora, nada é por acaso, e o ciclo se repete: queimadas, grilagem, venda ilegal da terra – seja para a expansão do agronegócio, seja para a venda de lotes para indivíduos ou para empreendimentos turísticos. De toda forma, significa violência contra os povos e comunidades locais e a derrubada da floresta.

Fecha-se o cerco: madeireiros ilegais; grilagem; soja; agrotóxicos; pecuária; portos; mineração; ferrovias; contaminação do solo e das águas; especulação imobiliária; expulsão de famílias quilombolas, indígenas e de pequenas e pequenos agricultores para as periferias da cidade; ameaças e ataques a quem resiste. Repetimos: não há convivência possível com o ciclo de morte do capital.

Agronegócio e empreendimentos para escoar a produção avançam sobre comunidades tradicionais gerando conflitos diretos e indiretos. Fotos: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Ou avance para a próxima história:
Um porto entalado na boca do rio

 

Um porto entalado na boca do rio

– Visagem? Não tem aparecido visagem na mata, não, moça; é na água, e a visagem toma outras formas, dá sempre jeito de assustar. (Visagem significa, em vocabulário local, “assombração”). Na região do Maicá, sudeste de Santarém, a visagem tem tomado formas bastante concretas, todo mundo vê e se preocupa: é a forma de um porto.

A Embraps (Empresa Brasileira de Portos de Santarém) pretende instalar um porto na Boca do Maicá, entrada do rio que se estica por um braço a partir do Rio Amazonas, retornando ao mesmo rio para então seguir seu fluxo em direção a Macapá (AP) e ao Oceano Atlântico. Suas águas têm rica biodiversidade e banham cerca de 50 comunidades, todas postas em risco caso o projeto do porto avance.

Essa história faz parte da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) [você está aqui] Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos

Pois então não é visagem: é a realidade que assombra; e é entre contações de histórias e risadas que Narivaldo dos Santos fala do Estudo de Impacto Ambiental da Embraps – Sabe, eu pesco aqui pirarucu, tambaqui, surubim, pacu, acará, pescada, aracu, carauaci, arauanã, acari, fura-calça, mapará, que é branquinho né… e tem bem mais, porque quando eu falo em acará, tem umas oito espécies só aqui na nossa região: o roxo, o bararuá, o boca-de-pote, o escama-grossa, o tinga, o açu… O tucunaré também: tem o açu, o pinima e o comum, e o surubi cabeça-chata, pinima e pintado e assim por diante. É tanto que a gente pode dizer – Hoje eu não quero esse, aí solta e pega o próximo, é um cardápio rico. Aí no estudo da empresa aparece quase nada de tipos de peixes, e nem de pássaros, jacarés, capivaras, tatus, nem o peixe-boi, que tá em extinção e a gente acha aqui no nosso rio... É, talvez os pesquisadores da Embraps não saibam pescar.

Narivaldo é líder da comunidade quilombola de Bom Jardim, tem 42 anos e não parece: corre rápido pelos troncos de palmeira caídos que servem como caminho até a área onde descansam as canoas e embarcações da comunidade pesqueira – das cerca de 120 famílias, pelo menos 90 pescam no Maicá, algumas para o comércio, outras apenas para a subsistência. Com os passos ágeis, ele faz parecer fácil o que definitivamente não é: mas embora tortuoso, as toras são ainda um caminho, e após cerca de dez minutos de frágil equilíbrio sobre as madeiras chegamos a uma bonita enseada, onde a grama verde encontra as calmas águas do rio, e ali agitam-se com leveza as canoas. A remo, o centro de Santarém está horas distante.

Pescadoras e pescadores artesanais estarão em risco caso projetos de portos avancem. No topo, Narivaldo observa enseada do Maicá. Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Vez que outra um peixe se aventura num salto, como que a exibir a riqueza do rio – Não precisa nem ir longe pra achar mais que dois tipo de peixe, ri de novo o Narivaldo, antes de voltar a falar sério – Do governo a gente percebe que não estão nem aí pra Amazônia, pros nossos rios. De certa forma, já foi dada a ordem para a construção do porto. Só parou pela ação da FOQS [Federação das Organizações Quilombolas de Santarém], que protocolou o pedido pela consulta prévia junto ao MPF [Ministério Público Federal]. Se depender do governo o porto sai, as comunidades quilombolas querendo ou não: mas o que a gente puder fazer para evitar, vamos fazer. Eles dizem que os impactos podem ser compensados, mas isso não existe: a gente quer viver como vivemos hoje.

A instalação de um porto no Maicá (não só um: existem projetos para cinco portos no rio) vai significar a destruição daquele modo de vida e é um ataque direto às 12 comunidades quilombolas do entorno, a do Bom Jardim entre elas. Em testamento, os antigos donos de escravizados da fazenda local, que não tinham herdeiros, deixaram a terra para as seis famílias que eram exploradas ali. Isso há 142 anos: são quase dois séculos de pertencimento e luta naquele espaço. Agora, em nome do lucro de poucos, tudo pode desaparecer.

Consulta prévia e a Convenção 169 da OIT
Contudo, a mobilização popular e jurídica, com o apoio da Terra de Direitos, surtiu efeito e o licenciamento do projeto foi suspenso. A empresa deverá realizar consulta prévia, livre e informada a todas as comunidades atingidas – quilombos, indígenas e pescadores -, em acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Os estudos da Embraps eram tão rasos que sequer consideravam o componente quilombola, tão relevante naquela área, o que também deverá ser acrescentado em um novo estudo a ser apresentado pela empresa. Embora não tenha poder de veto, a obrigatoriedade da consulta às comunidades atingidas pode ser considerada uma vitória: após a decisão judicial favorável, as 12 comunidades organizadas na FOQS apressaram-se para construir seu próprio Protocolo de Consulta, o que também foi feito pelas comunidades indígenas e pesqueiras impactadas.

Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

A suspensão do licenciamento também atrasa o cronograma do projeto, que é de alto impacto, permitindo maior tempo para a disseminação de informação na região. A previsão da Embraps era de que, somente no primeiro ano de funcionamento, 4,8 milhões de toneladas de grãos de soja poderiam ser exportadas pelo porto instalado no Maicá, grande parte vinda da região Centro-Oeste do Brasil por meio da BR-163. Vejam que também a infraestrutura de escoamento causa impactos aos territórios: caso semelhante ao da rodovia BR-163 é o da Ferrogrão, projeto de ferrovia que ligará a cidade de Sinop (MT) até Itaituba (PA) e que também causará danos ao longo de seu trajeto, em especial em unidades de conservação e em terras indígenas.

Um porto onde não pode haver porto
Um fato estranho, porém: no mesmo local onde seria instalado o porto da Embraps, um outro empreendimento surgiu – um posto de combustível para embarcações, à revelia de estudos de impacto ou da participação da comunidade. A empresa responsável é a Atem’s, distribuidora de petróleo que opera no Norte do país. Os danos já são sentidos, em especial na pesca, com o derramamento de combustível e o aterramento da área, que mudaram o fluxo de correntes d’água e de peixes. Em março deste ano, o Ministério Público paraense denunciou a empresa, seu sócio administrador e o engenheiro responsável pelo projeto pela prática de crimes ambientais. Para o órgão, a obra avançava sem a licença do órgão ambiental competente, além de ter sido apresentado um licenciamento divergente à Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, que se referia a cargas não perigosas – quando era sabido, desde o princípio, o objetivo de construção e instalação portuária para distribuição de combustível (carga perigosa).

Histórico da luta
Em maio, enfim uma boa notícia, após longa mobilização dos movimentos sociais de Santarém contra mais esse empreendimento que, sem qualquer consulta às comunidades locais, violava direitos e comprometia a biodiversidade da região: a Justiça Federal suspendeu as licenças prévia e de instalação do empreendimento da Atem’s e determinou a paralisação imediata das obras.

Em resumo, esse é o desenho do cerco do agronegócio aos territórios: expulsão de famílias de suas terras para o plantio da soja, contaminação das terras vizinhas pelo uso do agrotóxico, o transporte dos grãos rasgando territórios – seja via caminhão ou via trem -, sua chegada em portos que destroem os modos de vida tradicionais das redondezas, a exportação para que gere riquezas ao capital internacional. Para resistir a essa engrenagem, é necessária muita união e força. O andamento do projeto da Embraps representa ainda a remoção de famílias e a demolição de casas para a ampliação de vias, a chegada de centenas de trabalhadores de outros estados, uma mudança completa no cotidiano da região: a estimativa é que cerca de 900 carretas diárias passem pelas ruas do bairro Pérola do Maicá no percurso até o porto.

A luta contra a Embraps se dá desde 2013 (nessa linha do tempo, organizada pela Terra de Direitos, veja a cronologia das resistências à construção de portos no Maicá). São ao todo cinco portos planejados para a região, de três empresas – todos voltados para a exportação de grãos e commodities, em especial a soja. Além da Embraps, a construção de outros portos visa favorecer as atividades do Grupo Cevital, da Argélia, que atua no ramo agroalimentar e está envolvido com plantações da região Centro-Oeste do Brasil, e a empresa Ceagro.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
O cerco explicado em um mapa
– [você está aqui] Um porto entalado na boca do rio
Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos

Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos

Ninguém sabe ao certo: se sai, se fica, pra onde vai se sair, como fica se ficar. É uma tremenda insegurança e, de repente, toda essa terra na qual vivem começa a ter “donos” – donos que não são eles que vivem lá: alguém paga um IPTU como forma de reivindicar aquele espaço e aí crescem as ameaças, ouve-se nas esquinas – Quilombola é ladrão de terra, e vejam só que inversão, que quem chegou ali primeiro foram os negros, assim como foram os indígenas em outros locais, e é sempre assim: o invasor é outro.

Essa é uma das histórias da reportagem “História do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) [você está aqui] Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida

Hoje, no Pérola do Maicá, bairro onde será instalado o porto da Embraps, vive-se com medo. E tem que se estar sempre atento, em especial em um momento político em que um presidente da República é abertamente racista – já nem se importam em esconder, e mesmo quem tem o dever institucional de defender os direitos da população negra afirma absurdos como – O Brasil tem racismo Nutella. Racismo real existe nos EUA. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda. São mesmo tempos estranhos, e talvez o porto da Embraps, e os outros na região do Maicá, nem saia: mas os danos que ele traz chegaram com bastante antecedência, estão aí, e a Lídia de Matos Amaral, 38 anos, da comunidade quilombola do Pérola do Maicá, é que nos conta:

ela esteve já em regiões onde foram construídos portos. Histórias bem semelhantes a que ela e suas companheiras e companheiros de quilombo e vizinhas e vizinhos de bairro vivem hoje – É muito complicado. A violência vai triplicar, vai modificar todo o estilo de vida tranquilo que temos aqui, isso vai acabar. E falam em compensações: os empresários pensam que a tudo o dinheiro pode comprar, mas como compensar um modo de vida destruído?, uma tradição esquecida?, uma conexão com o território desfeita? Mesmo o pouco que prometem, os supostos desenvolvimento e progresso, postos de trabalho, mesmo isso não é verdade, porque olha quantos megaempreendimentos já destruíram comunidades Brasil afora e seguimos sem desenvolver, não progredimos – Olha o porto da Cargill: me diz quantos santarenos trabalham lá?, e talvez este outro porto, o da Cargill, instalado de maneira irregular sem respeitar os processos de licenciamento, sem se importar com a comunidade local, e que destruiu a Praia de Vera-Paz, antigo ponto turístico e área de lazer em Santarém, talvez ele devesse servir de exemplo (para lembrar as irregularidades da Cargill: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui): porque é assim que é, e não como as falsas promessas dos empresários e dos governos dizem, é ilusão. O que há de concreto é a destruição – Pra gente fica o prejuízo, bem sabe a Lígia, que já viu em outros lugares, e está ali o porto da Cargill para nos lembrar como o capitalismo de fato se “desenvolve”.

Quem sabe disso também é a Valda

[e não à toa outra mulher, a Lígia bem sabe disso também – As mulheres estão na linha de frente, dão a cara a tapa e sofrem muitas represálias. Por isso temos que nos fortalecer, e é uma defesa do território que é uma defesa do corpo e do corpo dos outros também, das filhas e dos filhos, é uma conexão profunda, axé – E muitas mulheres que eu conheci já não estão aqui hoje, eles dão o recado deles [é o patriarcado] – Mas eles tiram uma e nascem cinco, ainda mais fortes, e que dão sequência a essa luta cruel e desigual.]

Valda (acima) e Lídia, moradoras da região do Maicá, contam as histórias de resistências do local. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

A Valda é a Valdeci Oliveira Sousa, de 52 anos. Ela faz parte da CPP (Comissão Pastoral dos Pescadores) e é presidenta da associação de moradores do Pérola do Maicá. Ela também já sente os impactos do porto da Embraps – Há cinco anos sentimos esse impacto, desde que soubemos da existência do projeto: tudo mudou, desde o mais básico, como a convivência entre vizinhos – aumentaram os conflitos, agora há desconfiança entre as lideranças, quebrou-se a harmonia. De repente, nasceram novas organizações de bairro – há sempre quem se encante pelas falsas promessas de dinheiro e “desenvolvimento” -, feitas para facilitar a entrada do projeto, o veneno escorrendo pelas artérias do bairro, pelas pequenas ruas de barro, que serão ampliadas e passarão por cima das casas caso o porto vá de fato adiante, e famílias terão que ser removidas, no bairro e no quilombo, e ninguém sabe pra onde.

Além disso, políticas públicas para o bairro passaram a ser travadas: há anos o local vem sendo esquecido, num lento e doloroso processo de expulsão – Eles precisam que a gente queira sair daqui, então não se tem mais infraestrutura viária, nenhum investimento, tivemos muita dificuldade no último inverno [que é a época de chuvas, dezembro, janeiro, fevereiro, quando é verão na maior parte do Brasil], as ruas ficam com muitos buracos e a linha de ônibus teve horários reduzidos, é esse o recado – Não querem sair? Vão sofrer.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
O cerco explicado em um mapa
Um porto entalado na boca do rio
– [você está aqui] Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida

De um lado, a soja. Do outro, a soja também

Acima do Tiningu e do Bom Jardim, chega-se à região de Curuaúna. De lá escorre veneno dos vastos campos de soja em direção aos quilombos e às águas do Rio Maicá.

Andando pela região, Francinaldo Miranda, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), ensina a engenhosa arquitetura dos sojeiros, ou talvez a habilidade em design de ambientes – Esse é o puxadinho, que se resume a um pequeno avanço, não mais que dois ou três metros, do campo de soja em direção à mata em pé; queima-se aos poucos a floresta e, ano a ano, como se nada estivesse acontecendo, a soja toma todo o espaço disponível – como se precisasse crescer mais: pode se dizer, hoje, que no meio do campo de soja havia uma floresta (e havia uma floresta no meio do campo de soja) – E eles constroem esse muro pra que a visão da estrada seja bloqueada. Ninguém vê nada e parece estar tudo bem com a floresta. O muro em questão é uma fina faixa de árvores que, de fato, cumpre seu papel: é só ao dar a volta nela que se pode contemplar a imensidão da soja, soja a se perder de vista, de um lado, do outro lado, adiante e atrás. Porém, da estrada, é como se as árvores seguissem em pé, altivas.

Essa é uma das histórias da reportagem “História do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos já publicados:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) [você está aqui] Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta

Os impactos na floresta e nas comunidades locais, obviamente, são tremendos: a soja representa grilagem, queimadas, desmatamento, agrotóxicos, além de necessitar de toda uma infraestrutura para seu transporte e exportação, o que também impacta os povos da região. Alguns casos, porém, beiram o absurdo: como a situação de uma pequena escola na comunidade de Boa Sorte (e o nome parece uma sádica ironia da vida). Ali, a distância entre a janela da sala de aula e o campo de soja não chega a dois metros, e o mais grave: o uso de agrotóxicos não respeita o horário escolar e se repete várias vezes ao ano. A contaminação das crianças é direta e repetida.

A região de Curuaúna é tão impactada pelo uso de agrotóxicos da soja (o principal é o glifosato – o Round-Up da Monsanto) que estudos com coleta de sangue de moradoras e moradores estão sendo realizados para dimensionar o tamanho do dano à saúde das pessoas. Os resultados dessa pesquisa ainda não foram divulgados. Outros estudos, entretanto, estão disponíveis: é o caso da dissertação de Nayara Luiz Pires, da Universidade de Brasília, que em 2015 pesquisou a expansão da fronteira agrícola na Amazônia e a contaminação por glifosato na região de Santarém. Nela, a pesquisadora afirma “um provável risco de exposição humana a agrotóxicos, principalmente pela via respiratória”.

Castanheira, árvore protegida por lei, sobrevive sozinha em meio a campo de soja. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Escola cercada por soja: uso de veneno não respeita horário escolar e crianças são diretamente atingidas. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Área queimada para a expansão do cultivo de soja: prática do “puxadinho” é muito usada na região amazônica, e consiste em aumentar o tamanho da terra aos poucos, queimando a floresta metro a metro, ano a ano, e avançando sempre à margem de qualquer tipo de controle. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Com o avanço dos monocultivos na Amazônia, a floresta vira cinzas. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Com o constante uso de agrotóxicos, pouca coisa cresce nas terras que antes eram bastante férteis. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Fugindo da soja: cidades-fantasma e abandono
Muitas famílias, claro, não esperam para descobrir o quanto os agrotóxicos são danosos e a que velocidade estão os matando. Assim, as comunidades vão aos poucos sendo abandonadas, sumindo do mapa, deixando de existir – Ali era um campo de futebol, – Ali tinha um monte de casas, – Aqui era uma escola, mostra Francinaldo conforme se avança pela estrada que corta os campos de soja.

Mesmo as tradicionais partidas de futebol entre as comunidades vizinhas correm o risco de deixar de acontecer, simplesmente porque cidades-fantasma não têm times de futebol: ninguém mais poderá desafiar o temido São Jorge, equipe a ser batida na região. Francinaldo, natural da área de Curuaúna, era goleiro e conta quando – O centroavante tava a poucos metros de mim e era daqueles que chutava forte, meu amigo até, mas chutou com raiva, e a bola foi tão forte, mas tão forte, que rasgou a barriga de Francinaldo, e isso ele só descobriu mais tarde, depois do jogo, pois se arrastou com a bicicleta até em casa para não acusar a dor na frente do adversário. Precisou até de cirurgia e demorou anos a se recuperar plenamente. O mais importante, porém, conseguiu: defendeu o chute.

Isso que significa o avanço da soja: além da morte e da contaminação e da grilagem de terras, o fim da cultura e da vida local.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
O cerco explicado em um mapa
Um porto entalado na boca do rio
Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
– [você está aqui] Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
O rosto estampado na camiseta

O rosto estampado na camiseta

Os olhos apontaram certeiros para a estampa na camiseta e ali se perderam, demorando a voltar – É a Maria do Espírito Santo? É ela, não é?, e a resposta foi que sim.

Quem indagava sobre a imagem que aparecia na camiseta de um dos presentes à celebração dos 46 anos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM) era Maria Ivete Bastos dos Santos, 52 anos – sete deles dedicados à presidência da organização, entre 2002 e 2008. Chico Mendes, Marielle Franco, Irmã Dorothy, Berta Cáceres, entre outras e outros, também a encaravam desde o tecido branco da camiseta, retribuindo o olhar sério. A estampa, Maria Ivete soube em seguida, era uma homenagem às defensoras e defensores de territórios assassinados no Brasil e na América Latina nas últimas décadas, além de um protesto pela ausência de soluções para esses crimes.

Marielle Franco, Mestre Moa do Katendê, Berta Cáceres, Nicinha, Chico Mendes, Zé Cláudio, Maria do Espírito Santo, Irmã Dorothy Stang e Amarildo: essa era a estampa da camiseta que surpreendeu Maria Ivete. Arte: Amigos da Terra Brasil

A voz tremeu por um segundo antes de voltar à firmeza habitual: ver ali o rosto da amiga Maria do Espírito Santo pegou a outra Maria, a Ivete, desprevenida – Não esperava ver isso hoje, e a partir daí ela lembrou: e a lembrança às vezes é um fardo pesado, dói.

Essa é uma das histórias da reportagem “História do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) [você está aqui] O rosto estampado na camiseta
7) A noite das motos

No estado do Pará, dos mais perigosos para quem defende os direitos dos povos, as duas lutaram lado a lado. Maria Ivete, presidenta do STTR-STM, além de outros cargos que desempenhou no sindicato ao longo dos anos; e Maria do Espírito Santo que, junto a seu esposo Zé Cláudio, trabalhava e vivia no Assentamento Agroextrativista Praia Alta Pirandeira, em Nova Ipixuna, região de Marabá. Por enfrentarem madeireiros ilegais e ruralistas da região, o casal recebia constantes ameaças. Zé Cláudio sabia já do seu destino, que ia morrer, e contou isso ao mundo sem que o esforço fizesse maior diferença: ambos foram assassinados ao serem emboscados por pistoleiros dentro da reserva na qual trabalharam e preservaram por 24 anos.

A covarde emboscada ocorreu em 2011. De lá pra cá, são nove anos de lamentação para Maria Ivete – Eu disse pra ela não pegar a moto naquele dia, embora a Maria Ivete saiba ser esse um mero detalhe – Não é ameaça o que a gente sofre: é sentença, e é quase como se fosse questão de tempo até que a morte encomendada encontre a encomenda. No entremeio, a ameaça é uma espécie de antecipação da morte à vida, uma absurda inversão na ordem natural das coisas. A sentença que paira sobre tantas cabeças impede que a vida seja vivida plenamente, por mais que, a rigor, se esteja vivo, e o coração ainda bata e ainda se respire e o cérebro ainda lembre, a duras custas.

Como o caso tomou grandes proporções e teve repercussão internacional, os dois pistoleiros que assassinaram Maria do Espírito Santo e Zé Cláudio foram condenados pela Justiça; o mandante do crime, após ser absolvido em 2013, foi a novo julgamento três anos depois e declarado culpado. A pena: 60 anos de prisão. Entretanto, apenas um dos atiradores está na cadeia. José Rodrigues Moreira (o mandante) e o irmão, Lindonjohnson Silva Rocha (executor), estão foragidos desde novembro de 2015 – Não sei falar de justiça, então eu falo é de injustiça, e essa é a referência, afinal: a injustiça é o que se conhece e se experiencia, restando ao seu oposto – à justiça – algum lugar no horizonte, distante e irreal.

Maria Ivete foi presidenta do Sindicato Rural de Santarém entre 2002 e 2008. Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Proteção a defensoras e defensores dos direitos dos povos ainda é insuficiente
Somente no Pará – e ainda em 2017 -, 90 pessoas estavam em lista para ingresso no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) – o estado é o terceiro com maior número de pessoas dentro do programa. Para Maria Ivete, já são cerca de dez anos convivendo com escoltas, restrições de horários e de movimentos: hoje, ela é acompanhada pelo Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos no Pará, que acompanha 77 pessoas no estado. Não é segurança o que ela sente, pelo contrário: conviver com a proteção é lembrar diariamente da ameaça – Não vou em festas, nos lugares que a gente vai a gente não sai pra ir na esquina, num barzinho, nada.

O PPDDH, embora um avanço importante (surgiu como reação ao assassinato da irmã Dorothy Stang, também no Pará, em 2005), ainda é bastante precário. Ele precisa de articulação nos estados; contudo, tem programas implantados por meio de convênios em apenas seis — Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Maranhão. No Pará, a operacionalização se dá por meio de uma central em Brasília.

A principal questão, entretanto, é outra: o programa se mostra útil quando a situação já é extrema, em casos de perseguição e ataques. Imagina-se que a vigilância por parte do Estado possa em um mínimo constranger o trabalho dos assassinos. Contudo, acabar com os ataques às defensoras e defensores dos direitos dos povos exige uma resposta estrutural: regularização fundiária das pequenas e pequenos agricultores, demarcação de terras indígenas e das comunidades tradicionais. Em suas recomendações ao Estado brasileiro, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos fala em “políticas de garantia do direito a terra e território”, que incluem o respeito a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho); a garantia da participação das comunidades nos processos de licenciamento de grandes projetos; a demarcação de terras indígenas e quilombolas; a reestruturação do Incra e da Funai, para melhor atendimento à população; o avanço da reforma agrária.

Assim, com medidas estruturais de defesa dos territórios, que menos rostos estamparão camisetas em homenagens tardias a quem perdeu a vida em nome dos direitos dos povos.

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O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
O cerco explicado em um mapa
Um porto entalado na boca do rio
Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
– [você está aqui] O rosto estampado na camiseta
A noite das motos

A noite das motos

Vruuuum vruuum vruuuuuum e o barulho fez despertar José Marques da Costa, trabalhador rural de Alenquer, pequeno município do Pará com pouco mais de 50 mil habitantes. Dos 53 anos que José carrega nas costas, boa parte deles foram de noites mal dormidas: assim são as noites em muitos recantos do Brasil para aqueles que ousam defender os direitos de quem trabalha na terra – exatamente o que ele faz, e quando ouviu o quarto vruuum José Marques se pôs em pé, alerta.

Essa é uma das histórias da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta
7) [você está aqui] A noite das motos
8) Se organizar, todo mundo luta

Poucos meses antes, novas mensagens haviam chegado até ele (sempre de maneira indireta, aviso acovardado, “manda dizer”) – Vamos matar uns cinco, nem vão saber e – A Justiça é lenta, na bala a gente resolve mais rápido, e se antes José dormia com um olho aberto, passou a abrir os dois em noites de pouco ou nenhum descanso. E se a televisão parecia bom remédio para trazer o sono, o que ocorria na verdade era o oposto: a voz arrastada do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, ecoava do aparelho e apenas agravava a insônia ao dizer coisas como – Quem tinha que estar preso era o pessoal do MST, gente canalha e vagabunda. Os policiais reagiram para não morrer, e Vamos fuzilar a petralhada do Acre, hein!, discursos de ódio que incentivam e materializam a violência contra trabalhadoras e trabalhadores rurais na Região Amazônica e no Brasil – ou seja, contra ele, José. A primeira fala de Bolsonaro faz referência ao Massacre de Carajás, quando policiais militares do Pará assassinaram a sangue frio 19 trabalhadores sem terra; a segunda foi feita durante a campanha presidencial de 2018.

Vruuuum vruum seguia o barulho, e José Marques arriscou espiar a rua.

Motos. Muitas motos – Uma, duas, três, meia dúzia, nove, dez, ia contando ele, mas a tarefa era dificultada pelo constante movimento circular dos veículos, que aceleravam e desaceleravam em frente à casa. Umas vinte, devia ser algo em torno disso, e logo José passou a se concentrar não nas motos, mas em quem as pilotava: essa era certamente questão de maior importância. Foi aí que viu vizinhos, amigos, colegas, e o medo que havia se instalado no peito cedeu um pequeno espaço para a curiosidade – O que fazem aqui a essa hora? e, em seguida, para a comoção: o circo ali montado não era uma emboscada. Pelo contrário: era uma escolta para protegê-lo exatamente de um ataque e possível assassinato.

Desde o fim do dia corria pela pequena cidade o boato de que pistoleiros – Todos muito traiçoeiros, ainda tomam um café na tua casa antes de te matar, esses traiçoeiros pistoleiros estavam à espreita na estrada, prontos para atacar José Marques quando ele saísse de casa. Morte encomendada pelos grandes fazendeiros da região. As vinte e tantas motos serviriam – e serviram de fato – de escudo para levar José Marques até algum lugar seguro. Assim foi que ele subiu em sua moto, em meio à noite da pequena Alenquer, arrancou e viveu para lutar mais um dia entre e pelos seus.

No topo, José Marques; nas duas fotos seguintes, registros de irregularidades e violações de direitos cometidos pelos grileiros, que derrubaram árvores e destruíram a ponte de acesso ao local. Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Grilagem: CAR sobreposto e “Quatro Anos de Tormenta”
O que levou pistoleiros a perseguirem José Marques tem relação com o cargo de nome comprido que ele carrega: presidente da Associação Comunitária de Moradores e Pequenos Agricultores da Comunidade de Limão Grande, localizada em Alenquer. Ali viviam e trabalhavam 86 famílias em uma área de cerca de dez mil hectares – até que, em 2016, começou o que José chama de “Quatro Anos de Tormenta”.

Primeiro, houve a requisição, por parte de fazendeiros, de três mil hectares da área onde viviam as famílias. Em consulta ao Incra, com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer (STTR-ALQ), viu-se que o pedido era justo: as famílias aceitaram se retirar daquela área, redistribuindo-se irmãmente nos sete mil hectares restantes. Nesse meio tempo, foi realizado um georreferenciamento do terreno, passo necessário para que a comunidade fizesse seu cadastro no CAR (Cadastro Ambiental Rural).

Trabalho feito, voltaram ao Incra e aí a surpresa: quinze dias antes, diversas pessoas haviam cadastrado aquelas áreas como suas. De repente, a terra onde as famílias viviam desde 2007 tinha “donos” – e eram outros. Nunca houve fiscalização por parte do Incra para verificar se aqueles que fizeram o CAR de fato ocupavam a terra autodeclarada; houvesse uma, seria simples constatar quem de fato ocupa a área – Eles não sabem nem onde fica, contudo José sabe e isso parece de nada adiantar.

O cadastro, feito a partir das informações prestadas pelo requerente, não tem prazo para verificação pelo órgão público competente: alguns estados afirmam que a análise dos cadastros demoraria entre 25 e 100 anos. Entretanto, contrariando o imaginário popular de morosidade da Justiça e do poder público, antes que a devida vistoria pudesse ocorrer, foi decretada a reintegração de posse do local, o que aconteceu com forte aparato policial. Resumo: 86 famílias foram postas na rua, com requintes de crueldade. Tudo o que tinham ficou para trás – carroças, plantações, casas -, e o que ficou para trás foi incendiado e posto abaixo.

Os vídeos acima foram gravados pelas produtoras e produtores locais. O primeiro deles mostra o fogo consumindo uma construção ao lado de uma plantação; o segundo mostra as ruínas que restaram; o último vídeo denuncia a destruição da única ponte de acesso à área, serviço executado pelos capangas dos grileiros. Na foto, também disponibilizada por moradoras e moradores de Limão Grande, seguranças privados fortemente armados proíbem a circulação dos trabalhadores rurais no território em disputa.

 

Hoje, seguranças privados rondam o território. As espingardas falam alto e quem se aventura a buscar algo que talvez tenha restado em pé (e às vezes o desespero é afeito a aventuras) corre grave risco de ser atacado pelos capangas dos grileiros. E é isso o que houve: grilagem a partir da sobreposição de terras no CAR, que é autodeclarado. Diferentes CPFs se intitularam donos de uma área que não ocupam, antecipando-se aos verdadeiros ocupantes que preparavam os trâmites para se cadastrar no sistema. Sem vistoria alguma, a Justiça determinou a reintegração de posse em nome dos interesses dos grileiros.

Um detalhe chama atenção e evidencia a intenção de tomada total do território dos trabalhadores rurais: ao realizarem o CAR em diversos CPFs laranjas, uma área de quase 600 hectares não foi sobreposta – seria, portanto, direito das famílias permanecerem ali. No momento da reintegração de posse, porém, toda a área foi despejada, não restando nada nem ninguém para trás — Não houve qualquer respeito ao protocolo de remoções, reclama José, mas na terra em que a posse da terra é de quem não vive nem trabalha nela, espera-se quase nada de uma Justiça e de uma polícia a serviço dos grandes fazendeiros.

Desigualdade agrária e violência no campo
Os números da desigualdade agrária no Brasil são alarmantes: quase metade da área rural do país pertence a apenas 1% dos latifundiários. Dados do Censo Agropecuário de 2017 mostram que os grandes estabelecimentos rurais elevaram a concentração de terras para 47,5%, enquanto as pequenas e pequenos agricultores, cujas propriedades têm até 10 hectares de terra e representam metade das fazendas do país, ocupavam apenas 2,2% do território produtivo.

Tal desigualdade na distribuição de terras, além de ressaltar a urgência de uma reforma agrária, gera violência: os conflitos por terra mataram 2.262 pessoas entre 1964 e 2010 no Brasil. Só em 2017, foram 70 assassinatos, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ora, e tente adivinhar quem morre nesses conflitos? Sempre os pequenos: o Brasil está no topo de lista de países onde mais se mata defensoras e defensores dos direitos dos povos sobre seus territórios, divulgada em 2016 pela ONG Global Witness. E são exatamente essas pequenas e pequenos agricultores, perseguidos por defenderem seus territórios, que produzem mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, já que as grandes monoculturas exportam a maior parte da sua produção. Porém, o governo Bolsonaro escolhe privilegiar os interesses dos ruralistas, intensificando os ataques aos povos originários e tentando legalizar a grilagem com o PL 2633, o famigerado PL da Grilagem.

Todas essas informações estão contidas na Resolução nº10 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, de 17 de outubro de 2018.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta
7) [você está aqui] A noite das motos
8) Se organizar, todo mundo luta

Se organizar, todo mundo luta

O trajeto era longo, entre Santarém e Alenquer são duas horas de balsa e mais três ou quatro horas de estrada, parte em asfalto, parte em terra, então o Totó, homem silencioso, e a Mara, mulher falante, aproveitaram para contar algumas histórias que presenciaram, ele como ex-presidente e hoje vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer (STTR-ALQ), ela como a atual presidenta da organização. Em todos os relatos, destaca-se a importância do sindicato para a conquista e garantia de direitos, para serviços de assistência técnica e para a segurança das e dos trabalhadores rurais.

Essa é a última história da reportagem “História do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos já publicados:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta
7) A noite das motos
8) [você está aqui] Se organizar, todo mundo luta

Alenquer é pequena, pouco mais de 50 mil habitantes. E é instável: prefeitos não tem o hábito de completar seus mandatos, já se tornou tradição. Naquele dia mesmo, enquanto Totó e Mara contavam histórias, o presidente da Câmara de Vereadores assumia o cargo de prefeito, em mais uma reviravolta da política local. Pois em determinado momento, anos atrás, indignados com a ausência de políticas públicas na região…

Uma pausa: Totó, que se chama João Gomes da Costa e tem 47 anos, olha o retrovisor e vê uma grande caminhonete branca ultrapassar. Já à frente do carro, ela passa a andar lentamente. Em seguida, acelera bruscamente e desaparece no horizonte. Mara, abreviação de Aldemara Ferreira de Jesus, 37 anos, percebe que a placa era de Santarém.

…indignados com a ausência de políticas públicas; com os salários atrasados das professoras e professores e dos profissionais da saúde; com a péssima condição das estradas; enfim, um pacote completo de indignações: aí que o povo resolveu trancar a estrada que dá acesso à cidade. Isso porque, antes, o prefeito se recusou em diversas ocasiões a dialogar – chegou a expulsar Totó e Mara de reuniões – e levou seu desinteresse a ponto de a estrada ter que ser trancada.

Uma multidão de trabalhadoras e trabalhadores de diferentes áreas se aglomerou no local – estavam ali trabalhadoras e trabalhadores rurais, organizadas pelo sindicato, e também a classe de professores e da saúde, e os garis, e o pessoal da paróquia, era todo mundo mesmo – e aí rapidinho apareceu o prefeito e secretários e juiz e desembargador e ficou combinada uma reunião na Câmara de Vereadores mais tarde naquele dia. Combinou-se que apenas 50 representantes da sociedade civil poderiam entrar e apresentar suas demandas. Ok.

Mara, presidenta do Sindicato Rural de Alenquer. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Totó, ex-presidente do sindicato e, hoje, vice. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Só que antes dos 50 chegarem chegou o “tático” da polícia, um grande exagero, e foi aquele constrangimento quando até as irmãs e os padres foram revistados pra entrar no local da reunião. Ali, o povo falou e, imediatamente depois, sem qualquer resposta ou manifestação ou uma mínima indicação de que prestou atenção, o prefeito se retirou.

Mara e Totó foram até a frente da Câmara de Vereadores contar o que havia ocorrido e se surpreenderam com a massa de gente que esperava o resultado da conversa, mais de mil pessoas que obviamente não se alegraram com a notícia: uma chuva de ovos e tomates caiu sobre as paredes e em escudos da polícia. De um canto, um grito desesperado – Totó, controla o povo, ao que ele, Totó, pensou – Como? mas respondeu – Se tem alguém descumprindo algo aqui são vocês, se comprometeram a dialogar e não dialogaram, e seguiam voando e zunindo e explodindo no prédio ovos e tomates, a multidão aumentando o tom, até que reaparecem o prefeito e os secretários, dessa vez todos muito dispostos a escutar. Retomada a reunião, finalmente acordos são feitos e compromissos, firmados. Mara ri – Se os trabalhadores unidos entendessem a força que têm… Não tomavam desaforo de ninguém.

Perseguição e ameaças
– Se posicionar do lado dos pobres tem uma consequência, diz o Totó, e ele bem sabe: preocupa-se com as ameaças que recebe, preocupa-se por ele e pela filha e pelo filho, e demorou alguns segundos até ele conseguir dizer – Eu tenho medo sim, a gente perde a liberdade. Penso nos horários, os meus e dos meus filhos, fico atento a qualquer coisa que esteja diferente, penso em como vai ser a chegada em casa, se tem alguma emboscada. Mas o sono é tranquilo, ele garante – A gente tem a consciência tranquila, embora sempre atenta e preocupada.

Preocupação que Mara compartilha, como quando sua filha pergunta – Mãe, o que é isso que estão falando de você no Facebook?, e até explicar a uma criança o que se passa é complicado, é complexo, é desgastante e é grave: é grave porque por vezes as ameaças vêm do próprio Estado, representado nos homens de farda que deveriam dar proteção a todos. Totó relata receber ligações com ameaças de policiais – Estamos com o fazendeiro tal, dizem na intenção de intimidá-lo. A mensagem é clara e – Ali onde você acharia alguma proteção você não tem nenhuma. Ele reclama e reza, confia em Deus: e para alguns, frente à negligência do Estado, resta apenas a proteção divina mesmo – útil quando somada à união e à força das e dos trabalhadores.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta
7) A noite das motos
8) [você está aqui] Se organizar, todo mundo luta

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